sexta-feira, 8 de abril de 2011

Reflexão do dia - Massacre no Rio

"Ele atirava na cabeça"

(Aluna de 12 anos relata o ataque a sua escola, com 12 colegas mortos e 12 feridos )

Cem dias de governo? :: Roberto Freire

Os 100 primeiros dias de governo Dilma, na verdade a continuação de oito anos de governo sob a direção do Lula e do PT, é mais do mesmo. Novo é o crescimento consistente da inflação, a opressão e espoliação de milhares de trabalhadores nos canteiros de obra do PAC, aumento de impostos e o anúncio de um ajuste fiscal que enfrente os desequilíbrios estruturais da economia, herdados do governo Lula, cuja primeira consequência foi a volta do arrocho salarial depois de 16 anos de crescimento real do salário mínimo.

Afora isso, continuamos na mesma. As necessárias obras de infraestrutura para os dois macros eventos a Copa do Mundo em 2014 e a Olimpíada em 20116, sobre os quais, como sempre a propaganda governista destinou um oceano de tinta, estão paralisadas. E até hoje não se tem um desenho claro dos projetos necessários para enfrentarmos tal situação vexatória. As seis mil creches prometidas durante a campanha que pretendia superar as agruras das mães trabalhadoras evaporaram. Assim como os dois milhões de casas populares do Programa Minha Casa, Minha Vida, do qual o governo sabe do seu raquitismo e reflui na publicidade.

O escandaloso problema do saneamento básico — que afeta a esmagadora maioria dos pobres, em nossas cidades — para o qual, na propaganda eleitoral, foram anunciadas verbas e articulações com os prefeitos e governadores para a superação desse atestado de subdesenvolvimento social caiu no esquecimento. O assustador quadro do sistema da educação pública, no país, avança lentamente com escolas precárias e inadequadas, um quadro profissional desmotivado, com uma preocupante falta de professores de matemática, química, física e biologia. A paralisia na área da educação já vem comprometendo a possibilidade de sermos contemporâneos do futuro.

A saúde pública próxima do colapso do sistema, atolado em denúncias de corrupção e sem nenhuma perspectiva de melhora de sua administração, continua infelicitando cotidianamente nosso povo. As epidemias como a dengue são os dolorosos fatos de nossa realidade. A tudo isso, some-se uma macroeconomia, cuja política de câmbio ajuda a ferir de morte nossa indústria, e a política de juro torna o crédito no país tanto para produtores como para consumidores, um dos mais caros do planeta. Sem falar que a inflação que já começamos a sentir no nosso cotidiano não parece estar sendo enfrentada com o devido cuidado e competência.

No entanto, as reformas necessárias que o país precisa para sair dessa camisa de força que nos aprisiona a um quadro desolador de ineficiência, desperdício, corrupção e desrespeito à cidadania são a tônica. Não sairemos da condição de país exportador de commodities — nosso legado colonial que retorna — se não investirmos pesadamente na ciência e inovação tecnológica, construirmos uma política industrial séria e sem enfrentarmos a reforma do Estado brasileiro, que há muito o país anseia.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Ouvir o povo:: Merval Pereira

Independentemente do que for aprovado ao final dos trabalhos das comissões da Câmara e do Senado que tratam da reforma política, já há um consenso importante: a mudança do sistema eleitoral terá que ser aprovada por um referendo — como já decidiu a comissão de senadores — ou por um plebiscito, como parece ser a tendência majoritária na comissão de deputados.

A Comissão do Senado que trata da reforma política, presidida pelo senador Francisco Dornelles, terminou ontem seus trabalhos com a aprovação de diversas mudanças, sendo a mais importante a adoção do sistema proporcional de listas fechadas nas eleições para deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores, dependente de um referendo popular.

O deputado Miro Teixeira, que foi o pioneiro na defesa da consulta popular, quer mais que o referendo, quer um plebiscito para que o povo escolha entre diversos modelos o que mais o agrada, ideia que está avançando muito na Câmara.

Nesse caso, haveria um acordo entre a Câmara e o Senado para escolher diversos modelos de sistema eleitoral a serem apresentados ao eleitorado.

No momento, os modelos mais debatidos nas duas comissões são o da lista fechada, no qual os partidos políticos ganham centralidade e elaboram uma lista de candidatos que serão eleitos de acordo com a ordem em que forem colocados na lista, e o eleitor vota apenas no partido, e não mais diretamente no candidato; o "distritão", em que toda eleição se transforma em majoritária e os mais votados são eleitos; o "distritão" misto, em que uma parte das vagas é preenchida pela lista fechada e outra pelo voto majoritário; o distrital, onde o país é dividido em distritos, de acordo com critérios a serem definidos, que escolhem um representante; e o distrital misto, em que parte dos eleitos é escolhida nos distritos e outra parte por eleição majoritária.

O referendo submete ao eleitor apenas uma alternativa, no caso do Senado o voto em lista fechada, ou a manutenção do sistema atual.

Embora considere que o ideal é o plebiscito, o deputado Miro Teixeira acha que o referendo já é um ganho formidável, pois acaba com o voluntarismo, com as fórmulas impostas.

Ontem, na comissão da Câmara, a ideia do plebiscito teve bom avanço, recebendo o apoio de deputados com prestígio entre os seus pares, como Luiza Erundina ou o petista Ricardo Berzoini, e também do presidente da comissão, deputado Almeida Lima.

A comissão decidiu viajar aos estados, e vai haver mobilização no Rio de Janeiro e em outros estados em que as lideranças políticas estejam engajadas no projeto do plebiscito.

O deputado Miro Teixeira acha que desse modo o resultado fica insuspeito. A base da decisão é que o povo tem todo o direito de desconfiar das mudanças quando os políticos estão definindo a maneira como eles serão escolhidos.

A convocação de uma Constituinte restrita, ou um Congresso revisor restrito, para tratar da reforma política, que chegou a ser considerada, mas não prosperou, segundo Miro daria oportunidade de tratar de forma mais aprofundada a questão da reforma política, juntamente com o sistema tributário e o pacto federativo.

Seriam discussões estruturais que se interligariam, com a redistribuição das atribuições e verbas entre os entes federativos.

Foi politicamente inviável tentar levar adiante a proposta devido ao uso distorcido das constituintes em países da região, seguindo exemplo da Venezuela de Chávez, que acabaram transformadas em instrumentos para aumentar o poder dos governantes de países como a Bolívia ou Equador.

Há divergências sobre qual a melhor ocasião para a realização do referendo ou plebiscito. Há quem defenda que seja feito simultaneamente à eleição municipal de 2012, para valer para 2014, usando o tempo de televisão para sustentar seus pontos de vista.

Mas há os que consideram que o debate coincidente pode confundir o eleitor, e preferem que seja realizado separadamente, ou para incluir já as eleições municipais nas novas regras ou para entrar em vigor mesmo em 2014.

As comissões da Câmara e Senado estão tratando de diversos temas, além do sistema eleitoral. Ontem, a do Senado encerrou seus trabalhos fazendo diversas propostas, como a proibição de coligações nas eleições proporcionais, mantendo-se a permissão para as eleições majoritárias.

A adoção do financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais foi aprovada, com fixação de teto para os gastos de campanhas eleitorais, ainda a ser definido.

Foi também aprovado o registro de candidaturas avulsas exclusivamente para os cargos de prefeito e vereador, desde que o candidato não seja filiado a partido político e obtenha o apoio de um percentual mínimo de 10% de eleitores na respectiva circunscrição.

Algumas das propostas são polêmicas, como o fim da reeleição e a ampliação, de quatro para cinco anos, dos mandatos do presidente da República, dos governadores de estado e do Distrito Federal e dos prefeitos.

A ampliação aprovada não se aplica aos mandatos atuais dos chefes do Poder Executivo eleitos em 2008 ou 2010. Vai ser preciso, no entanto, estudar a ampliação do prazo também de deputados estaduais e federais e vereadores, para que as eleições sejam compatíveis.

Outra mudança aprovada na Comissão do Senado que tem implicações políticas que não foram resolvidas foi a da data das posses: de governadores de estado e do Distrito Federal e dos prefeitos municipais passam a ser no dia 10 de janeiro; a do presidente da República fica no dia 15 de janeiro.

O comunicado do Senado diz que as alterações nas datas de posse não implicarão "prorrogação ou redução dos mandatos em curso, devendo os ajustes necessários ser efetuados nos mandatos futuros", mas não explica como isso se fará.

FONTE: O GLOBO

Desequilíbrio ecológico:: Dora Kramer

A oposição realmente terá de rebolar para conseguir fazer frente ao PT e cercanias nesta quadra de nossa história. Nos primeiros oito anos de poder, o partido escorou-se na figura de Lula, que a tudo o mais se sobrepunha como centro dos acontecimentos e movimentos políticos.

Agora, sem ele na linha de frente constante proporcionada pelo exercício da Presidência da República, assume a cena a equipe unida num mesmo projeto, organizada e na posse plena de perfeita noção de conjunto.

A oposição, por sua vez, ainda atua na lógica personalista buscando desesperadamente um líder, um comandante, uma referência.

Se isso ficou claro durante o discurso de Aécio Neves na quarta-feira no Senado, quando se viu de um lado um só se posicionando como elemento catalisador e de outro um batalhão se movimentando de maneira coordenada no contra-ataque, o quadro fica ainda mais nítido em perspectiva ampliada.

Sem grandes dificuldades os petistas conseguiram aprovar na Câmara a criação de uma empresa estatal para administrar a operação do trem-bala São Paulo-Rio, uma proposta de eficácia no mínimo questionável do ponto de vista da demanda, dos investimentos e dos resultados.

Aprovaram também os termos do Tratado de Itaipu, elevando de US$ 120 milhões para US$ 360 milhões o valor anual que o Brasil paga ao Paraguai pela energia consumida aqui e gerada pela Usina de Itaipu. Razão? Uma ajuda ao amigo presidente Fernando Lugo, paga pelo contribuinte brasileiro.

Note-se, a propósito da eficiência petista em transformar o manejo dos instrumentos de poder em objeto de consumo próprio, o empenho e atuação da tropa petista/governista na defesa de seus interesses no esboço de reforma política desenhado na comissão especial do Senado que prepara as propostas a serem examinadas pelo plenário.

Dos pontos aprovados até agora nenhum contraria os interesses do PT e dois em particular os atendem de maneira acentuada: o voto em lista fechada para a eleição de deputados e o financiamento público de campanhas eleitorais, duas antigas bandeiras do partido.

Evidentemente que o jogo não está ganho, mas as cartas estão postas para que os petistas façam valer a maioria governista a fim de patrocinar alterações no sistema político-eleitoral à imagem e semelhança do que pretende o PT.

No caso específico do financiamento público, isso passou pela comissão no exato momento em que o mensalão ganhava novo destaque por causa do relatório da Polícia Federal mostrando em detalhes o uso de recursos oficiais desviados para políticos e partidos por intermédio da “lavanderia” montada pelo lobista Marcos Valério Fernandes de Souza para captar e distribuir a “mercadoria”.

Aprovou-se o financiamento público exclusivo, mas nada se discutiu sobre os controles na fiscalização do uso desse dinheiro.

Ponto crucial quando se trata de convencer a população de que a reserva de uma parcela do Orçamento da União deve ser transferida aos partidos, justamente quando o governo se fortalece e a oposição se enfraquece de tal forma que, na prática, a sociedade não tem quem a represente na tarefa de manter estreita e constante vigilância sobre o destino do patrimônio coletivo.

A realidade é que a predominância absoluta do governismo e a ausência de contraponto eficaz podem até revelar competência das forças aliadas ao Palácio do Planalto, mas na democracia são uma deformação de consequências tão nefastas quanto inexoráveis.

Sendo a sociedade plural, o normal é que a diversidade se expressasse também no Parlamento em nome da preservação do equilíbrio ecológico na política.

Luto. O coração se aperta, a alma se encolhe, a mente se conturba, o corpo acusa o golpe na boca do estômago e o sobressalto nos invade ante a constatação de que para a tragédia não há fronteiras nem limites.

A loucura e a iniquidade são universais, sabemos. Mas quando chegam bem perto de nós o sentimento é de paralisia, impotência, perplexidade. De atroz e dilacerante desesperança.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Operação Mãos Sujas:: Fernando de Barros e Silva

"É uma vitória do Estado de Direito democrático", comemorou o advogado Márcio Thomaz Bastos, coordenador da defesa da Camargo Corrêa. O ex-ministro da Justiça -também ex-chefe da Polícia Federal no primeiro governo Lula- saudava a decisão do STJ, que anulou as provas obtidas pela própria PF contra a empreiteira.

Terá sido mesmo uma vitória do Estado de Direito? Ou, antes, do velho cinismo brasileiro? Não seria este um caso flagrante de vitória do poder econômico e de afirmação da impunidade dos ricos? Vitória que se vale do jargão da legalidade para envernizar a defesa de uma rede abrangente de interesses espúrios de gente grande e bem relacionada.

A Operação Castelo de Areia poderia ter sido a nossa "Mãos Limpas". Trata-se da maior investigação da PF contra fraudes em obras públicas. Envolve dezenas de políticos. Apenas sobre a Camargo Corrêa pesam acusações de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, doações ilícitas a campanhas e pagamento de propina a agentes públicos. A eclusa de Tucuruí, no Pará, e a linha 4 do metrô, em São Paulo, estão entre as obras suspeitas.

O STJ, no entanto, anulou como prova não apenas os diálogos dos grampos autorizados pela Justiça, mas também o material apreendido nas buscas ou obtido com as quebras de sigilo bancário e telefônico.

Na prática, o tribunal livrou a cara de todo mundo com a alegação de que as provas haviam sido reunidas a partir de denúncia anônima e por isso estavam prejudicadas. Há, porém, nos próprios tribunais superiores, decisões que vão no sentido oposto. À luz da fartura de evidências criminosas e da relevância pública do caso em questão, o formalismo a que se apega o STJ parece, no mínimo, bem estranho.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, disse ontem que "não há qualquer vício nas provas colhidas" e anunciou que irá recorrer da decisão. Talvez não seja exagerado afirmar que estamos diante de um divisor de águas.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Frio na espinha:: Eliane Cantanhêde

Ao nascer, importou o nome de Wellington. Ao morrer, importou expressões religiosas estranhas à vida dele e o método norte-americano de ataques desesperados e assassinos contra dezenas de crianças inocentes numa escola onde um dia estudou -e sofreu sabe-se lá o quê, de quem.

De nada adianta, porém, reduzir a tragédia ao drama pessoal e aos demônios de Wellington. Como de nada adianta endeusar o policial que puxou o gatilho e encerrou a matança. Há muito mais em jogo.

Que o rapaz assassino tinha transtornos mentais, é óbvio. Daí a chamá-lo de "animal" e "psicopata" é jogar adjetivos fora. Ou jogar para a plateia. Tanto quanto classificar de "herói" quem foi treinado para situações e assim cumpriu adequadamente seu dever.

Se há heróis numa tragédia como essa, são as dezenas de anônimos que se dispuseram a passar horas numa fila para doar sangue e ajudar a salvar as pequenas vítimas feridas estupidamente.

O mais importante, porém, é não deixar passar o dia 7 de abril de 2011 em branco. É preciso tentar entender o que se passa nas escolas brasileiras, que tipos de violência e humilhação Wellington sofreu pela vida afora e como a família adotiva e as pessoas próximas não viram se aproximar o tsunami de dor, desamparo e violência.

E é preciso, mais do que tudo, descobrir a origem da arma e o seu roteiro até chegar às mãos de um rapaz doente e, afinal, perigoso.

Onde, como, de quem, quando, por quanto e com que facilidade ele comprou aquela arma para trucidar meninos e, sobretudo, meninas? E você que votou a favor do armamento, o que está sentindo?

O momento é de dor nacional pelas crianças mortas e feridas e por seus pais, mães, irmãos, irmãs, parentes e amigos. Uma dor que remete aos massacres nos EUA. Depois que começaram, na década de 1960, nunca mais pararam. Dá um frio na espinha. E na alma.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O segundo violino nos 100 dias de Dilma:: Maria Cristina Fernandes

Se a comparação são os oito anos de Luiz Inácio Lula da Silva é de trégua que parece viver o poder nos primeiros 100 dias do governo Dilma Rousseff. Mas se a analogia é da presidente com a imagem que dela projetou a acirrada campanha eleitoral não é apenas de mais calmaria que se vive. Parece outro o país que há quatro meses parecia estar a caminho de se transformar numa república de incréus abortistas.

O tema sumiu de cena como entrou. A presença de uma presidente duas vezes divorciada no Planalto em nada altera a rotina de um país em que os abortos clandestinos continuam matando. Com ou sem bíblia a guiá-la, a oposição continua igualmente perdida.

Ainda parece difícil acreditar que uma campanha obscurantista como aquela chega e vai embora sem deixar sobras. Foi nesse rastro que, levado por um aluno, Antônio Flávio Pierucci acompanhou cultos de uma igreja pentecostal durante a campanha. O que assistiu ao vivo, do púlpito à internet, lhe dava conta da mais radical intromissão da religião numa disputa eleitoral.

Chefe do Departamento de Sociologia da USP e estudioso de longa data da religiosidade popular, Pierucci mergulhou no tema sob o temor de encontrar mais indícios do terreno que a fé havia ganho sobre a política.

Pois acabou concluindo o contrário. Em artigo que abre o mais recente número da Novos Estudos/Cebrap, chega a demolidora conclusão: a inflamada campanha teve um efeito secularizante.

Dos cultos a que assistiu na campanha não esqueceu dos sermões alertando os fiéis de que, eleita Dilma, os pastores seriam obrigados a fazer casamentos gays e a bíblia seria censurada. Em outros cultos, pastores conclamavam a audiência a gritar em uníssono em qual candidato eles não deveriam votar. Levantavam o braço direito e repetiam: Dilma, Dilma, Dilma.

Passando em revista os cultos, a internet, a imprensa, as cartas eclesiásticas e os santinhos, Pierucci está convicto de que a religiosidade das massas pregou uma peça naqueles que a tinham convocado a assumir o papel de protagonista da sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva.

Diz que o desfecho do primeiro turno, com a reação desordenada de Dilma à exploração de suas posições abortistas e a votação surpreendente de Marina Silva, contribuiu para reforçar as expectativas dos utilitaristas da religião. A confiança foi tanta que, no segundo turno, os estrategistas perderam o controle da direção.

O tiro saiu pela culatra, mas Pierucci achou por bem buscar nos estudos de comportamento eleitoral um nome para a coisa: efeito fariseu.

Baseou-se no termo cunhado por uma dupla de psicólogos da Universidade do Alabama, Larry Powell e Eduardo Neiva, que analisaram o insucesso do candidato republicano Roy Moore na campanha de 2006. Candidato ao governo do Alabama, Moore apresentava-se como justiceiro da moral e da religião - o "juiz dos Dez Mandamentos". Perdeu.

A derrota foi atribuída à tentativa excessiva de persuadir o eleitor da personalidade religiosa do candidato. Pierucci compara o slogan de Moore aos santinhos em que a foto de José Serra, por ele assinada, se fazia acompanhar da sentença "Jesus é a verdade e a justiça".

Os americanos recorreram a uma parábola do evangelho de São Lucas e apelaram ao efeito fariseu para explicarem a derrota de Moore. Na parábola, o fariseu exalta e se orgulha de sua prática religiosa fazendo-se passar por santo. Lucas diz que Jesus, nesta parábola, quis recriminar quem faz pose turbinada de devoto.

Pierucci não tem dúvidas de que, na campanha de 2010, o eleitor religioso viu excessos no emprego tático de um Serra piedoso explorando as fraquezas de uma pecadora. Isso teria neutralizado até mesmo reações desencontradas de Dilma, como o batismo televisionado do seu neto de 15 dias.

Ao fazer-se passar por santo, o candidato do PSDB desprezou o risco de que o bumerangue em brasa ardente do inferno poderia voltar. Foi o que Pierucci avalia ter acontecido quando, na metade de outubro, Sheila Canevacci Ribeiro relatou no Facebook o depoimento da esposa do candidato sobre sua experiência de aborto.

Filha de uma socióloga que havia sido candidata a vice-prefeita de Osasco (SP), pelo PSDB, Sheila foi aluna de dança de Mônica Serra na Universidade de Campinas.

Não se dizia portadora de uma denúncia porque Mônica, segundo relataria à jornalista Mônica Bergamo, da "Folha de S. Paulo", não havia confessado o aborto, mas usado sua experiência para demonstrar às alunas como traumas afetam os movimentos do corpo.

O relato ganhou a internet e logo chegou às igrejas. Eleitor costuma ter sua inteligência insultada durante as campanhas eleitorais de todas as cores ideológicas. Mas a de 2010 foi além. Dispôs-se a manipular a espiritualidade do eleitor.

Pierucci ficou até o fim do segundo turno na expectativa da reação. A insatisfação das igrejas com a terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos - um documento que se limita a tratar do aborto como questão de saúde pública e a recomendar o reconhecimento legal do casamento gay - era tamanha que ele não acreditava em capitulação. Some-se a isso o avanço da Igreja Universal - que não condena o aborto - no governo Lula e estava dada a medida do engajamento.

Ainda na quaresma, a campanha da fraternidade lançara o lema "Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro" numa demonstração de que enfrentaria interesses materialistas satisfeitos no governo Lula.

E a reação efetivamente veio com o papa. Num encontro com bispos brasileiros às vésperas do segundo turno Bento XVI condenou a descriminalização do aborto e advogou o direito de os bispos emitirem "juízo moral sobre matérias políticas".

É à desproporção entre este engajamento e a resposta do eleitor que Pierucci atribui o efeito secularizante da campanha. E aposta que serviu de vacina ao uso desmensurado da religião em futuras disputas.

Entre o moralismo religioso mistificado e a liberdade de escolha na indevassável cabine de votação, o eleitor optou por esta última. Por mais desorganizada que pareça a orquestra, conclui, a religião consegue no máximo o papel de segundo violino.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Charge de hoje

FONTE: http://chargistaclaudio.zip.net/

Sem palavras :: Míriam Leitão

Há tragédias sobre as quais não há nada a dizer, mas que o jornalista tem vontade de compartilhar, de avisar ao leitor que sente a mesma dor. Há tragédias sobre as quais se pode racionalizar, tentar entender. Em algumas, há a chance de algo confortador: pensar objetivamente nos passos a serem dados para evitar a repetição da infelicidade. Mas em momentos como agora, não há palavras.

E, no entanto, o jornal sai todos os dias. Todos os dias contamos histórias, os colunistas fazem colunas nos dias certos e incertos. Há páginas especializadas e assuntos específicos. O jornal é o mundo inteiro. Há assuntos nos quais me abrigar. Posso falar do IPCA que saiu acima do previsto e que já leva o acumulado em doze meses para perto do teto da meta; ou o risco que Portugal representa de contágio da Espanha e o medo do calote das dívidas soberanas, esse fantasma que ronda a Europa. A notícia espantosa de outro terremoto no Japão. Posso falar da última medida do ministro Guido Mantega, da última elevação do IOF para moderar o consumo. A crise no Oriente Médio. O petróleo acima de US$120. Temas não faltam nesse dia intenso que foi o 7 de abril de 2011.

Esse é um espaço de economia, eu tenho para onde correr, eu posso usar a gelada palavra "macroprudencial" e me esconder dessa notícia que cresce nas telas da informação online, nos rádios e nas televisões, que ocupa todas as mentes. A sua mente e a minha. A dúvida é: onde poderei me esconder desse desconsolo que se abateu sobre mim - e sobre você que me lê? Eu sinto o leitor e a leitora hoje mais do que nos outros dias e preciso dessa conversa, como um aconchego, mais do que nos dias normais. Quero apenas admitir, leitor, leitora, que eu não entendi. Você pode me explicar? Fiquei apenas querendo conversar um pouco com vocês sobre isso neste espaço onde o econômico deveria ser a matéria principal.

A presidente falou sobre a palavra certa: "brasileirinhos". Eles eram. E estavam no local certo onde crianças devem estar durante o dia: na sala de aula. As marcas do sangue delas mancham ainda as paredes e o chão da escola onde estudavam. Nas que sobreviveram, ficará o trauma, nas que saíram correndo em pânico, ficarão lembranças das cenas inesperadas como se fosse um filme de terror proibido para menores. Precisarão ser cuidadas e protegidas porque se nem nós adultos entendemos, o que poderão processar nas suas mentes ainda em formação? Pode-se pensar em lutar contra os efeitos colaterais do ocorrido, nas que escaparam, felizmente.

O Brasil tem problemas, bem sabemos. Mas esse tipo de ataque inesperado, cruel, premeditado de um louco em uma escola, nós só estávamos acostumados a ver à distância, com perplexidade estrangeira. De repente, acontece na nossa porta e procuramos explicações. Os especialistas darão informações e o país precisa delas porque entender organiza a dor. Mas, sinceramente, eles sabem explicar outros tipos de violência: a do trânsito, que enluta tantas famílias diariamente; a provocada pelo tráfico de drogas, que arruína vidas tão jovens; a produzida pela ausência do Estado, tão frequente. Em cada uma dessas vertentes do absurdo cabe análise, explicação, estatística e estratégia de solução. Isso faz com que a tristeza seja enquadrada, organizada, superada. Os estudiosos sempre serão necessários nesse momento para explicar o que faz surgir uma pessoa como ele, como tratá-la, como famílias e pessoas próximas podem sentir o perigo. Mas mortes de crianças numa escola, provocadas por um louco que planejou seu crime com a frieza das mentes perturbadas, deixou uma carta sem sentido e morreu junto aos inocentes que atingiu, isso não é explicável.

É o momento do luto apenas. Das famílias, de Realengo, do Rio, do país. De perplexidade, espanto, raiva, mas sobretudo dessa tristeza funda. Dá vontade de pensar que quem sabe tenha sido só um pesadelo que aconteceu num país distante, numa escola longe daqui. Mas infelizmente isso ocorreu aqui mesmo; não podemos dizer aquela frase de sempre: "acontecem umas coisas estranhas nos Estados Unidos." Temos que tentar entender e evitar fatos para os quais não estávamos preparados. Como os terremotos e os vulcões; as nevascas e os grandes furacões. Fatos que só aconteciam com os outros e não conosco.

Há momentos de se pedir desculpas e dizer: amanhã eu voltarei ao normal; vou falar dos tantos fatos da economia, da política internacional, dos impasses econômicos, dos equívocos das políticas públicas, ou de um grande negócio que mudará a estrutura de um setor empresarial do país. Posso falar do consumo, das dúvidas sobre o aquecimento da economia, e até das listas de medidas que podem segurar o insustentável dólar. Amanhã, prometo falar de assuntos destinados aos cérebros. Hoje, quero ficar aqui pensando na vida que poderia ter sido e que não foi, de dez meninas e dois meninos. Quero pensar nas mães, nos pais, irmãos e professores que viram e sofreram diretamente o que eu apenas entrevi. Quero esperar que todos encontrem consolo, de alguma forma. Que a escola volte a abrir as portas, se reorganize, cure suas feridas. Que a escola de Realengo, e todas as outras do país se dediquem a ensinar e preparar outros brasileirinhos para o futuro. Futuro que ontem foi roubado de dez meninas e dois meninos. Quero só ficar com você em silêncio pensando na vida.

FONTE: O GLOBO

Enfraquecer o real é batalha perdida:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

Duas novas medidas do governo no sentido de enfraquecer o real não vão alterar a força de nossa moeda.

A razão dessa minha observação é muito simples: barreiras à entrada de capitais financeiros de curto prazo não compensam as forças estruturais, de longo prazo, que estão agindo no mercado de câmbio. O problema do real forte é uma questão que merece uma reflexão mais profunda e uma política mais abrangente por parte do governo. E isso não está acontecendo...

As medidas pontuais que vêm sendo tomadas são corretas, mas têm objetivos limitados e que precisam ser explicitados pelo ministro da Fazenda.

A cobrança de um imposto que incide sobre títulos de renda fixa e empréstimos externos de curto prazo tem como objetivo principal melhorar a qualidade dos capitais financeiros que estão entrando no país. Mas sua eficácia para forçar a desvalorização do real -ou pelo menos interromper seu fortalecimento- é muito baixa.

Quando se está em uma posição pública, como a do ministro da Fazenda, a forma de se comunicar com a sociedade passa a ser uma questão fundamental. Por isso deve-se trabalhar com conceitos bastante rígidos e claros, para não entrar em um processo de perda de credibilidade. Temo que o ministro da Fazenda esteja nessa situação, em razão da forma como vem tratando a questão da valorização do real.

Para não ficar apenas na crítica fácil, trago ao leitor da Folha algumas ideias para um novo discurso do governo em relação a essa questão. Eu começaria apresentando de maneira mais clara as razões pelas quais o dólar está sendo cotado abaixo de R$ 1,60. Considerando a valorização da moeda e o retorno dos juros locais, o ganho proporcionado pelo real é imbatível: desde o início de 2006, chegou a mais de 150%.

Para o leitor ter uma ideia da força desse movimento, basta compará-lo ao de outras moedas de países emergentes, nesse mesmo período e com o mesmo critério (incluindo os juros de cada país no período): peso argentino, 50%, dólar canadense, 40%, yuan chinês, 22%, e won sul-coreano, 6%. Somente o dólar australiano -país que tem nas exportações de produtos primários uma força comparável à nossa- teve uma valorização mais acentuada, porém ainda bem inferior à do real: 91%.

Por isso começaria por esse fato minhas explicações à opinião pública. A força do real -e do dólar australiano- tem muito a ver com a valorização dos produtos primários nos mercados internacionais depois de 2004. E o Brasil foi um dos grandes beneficiários desse movimento, que deve permanecer por muitos anos.

Em 2003, cada US$ 100 de exportações brasileiras podiam comprar o equivalente a US$ 90 dos principais itens de nossa pauta de importações; hoje, os mesmos US$ 100 de exportações podem comprar quase US$ 140 de produtos importados.

Essa dinâmica tem sido responsável por um aumento anual de mais de 1,6% no PIB brasileiro nos últimos anos. E isso não é explicitado pelos porta-vozes do governo.

Explicado ao distinto público o caráter estrutural e benéfico da força do real, seria preciso caminhar mais na direção de explicitar os problemas que são criados nessa situação. O governo tem sido mais claro na explicação desse lado negro do processo que vivemos. Mas, como não explicita o lado virtuoso, fica a impressão de que se deve buscar a qualquer preço uma moeda mais fraca. Isso aumenta a responsabilidade do governo com as ações do Ministério da Fazenda e o preço do inevitável fracasso que deve se seguir.

Creio que a questão mais difícil que vive o governo Dilma hoje é a de apresentar um balanço de perdas e ganhos nessa questão da taxa de câmbio e, em um segundo momento, definir uma proposta para enfrentá-la. O caminho da comunicação trilhado desde o governo Lula passa a uma distância lunar dessa minha proposta.

Atacar inimigos externos -como os especuladores e as taxas de juros muito baixas nos Estados Unidos- está de acordo com os manuais petistas. Mas criará muito mais problemas do que soluções para o governo da presidente Dilma, que, por ser a herdeira de Lula, terá que enfrentar a crise na indústria brasileira.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

O discurso da oposição - parte 1:: Alberto Carlos Almeida

Em entrevista na TV no dia 22 de dezembro de 1988, David Brinkley fez a seguinte pergunta ao então presidente Ronald Reagan: existe alguma coisa que você tenha aprendido quando foi ator que esteja sendo útil no exercício da Presidência? Reagan respondeu: às vezes eu me pergunto como alguém pode ser presidente sem antes ter sido ator. Esse episódio está registrado no livro de Fred I. Greenstein "The Presidential Difference". Reagan foi muito claro na resposta: os grandes papéis políticos exigem uma forte dose de teatralidade. O grande político, o estadista, é de fato um ator.

Registre-se aqui a crítica e oposição de Lula em 1994 ao Plano Real batizado pelo PT de o Plano Cruzado dos ricos, em uma referência direta à popularidade que teve o Plano Cruzado entre a população pobre. Lula lutara a vida inteira contra a inflação; no momento em que ela despenca Lula faz oposição ao plano que a derrubou. A postura de Lula foi a postura de um ator à la Ronald Reagan. Afirma-se que, na época, em caráter privado, Lula admitia que o Plano Real estava sendo bom para o país e para os mais pobres.

Não há incoerência entre as duas posturas de Lula. Como cidadão ele considerava que o Plano Real era um sucesso e alcançava aquilo de que o país precisava: uma redução significativa da inflação que corroía o poder de compra dos salários. Contudo, quando vestia o papel de oposicionista, Lula não poderia admitir jamais o sucesso do Plano Real. Lula estava agindo como um ator, Lula estava falando para a plateia. Ele desejava deixar claro para o eleitorado que o governo sofria oposição, e que a oposição era ele e o PT. Em 1994 a estratégia oposicionista fracassou, Lula foi derrotado fragorosamente no primeiro turno. A história que se seguiu todos conhecemos: Lula e o PT continuaram a fazer oposição incessante ao governo, jamais oposição responsável. Eles foram premiados com a vitória eleitoral em 2002, quando o governo estava muito mal avaliado.

Em novembro de 1997, durante o primeiro mandato de Tony Blair, o governo trabalhista britânico decidiu dar independência operacional ao seu banco central, o Bank of England. A partir dali, ele teria total autonomia frente ao governo para aumentar juros com o objetivo de combater a inflação. Tão ou mais impressionante do que essa medida foi a reação do Partido Conservador: ele fez oposição (sem ser responsável). O então líder do Partido Conservador, Ken Clarke, afirmou que aumento de juros resultariam em redução de empregos. Por isso, a autonomia do Bank of England não era bem-vinda.

Eis mais um exemplo da necessidade de ser um ator antes de ser um político. É bem provável que Clarke e outros importantes líderes "tories", em caráter privado, reconhecessem o acerto da decisão dos trabalhistas. Todavia, no papel de oposicionistas eles jamais poderiam admiti-lo. Os conservadores tiveram e têm agora a chance de desfazer a autonomia de seu banco central, agora eles estão no governo com David Cameron. Por enquanto, nada. A autonomia está mantida. Trata-se de uma prova adicional de que o discurso oposicionista era para a plateia, era um ato teatral e útil na disputa política.

De 1980, ano de sua fundação, até 2002, o PT foi só oposição ao governo federal. Foram 22 anos de oposição. O PT foi fundado em torno de uma ideia geral: defender os trabalhadores, defender os assalariados e melhorar as condições sociais da população brasileira. O PT foi fundado em torno de uma ideologia: mais intervenção do governo para melhorar a vida das pessoas, mais governo para conduzir a economia e investir no social. O PT não nasceu como um partido contra outro partido. Na época de seu surgimento, existiam partidos contrários à ditadura militar, como também o partido que a apoiava. É claro que o PT era contra a ditadura, mas não foi esse o principal motivador de sua fundação. Repito, a principal motivação estava em torno dos valores de esquerda, de intervencionismo estatal com a finalidade de distribuir renda em favor dos mais pobres.

A noção de que o PT nasceu em torno de uma visão de mundo, e não por conta de uma dissidência partidária, é importante para entender como o partido ficou 22 anos fazendo oposição. A oposição feita por pouco mais de duas décadas tinha um fio condutor: a defesa dos trabalhadores de um ponto de vista de esquerda. Foi por isso que o PT bateu duro no FMI, fez plebiscito contra a dívida externa, defendeu a redução da jornada de trabalho, foi a favor de aumentos reais para o salário mínimo, afirmou que Collor, ACM e Jader Barbalho eram farinha do mesmo saco, opôs-se à adesão de Erundina ao governo Itamar etc.

Cada ação isolada de oposição do PT pode ser remetida a essa ideologia geral de defesa dos interesses dos trabalhadores. Ao defender essa ideologia, o PT conferiu narrativa à sua oposição. Em outras palavras, a oposição feita pelo PT não foi uma história desconexa, mas uma história com início, meio e fim. Sempre houve valores por trás de cada ação oposicionista, sempre houve uma visão de mundo ou uma ideologia que guiou os 22 anos de oposição.

Está composto o quadro teatral da política: é preciso que haja um ator e é preciso uma narrativa. O ator representa em público e a narrativa é seu conjunto de crenças. A oposição de hoje, para ter sucesso, não precisa ir longe. Precisa, sim, seguir a lição do PT, mas com o sinal trocado. Da mesma maneira que um importante pilar ideológico do Brasil é composto por milhões de brasileiros que acreditam que para melhorar de vida precisam da ajuda do governo, há também outros tantos milhões de brasileiros que pensam o oposto disso. Eles acham que para melhorar a vida o governo tem que deixar de atrapalhar.

Ao privatizar, o governo de Fernando Henrique estava retirando o Estado da vida das pessoas. Exatamente por isso a vida melhorou. Por exemplo, com menos governo aumentou a oferta de telefones. Há muitos outros exemplos dessa ideologia simples e forte que foi levada a cabo de forma muito prática durante os oito anos do governo Fernando Henrique: diminua-se o governo que a vida das pessoas melhora. Eis o valor que deve guiar a oposição contra um governo que pensa exatamente o contrário disso. Eis o fio condutor de uma oposição sem tréguas.

Com essa ideologia como guia é possível apresentar várias críticas, todas com apelo eleitoral, ao governo Dilma. Eis os discursos possíveis:

1) para reduzir a inflação que vem corroendo o poder de compra da população é preciso que o governo gaste menos; assim, é preciso cortar mais do que os R$ 50 bilhões prometidos pelo governo;

2) Dilma e Lula são ambos farinha do mesmo saco. Nos dois governos o que mais acontece é aumento de impostos; somente na semana passada o governo Dilma aumentou três impostos: bebidas frias, IOF para compras no exterior e IOF para obtenção de empréstimos no exterior. Saiba, eleitor, que no fim das contas mais imposto significa menos dinheiro no seu bolso, é sempre você que no fim paga os impostos que o governo aumenta;

3) os aeroportos do Brasil estão em crise pelo mesmo motivo que havia crise na nossa telefonia; assim, vamos privatizar a aviação brasileira; dessa forma, você terá acesso a mais voos e mais aeroportos;

4) em oito anos e três meses de governo, o PT não reduziu os impostos que incidem sobre a folha de pagamento. Se isso for feito, serão gerados mais e melhores empregos, mais gente será contratada com carteira assinada. Agora que o governo passou a falar nesse assunto, é preciso aprovar quanto antes essa medida; e

5) quanto mais o governo interferir na vida das empresas, menos elas vão empregar. Por isso, é um absurdo que o governo influencie na escolha do presidente da Vale.

Todos os exemplos estão costurados por uma ideologia clara: quanto menos governo, mais a vida das pessoas vai melhorar. O maior emblema desse tipo de discurso é a redução de impostos. Aliás, a pesquisa publicada recentemente pela CNI mostra que o governo Dilma tem sua pior avaliação justamente no tema dos impostos. Causa espanto que na semana anterior tenham sido instituídos três aumentos de impostos de uma só vez e nenhuma voz de destaque na oposição tenha criticado essas medidas.

Outros aumentos de impostos virão. Criticá-los é o mesmo que defender a sociedade. Criticá-los é o mesmo que fazer oposição. Tudo indica que a próxima vítima, provavelmente sem grande resistência de sua futura diretoria, será a Vale. Quem vai defender a Vale? Quem vai defender o modelo de administração que levou a empresa a trazer os benefícios que trouxe para o Brasil? No momento, só a oposição poderá fazer isso, mas uma oposição que tenha clara para si que defende, mesmo que teatralmente, a ideia geral de que quanto menos governo há na vida das pessoas, mais as pessoas são capazes de atingir seus objetivos.

Esse discurso foi testado, ainda que uma parte pequena dele, às vésperas da última eleição presidencial. Praticamente 90% dos eleitores disseram que votariam em um candidato a presidente que defendesse a redução de impostos. Essa proporção cai para 55% quando se pergunta se a redução de impostos seria aceita mesmo se isso implicasse a diminuição de benefícios sociais. O mais importante desse dado é que ele mostra que um enorme contingente de brasileiros apoia a redução de impostos, isto é, menos governo em suas vidas, mesmo que o "trade off" seja negativo: menos benefícios sociais.

A defesa da redução do tamanho do governo como maneira de melhorar a vida das pessoas encontra apoio social amplo, inclusive em segmentos expressivos da base de nossa pirâmide social. Esse seria o primeiro passo de uma oposição contínua (e não responsável) ao PT. Os passos seguintes serão abordados no próximo artigo.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo"

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Discurso do Senador Aécio Neves no Senado em 06 de abril de 2011.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores senadores,

Ocupo hoje a tribuna do Senado Federal para examinar de forma mais profunda a conjuntura e os grandes desafios do País, nesse meu reencontro com o Parlamento Nacional. Chego a essa Casa, por delegação dos mineiros.

Retomo aqui o trabalho que, por 16 anos desenvolvi no Legislativo, onde tive a honra de receber importantes missões, entre elas a de presidir a Câmara dos Deputados. Trago desse período lembranças de vigorosas iniciativas pela valorização do Parlamento.

Destaco, entre elas, a limitação das medidas provisórias e a aprovação do “Pacote Ético”, que acabou com a imunidade parlamentar para crimes comuns, criou o Conselho de Ética e institucionalizou o princípio da legislação participativa. É com a mesma convicção democrática, com o mesmo respeito ao Congresso e com a mesma disposição para o trabalho e o diálogo que chego a essa Casa.

Os que ainda não me conhecem bem e esperam encontrar em mim ataques pessoais no exercício da oposição vão se decepcionar. Não confundo agressividade com firmeza. Não confundo adversário com inimigo. Os que ainda não me conhecem bem e acham que vão encontrar em mim tolerância diante dos erros praticados pelo governo, também vão se decepcionar.

Não confundo o direito à defesa e ao contraditório, com complacência ou compadrio. Estarei onde sempre estive como homem do diálogo que não foge às suas responsabilidades e convicções; não teme o enfrentamento do debate nem as oportunidades de convergência em torno dos interesses do Brasil.

Farei a política que sempre fiz aquela que entende que, neste campo, brigam as ideias e não os homens. Saúdo inicialmente essa Casa através dos grandes brasileiros que por aqui passaram e também através de todos os parlamentares que, hoje, aqui honram a delegação que receberam, respeitando a sagrada autonomia do Parlamento. Parlamentares que reconhecem ter apenas um senhor: o povo brasileiro. E apenas uma senhora: a sua própria consciência.

Senhores senadores e senhoras senadoras, a memória e o conhecimento da própria história são patrimônios preciosos de uma nação. Mais do que isso, formam a matéria prima essencial e insubstituível à construção do futuro. A consciência do que fomos e do que somos é que nos permite, todos os dias, moldar os contornos do que seremos, ou do que poderíamos vir a ser.

O Brasil de hoje é resultado de uma vigorosa construção coletiva que, desde os primeiros sopros da nacionalidade, vem ganhando dimensão, substância e densidade. Ao contrário do que alguns nos querem fazer crer, o País não nasceu ontem. Ele é fruto dos erros e acertos de várias gerações de brasileiros, de diferentes governos e líderes, e também de diversas circunstâncias históricas e econômicas. Juntos, nós percorremos os caminhos que nos trouxeram até aqui. Mas é importante e justo que nos lembremos, que não chegamos até aqui percorrendo os mesmos caminhos.

Não podemos nos esquecer das grandes diferenças que marcam a visão de País das forças políticas presentes na vida nacional nas ultimas décadas. Porque, por mais que queiram os partidos não se definem pelo discurso que fazem, nem pelas causas que dizem defender. Um partido se define pelas ações que pratica. Pela forma como responde aos desafios da realidade.

Em 85, quando o Brasil se via diante da oportunidade histórica de sepultar o autoritarismo e reingressar no mundo democrático, nós estávamos ao lado do povo brasileiro e do presidente Tancredo Neves. Os nossos adversários não. Permanecemos ao lado do Presidente José Sarney, naqueles primeiros e difíceis anos de consolidação da nova ordem democrática. Os nossos adversários não.

Mais à frente, em um momento especialmente delicado da nossa história, quando foi preciso convergir para apoiar a governabilidade e o presidente Itamar Franco, nós estávamos lá. Os nossos adversários não. Recusaram, mais uma vez, a convocação da história. Para enfrentar a grave desorganização da vida econômica do país e a hiperinflação que penalizava de forma especial os mais pobres, o governo Itamar criou o Plano Real. Neste momento, o Brasil precisou de nós e nós estávamos lá. Os nossos adversários não.

Aprovamos sob a liderança do presidente Fernando Henrique a Lei de Responsabilidade Fiscal para proteger o País dos desmandos dos maus administradores. Nossos adversários votaram contra. E chegaram ao extremo de ir à Justiça contra essa saneadora medida, importante marco da moralidade administrativa do Brasil.

Para suportar as crises econômicas internacionais e salvaguardar o sistema financeiro nacional, estruturamos o Proer, sob as incompreensões e o ataque cerrado dos nossos adversários. Os mesmos que o utilizaram para ultrapassar o inferno da crise de 2009 e que o apresentam, agora, como exemplo de boa governança para o mundo.

Estruturamos os primeiros programas federais de transferência de renda da nossa história. A partir de sucessos locais, como o do prefeito Grama, em Campinas, e do governador Marconi Perillo, em Goiás, criamos o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás. Que, depois, serviram de base para, ampliados e concentrados, se transformarem no emblemático Bolsa Família. Quando os fundamos nossos adversários também não estavam lá. Ironicamente, nos criticaram por estarmos criando políticas assistencialistas de perpetuação da dependência e não de superação da pobreza.

As mudanças estruturais do governo Fernando Henrique, entre elas as privatizações, definiram a nova face contemporânea do País. A democratização do acesso à telefonia celular talvez seja o melhor exemplo do acerto das medidas corajosamente tomadas. Porque disso é feito um bom governo: de decisões e não apenas de circunstâncias.

Senhoras e Senhores,

Faço essas rápidas considerações apenas para confirmar o que continuamos a ver hoje: sempre que precisou escolher entre os interesses do Brasil e a conveniência do partido, o PT escolheu o PT. Por isso, não é estranho a nós que setores do partido tentem, agora, convencer a todos de que os seus interesses são, na verdade, os interesses da nação. Nem sempre são.

Não é interesse do País, por exemplo, a subordinação das agências reguladoras ao governo central, gestadas que foram para terem independência técnica e, pelo país, atuarem livres de pressões políticas.

Não é interesse do País que o Poder Federal patrocine o grave aparelhamento e o inchaço do Estado brasileiro, como nunca antes se viu na nossa história. Da mesma forma, não posso crer que seja interesse do País que o governismo avance sobre empresas privadas, com o objetivo de atrelá-las às suas conveniências. Como se faz, agora, sem nenhum constrangimento, com a maior empresa privada do Brasil, a Vale, criando perigoso precedente.

Não sou, como todos sabem, daqueles cegos pela paixão política, que não se permite enxergar méritos no adversário. Reconheço avanços no governo Lula. A manutenção dos fundamentos da política econômica implantada pelos governos anteriores é, a meu ver, o primeiro e o mais importante mérito da administração petista.

E é necessário reconhecer que o adensamento e ampliação das políticas sociais, foram fundamentais para que o Brasil avançasse mais. Acredito que, mais adiante, por mais que isso desagrade a alguns, a independência dos historiadores considerará os governos Itamar, Fernando Henrique e Lula um só período da história do Brasil, de estabilidade com crescimento, sem rupturas.

Não ocupo essa tribuna para fazer uma análise dos primeiros meses do governo da Presidente Dilma Rousseff. O processo de governança instalado à frente do País – com suas falhas, equívocos, mas também virtudes -, não conta apenas com alguns dias. Pontua-se, de forma concreta, o início do nono ano de um mesmo governo. Quase uma década.

Ainda que seja nítido e louvável o esforço da nova presidente em impor personalidade própria ao seu governo, tem prevalecido a lógica dominante em todo esse período e suas heranças. Não há ruptura entre o velho e o novo, mas o continuísmo das graves contradições dos últimos anos.

O Brasil cor-de-rosa vendido competentemente pela propaganda política – apoiada por farta e difusa propaganda oficial – não se confirma na realidade.

E nós vivemos no Brasil real.

Por isso, senhoras e senhores, cessadas as paixões da disputa eleitoral, o Brasil precisa, neste momento, de um choque de realidade. Um choque de realidade que nos permita compreender corretamente a situação do País hoje, e, essencial, que nos permita também compreendê-la dentro do mundo que nos cerca.

Escondido sob o biombo eleitoral montado, o desarranjo fiscal, tantas vezes por nós denunciado, exige agora um ajuste de grande monta que penalizará investimentos anunciados com pompa e circunstância. E não é bom para um partido inaugurar uma nova fase de governo sob a égide do não cumprimento de compromissos assumidos com a população. É consenso que o país convive com o grave risco de desindustrialização de importantes setores da nossa economia. A participação de produtos manufaturados na nossa pauta exportadora, que era de 61%, em 2000, recuou para 40%, em 2010.

Vemos, infelizmente, renascer, da farra da gastança descontrolada dos últimos anos, e em especial do ano eleitoral, a crônica e grave doença da inflação. E não há razão para otimismo quando comparamos a nossa situação com a de outros países. Estudo feito a partir do relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial mostra que, comparado a outros 20 países com os quais concorre, o Brasil ficou apenas na 17ª colocação no quesito qualidade geral da infra-estrutura. Empatamos com a Colômbia. No item qualidade da infra-estrutura portuária o Brasil teve o pior desempenho. Fomos “os lanternas” do grupo.

A qualidade das estradas brasileiras, por onde trafega mais da metade das cargas no País, supera apenas a da Rússia. Ficamos na penúltima colocação. E, enquanto isso, em 2010, a nossa carga tributária atingiu 35% do PIB. Impressiona também saber que, apesar de todos os avanços que, reconheço , existiram nos últimos anos, a carga tributária das famílias com renda mensal de até dois salários mínimos passou, segundo o IPEA, de 48,8%, em 2004, para 53,9% da renda em 2008.

Lamentavelmente, repete-se agora o que se viu nos últimos anos: não há espaço e dedicação real à discussão do essencial. As reformas constitucionais continuam à espera de decisão política para que sejam debatidas e aprovadas.

A população brasileira nos delegou a honrosa tarefa de exercer oposição ao atual governo. Repito o que disse recentemente o governador Alckmin: “ser oposição é tão patriótico quanto ser governo”.

Aproveito este momento para fazer a minha homenagem aos companheiros do PSDB, do DEM e do PPS, pela coragem e coerência com que têm honrado no Parlamento a delegação recebida das urnas.

Hoje, cerca de metade da população vive em estados governados pela oposição. No plano nacional tivemos a confiança de cerca de 44 milhões de brasileiros que caminharam ao nosso lado e optaram pela experiência e competência de José Serra para liderar o País. Esses números, por si só, demonstram a dimensão política e a responsabilidade das oposições no País.

Acredito, no entanto, que o tamanho da oposição será equivalente à nossa capacidade de interpretarmos e defendermos os valores e expectativas da nossa gente. Como oposição, é nosso dever atuar com firmeza e lealdade em três diferentes e complementares frentes.

Uma, que define a nossa postura perante o governo. Outra, que nos remete ao nosso compromisso inalienável com o resgate da Federação. E a terceira frente, a que nos permitirá uma aproximação ainda maior com os brasileiros.

Em relação ao governo, temos como obrigações básicas: - Fiscalizar com rigor. Apontar o descumprimento de compromissos assumidos com a população. Denunciar desvios, erros e omissões. E cobrar ações que sejam realmente importantes para o país.

O segundo eixo de atuação que defendo é o compromisso de resgatarmos o princípio da Federação no Brasil. Aqui, peço licença para fazer uma manifestação de apreço aos prefeitos municipais de todas regiões, que vêm travando, há anos, inglória luta para sensibilizar o governo federal, o Parlamento e a opinião pública acerca da difícil realidade das administrações locais.

Hoje, suportamos uma das mais graves concentrações de impostos, recursos e poder de decisão na esfera da União de toda a nossa história. Esta é uma realidade que avança dia após dia e compromete o equilíbrio federativo.

Meus amigos,

Como terceiro eixo de ação, acredito que a nossa aproximação ainda maior com os vários setores da vida nacional vai ocorrer a partir da coragem que tivermos para assumirmos e partilharmos as indagações e indignações do nosso tempo.

Assumirmos e partilharmos os sonhos e utopias da nossa geração. Nesse sentido, peço licença para trazer aos senhores trechos daquele que considero o mais importante documento político produzido nos últimos tempos no País. Trata-se do Manifesto em Defesa da Democracia, que tem entre seus signatários, brasileiros da dimensão de Hélio Bicudo e Dom Paulo Evaristo Arns. Manifesto que não pertence a um partido, mas ao Brasil e aos brasileiros. Diz o manifesto em alguns trechos: É um insulto à Republica que o Poder Legislativo seja tratado como mera extensão do Executivo… O poder conquistado nas urnas ou a popularidade de um líder não lhe conferem licença para ignorar a Constituição e as leis… É intolerável assistir ao uso de órgãos do Estado como extensão de um partido político…

Esse documento, ao meu ver, reflete a alma e o coração de tantos de nós e, ao fazer isso, nos traz a dimensão maior da política.

Senhoras e senhores,

Precisamos romper a inércia. A ausência de iniciativas concretas do governo em torno das grandes reformas não pode ser justificativa para deixarmos de fazer o que pode ser feito hoje. E o que é nosso dever fazer hoje.

Ouso apresentar algumas primeiras idéias para serem examinadas por esta Casa. Começo por aquela que, defendida inicialmente pelo nosso candidato José Serra, foi acolhida e transformada em compromisso pela presidente Dilma Roussef, na campanha presidencial, e que, por isso, pode significar uma inédita convergência em torno de um dos nossos mais legítimos interesses nacionais. Refiro-me à redução de tributos cobrados em setores estratégicos da nossa economia, no caso a redução a zero das alíquotas de PIS e Cofins das empresas de saneamento.

Podemos somar forças e apoiar iniciativas como a do ilustre Senador Dornelles, que defende proposta semelhante para capitalizar as empresas de água e esgoto e fomentar novos investimentos em saneamento em todas as regiões.

É também compromisso assumido pela Presidente – e bandeira defendida pela oposição – a extensão da mesma iniciativa à área de energia.

Podemos construir um consenso mínimo entre as várias propostas que tramitam na Câmara e no Senado, que buscam reduzir os mais de uma dezena de tributos federais cobrados na conta de luz dos brasileiros. Se o governo federal seguisse o exemplo do governo de Minas e de outros estados que concedem isenção total de ICMS às famílias de baixo consumo, as contas de luz dessas famílias poderiam chegar a ser 20% mais baratas!

Por outro lado, não há, senhoras e senhores, justificativa para que permaneçamos passíveis diante das reconhecidas dificuldades de execução orçamentária em áreas fundamentais ao País. Segundo o Contas Abertas, por razões as mais diversas, nos últimos oito anos o Ministério dos Transportes, não executou parte expressiva do orçamento que dispunha para investir.

Para enfrentar esse e outros problemas trago uma proposta que, sei, parecerá, para muitos, ousada: - Estarei propondo a transferência gradual dos recursos e da gestão das rodovias federais para a competência dos estados. Isso poderia ser iniciado imediatamente com a transfer”encia de parclea mais expressiva da CIDE para os estados e municípios.

Do ponto de vista dos interesses da Federação, proponho ainda que 70% dos recursos do Fundo Nacional de Segurança e do Fundo Penitenciário, tantas vezes contingenciados, sejam distribuídos mensalmente, de forma republicana, proporcionalmente à população de cada estado.

Sabemos, todos, que a Federação brasileira vive um processo de esfacelamento. O mal é conhecido. Do ponto de vista tributário, vivemos grave injustiça federativa. Nesse sentido, proponho adotarmos mecanismos que protejam a participação na receita dos estados, especialmente das regiões mais pobres, e das prefeituras, sobretudo as do interior e de pequeno porte. Estou encaminhando iniciativa capaz de recompor gradualmente o tamanho da fatia que o FPE e o FPM tinham no bolo tributário federal, impedindo que as isenções tributárias dadas pelo Governo Federal continuem a alcançar a parcela dos estados e municípios, que já foi, de 27% em 2002 e, hoje, é de apenas 19,4%.

No campo da geração de empregos, defendo a revisão da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, criando o Simples Trabalhista, universalizando o direito de opção pelo Simples Nacional e estendendo os benefícios do Empreendedor Individual para as micro e pequenas empresas.

No meu entendimento, decisões como essas atendem muito mais às justas demandas do setor do que a criação de mais cargos públicos e de novas estruturas burocráticas. Precisamos, insisto, buscar a equação que nos permita progressivamente desonerar as microempresas, mas também as exportações, os investimentos, a produção e a folha salarial.

Reafirmo meu compromisso com outros grandes desafios do país. Não faltará a mim e, estou certo, a outros membros da oposição, disposição para discutir com o Governo, medidas efetivas e corajosas que nos permitam superar os sempre prioritários desafios da qualidade da educação e da saúde publica no Brasil. Assim, como estaremos presentes na defesa de medidas que permitam que a questão ambiental possa alcançar um novo patamar e permear todas as áreas de ação do poder publico.

Acredito que devemos organizar o exercício da oposição em torno de três valores. São eles: coragem, responsabilidade e ética.

Coragem para resistir à tentação da demagogia e do oportunismo.

Responsabilidade. Não podemos cobrar do governo responsabilidade se não a tivermos para oferecer ao país.

E Ética. Não só a ética que move as denúncias. Não só a ética que cobra a transparência e a verdade. Mas uma ética mais ampla, íntima, capaz de orientar nossas posições, ações e compromissos, todos os dias.

Acredito, senhoras e senhores senadores, que estamos vencendo um ciclo. Hoje, o Brasil não acredita mais no discurso que tenta apontar uma falsa contradição entre responsabilidade administrativa e conquistas sociais.

Em 2002, quando criamos a expressão “choque de gestão” – e fomos criticados por nossos adversários – tínhamos como objetivo afirmar que não pode haver avanço social permanente, sem responsabilidade administrativa. Os emblemáticos avanços de Minas Gerais comprovam a tese.

Hoje, para o bem do Brasil, podemos visitar, País afora, uma densa agenda de gestão pública, empreendida por uma nova geração de líderes e gestores brasileiros, de diferentes partidos, que nos apontam caminhos para a transformação que nos exige a população.

Há muito a ser feito. Nos apresentamos hoje, sem batalhas próprias, prontos para iniciar um denso debate sobre os grandes desafios que nos esperam. É nosso dever contribuir para que a travessia iniciada – e empreendida por muitas mãos – avance na direção do pleno desenvolvimento. Esta é a grande tarefa inconclusa. E se há um erro que juntos não podemos cometer é nos perdermos na grandiloquência do discurso oficial, como se tivéssemos alcançado o nosso ponto de chegada.

Não alcançamos. Estamos longe dele, apenas no inicio da jornada.

Há grandes desafios a serem enfrentados e vencidos, que não pertencem apenas ao governo, ou às oposições, mas ao País inteiro. E aqui, não posso deixar de lembrar Minas, a história de Minas e as lições que nos legaram os homens e mulheres de Minas.

Elas nos dizem que cada geração tem o seu compromisso com a história.

Elas nos dizem que a Pátria é honrosa tarefa diária, coletiva e compartilhada. Não a realizaremos sob o signo do confronto irracional, nem tampouco da complacência.

A oposição que defendo não é a de uma coligação de partidos contra o Estado ou o País, mas a da lucidez da razão republicana contra os erros e omissões do poder público.

Convoca-nos, neste momento, a responsabilidade para fazer o que precisa ser feito. Ou o faremos ou continuaremos colecionando sonhos irrealizados.

Não temos, senhoras e senhores, esse direito. Precisamos estar, todos, à altura dos sonhos de cada um dos brasileiros. Nós, da oposição, estaremos.

Muito obrigado.

Brasília, 6/4/2011

Jarbas defende Ulysses

Senador repudia trecho de biografia autorizada de Sarney

BRASÍLIA. O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), do chamado PMDB histórico, subiu à tribuna do Senado, ontem, para repudiar trechos da biografia autorizada do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), em que ele faz críticas ao ex-presidente do partido Ulysses Guimarães. Jarbas classificou como comportamento reprovável agredir alguém que não pode se defender. Ulysses morreu em 1992. A biografia de Sarney foi lançada mês passado.

O senador pernambucano destacou, para repudiar com veemência, o trecho do livro de Sarney em que ele afirma: "Ulysses não tem grandeza de espírito público, político menor que tem o gosto da arte política, puro jogo, nada mais".

- Um dos comportamentos humanos mais reprováveis é o de agredir ou atacar quem não pode se defender. Isso foi o que o presidente José Sarney fez contra o doutor Ulysses Guimarães na sua biografia autorizada, que lançou recentemente - discursou Jarbas, acusando Sarney de denegrir a imagem de um dos homens mais importantes do século XX, numa referência à liderança de Ulysses no movimento político de redemocratização do país, quando ficou conhecido como Senhor Diretas, e também como condutor da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição Federal de 1988.

O senador pernambucano ainda ironizou Sarney, que não estava no plenário.

- Como agora vivemos numa democracia, para a qual o doutor Ulysses contribuiu como poucos, o presidente Sarney tem a liberdade de mandar escrever a sua biografia e tecer todas as loas que puder à sua trajetória. Ele pode ser transformado num democrata revolucionário e no maior líder político da História do Brasil. É para isso que servem as chamadas "biografias autorizadas": para criar uma realidade alternativa ao gosto do freguês - discursou Jarbas.

Jarbas Vasconcelos assinalou que Ulysses permanece como "um dos melhores modelos" de homem público, especialmente em um tempo em que a mediocridade tem imperado no meio político:

- Doutor Ulysses não tem uma única mácula em sua trajetória, e seus amigos e admiradores não podem se calar ante uma agressão injustificada como esta de que, apesar de morto há 20 anos, está sendo vítima.

FONTE: O GLOBO

Serra diverge de Aécio e critica foco em 2014

"Não se faz oposição, trabalho político", diz ex-governador de SP

BRASÍLIA. A falta de sintonia entre o ex-governador José Serra (SP) e o senador Aécio Neves (MG), os dois principais líderes do PSDB, sobre a reforma política ficou clara ontem durante seminário realizado pela Executiva do partido para discutir o assunto. Também ficou evidente que o discurso de estreia de Aécio, anteontem, incomodou tanto aliados da presidente Dilma Rousseff como tucanos ligados a Serra. Reservadamente, alguns classificaram como "aberração" a interpretação de que Aécio sai fortalecido rumo a 2014. Serra criticou a antecipação do debate sobre a sucessão presidencial três meses depois da posse do novo governo.

Perguntado se isso o havia incomodado, Serra alertou sobre o risco para a oposição de se antecipar esse debate:

- Por que me incomodaria? Acho um erro, uma falsa questão fazer tudo pela ótica de 2014. Por aí não se faz mais oposição, não se faz mais trabalho político.

No debate sobre reforma, Serra propôs que o partido se concentre no voto distrital puro para 2012 e distrital misto para as próximas eleições. Disse não acreditar que o Congresso aprove outros pontos. Quando Serra havia deixado o plenário, Aécio discursou e pediu apoio do PSDB a quatro pontos da reforma: fim das coligações em eleições proporcionais, cláusula de barreira, fidelidade partidária e fim da reeleição com mandato de cinco anos.

FONTE: O GLOBO

Comissão aprova 'cotão' de 50% para mulheres

Mudança afeta listas proporcionais e será votada no Congresso

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. Em seu último dia de votações, a Comissão de Reforma Política do Senado aprovou ontem a criação de um "cotão" para mulheres nas listas de candidatos dos partidos nas eleições proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores): elas passarão a ter 50% das vagas. Os nomes de homens e mulheres devem ser postos de forma alternada na lista fechada de candidatos dos partidos - sistema eleitoral já aprovado na comissão, no qual o eleitor votará nas legendas e não mais nos candidatos. Isso caso as duas propostas sejam definitivamente aprovadas pelo Congresso.

Os partidos serão obrigados a cumprir a regra sob pena de não terem a lista registrada. Hoje, a lei eleitoral estabelece que os partidos devem destinar pelo menos 30% de suas candidaturas às mulheres, mas esse percentual nem sempre é cumprido, já que não há qualquer penalidade no caso de descumprimento.

A ideia do "cotão" foi apresentada pela senadora Ana Rita (PT-ES). Apesar de a maioria dos senadores ressaltar que será difícil os partidos obterem esse número de candidatas para viabilizar as listas, a proposta foi aprovada com facilidade, com apenas dois votos contrários.

Também foi aprovada ontem a realização de referendo sobre o sistema eleitoral que será aplicado nas próximas eleições. Pela proposta atual, o referendo seria sobre o voto em lista fechada.

FONTE: O GLOBO

MST ataca loteamento do Incra

POLÊMICA NO CAMPO

Stédile cobra de Dilma mudança na política de Lula e diz que Bolsa Família acomoda militantes

Letícia Lins

Um dos mais radicais coordenadores do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), João Pedro Stédile disse ontem que o número de acampados à espera da reforma agrária diminuiu no país por causa do Bolsa Família e cobrou da presidente Dilma Rousseff que, diferentemente do que fez o governo Lula, segundo ele, evite o loteamento político do Incra:

- Ela devia fazer como se faz no Banco Central, para o qual só se indicam técnicos. É disso que o Incra está precisando, mas todos os superintendentes regionais ainda são os mesmos do governo anterior - reclamou o líder do MST.

No primeiro ano da gestão Lula, segundo Stédile, o MST tinha 200 mil famílias acampadas, e agora, no começo do governo Dilma, tem cerca de 60 mil em todo o país. Para ele, o Bolsa Família é um dos entraves para o recrutamento de militantes para ocupar propriedades rurais, mas disse também que os sem-terra cansaram de esperar por uma reforma agrária que jamais se concretiza.

- Durante os governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, não mudamos a intensidade (de invasões). Promovemos uma média de 280 ocupações anuais. Mas em 2010, ano de eleição, esse ritmo caiu em todo o país. Também tivemos uma lentidão muito grande na execução da reforma agrária, e isso leva as famílias ao desânimo. Faz parte da psicologia social. Elas indagam: por que vou acampar se a reforma agrária vai demorar, se não acontece? - disse Stédile, em entrevista em Recife, onde foi lançar uma campanha contra o uso de agrotóxicos.

Stédile reconheceu que o fato de o então presidente Lula ter prometido que faria a reforma agrária "com uma canetada" motivou os sem-terra a fazerem maior quantidade de ocupações, achando que, com a pressão, a redistribuição de terras realmente deslancharia. Mas, segundo Stédile, não foi isso o que ocorreu. Para ele, Lula priorizou o agronegócio em detrimento da agricultura familiar e fez pouco para mudar o modelo agrário do país:

- E, no último ano do governo Lula, nada se fez pela reforma agrária. Então estamos dizendo para Dilma: por favor, reorganize o Incra, e vamos retomar a reforma agrária, como está prevista na Constituição, segundo a qual o governo é obrigado a desapropriar a grande propriedade que não produz. Isso é lei. Nós, dos movimentos sociais, vamos continuar denunciando a existência de latifúndios improdutivos e passíveis de desapropriação - afirmou.

Direção do Incra se recusa a comentar

Stédile disse ainda que, somando todos os movimentos sociais que atuam na área rural, as famílias acampadas hoje não passam de 80 mil, cerca de 400 mil pessoas. No início do governo Lula, só o MST tinha cerca de um milhão de homens, mulheres e crianças morando em barracas à espera da reforma agrária, onde normalmente recebem cestas básicas do governo. Com maior cobertura dos programas sociais, a demanda caiu nas fileiras do MST:

- É evidente que o Bolsa Família acomodou as pessoas em algumas regiões - disse Stédile, afirmando que o aquecimento da economia também pode ter favorecido a situação de lavradores. Ele avisou, no entanto, que na segunda quinzena deste mês o MST vai dar início ao que chama de jornadas, com a retomada de invasões:

- Para que não digam que sou sectário, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fez uma coisa boa. Instituiu o 17 de abril como Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Em todo o Brasil, haverá mobilização de ocupação de terras, para denunciar que a reforma está parada desde 2010, e vamos continuar ocupando o latifúndio.

Procurada pelo GLOBO, a direção do Incra não quis comentar as declarações de Stédile.

FONTE: O GLOBO