quarta-feira, 14 de junho de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci (saber, compreender, sentir)

“Passagem do saber ao compreender, ao sentir, e, vice-versa, do sentir ao compreender, ao saber. O elemento popular “sente”, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual “sabe”, mas nem sempre compreende e, menos ainda, “sente”. Os dois extremos são, portanto, por um lado, o pedantismo e o filisteísmo, e, por outro, a paixão cega e o sectarismo. Não que o pedante não possa ser apaixonado, ao contrário; o pedantismo apaixonado é tão ridículo e perigoso quanto o sectarismo e a mais desenfreada demagogia. O erro do intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir e estar apaixonado (não só pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um intelectual (e não um mero pedante) mesmo quando distinto e destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em determinada situação histórica, bem como relacionando-as dialeticamente com as leis da história, com uma concepção do mundo superior, científica e coerentemente elaborada, com o “saber”; não se faz política-história sem esta paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais e povo-nação. Na ausência deste nexo, as relações do intelectual com o povo-nação são, ou se reduzem, a relações de natureza puramente burocrática e formal; os intelectuais se tornam uma casta ou um sacerdócio (o chamado centralismo orgânico). Se a relação entre intelectuais e povo-nação, entre dirigentes e dirigidos, entre governantes e governados, é dada graças a uma adesão orgânica, na qual o sentimento-paixão torna-se compreensão e, desta forma, saber (não de uma maneira mecânica, mas vivida), só então a relação é de representação, ocorrendo a troca de elementos individuais entre governantes e governados, entre dirigentes e dirigidos, isto é, realiza-se a vida do conjunto, a única que é força social; cria-se o “bloco histórico”. De Man “estuda” os sentimentos populares; não concorda com eles para dirigi-los e conduzi-los a uma catarse de civilização moderna: sua posição é semelhante à do estudioso do folclore, que teme continuamente que a modernidade destrua o objeto da sua ciência. Por outro lado, existe em seu livro o reflexo pedante de uma exigência real: a de que os sentimentos populares sejam conhecidos e estudados tais como se apresentam objetivamente e não considerados como algo negligenciável e inerte no movimento histórico.”

Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p.221-2. Civilização Brasileira, 2006.

Luiz Carlos Azedo - Muda tudo no cenário político caso Bolsonaro fique inelegível

Correio Braziliense

A derrota eleitoral e seu possível alijamento da disputa de 2026 já estão fomentando o surgimento de lideranças de direita mais esclarecidas e moderadas, capazes de atrair um eleitorado que ficará órfão

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi marcado pelo ministro Alexandre de Moraes para o próximo dia 22. Movida pelo PDT, trata-se de uma ação por abuso de poder político e econômico ao realizar uma reunião com embaixadores, em julho do ano passado, e atacar o processo eleitoral brasileiro. Caso seja condenado, o que é provável, devido à evidência dos fatos em confronto com a legislação eleitoral vigente, Bolsonaro estará impedido de disputar quaisquer cargos eletivos, inclusive a Presidência da República em 2026. Isso mudará tudo no cenário político nacional.

O julgamento deve ser concluído ainda neste mês, antes do recesso no Judiciário. Durante o encontro com os embaixadores, no Palácio da Alvorada, Bolsonaro questionou a segurança do sistema eleitoral e apontou risco de fraude nas eleições, sem apresentar provas. Além disso, ele é alvo de 16 investigações no TSE. Sua condenação terá forte impacto no ambiente político do país, porque tira de cena o principal protagonista da extrema direita, que hegemoniza a oposição. Esse espaço político tende a ser ocupado por outra liderança de direita. O conservadorismo continua sendo a força predominante na oposição, na qual emergem novas lideranças, com destaque para os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); Minas, Romeu Zema (Novo); e Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).

Hélio Schwartsman - Limites do pragmatismo

Folha de S. Paulo

Se passam a ideia de que tudo está à venda, políticos desmoralizam a si mesmos

Apesar de a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, ter ganhado uma sobrevida, tudo indica que o presidente Lula acabará atendendo aos apelos do centrão e a trocará por Celso Sabino. Se é lícito imprimir alguma picância à descrição, Lula substituiria uma aliada de primeira hora e que tem entrada no público evangélico por um bolsonarista. Há também uma boa chance de a Embratur, hoje presidida por Marcelo Freixo, figura icônica da esquerda, ser cedida ao grupo de Arthur Lira.

Sabe-se que a ingratidão é um dever do político, mas, mesmo assim, acho que vale perguntar até onde deve ir o pragmatismo de um governante. Como bom consequencialista, não me oponho às negociações, compromissos e até a algum toma lá dá cá. Se todo mundo for lutar até o fim pelo que acha que é certo, o resultado seria a guerra civil. A democracia funciona porque põe os principais atores políticos para conversar, aplainando as arestas e reforçando os pontos comuns.

Bruno Boghossian - União Brasil contra União Brasil

Folha de S. Paulo

Qualquer proposta de alinhamento será considerada incerta ou terá preço alto demais

Pouca gente apareceu para defender Daniela Carneiro durante a passagem da ministra pela Câmara nesta terça (13). Na Comissão de Turismo, havia mais deputados de oposição do que governistas para a audiência que pode ter sido um de seus atos finais como titular da pasta.

Daniela foi ao Congresso depois de conversar com Lula no Planalto. Prestes a perder o cargo, ela não quis passar recibo: disse que receberia os parlamentares na Esplanada e avisou que o Ministério do Turismo estava de portas abertas para os políticos. Os deputados, porém, já tratavam a convidada como ex-ministra.

Vinicius Torres Freire - A quadrilha da Americanas

Folha de S. Paulo

Empresa acusa antiga diretoria; polícia e CPI têm de ir fundo nessa história mal contada

Os advogados e a nova direção da Americanas acusaram diretores e outros executivos da empresa até 2022 de formação de quadrilha, grosso modo. A cúpula da varejista inventaria descontos na compra de mercadorias, ocultaria dívidas, falsificaria o cálculo do endividamento relativo, forjaria documentos e publicaria números mentirosos de resultado, mentira que teria passado da casa de R$ 2,4 bilhões em 2021, por exemplo, no caso do lucro.

A mutreta teria contado com a anuência de auditores externos e mesmo de bancos. O conselho de administração e os ditos acionistas de referência, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira não são envolvidos no rolo segundo essa explicação parcial e, note-se, ainda não auditada.

Fernando Exman - Colhendo na economia, mas de olho na política

Valor Econômico

Melhora dos indicadores econômicos traz alívio, mas governo mantém cautela

A partir de julho, terá início o “espetáculo do crescimento”, assegurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a uma plateia repleta de sindicalistas. Era junho de 2003, e eram outros tempos. Hoje, não se vê tamanha confiança no Palácio do Planalto, ainda que os recentes sinais da economia representem um alívio para aqueles que no campo político sofrem diariamente para colher notícias positivas.

Naquele discurso, feito em São Bernardo do Campo (SP), seu berço eleitoral, Lula ofereceu um roteiro familiar aos presentes: o governo não teve como tomar providências com mais agilidade porque o país estava na UTI depois das eleições, a credibilidade internacional brasileira estava enfim recuperada e já era perceptível uma desaceleração da inflação.

Para aquecer a economia e modernizar a frota nacional, pontuou, medidas voltadas ao setor automotivo haviam sido adotadas. “Anteontem nós anunciamos o maior Plano de Safra que a agricultura familiar brasileira já ouviu ser anunciado”, acenou ao campo.

Lu Aiko Otta - No fim da temporada, inflação e juro caem

Valor Econômico

No Ministério da Fazenda, a avaliação é de que o início de ano muito ruim parece estar ficando para trás

Era janeiro de 2003 e nevava levemente em Davos, na Suíça, quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi ao hospital local visitar o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que na véspera lesionara o pé ao escorregar no chão congelado. Na salinha destinada aos fumantes, o médico sanitarista que vinha surpreendendo o mercado no comando da economia afirmou que o Brasil cumpriria, sim, seu contrato com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse era um ponto de preocupação naquele momento. Depois, daria um “obrigado” e um “até logo”.

Vinte anos depois, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não perde oportunidade para frisar que o Brasil não deve ao FMI. Dessa forma, deixa clara a diferença da situação atual em relação aos anos 1980, quando o slogan “Fora FMI” foi um hit dos movimentos de esquerda.

No entanto, o Brasil segue como membro do organismo. No mês passado, uma missão técnica esteve no país para uma avaliação de rotina e sugeriu que fosse considerada a adoção de uma meta de inflação de médio prazo. Metas anuais, comentou o organismo, são formas menos eficientes de ganhar flexibilidade diante de choques.

Essa mudança tem sido defendida por Haddad há algum tempo. É tema que pode estar na pauta da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) do próximo dia 29, assim como a meta de inflação para 2026.

Vera Magalhães - Descompasso entre economia e política

O Globo

Enquanto Haddad reverte má vontade de agentes econômicos, presidente não consegue nem demitir ministra inoperante administrativa e politicamente

Passado quase meio ano, as expectativas para o governo Lula se inverteram e, hoje, as boas notícias vêm da economia, enquanto a política inspira cuidados.

Enquanto Fernando Haddad conseguiu superar uma enorme má vontade dos agentes econômicos quando de sua indicação para a Fazenda e articulou não apenas o projeto do arcabouço fiscal, mas um plano de aonde quer chegar ao fim de quatro anos, os demais ministros patinam entre propostas do passado — as que outrora deram certo e até aquelas que já se mostraram equivocadas quando eram novas — e a dificuldade de fazer deslanchar as políticas públicas em suas áreas.

Foi o economista José Roberto Mendonça de Barros quem fez essa síntese que me deu o mote para a coluna. Louvado sempre por seu tirocínio político, Lula não consegue, no momento, sequer decidir se demite uma ministra até aqui inoperante administrativa e politicamente como Daniela Carneiro.

Bernardo Mello Franco – Os últimos dias da irmã Daniela

O Globo

Na política, a solidariedade pode vir de onde menos se espera. Foi o que descobriu ontem a ministra do Turismo, Daniela Carneiro. Torpedeada pelo União Brasil e prestes a ser demitida do governo Lula, ela recebeu apoio de deputados do PL.

“A senhora tem aqui um aliado”, disse o bolsonarista Bibo Nunes. “Cristianismo é levar pedrada, é ser perseguido. Mas a palavra final vem de Deus”, emendou o pastor Roberto Monteiro, que se referiu à ministra como “irmã em Cristo”.

Em visita à Câmara, Daniela citou a Bíblia, jurou fidelidade a Lula e disse ser vítima de “machismo estrutural”. Apesar dos esforços, deve perder o cargo nos próximos dias. A ministra não será dispensada pelo que fez ou deixou de fazer no governo. O Planalto avisou que precisa da cadeira para barganhar votos com o União Brasil.

Elio Gaspari - As travas de Dweck são preventivas

O Globo

O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, está com duas panelas no fogo. Numa, sofre o impacto das investigações que envolvem a compra, pelo governo federal, de kits de robótica para escolas de Alagoas e Pernambuco que não tinham estrutura e, num caso, nem água. É desnecessário lembrar que os kits estavam superfaturados.

Noutra panela está a briga por nomeações. As repórteres Catia Seabra e Julia Chaib revelaram que as queixas do Centrão concentram-se na ministra Esther Dweck, da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. Trata-se de uma servidora de perfil técnico, pessoalmente discreta. Ela teria emperrado nomeações na Secretaria do Patrimônio da União. Logo na repartição que leva o nome do Patrimônio da Viúva. As queixas ramificam-se para uma fundação de previdência e estendem-se ao Ministério da Saúde.

Ganha um fim de semana em Caracas quem for capaz de enunciar o questionamento de uma só política pública envolvida nessas disputas. Quase sempre, as queixas estão associadas ao preenchimento de cargos que têm chaves de cofres.

Zeina Latif - Mudanças de crenças e o rumo da política

O Globo

A conquista da confiança e a pacificação da sociedade dependerão de o país provar robustez democrática e conquistar justiça social

Passados dez anos, há muitas análises sobre as razões dos protestos de 2013. São reflexões importantes, pois aquelas manifestações dizem muito sobre as mudanças de crenças e valores de uma sociedade que se tornou mais exigente. São elementos que repercutem na política até hoje.

A imagem é de uma energia potencial acumulada que se materializou diante do gatilho representado pela repressão policial às manifestações de estudantes contra o reajuste da tarifa de ônibus em São Paulo. O sentimento de alívio de muitos ao assistir o fervor nas ruas dá uma dimensão da indignação que se acumulava.

Várias análises remetem ao anseio, até então incompreendido, por maior eficiência na ação estatal, com a oferta de serviços públicos de qualidade e o combate à corrupção. Grosso modo, as análises não contemplam e até afastam a hipótese de a situação econômica ter tido influência nos protestos.

Vera Rosa - O jogo de Alcolumbre para apoiar Zanin

O Estado de S. Paulo

Senador cobra de Lula indicação de Pacheco para 2.ª vaga no STF, de olho na cadeira do afilhado

O apoio conquistado por Cristiano Zanin para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) conta com um padrinho importante, além do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Alcolumbre não só marcou a sabatina de Zanin para o próximo dia 21 como vê a aprovação do advogado de Lula como “favas contadas”. Não é só ele. “Um presidente nunca indica quem sabe que o Senado vai recusar”, disse o ministro do STF Alexandre de Moraes ao lembrar que rasteiras assim só foram registradas no governo do marechal Floriano Peixoto.

Diante desse cenário, o jogo de Alcolumbre, agora, avança para a segunda casa, de olho na vaga a ser aberta em outubro, com a aposentadoria da presidente da Corte, Rosa Weber.

Na recente conversa com Lula, o senador prometeu ajudar Zanin a angariar votos. O presidente da CCJ é conhecido, porém, por cobrar a fatura com insistência. E o que ele quer, além de cargos no Dnit, na Caixa e na Secretaria de Patrimônio da União, entre outros, é transformar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em ministro do STF no fim do ano.

Paulo Delgado* - O uso astuto da internet

O Estado de S. Paulo

É preciso desligar o poder de remunerar a mentira. Canal do mundo sombrio, falar de ‘big tech’ é falar de uma ferida que já é incorrigível

Se um boi pudesse usar as redes sociais, certamente o faria como quadrúpede. Mosca varejeira que faz o indivíduo se render à sua picada e, engolido sem esforço, deixá-la digerir seu mundo. Colecionadoras de fantasma em troca do fastio de efusões, as gigantes digitais são o maior sim que o poder já ousou criar. Com faceta velhaca, faz-se aliado do usuário enquanto absorve todas as coisas de quem obedece mais. Canal da adversidade, quer se ver como fortuna.

A fraude intrínseca das redes sociais é a pretensão de saber o modo de funcionamento do indivíduo e se achar espelho da realidade. Quando, na verdade, criaram um padrão – subgênero-gente-digital – tirado da fragilidade da identidade e das ninharias da personalidade. Amo que cindiu e alienou a pessoa a instâncias externas e com práticas desleais de causar sensação, combinadas com almas intrusivas, ilegais e nocivas, usurpou a grandeza da internet. Os atos contradizem os ares de direito que se deram. Malignidade da sagacidade, como foi fácil fabricar um ser rendido!

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula põe acordo de Mercosul com UE de volta no limbo

Valor Econômico

“Side letter” que pode ter se tornado um álibi para que o acordo com o Mercosul não prospere

Tanto o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, como o da Argentina, Alberto Fernández, que dirigem as duas maiores economias do Mercosul, manifestaram disposição de rever partes do acordo com a União Europeia, concluído em junho de 2019, após duas décadas de negociações, por seus adversários políticos e antecessores, Jair Bolsonaro e Mauricio Macri. Nesta semana, a presidente da Comissão Europeia, Ursula van der Leyen, se reuniu com Lula e polidamente divergiram. Em tese, o desejo de ambos é concluir o acordo até o fim do ano. Os obstáculos levantados por países dos dois lados colocam o objetivo em dúvida.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Palavra Mágica

 

Música | Luiz Gonzaga - Asa Branca