Rodrigo Rangel e Robson Bonin – Revista Veja
• As fraudes na Petrobras financiaram campanhas eleitorais, subornos e a mordomia de políticos desonestos em um processo que fez da estatal o bolso profundo da corrupção
Nas projeções mais otimistas, calcula-se que corruptos e corruptores envolvidos no escândalo da Petrobras tenham desviado algo perto de 19 bilhões de reais dos cofres da empresa. A estatal era o paraíso, o nirvana para gente desonesta, incluindo os empreiteiros, os servidores públicos e os políticos já identificados como parceiros da partilha do dinheiro roubado. Na semana passada, o lobista Julio Camargo, um dos delatores do caso, tentou explicar ao juiz Sergio Moro a essência do petrolão. Na visão dele, a corrupção na Petrobras poderia ser ilustrada pela figura do fruto proibido. Os contratos eram como maçãs que os empreiteiros ansiavam saborear em sua plenitude. O que os impedia eram os partidos e os políticos da base do governo. "É aquela história, olhar a maçã e dizer: "Como vou pegar essa maçã? Tem uma regra do jogo que eu preciso atender. Do contrário, não vou comer a maçã"", disse Camargo. A "regra do jogo", o caminho mais curto para alcançar a árvore e apoderar-se dos frutos, como as investigações da Operação Lava-Jato já revelaram, era pagar propina. Durante os dois primeiros mandatos de Lula e ao longo de todo o primeiro mandato de Dilma Rousseff, o PT usou o pomar para governar. Distribuir as maçãs virou um método, um atalho que o partido encontrou para garantir a fidelidade dos amigos e seduzir eventuais adversários, transformando-os em cúmplices de um crime contra toda a sociedade. Na semana passada, a polícia bateu na porta de alguns convivas do banquete.
Os investigadores cumpriram 53 mandados de busca e apreensão nas residências e nos escritórios de políticos suspeitos de corrupção no escândalo da Petrobras. Entre os alvos estavam parlamentares e ex-parlamentares, incluindo dois ex-ministros do governo da presidente Dilma. No episódio mais emblemático da ação, os agentes devolveram ao noticiário político-policial a antológica Casa da Dinda, a residência do ex-presidente Fernando Collor, cenário do escândalo que, nos anos 90, levou ao primeiro impeachment de um presidente da República. Os policiais apreenderam documentos, computadores e três carros de luxo da frota particular do atual senador: um Lamborghini Aventador top de linha (3,5 milhões de reais), uma Ferrari vermelha (1,5 milhão de reais) e um Porsche (700 000 reais). Nem o bilionário empresário Eike Batista em seus tempos de bonança exibia modelos tão exclusivos — e caros.
Collor, até onde se sabe, é um empresário de sucesso. Sua família é proprietária de emissoras de televisão e rádio em Alagoas, terrenos, apartamentos, títulos, ações, carros... A relação de bens declarados pelo senador soma 20 milhões de reais, o suficiente para garantir vida confortável a qualquer um.
Collor, apesar disso, não resistiu à tentação e adentrou o pomar petista. Em 2009, ele assumiu a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado. Com significativo poder para fiscalizar os destinos das obras do PAC, a vitrine de campanha da então candidata Dilma Rousseff, o senador se apresentava como um obstáculo para o governo. A maçã lhe foi oferecida. O ex-presidente Lula entregou ao senador duas diretorias da BR Distribuidora, uma subsidiária da Petrobras — a diretoria da Rede de Postos de Serviço e a de Operações e Logística. No comando desse feudo, segundo os investigadores, Fernando Collor criou o seu balcão particular de negócios dentro da maior estatal brasileira, o que lhe renderia milhões em dividendos.
Segundo depoimentos colhidos na Lava-Jato, o esquema obedecia a uma lógica simples. As empresas que tinham interesse em assinar contratos com a BR acertavam antes "a parte do senador". Foram dezenas de contratos. A polícia já identificou dois que passaram por esse crivo. Num deles, de 300 milhões, um empresário do ramo de combustíveis pagou a Collor 3 milhões de reais em propinas para viabilizar a compra de uma rede de postos em São Paulo. A operação foi revelada pelo doleiro Alberto Youssef em acordo de delação premiada. Encarregado de providenciar o suborno ao senador, Youssef fez a entrega de "comissões" em dinheiro, depósitos diretos na conta do parlamentar e transferências para uma empresa de fachada que pertence a Collor. O Lamborghini, até recentemente o único do modelo no Brasil, está em nome da tal empresa, o que fez os investigadores suspeitar que o carro foi bancado com dinheiro desviado da Petrobras. Desde o ano passado, quando explodiu a Operação Lava-Jato e as torneiras da corrupção se fecharam, o IPVA do carro não é pago pelo ex-presidente. A dívida acumulada é de 250000 reais. Mas não é desapego do senador. Zeloso, ele só usava o carro para passeios esporádicos a um shopping de Brasília. Quando isso acontecia, o Lamborghini permanecia sob a vigilância de dois seguranças do senador, que fixavam um perímetro de isolamento em torno do veículo para evitar a aproximação dos curiosos. A frota de luxo de Collor — revela Lauro Jardim, na seção Radar — conta com um Rolls-Royce Phantom 2006, mais exclusivo ainda do que o Lamborghini.
O segundo caso envolve um contrato de 650 milhões de reais. Para conquistá-lo, Ricardo Pessoa, o dono da UTC, uma das empreiteiras envolvidas no escândalo, disse ao Ministério Público que repassou ao grupo do senador 20 milhões de reais em propina. Pessoa afirmou que o ardil nesse caso foi tão escancarado que ele foi levado a conversar sobre o tal "acerto" diretamente com o diretor da BR Distribuidora indicado pelo senador. O intermediário do encontro foi Pedro Paulo Leoni Ramos, amigo do ex-presidente e seu ex-assessor, que também teve a casa e o escritório vasculhados pela polícia. Como prova do que revelou, o empresário entregou à Justiça uma planilha na qual estão registrados todos os repasses de dinheiro feitos para quitar o "acerto" com o senador. Resumindo, em apenas dois negócios na Petrobras, Collor ganhou mais dinheiro do que tudo o que declara ter conseguido juntar como patrimônio em seus 65 anos de vida.
"Fui submetido a um atroz constrangimento, fui humilhado. Depois de tudo o que passei em minha vida política, tive de viver uma situação jamais por mim experimentada", afirmou, ao acusar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de persegui-lo injustamente. Os investigadores informaram que os carros foram apreendidos como forma de garantir o futuro ressarcimento do dinheiro desviado dos cofres públicos. A ação sobre o ex-presidente é o início de uma nova etapa da investigação, que mira um lado do esquema de corrupção que até a semana passada continuava impune. Empreiteiros estão presos, os partidos envolvidos foram identificados, os operadores contaram boa parte do que sabiam, mas quase meia centena de políticos que participaram da partilha continuava impune. As investigações já revelaram que o dinheiro desviado da Petrobras foi usado para financiar planos de poder megalomaníacos, campanhas eleitorais e, como mostram as primeiras investidas sobre deputados e senadores, mordomias, variadas mordomias.
Assim como Collor, que converteu sua lucratividade no petrolão em uma frota de carros de luxo, outros políticos com mais ou com menos influência e poder, mas igualmente inseridos na quadrilha, usaram a Petrobras para financiar uma vida de sonhos. O ex-presidente Lula, por exemplo, tornou-se dono de um tríplex à beira-mar, no Guarujá (SP), e hóspede freqüente de um confortável sítio no interior de São Paulo, graças à relação promíscua com o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, preso e acusado de pagamento de propinas. A pedido do ex-presidente, o empreiteiro baiano patrocinou uma reforma no sítio e deu uma mão para terminar a construção do prédio em São Paulo. A Bancoop, a cooperativa ligada ao PT e responsável pela obra, havia falido, deixando milhares de mutuários sem receber seus imóveis. Lula pediu uma ajuda ao empreiteiro, que prontamente o atendeu. O apartamento ganhou um elevador privativo para que o ex-presidente acessasse a cobertura e o sítio recebeu móveis modernos, piscina aquecida, tanque de peixes, pedalinhos...
O dinheiro desviado financiou a revolução — na vida — de alguns revolucionários de outrora. José Dirceu, o mensaleiro que se tornou "consultor de sucesso", embolsou 39 milhões de reais. Parte generosa dessa quantia, estranhamente paga por seus serviços enquanto ele estava preso, sabe-se agora, foi desviada dos cofres da Petrobras com a ajuda do ex-tesoureiro nacional do PT João Vaccari Neto, que também fez a família enriquecer e conseguiu seu apartamento na praia graças à OAS. Apreciador de bons vinhos, o ex-ministro experimentou os prazeres que o dinheiro farto pode proporcionar. Desde que deixou o governo Lula, ele fez inúmeras viagens pelo Brasil e ao exterior, sempre a bordo de jatos particulares financiados por seus "clientes" preferenciais, os empreiteiros do petrolão. Dirceu só se hospedava em resorts de luxo, preferia as roupas de grife e fazia questão de dividir as mordomias com outro companheiro de luta. Na foto da página anterior, ele está numa praia da Bahia com Rosemary Noronha (de chapéu), a ex-chefe do escritório da Presidência, amiga íntima de Lula e demitida também por corrupção. A tentação dos carros importados, dos jatos e das bebidas caras seduziu a nova elite da corrupção brasileira. O ex-deputado petista André Vargas, hoje preso, não dispensava um jatinho nem nas férias com a família. A polícia descobriu que seu patrimônio reunia mansões, sítios e, claro, carros importados. A exemplo dos petistas, outros políticos da "base aliada", como o ex-deputado Luiz Argôlo, levavam uma vida de fausto com o dinheiro oriundo da Petrobras. Ele chegou a ganhar um helicóptero de presente de seus patrocinadores. Os corruptos são todos iguais.
23 milhões de reais
Inimigo visceral de Lula e do PT nos anos 90f o ex-presidente Fernando Collor converteu-se gostosamente em um dos mais fiéis aliados de Lula e do PT quando retomou à política corno senador. A reviravolta teve um preço: um feudo bilionário na Petrobras. No controle de duas diretorias da BR Distribuidora, uma subsidiária da estatal, Collor estabeleceu o próprio balcão de negócios no petrolão Em apenas dois contratos, faturou uma verdadeira fortuna. No primeiro, levou 3 milhões de reais para favorecer uma rede de postos de gasolina de São Paulo. No segundo, embolsou 20 milhões de reais para manipular uma licitação em favor da construtora UTC do empreiteiro Ricardo Pessoa. O ex-presidente apeado do poder aplacou seus fantasmas nos milhões do petrolão. De caçador de marajás, revelou-se ao país, na semana passada, como o mais bem-acabado deles. Em sua garagem na Casa da Dinda, a polícia apreendeu uma Ferrari 458 Italia, um Porsche Panamera e um Lamborghini Aventador Roadsíer avaliados em quase 6 milhões de reais. Dos tempos de presidente aos tempos de aliado petista, só o valor do Fiat Elba é que mudou.
1 milhão de reais
O ex-deputado Luiz Argôlo, preso no Paraná, era considerado um dos mais vorazes políticos do petrolão. Quase que diariamente, Argôlo recebia pacotes de dinheiro no apartamento funcional da Câmara, em eventos políticos e até no estacionamento do Congresso. A fartura era tanta que ele viajava pelo menos três vezes por semana a São Paulo para buscar as malas de dinheiro no escritório de Alberto Youssef. Em algumas viagens, fretava um avião particular para conseguir carregar as malas, que, de tão pesadas, rebaixavam o porta-malas do carro durante o transporte. O dinheiro sujo jorrava tão facilmente que Argôlo ganhou do doleiro um helicóptero avaliado em quase 1 milhão de reais. Com tantos luxos bancados por Youssef, Bebê Johnson, como ele era chamado no grupo, não escondia sua admiração pelo doleiro. "Queria ter falado isso ontem. Acabei não falando. Te amo", disse certa vez a Youssef, por mensagem de celular, logo depois de receber um pacote de dinheiro. O doleiro retribuiu: "Eu amo você também. Muitoooooooooo".
500 milhões de reais
O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto sempre foi uma figura respeitada por sua competência em arrumar dinheiro. Diferentemente dos colegas, diziam os cardeais do PT, ele não usava sua função para encher os próprios bolsos, como faziam os mensaleiros. Disciplinado, dedicado e, acima de tudo, discreto, Vaccari foi o motor das eleições petistas na última década. Desviando recursos da Cooperativa dos Bancários (Bancoop) ou cobrando propinas das empreiteiras do petrolão, ele era o principal responsável pela estrutura financeira que elegeu e reelegeu Dilma Rousseff. Em apenas uma das diretorias da Petrobras, amealhou 500 milhões de reais em propinas. Mas o tesoureiro não era de ferro. Os investigadores descobriram que sua filha, uma universitária, acumulava 1,6 milhão de reais em patrimônio. A bolada tinha origem em remessas de Vaccari, que, assim como o amigo Lula, virou um feliz proprietário de um apartamento no Guarujá (SP), imóvel construído pela OAS, uma das empreiteiras envolvidas no esquema.
4 milhões de reais
Um dos políticos mais influentes do PT, André Vargas está entre os muitos petistas que mudaram de vida depois do petrolão. Vargas foi o primeiro político a cair na teia da Lava-Jato. Pilhado em conversas "estranhas" com integrantes da quadrilha, ele renunciou à vice-presidência da Câmara, foi obrigado a deixar o PT e ainda teve o mandato cassado pelos colegas. Mas a ruína política não prejudicou sua saúde financeira. Proprietário de um Monza velho e batido nos primeiros anos como parlamentar, Vargas saiu da política milionário, dono de mansões, fazendas e carros importados. À custa do dinheiro sujo do petrolão, o ex-deputado cruzou várias vezes o país em jatos particulares financiados por Alberto Youssef, seu amigo. Apenas duas de suas empresas de fachada, abertas para mascarar o recebimento de propina, faturaram pelo menos 4 milhões de reais. 0 ex-deputado, preso em Curitiba, sonhava em presidir a Câmara.
2,4 milhões de reais
O empreiteiro Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS, foi durante muitos anos um dos mais fiéis amigos de Lula no poder. Ao longo dos dois governos do petista, transformou a construtora em um império com milhões de dólares do BNDES em investimentos no Brasil e no exterior. A proximidade entre os dois era tal que Lula ficava à vontade para pedir toda sorte de favor. Preso em novembro do ano passado, Pinheiro sentiu-se abandonado e começou a rascunhar o esboço do que seria uma possível delação premiada. Essas anotações revelaram como era lucrativa a amizade de Lula com o empreiteiro. Logo depois de deixar o governo, Lula ocupou um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo. O empreiteiro também construiu o tríplex de Lula no Guarujá (SP). A pedido do petista, Léo Pinheiro realizou uma reforma de luxo na propriedade de Atibaia sem cobrar do ex-presidente um único tostão. Outro empreiteiro generoso com Lula foi Ricardo Pessoa. O dono da UTC admitiu ter entregue 2,4 milhões de reais em dinheiro vivo para a campanha do petista à reeleição, em 2006. Desviada da Petrobras, a bolada saiu de uma conta na Suíça.
43 milhões de reais
Depois de cair em desgraça no escândalo do mensalão, em 2005, o ex-ministro José Dirceu decidiu refazer a vida como "consultor". Sua carteira de clientes era um dos segredos mais bem guardados da República - e não por acaso. Descobriu-se que as consultorias nada mais eram que uma forma de as grandes empresas pagarem propina ao ex-ministro por obras no governo. Em sete anos, ele juntou uma fortuna de 39 milhões de reais. Antes de ser preso, viajava apenas em jatos particulares e curtia a vida nos melhores resorts do pais. Nas últimas semanas, as investigações da Lava-Jato desmontaram de vez a farsa. O empreiteiro Ricardo Pessoa apresentou documentos que mostram que Dirceu recebeu dinheiro desviado da Petrobras no período em que estava preso na Papuda. Para acobertar o pagamento de propina, simulava contratos de consultoria. Na semana passada, o lobista Julio Camargo admitiu ao juiz Sergio Moro que repassou 4 milhões de reais em dinheiro vivo a Dirceu. Novamente, era propina do petrolão.