segunda-feira, 27 de julho de 2020

Opinião do dia - Luiz Werneck Vianna*

Se Bolsonaro é prisioneiro dos idos do AI 5, a oposição democrática a isso que aí está, não deve ficar retida na sua história de sucessos nos anos 1980, embora deva estar atenta às suas lições. A trama é nova e novos são os personagens, muito particularmente aqueles que surgiram com a auto-organização da vida popular em suas lutas pela vida em meio à catástrofe da pandemia, eles e os seus intelectuais que ganharam estofo nessas lutas, e junto a eles os movimentos de cientistas, de universitários e de intelectuais que a eles se associaram. A política democrática não poderá perdê-los de vista, assim como abrir generosos espaços a esses emergentes setores da esquerda, que, embora ainda imaturos em alguns casos, trazem consigo seiva nova a ser valorizada.

As eleições municipais – eleições, na nossa experiência, consistem em uma forma superior de luta – estão batendo em nossas portas, e aí estará o momento, especialmente se a malfadada pandemia arrefecer para recuperarmos os espaços que fomos coagidos a abandonar. Nessa hora de retomada cumpre alargar, de forma tal que empalideça todas nossas experiências anteriores, uma frente democrática que invista com energia contra as muralhas reacionárias que os desavindos com a nossa história e melhores tradições ergueram para a proteção dos seus privilégios e de suas crenças malévolas.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC –Rio. “A muralha e a sua porta”, Instituto Humanitas Unisinos – IHU, 22/7/2020

Nas capitais, centrão se descola de Bolsonaro em eleições municipais

Partidos do bloco não abrem mão de acordos com siglas de centro-esquerda, principalmente nas regiões Norte e Nordeste

Bernardo Mello | O Globo (26/07/2020)

RIO — Faltando cerca de um mês para a abertura da janela de oficialização de candidaturas a prefeito nas eleições de 2020, as 26 capitais do país formam um cenário pulverizado de nomes e alianças, marcado pela maleabilidade de partidos do chamado centrão para compor com diferentes forças políticas. Em meio à aproximação com o presidente Jair Bolsonaro no Congresso, as siglas do centrão aderiram apenas pontualmente a pré-candidatos bolsonaristas nas capitais e não abriram mão de acordos com siglas de centro-esquerda, especialmente no Norte e Nordeste, ou de candidaturas próprias, de olho na manutenção de capilaridade nacional.

Para líderes partidários e cientistas políticos, a variedade de alianças sinaliza que as articulações partidárias se guiaram mais por questões locais e menos pela polarização nacional. Já a fragmentação de candidaturas é tida como consequência do fim das coligações proporcionais, o que incentivou os partidos a buscarem a cabeça de chapa numa tentativa de impulsionar as nominatas de vereadores. O período de convenções partidárias, em que os candidatos são formalmente escolhidos, foi remarcado entre 31 de agosto e 16 de setembro após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adiar as eleições para novembro.

— A eleição municipal não segue, necessariamente, as influências e tendências de organização partidária no plano nacional. Desde que haja um projeto em sintonia com o programa do partido, não há restrição, a priori, na formação de alianças locais — afirma o presidente nacional do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto.

Leque de alianças
O DEM costura alianças com o PDT em pelo menos quatro capitais, seja apoiando um cabeça de chapa do partido de Ciro Gomes, caso de Fortaleza, ou recebendo o apoio pedetista a seus candidatos, situação que aparece em Macapá, São Luís e Salvador, onde o candidato será o atual vice de ACM Neto, Bruno Reis. A sigla também se aproximou do MDB, campeão de prefeituras conquistadas em 2016 (1.038), em capitais do Centro-Oeste e Nordeste.

PSD e PP, atual Progressistas, mantiveram aberto o leque de alianças apesar da aproximação com o governo Bolsonaro. O senador Ciro Nogueira (PP-PI) rompeu com o governador do Piauí Wellington Dias (PT) e estarão em lados opostos em Teresina. O PP, no entanto, apoiará o candidato do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), em São Luís e se aproximou do PSB em capitais como Rio Branco e Palmas. Para o presidente do PSD, Gilberto Kassab, o debate entre esquerda e direita não se traduz nas disputas municipais. Com o apoio de Kassab, o PSD lançou à prefeitura de Belém o nome do deputado estadual Gustavo Sefer, próximo ao governador do Pará, Helder Barbalho (MDB). Com isso, acabou preterido o deputado bolsonarista Éder Mauro (PSD-PA), que articulava candidatura.

Ricardo Noblat - Não passará!

- Blog do Noblat | Veja

Ação de Bolsonaro foi só para afagar seus seguidores
Dá-se como certo entre ministros do Supremo Tribunal Federal ainda de férias que eles recusarão o pedido do presidente Jair Bolsonaro e da Advocacia-Geral da União (AGU) para suspender o bloqueio nas redes sociais de contas usadas por bolsonaristas de relevo para a publicação de fake news.

E por uma simples razão: a AGU, segundo dois ministros ouvidos por este blog no fim da última semana, advoga em favor dos interesses do governo, não dos interesses do presidente da República. E o governo nada tem a ver com o bloqueio das contas. Não eram contas do governo, tampouco do presidente.

Certamente a AGU deve ter sido pressionada por Bolsonaro a agir assim. Ele precisava dar uma satisfação aos seus parceiros, mostrar que um comandante não abandona soldados feridos em meio a uma batalha.
Outros parceiros dele, que não foram atingidos pelo bloqueio de contas, saíram em defesa do seu gesto.

Recentemente, ocorreu algo parecido com o ministro André Mendonça, da Justiça, que ao tomar posse se disse “um servidor fiel” de Bolsonaro. Mendonça entrou no Supremo com um pedido de habeas corpus para tirar do inquérito das fake news o então ministro Abraham Weintraub, da Educação.

O pedido foi considerado “uma bizarrice” jurídica por ministros do Supremo. E, por isso, rejeitado. Mendonça é forte candidato à vaga que se abrirá no Supremo até novembro com a aposentadoria do ministro Celso de Mello, o decano da Corte. Está empenhado em agradar Bolsonaro desde agora.

Marcus André Melo* - Populismo e o futuro da democracia

- Folha de S. Paulo

A crítica ao populismo não deve se confundir com a defesa iliberal da tecnocracia.

Populismo é um termo elusivo que resiste a definições: já foi aplicado a contextos tão diversos quanto a Rússia —onde se originou, nos anos 1870, a palavra "narodnik" (de narod, povo em russo)—, os Estados Unidos, no final do século 19, ou a América Latina do pós-Guerra. Ele passou a designar todo movimento político ancorado em apelo ao povo —em oposição às elites— e na representação política direta, sem mediações ou controles institucionais.

A crítica populista à democracia representativa tem assim longo pedigree à direita e à esquerda, mas adquiriu centralidade na atual vaga iliberal. Os que atuam entre o povo e os governos são seu alvo: os partidos, os políticos, as elites e os "checks and balances" que limitam a expressão da vontade popular.

A boa representação política para o populismo é "descritiva" —os líderes são bons porque se parecem com a base ("são um deles")— e "simbólica" —o líder é símbolo e se define pelo que é, não pelo que faz.

Nas democracias consolidadas, essa crítica centrou-se na ideia da existência de déficits democráticos: os partidos viram sua função representativa se atrofiar e a governativa hipertrofiar. Ao terem se "estatizado", perderam a conexão com a sociedade civil. Como entes parapúblicos, já não precisam de militantes. As consequências: o comparecimento às urnas desabou (de mais de 80% para pouco mais de 60% entre 1960 e 2010), e a identificação partidária idem.

Celso Rocha de Barros* - Genocídio custa voto?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar a eleição

O Brasil deve chegar a 100 mil mortos na pandemia nas próximas semanas. É duas vezes o número estimado de brasileiros mortos na Guerra do Paraguai. Mas Bolsonaro aposta que genocídio não custa voto.

Se morrer 1 milhão de pessoas, e seus, digamos, dez parentes e amigos próximos se revoltarem contra Bolsonaro, ainda não é gente suficiente para colocar um candidato presidencial no segundo turno. Como notou o cientista político Christian Lynch, os que morreram não vão votar.

Se você adoecer e morrer, Bolsonaro perderá seu voto, mas nenhum adversário de Bolsonaro tampouco o terá. Bolsonaro já precificou a sua morte, leitor, e conta que ainda dá para ganhar eleição sem os votos de sua viúva e de seus órfãos.

Para que isso seja verdade, algumas condições precisam ser satisfeitas.

Em primeiro lugar, é preciso que os sobreviventes não sintam qualquer empatia com as vítimas. Aqui a tradição joga a favor de Bolsonaro: o Brasil, de fato, não tem qualquer tradição de empatia com pobre morto.

Leandro Colon – O baile no Fundeb

Não há base governista que solidifique com o método de articulação do Planalto

Jair Bolsonaro finge que não, mas a verdade é que tomou um baile na votação que aprovou o Fundeb na Câmara.

O episódio expôs uma fragilidade justamente na hora em que o presidente tenta distensionar a relação.

Depois de tantos flertes com o centrão, regado a cargos públicos, ele foi atropelado pelo plenário presidido por Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Fracassou a armadilha de querer contrabandear dinheiro do fundo para o Renda Brasil. Tem muito político que gosta de enganar, mas não de ser enganado.

O centrão não ajudou e deixou o Planalto solitário no vexame protagonizado pelos sete minguados bolsonaristas que votaram contra o fundo.

Ato contínuo, Bolsonaro destituiu a super aliada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do governo, como punição - ela foi um dos "rebeldes".

Tudo teatro para bolsonarista ver. No sábado (25), o presidente visitou a parlamentar em sua casa em Brasília em um gesto de prestígio.

O modelo "paz e amor", com acenos ao Congresso, pode ser bonito para fora, mas no plenário o jogo é completamente diferente.

Deputados e senadores, fisiológicos ou não, gostam de bajulação e de saber quais são claramente os movimentos do governo.

Ruy Castro* - A história no meio do nada

- Folha de S. Paulo

O vírus isolou o centro do Rio, onde o Brasil foi Colônia, Vice-Reino, Reino, Império e República

Todos os estabelecimentos comerciais ameaçados de morte pela pandemia têm sua história. Alguns, claro, têm mais história do que outros, pelo tempo de casa e pelo que aconteceu entre suas paredes. Um deles é o Villarino, misto de uisqueria e balcão de importados no centro do Rio, fundado em 1953. Ali se deu, num fim de tarde de 1956, um aperto de mãos decisivo na cultura brasileira, entre Vinicius de Moraes, em busca de um parceiro para musicar sua peça "Orfeu Negro", e Tom Jobim. O que resultou você sabe.

E só podia ter acontecido no Villarino, então um templo do pós-expediente para jornalistas, escritores, radialistas, compositores, arquitetos, diplomatas e pintores, quando todos ainda trabalhavam na cidade. De Pancetti e Dolores Duran a Paulo Mendes Campos e Villa-Lobos, era em suas mesas que eles comungavam em torno de um uísque, esperando o fim do rush, antes de rumar para a Zona Sul.

Até que, nos anos 80, a noite no centro do Rio, como a de muitas cidades brasileiras, foi deixando de existir. O Villarino reinventou-se como restaurante diurno, caseiro, de escalopes e escabeches, e seguiu firme. Além dos novos clientes que conquistou, havia os turistas a fim de conhecer o lugar onde se dera a inseminação da bossa nova.

Discurso de Bolsonaro não é ético e governo se baseia em 'economia que mata', diz carta assinada por 152 bispos brasileiros

Documento seria divulgado no dia 22, mas foi suspenso para ser analisado por conselho da CNBB

Mônica Bergamo | Folha de S. Paulo

Uma carta com duras críticas ao governo de Jair Bolsonaro foi assinada por 152 bispos, arcebispos e bispos eméritos do Brasil. Ela deveria ter sido publicado na quarta (22), mas foi suspensa para ser analisada pelo conselho permanente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Há um temor entre signatários do documento de que o setor conservador do órgão impeça a divulgação. Hoje há no Brasil 310 bispos na ativa e 169 eméritos.

O texto, chamado de "Carta ao Povo de Deus", afirma que o Brasil atravessa um dos momentos mais difíceis de sua história, vivendo uma "tempestade perfeita". Ela combinaria uma crise sem precedentes na saúde e um "avassalador colapso na economia" com a tensão sofre "fundamentos da República, provocada em grande medida pelo Presidente da República [Jair Bolsonaro] e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança".

" Analisando o cenário político, sem paixões, percebemos claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises", diz o documento.

"Assistimos, sistematicamente, a discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar o flagelo dos milhares de mortes pela COVID-19, tratando-o como fruto do acaso ou do castigo divino", segue a carta. Ela se refere também ao "caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço".

"Esse discurso não se baseia nos princípios éticos e morais, tampouco suporta ser confrontado com a Tradição e a Doutrina Social da Igreja, no seguimento àquele que veio `para que todos tenham vida e a tenham em abundância`”.

Os religiosos fazem críticas também às reformas trabalhista e previdenciária. Segundo eles, ambas, "tidas como para melhorarem a vida dos mais pobres, mostraram-se como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo".

Eles reconhecem que o país precisa de reformas, "mas não como as que foram feitas, cujos resultados pioraram a vida dos pobres, desprotegeram vulneráveis, liberaram o uso de agrotóxicos antes proibidos, afrouxaram o controle de desmatamentos e, por isso, não favoreceram o bem comum e a paz social. É insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população".

O documento afirma ainda que o "sistema do atual governo" não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, "mas a defesa intransigente dos interesses de uma economia que mata, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço".

Para eles, o ministro da Economia, Paulo Guedes, "desdenha dos pequenos empresarios" e o governo promove "uma brutal descontinuidade da destinação de recursos para as políticas públicas no campo da alimentação, educação, moradia e geração de renda". A carta diz ainda que "o desprezo pela educação, cultura, saúde e pela diplomacia" estarrece, sendo visível nas demonstrações de "raiva" pela educação pública e no "apelo a ideias obscurantistas".

Cita também o que julga ser o uso da religião para "manipular sentimentos e crenças", provocando tensões entre igrejas."Ressalte-se o quanto é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário", segue o documento.

O texto é assinado, entre outros, pelo arcebispo emérito de São Paulo, dom Claudio Hummes, pelo bispo emérito de Blumenau, dom Angélico Sandalo Bernardino, pelo bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM), dom Edson Taschetto Damian, pelo arcebispo de Belém (PA), dom Alberto Taveira Corrêa, pelo bispo prelado emérito do Xingu (PA), dom Erwin Krautler, pelo bispo auxiliar de Belo Horizonte (MG), dom Joaquim Giovani Mol, e pelo arcebispo de Manaus (AM) e ex-secretário-geral da CNBB dom Leonardi Ulrich.

Os religiosos pedem a abertura de "um amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito".

Eles afirmam ainda que "todos, pessoas e instituições, seremos julgados pelas ações ou omissões neste momento tão grave e desafiador".

Leia, abaixo, a íntegra da "Carta ao Povo de Deus":

Carlos Pereira - O que importa é o gesto, não a intenção

- O Estado de S.Paulo

É irrelevante a distinção entre coalizões programáticas e utilitárias

É claramente perceptível uma forte inflexão na estratégia governativa do presidente Jair Bolsonaro. Nos primeiros 18 meses, Bolsonaro se recusou a governar seguindo os incentivos e restrições institucionais do presidencialismo multipartidário e preferiu conduzir o seu governo sem se preocupar em construir uma maioria legislativa estável.

Acreditava que seria capaz de governar e de proteger seu mandato na condição de minoria, especialmente por meio de conexões diretas com os seus eleitores, pressionando assim Congresso e outras instituições a se comportarem de acordo com as preferências do governo. Daí porque empreendeu um perfil polarizado, belicoso e de confronto quase que diário com tudo e com todos.

A estratégia escolhida fracassou. Criou animosidades e conflitos crescentes com os outros Poderes, com a opinião pública e com a própria sociedade. É o governo com maior índice de derrotas no Legislativo e no Judiciário (onde enfrenta dois inquéritos), e com perdas expressivas de popularidade. Ou seja, colocou em risco a própria sobrevivência do governo trazendo uma possibilidade real de perda antecipada do mandato presidencial.

Mesmo que tardiamente e por vias tortas, parece ter havido algum aprendizado decorrente das dificuldades governativas de se “nadar contra a corrente” das regras do jogo. Governar sem uma coalizão majoritária revelou-se um capricho ingênuo do presidente, que finalmente agora corre atrás do prejuízo.

Bruno Carazza* - A aula da Professora Dorinha

- Valor Econômico

Agenda progressista depende de conservadores

Aos 31 anos de idade, recém-chegado à Câmara, o primeiro ato do jovem deputado mato-grossense Dante de Oliveira (PMDB) foi apresentar uma proposta de emenda à Constituição visando restaurar as eleições diretas para presidente da República. Sem exercer o poder do voto para escolher o mandatário máximo do país desde 1960, a população logo abraçou a ideia. Comícios se espalharam pelo Brasil, congregando políticos de diferentes partidos, artistas e celebridades - e um número cada vez maior de pessoas.

No fim de janeiro de 1984, o instituto Gallup apurou que 81% dos brasileiros eram favoráveis às eleições diretas para presidente da República. E dez dias antes da data marcada para a votação da emenda na Câmara dos Deputados, quase 2 milhões de pessoas lotaram o Vale do Anhangabaú, em São Paulo, pressionando pelas Diretas-Já.

No dia 25 de abril de 1984, 298 deputados votaram a favor da emenda Dante de Oliveira. O sonho do retorno imediato das eleições diretas para presidente, contudo, ruiu por apenas 22 votos. Apesar do amplo apoio popular, a proposta foi derrubada graças à resistência do PDS, partido governista herdeiro da velha Arena que apoiava o regime militar: 65 de seus membros votaram “não” e outros 113 se abstiveram ou simplesmente faltaram à sessão de votação.

Com a derrota da emenda Dante de Oliveira, o ciclo autoritário teve que ser encerrado por vias indiretas. No dia 15 de janeiro de 1985, reunidos no Colégio Eleitoral, senadores, deputados federais e delegados estaduais deram a presidência ao mineiro Tancredo Neves (PMDB), que superou Paulo Maluf (PDS) por 480 a 180 votos.

Sergio Lamucci - O espaço para a queda dos juros

- Valor Econômico

Capacidade ociosa na economia é enorme e inflação é baixíssima, evidenciando a fraqueza da atividade

O tombo da economia brasileira neste ano tende a ser menor que os 8% a 10% que chegaram a ser estimados pelos mais pessimistas, mas o grau de ociosidade e a inflação baixíssima evidenciam a fraqueza da atividade. Ainda que os piores cenários para o PIB em 2020 não se concretizem, a perspectiva do fim do auxílio emergencial e o momento delicado no mercado de trabalho apontam para o risco de uma situação mais difícil para a economia nos últimos meses do ano. Nesse quadro, economistas como Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro, defendem cortes adicionais dos juros, mesmo com a Selic em 2,25% ao ano.

No segundo trimestre, a ociosidade na economia atingiu níveis recordes, segundo Elisa Andrade, Claudio Considera e Juliana Trece, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). No período, o hiato do produto, uma medida da capacidade ociosa, ficou negativo em 14,1%, de longe o pior número da série iniciada no fim de 1982.

Na sexta-feira, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - 15 (IPCA-15) de julho voltou a surpreender para baixo, como destaca relatório do departamento econômico do ASA Investments, comandado por Kawall. Para a equipe do ASA, isso reforça “a leitura bastante benigna da dinâmica de preços”, em especial dos núcleos, medidas que buscam reduzir ou eliminar a influência dos itens mais voláteis.

Fernando Gabeira - Bibliotecas em chamas

- O Globo

Índios mais velhos são depositários do conhecimento, numa cultura oral

Escrever sobre índio é nadar contra a corrente porque os editores do passado achavam o tema um tédio, os políticos pensam que dá azar e, no cotidiano, costumamos chamar de programa de índio a algo desinteressante, sem graça.

O velho líder caiapó Raoni esteve internado em estado grave e teve alta. Não é Covid, mas a dor universal de perder a mulher com quem viveu muitos anos está derrubando o guerreiro.

Conheci Raoni em Altamira. Documentei sua amizade com o cantor Sting e com Anita Roddick, dona da Body Shop. Era uma segunda descoberta europeia dos índios brasileiros, reunidos ali para protestar contra a usina de Belo Monte. Agora os viam também como defensores da floresta.

Os viajantes do século XIX, meu tema de estudo, eram fascinados pela curiosidade de conhecê-los. O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied e o grande pintor Rugendas, por exemplo, estiveram no Brasil, mas os procuravam em qualquer ponto do mundo novo. Max, desculpe tratá-lo com essa intimidade, navegou longamente pelos rios norte-americanos, contraiu escorbuto, mas não perdia a chance de conviver com os índios.

Rugendas sofreu um acidente na Argentina, um raio o atingiu. Desfigurado e com dores crônicas, sentiu a proximidade de índios, cobriu o rosto disforme com um manto negro, tomou uma dose de morfina e cavalgou alguns quilômetros para pintá-los. E que lindas cores reproduzia em seus desenhos.

Cacá Diegues - Pensar com liberdade

- O Globo

Radicalização serve às ações que populistas autoritários desejam consagrar

Desde junho de 2016, encontra-se paralisado, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, um projeto de lei, do já então deputado Eduardo Bolsonaro, que pretende tornar crime o elogio, a pregação, a apologia das ideias do comunismo e do regime delas decorrente. A pena prevista pode chegar a 30 anos de prisão, conforme a gravidade do delito.

No documento que justifica o projeto, o deputado tenta justificar também os crimes de tortura praticados durante a ditadura no Brasil, de 1964 a 1985, considerando que o terrorismo político havia antecedido à tortura, como se esta fosse uma justa e bastante resposta àquele. “O Estado brasileiro teve de usar seus recursos para fazer frente a grupos que não admitiam a ordem vigente”, diz o documento.

Além das ideias comunistas, o projeto também considera crime “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que usem a foice e o martelo ou quaisquer outros meios para fins de divulgação favorável ao comunismo”. Num esforço de isenção, o documento considera igualmente criminosas as ideias e a propaganda nazistas.

Não sei dizer se o projeto de Eduardo é anterior ou posterior àquele da “pílula do câncer”, o projeto de seu pai, então também deputado, pedindo o reconhecimento dos milagrosos efeitos do tal comprimido contra a doença fatal. Este foi um dos três únicos projetos de lei apresentados por Jair Messias, durante seus 28 anos de estrela do chamado baixo clero, titulares muito especiais de nossa Câmara Federal. Mas sendo ou não simultâneos, os dois formam uma indiscutível dupla do barulho legislativa.

Demétrio Magnoli - Um novo ‘cordão sanitário’

- O Globo

Globalização ingressa em nova etapa, crivada pelo antagonismo sino-americano

A cada vez mais provável vitória de Joe Biden sobre Donald Trump mudará tudo nos EUA — menos a atitude diante da China. Consolida-se, nos EUA, um consenso bipartidário sobre o imperativo de estabelecer limites à expansão da influência chinesa. Não é uma “segunda Guerra Fria”, pois a nova potência, ao contrário da URSS, é ator de magnitude maior na economia mundial. Mas, como na Guerra Fria, desenha-se uma estratégia de contenção de longo prazo.

Com Xi Jinping, a “diplomacia do sorriso” ficou no passado. “A China já não teme ninguém. Acabaram-se, para não voltar mais, os tempos em que o povo chinês subordinava-se a outros e vivia dependente de caprichos externos.” As palavras de um alto responsável do governo chinês para Hong Kong, que se referiam à nova Lei de Segurança Nacional, podem ser estendidas à projeção militar no Mar da China Meridional, ao ambicioso programa de modernização bélica e à agressiva diplomacia econômica sintetizada no projeto da chamada Nova Rota da Seda.

A China que já não sorri coloca em evidência o tema da emergência de uma grande potência numa ordem internacional construída pela principal potência anterior. O exemplo da ascensão de uma “potência satisfeita”, que vê a ordem existente como moldura adequada para alcançar seus objetivos nacionais, como o Japão do Pós-Guerra, já não se aplica ao caso chinês. A China tornou-se uma “potência insatisfeita”, como a Alemanha do entre-guerras, que enxerga a Pax Americana como obstáculo a seus interesses nacionais.

Urgência e oportunismo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo parece perigosamente enamorado por soluções heterodoxas para driblar o teto de gastos e tocar programas eleitoralmente vistosos

O governo de Jair Bolsonaro parece perigosamente enamorado por soluções heterodoxas, digamos assim, para driblar o teto de gastos e tocar programas eleitoralmente vistosos em meio à generalizada escassez de recursos.

O último movimento nesse sentido, patrocinado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional e pela Casa Civil, foi a elaboração de uma consulta ao Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a possibilidade de financiar investimentos em obras de infraestrutura por meio de créditos extraordinários, que estão fora do limite do teto.

A justificativa é que tais empreendimentos serviriam para impulsionar a retomada da economia como resposta à crise gerada pela pandemia de covid-19. “O atual momento torna essencial que se garantam recursos orçamentários adicionais”, diz a minuta da consulta ao TCU, referindo-se a obras em andamento e também a projetos que só estão no papel. As verbas, afirma o texto, seriam “eficaz instrumento de alavancagem econômica e de enfrentamento da crise”. Na visão dos defensores da medida, portanto, estaria assim satisfeita a exigência para a abertura de crédito extraordinário: a imprevisibilidade e a urgência da despesa, em situações decorrentes de calamidade.

Meia volta, volver – Editorial | Folha de S. Paulo

Limitar a presença de militares da ativa no governo preservaria Forças Armadas

Os números falam por si. Sob o governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro, cresceu em 33% o número de militares da ativa em cargos comissionados.

Ampliando o escopo para todos os postos, chega-se a quase 2.900 fardados do serviço ativo na condição de agregados —ou seja, emprestados para funções civis, o que por lei pode durar até dois anos.

O universo militar na administração pública é ainda maior, chegando a 6.157 quando a conta inclui o pessoal da reserva ou aposentado.

A formação desse éthos militar, personificado por 9 de 23 ministros com origem nos quartéis, é indesejável tanto para o governo quanto para as Forças Armadas.

Atentam contra a institucionalidade cenas como a do ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) envergando seu uniforme de general em solenidade recente —felizmente ele foi compelido a ir à reserva logo na sequência.

Um teto para a elevada carga tributária brasileira – Editorial | Valor Econômico

A ideia poderia ancorar expectativas, tal como fez o teto para as despesas do governo

Tal como foi feito com as despesas do governo federal, seria importante fixar um teto para a carga tributária brasileira. As discussões no Congresso sobre medidas para enfrentar o aumento do desemprego e da pobreza produzidos pela pandemia vão exigir mais recursos públicos. Para viabilizá-los, há três soluções possíveis: aumentar o endividamento, cobrar mais impostos ou cortar outros gastos.

Com as medidas já contratadas para enfrentar os efeitos da crise, a dívida bruta se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano. O rombo das contas federais alcança a casa dos R$ 800 bilhões. Persistir nessa linha é desastre certo.

A elevação da carga tributária é, portanto, um temor legítimo no “novo normal” que se estabeleceu na crise do coronavírus. O impacto econômico sobre famílias e empresas deu força à formulação de programas de assistência aos mais pobres, às crianças, aos desempregados, às microempresas. Debates como a expansão do Fundeb e a ameaça de derrubar o veto ao fim da desoneração da folha salarial são demonstrações da tendência no Congresso.

Elevar a carga tributária para fazer frente a novas despesas tem sido a solução preferencial nas últimas décadas. Tanto que os brasileiros suportam hoje uma carga de 33,1% do PIB, no dado de 2018. É um nível próximo da média dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 34,2%, mas bem acima de países como a Austrália (28,5%), Estados Unidos (24,3%), Chile (21,1%) e México (16,1%).

Resultados pífios na política de emprego e de qualificação – Editorial | O Globo

Agência federal para a recolocação de desempregados esgotou-se na inépcia de sucessivos governos

Subiu para 12,7 milhões o total de desempregados, segundo a contagem de maio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse número equivale à população de São Paulo, maior cidade do país ou, ainda, à soma dos que habitam Rio, Salvador e Brasília. As pesquisas, obviamente, não conseguem captar todos os efeitos da devastação no mercado de trabalho, provocados por longo período recessivo e agravados na pandemia. E, pior, nada indica mudança do quadro no curto prazo.

É paradoxal, portanto, o desperdício de recursos financeiros e humanos numa agência federal exclusivamente destinada à recolocação de desempregados e ao treinamento de mão de obra. É o caso do Sistema Nacional de Emprego (Sine).

Criado há 45 anos, já demonstrou relativa eficiência na intermediação de mão de obra em crises anteriores, quando havia uma política pública ativa de qualificação do trabalhador. Pelos resultados pífios acumulados, acabou reduzido a exemplo de ineficiência administrativa.

O Sine esgotou-se na inépcia de sucessivos governos, mostram dados coletados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em 19 estados. Nada a ver com a pandemia.

Música | Manifiesto - Victor Jara (Versión) La esperanza viene del Sur

Poesia | Pablo Neruda - Sonetos de Amor

Matilde, nome de planta ou pedra ou vinho,
do que nasce da terra e dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio rebenta a luz dos limões.

Nesse nome correm navios de madeira
rodeados por enxames de fogo azul-marinho,
e essas letras são a água de um rio
que em meu coração calcinado desemboca.

Oh nome descoberto sob uma trepadeira
como a porta de um túnel desconhecido
que comunica com a fragrância do mundo!

Oh invade-me com tua boca abrasadora,
indaga-me, se queres, com teus olhos noturnos,
mas em teu nome deixa-me navegar e dormir.