Uma milícia chefiada por um ex-PM do Rio que está em presídio de segurança máxima de Mato Grosso dominou 11 conjuntos habitacionais do programa federal Minha Casa Minha Vida na Zona Oeste e vem cobrando taxas dos cerca de dez mil moradores.
Minha Casa já está sob o domínio de milícia
Grupo ligado a ex-PM preso cobra taxas de 10 mil moradores em 11 conjuntos do programa federal na Zona Oeste
Sérgio Ramalho
A milícia chefiada pelo ex-PM Ricardo Teixeira da Cruz, o Batman, vem impondo a cobrança de "taxas de segurança" a cerca de dez mil moradores de 2.709 imóveis em 11 conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa. Minha Vida em Campo Grande, Cosmos e Realengo, na Zona Oeste do Rio. Preocupado com a situação, o secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, disse que a atuação dos grupos paramilitares pode pôr em risco a continuidade do programa federal, que prevê a entrega este ano de 12 mil unidades, 80% delas na região.
Para impor o medo aos moradores, o grupo chefiado por Batman - hoje preso em unidade de segurança máxima em Mato Grosso do Sul - costuma invadir as áreas internas dos condomínios, exibindo armas e até disparando tiros para o alto. Episódios denunciados por moradores dos condomínios Livorno, Trento e Treviso, em Cosmos. No condomínio Ferrara, em Campo Grande, os milicianos chegaram a ocupar e vender 143 dos 262 apartamentos:
- A situação no condomínio Ferrara é a mais grave. Lá, os milicianos aproveitaram que o conjunto ainda não havia recebido todos os moradores cadastrados pela secretaria e invadiram 143 unidades. Temos informações de que os imóveis estavam sendo vendidos - disse Bittar.
Quadrilha cortou o fornecimento de água
Em Realengo, moradores dos condomínios Vivendas do Ipê Branco e Vivendas do Ipê Amarelo, cada um com 299 unidades, tiveram as ligações de água da Cedae cortadas por um grupo paramilitar, também ligado ao grupo de Batman. O problema foi denunciado em fevereiro. Em troca do restabelecimento do serviço, os milicianos exigiram taxas de R$100, mais um percentual referente ao valor das contas.
De acordo com Bittar, após os moradores terem denunciado o problema, a Cedae restabeleceu o fornecimento de água nos 598 imóveis. Apesar disso, os milicianos continuam agindo na região, cobrando "taxas de segurança" e oferecendo serviços clandestinos de internet e TV a cabo aos moradores.
Os métodos empregados pelos milicianos para conseguir cobrar taxas dos moradores nem sempre são violentos. O corte de água e as ameaças feitas por integrantes dos grupos armados são colocadas em prática em último caso.
- Primeiro eles oferecem TV a cabo e internet banda larga para ganhar a simpatia de parte dos moradores. Foi assim que fizeram no condomínio Trento. Depois começaram a exigir cotas de segurança de R$20. Nesse período começaram a acontecer pequenos roubos. Alguns moradores que se recusaram a pagar perderam bicicletas e até botijões de gás - conta um morador.
Assustado com a ação dos milicianos, o morador, que recebeu o apartamento do programa após ter perdido a casa nas chuvas do ano passado, pensou em abandonar o imóvel e voltar para favela onde vivia:
- Lá a gente convivia com o tráfico de drogas, garotos armados com fuzis e viciados, mas ninguém cobrava taxa da gente. Aqui só tem trabalhador pobre, que passa o dia batalhando algum dinheiro. Eu não tenho como pagar. Os milicianos cobram por tudo. Um botijão de gás custa até R$5 mais caro por causa do ágio. E quem não paga é proibido de comprar em outro lugar. Outro dia, um morador levou uma tapa na cara por ter comprado o botijão fora do esquema. Apanhou calado e ainda teve o botijão roubado - desabafou.
A violência dos integrantes da milícia de Batman leva os moradores a adotarem a "lei do silêncio". A equipe do GLOBO percorreu seis dos 11 condomínios aterrorizados pelos paramilitares. À frente dos portões, moradores evitavam falar ou mesmo chegar perto. Na Avenida Cesário de Melo, em Cosmos, onde foram construídos os condomínios Livorno, Trento e Varese, alguns moradores aceitaram falar num ponto de ônibus, a 200 metros da entrada dos empreendimentos.
Um dos moradores afirmou que pretende devolver o imóvel à Secretaria de Habitação:
- Os milicianos são tão violentos quanto os traficantes e ainda contam com proteção de policiais. É comum ver patrulhas da PM circulando pelas ruas dos condomínios, levando milicianos do bando de Batman. Por isso ninguém procura a polícia para denunciar. Vai confiar em quem?
Bittar admite que muitos moradores de áreas de risco e mesmo desabrigados têm se recusado a receber imóveis do programa Minha Casa, Minha Vida na Zona Oeste. Há casos também de beneficiados que pediram para devolver apartamentos na região e receber em outras localidades:
- Este é um problema muito grave, que precisa ser enfrentado para não colocar em risco o continuidade do programa. Este ano temos previsão de entregar 12 mil unidades habitacionais, mas 80% delas ficam em bairros da Zona Oeste, onde é grande a atividade das milícias. O tráfico é um problema sério, sem dúvida, mas os milicianos contam diretamente com a participação de policiais, tornando muito difícil o combate.
PF vai ajudar na retomada de imóveis invadidos
Segundo Bittar, as denúncias de ameaças e domínio territorial por parte de grupos paramilitares nos 11 condomínios foram repassadas à Secretaria estadual de Segurança Pública.
- Realizamos algumas reuniões com representantes da Caixa, que financia a construção dos imóveis, e da PM para tentar reverter o problema. Em fevereiro, cheguei a participar de uma ação no condomínio Ferrara, em Campo Grande, com objetivo de retomar os 143 apartamentos invadidos e vendidos pelos milicianos, mas, lamentavelmente, não conseguimos retomar os imóveis - disse Bittar.
Na última semana, Bittar esteve reunido com a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e com a secretária Nacional de Habitação, Inês Magalhães, para tratar do assunto. Desta vez, o grupo recorreu à Polícia Federal para realizar uma nova ação, ainda sem data definida, para retomar os apartamentos invadidos no condomínio Ferrara.
Mesmo preso numa cela de sete metros quadrados de uma penitenciária de segurança máxima em Campo Grande (MS), a 1.445 quilômetros do Rio, Batman continua comandando os integrantes de sua milícia, que aterroriza moradores da Zona Oeste. Assim como os traficantes, milicianos presos se correspondem com suas quadrilhas por meio de cartas e bilhetes entregues a emissários durante as visitas aos presídidos. As ordens de Batman são lidas em voz alta durante as reuniões da quadrilha.
O ex-PM é temido na Zona Oeste por causa de sua violência. Considerado um dos principais matadores da milícia, ele fugiu pela porta da frente do presídio de segurança máxima Bangu 8, em outubro de 2008. Imagens do circuito interno de segurança do presídio captaram o momento da saída dele, que teria custado R$1 milhão. Sete meses depois, Batman foi preso na casa de uma namorada, em Paciência.
A polícia já prendeu cerca de 700 milicianos desde 2007. No último dia 13, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) levou para a cadeia o vereador Luiz André Ferreira da Silva, o Deco, acusado de chefiar uma milícia em Jacarepaguá.
FONTE: O GLOBO