domingo, 15 de julho de 2018

Luiz Sérgio Henriques*: A má política dos mitos

- O Estado de S.Paulo

Vivêssemos a polarização da guerra fria, a crise brasileira já teria tido um desfecho previsivelmente catastrófico

Vivêssemos a polarização da guerra fria, a crise brasileira já teria tido um desfecho previsivelmente catastrófico. É duvidoso que os atores do passado pudessem ter plena consciência do que faziam, mas o fato é que, falso ou verdadeiro, o fantasma do comunismo, ou da República sindicalista, foi mais do que suficiente para mobilizar nesta parte do mundo uma violenta reação em 1964, assim como em outras partes, como na Hungria de 1956 ou na Checoslováquia de 1968, forças de sinal contrário se impuseram, esmagando resistências e impondo soluções igualmente repressivas.

Bandeiras vermelhas ou gestos do comunismo, como o punho fechado, podem até continuar presentes, mas serão expressões sobretudo retóricas, ainda que possam prenunciar autoritarismos de tipo diferente dos do passado, que eram ou pretendiam ser “totais” em sua oposição ao mercado e à democracia “burguesa”. Um subperonismo será sempre possível e merecerá combate aberto de quem preza as liberdades, mas deve-se reconhecer que não há propriamente componente antissistêmico no petismo.

Daí que não haja nenhum paradoxo no fato de que a força de Lula, consolidada em um terço do eleitorado, derive fundamentalmente de um amplo – e em si mesmo razoável – programa de extração neoliberal, que abrange dezenas de milhões de compatriotas prisioneiros da miséria. Como é do conhecimento geral, o governo “golpista” não o extinguiu e não se vislumbram forças que queiram fazê-lo. Por isso mesmo, é irrazoável, aí, sim, que tenha servido para a construção do potente mito lulista, em vez de ser tomado como política pública do Estado democrático, com as qualidades e os defeitos de qualquer política.

Em que pesem as grandes mudanças do novo século, esquerda e direita não são posições inúteis ou anacrônicas, embora possam perfeitamente se comportar como tal. Na grande crise de agora, uma parte considerável decorre de escolhas do ator e da fragilidade de seu repertório. No caso do PT, a escolha do populismo, traço muito presente na tradição latino-americana em seu conjunto, representou pesada hipoteca, a implicar a identificação do líder (yo, el supremo) com o povo-nação, a desqualificação das oposições e o desprezo pelas mediações institucionais.

A degradação em larga escala do Parlamento – como o atestou há alguns anos o julgamento da correspondente ação penal pela Suprema Corte – esteve incluída nessa escolha. A sofreguidão para construir narrativas “heroicas”, como aquela que viu o impeachment de um mau governo como “golpe”, lançou raízes insólitas. Afinal, o golpe teria prosseguido com os subsequentes problemas judiciais do homem providencial, a quem seria lícito, entre outras coisas, adotar uma atitude de confronto permanente com o Judiciário e qualquer sujeito ou instância que considere “golpista” ou responsável por seus males.

Celso Lafer*: O Direito e seus problemas

- O Estado de S.Paulo

É uma área do conhecimento elaborada por juristas com inquietações filosóficas, instigados em sua reflexão pelos problemas que não encontram adequada solução no âmbito estrito do Direito Positivo

Tobias Barreto, adaptando formulação de Emerson, disse que no seu percurso arribou, como um canoeiro, em parte aonde pretendia arribar e em parte aonde o conduziu a força da correnteza. Minha canoagem no mundo jurídico provém de uma visão da Filosofia do Direito, na linha de Bobbio.

É uma área do conhecimento elaborada por juristas com inquietações filosóficas, instigados em sua reflexão pelos problemas que não encontram adequada solução no âmbito estrito do Direito Positivo. Hoje, muito mais do que no passado, “a lei não está mais pronta para o uso”. Daí a pertinência de uma Filosofia do Direito dos juristas, lastreada no concreto da dinâmica da experiência jurídica.

No meu caso, este “parar para pensar” beneficiou-se do trato com o Direito Internacional, que me deu oportunidade de lidar com um problema que em nosso país crescentemente me preocupa: o da segurança jurídica. “Um direito incerto é também um direito injusto”, observou Theophilo Cavalcanti Filho. É o nexo incerto/injusto que faz da segurança jurídica um valor de primeira grandeza em qualquer ordenamento democrático. Por isso a ponderação da segurança jurídica tem relevo hierárquico, conferindo identidade própria ao “governo das leis” como algo distinto do “governo dos homens”, tema da ordem do dia no Brasil.

Na dinâmica da interpretação e aplicação das normas, as profundas transformações do conteúdo do Direito reverberam uma formulação de San Tiago Dantas: “O jurista está no mundo de hoje como deve ter estado o geógrafo na época das descobertas”.

São ingredientes da nova cartografia o avassalador avanço do conhecimento científico-tecnológico, que vem propiciando a transposição de barreiras antes tidas como naturais e efetivas. A natureza deixou de ser um dado para ser um construído da ação humana. Daí uma nova área da Filosofia do Direito, a Bioética, voltada para o esclarecimento de questões suscitadas pelas inovações que tornam possível agir sobre fenômenos vitais de maneira inédita.

Elio Gaspari: A cadeia de Lula virou seu melhor palanque

- O Globo

Lula não pode dar entrevistas, mas sua voz estará na campanha, como a do aiatolá Khomeini nos anos 70

A juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba decidiu que Lula não pode receber jornalistas. Ela informou também que ele está em “situação de inelegibilidade”. Seja lá o que for o que isso signifique, a essência da decisão faz sentido. O que lhe falta é eficácia.

No início dos anos 70, quando começaram a aparecer cassetes com os áudios de sermões do aiatolá Khomeini, o Xá do Irã mal ligou. Afinal, ele era um islamita radical exilado na Turquia, Iraque e França. A liderança religiosa desprezava-o, e os poderes do mundo acreditavam que era apenas um excêntrico. O sujeito de barbas brancas tomou o poder e criou uma ditadura muito mais intolerante e repressiva. A ilusão foi favorecida pelo romantismo da voz do ausente. Isso aconteceu no tempo em que não havia internet.

Lula é um “apenado” na carceragem da Federal de Curitiba, e, proibindo-o de dar entrevistas, cumpre-se a lei, mas não se impede que ele seja ouvido. Mais: limita-se a sua capacidade de dizer tolices, como a louvação dos pneus queimados ou as ocupações de propriedades, cometidas na sua última fala.

A decisão judicial não tem eficácia porque Lula recebe advogados, e eles podem gravar o que ele lhes diz, com direito a divulgar o áudio. Por ser um preso, ele não pode montar palanques na cadeia. Por ser um cidadão, pode falar.

Em situações malucas, até os doidos acabam mostrando que são sábios. No século passado, quando o frenesi anticomunista tomou conta dos Estados Unidos, o compositor Woody Guthrie acabou num hospício, seus amigos preocuparam-se, e ele acalmou-os:

“Eu é que estou preocupado com vocês. Lá fora, se você diz que é comunista, vai para a cadeia. Aqui, eu digo que sou comunista, e eles dizem que sou maluco.”

Bruno Boghossian: As chances de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Entre eleitorado cativo e espaço limitado, deputado pode chegar ao 2º turno

A um mês do início oficial da campanha presidencial, as pesquisas mostram o seguinte cenário para Jair Bolsonaro (PSL):

1) Seu eleitorado parece consolidado; 2) Embora tenha espaço para crescer, o campo é relativamente estreito; 3) Ainda assim, o núcleo que construiu até agora pode levá-lo ao segundo turno.

O deputado conquistou uma fatia razoável de eleitores nos grupos mais ricos e escolarizados. Nesses segmentos, ele aparece estável nas pesquisas há quase um ano, mas cresceu o número de pessoas que citam espontaneamente seu nome —antes de ver uma lista de candidatos.

Os dados sugerem que Bolsonaro tem um eleitorado cativo, disposto a carregar seu nome durante uma campanha em que outros candidatos terão estrutura partidária forte e mais projeção do que o deputado.

Para o militar reformado, pode ser mais importante sobreviver aos ataques dos rivais e sustentar seu patamar de votos de 20% do que investir na conquista de novos territórios.

Embora enfrente rivais impopulares, a taxa de rejeição de Bolsonaro não é exatamente baixa. Um terço dos brasileiros não votaria no presidenciável do PSL de jeito nenhum.

Vera Magalhães: Todos cavando o poço

- O Estado de S.Paulo

Ex-presidente dita rumo da sigla a um mês do prazo final para o registro da candidatura

O que se viu na saideira do Congresso antes do recesso prolongado de eleição foi um show de irresponsabilidade que cobrará um preço incalculável a um País que insiste em cavar dia a dia um poço ainda mais fundo para si.

Como se não houvesse um amanhã logo ali, para o futuro presidente, e ele já não trouxesse um rombo nas contas públicas que inviabiliza qualquer governo, deputados e senadores trataram de prorrogar benefícios, liberar reajustes a servidores e restabelecer benesses que haviam sido cortadas para pagar outra insensatez, a “bolsa-caminhoneiro” legada pela malfadada greve do transporte de cargas.

Mais assustador é verificar que foram cúmplices, para não dizer coautores, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), do Senado, Eunício Oliveira (MDB), e do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

Diante de um presidente-zumbi, o que se tornou Michel Temer, e uma equipe econômica manietada pela falta de respaldo político do governo, contribuíram cada um no seu papel para o resultado das votações, seja por cálculo eleitoral, no caso dos dois primeiros, ou por defesa corporativa, no de Cármen – que, nesse quesito, não se mostrou diferente do antecessor, Ricardo Lewandowski.

E como reagiram os postulantes à Presidência, potenciais herdeiros dessa bomba-relógio, diante de votações no apagar das luzes do Congresso que comprometem as condições mínimas de governabilidade que terão?

Eliane Cantanhêde: Fogo no circo

- O Estado de S.Paulo

No Judiciário, um põe fogo, todos apagam; no Legislativo, a maioria incendeia o País

Se o Judiciário fez um mutirão para apagar o incêndio causado pelo desembargador Rogério Favreto, do TRF-4, o Legislativo pôs fogo nas contas públicas e queimou a largada do próximo governo, seja quem for o presidente. A sociedade civil e os quartéis estão indóceis com tanta fumaça.

O cerco contra a tentativa de soltar o ex-presidente Lula à custa do descrédito do Judiciário (como acusa Raquel Dodge) incluiu Sérgio Moro, Gebran Neto, Thompson Flores, Cármen Lúcia, Raul Jungmann, PF, Laurita Vaz e a própria Raquel. Não seria surpresa se, nos bastidores, também a cúpula militar.

Destaca-se Thompson Flores, eixo da reação ao habeas corpus dado por Favreto contra o TRF-4, o STJ e o Supremo. Como presidente do TRF-4, ele falou com Moro, que agiu após consultá-lo; com o relator Gebran Neto, que desautorizou Favreto; com a PF, via Jungmann, que esperou a solução do conflito de competência antes de agir; com Cármen Lúcia, que reafirmou em nota a hierarquia. E foi dele a negativa final.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, previu que “ia morrer gente” se prendessem Lula e ninguém morreu, o País manteve a normalidade e as ruas vazias, apesar da dramaticidade da prisão de um homem com a biografia e a popularidade de Lula.

E agora? E se um único desembargador, que foi filiado ao PT por 20 anos e serviu a Lula no Planalto, soltasse Lula em uma hora, a pedido de três petistas, com alegações risíveis e sem consultar ninguém do seu próprio tribunal? Poderia não morrer gente nem lotar as ruas, mas o clima institucional ficaria irrespirável. Líderes civis e militares sofreriam imensa pressão.

Soltar Lula por maioria colegiada e argumentos sólidos, assim como absolvê-lo por falta de provas na ação por obstrução de Justiça, geraria chororô nas redes sociais, mas seria respeitado nas instâncias decisórias dentro e fora do Judiciário. Mas uma canetada monocrática? Num plantão de fim de semana? É inadmissível, como concluiu toda a cúpula do Judiciário.

Vinicius Torres Freire: O país surtado e um pacto de paz

- Folha de S. Paulo

Próximas conversas mais importantes sobre o destino do país vão acontecer até o fim do mês

As discussões sobre o que será da economia brasileira no resto do ano se tornaram quase irrelevantes. Não há providências eficazes a tomar, o crescimento será um troco maior que o do ano passado.

As próximas conversas mais importantes sobre o destino deste país escorchado vão acontecer até o fim do mês. Os candidatos mais relevantes a presidente vão tentar levar o apoio dessa gente dos partidos do centrão ou assemelhados.

A distribuição desses apoios vai dar a primeira medida mais séria do potencial dos candidatos. A depender da possibilidade de vitória de tal ou qual nome, maior será a possibilidade de tumulto econômico-financeiro durante a campanha e além. É óbvio, mas convém prestar atenção.

A formação de alianças partidárias não vai definir a eleição, também óbvio que não. Certas coligações de forças, porém, podem adiar o pânico, ao menos.

Não vem ao caso a nossa opinião política, econômica, moral, parapsicológica ou patafísica a respeito dos credores do governo, o grosso disso que se chama de "o mercado".

Um programa de governo que implique o aumento sem limite da dívida pública vai provocar debandada do dinheiro, alta de juros e dólar, em português claro.

Mary Zaidan: Lula não é o Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Lula puxa a corda que seus fiéis esticam

No início de setembro de 2014, o então governador do Distrito Federal, Agnelo Queiróz (PT), candidato à reeleição, comemorou. Seu maior adversário, o também ex José Roberto Arruda (PR), líder absoluto nas pesquisas, com 37%, estava fora do páreo.

Impedido pela Lei da Ficha Limpa, Arruda se viu obrigado a desistir da disputa, sem o que não poderia colocar outro nome no seu lugar.

Dois outros candidatos a governos estaduais também foram banidos pelas mesmas regras: José Riva, do Mato Grosso, e Neudo Campos, de Roraima, substituído na última hora por sua mulher, a atual governadora Suely Campos.

“Ficha suja não pode participar de eleição”, proclamava o governador petista, que acabaria derrotado por Rodrigo Rollemberg (PSB) dois meses depois.

Hoje, Queiróz é companheiro de Arruda nos enroscos envolvendo o Mané Garrincha, um dos estádios mais caros do planeta – custou mais de R$ 1,7 bilhão, com superfaturamento calculado em R$ 950 milhões. E a campanha feita por ele pró-Ficha Limpa é o que o PT quer esquecer. Ou, pelo menos, driblar.

Condenado por órgão colegiado em segunda instância – exatamente como está escrito na Lei Complementar 135 que ele próprio sancionou em 2010 -, Luiz Inácio sabe que Lula não pode ser candidato. Assim como sabia da falseta do habeas corpus de soltura do desembargador de plantão. Não há recurso possível, janela ou hipótese para tal.

Preso há 100 dias, Lula mantém PT imobilizado

Ex-presidente dita rumo da sigla a um mês do prazo final para o registro da candidatura

Ricardo Brandt, Katna Baran | O Estado de S. Paulo.

Condenado na Operação Lava Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva completa amanhã 100 dias preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba. Mais magro do que estava quando chegou de helicóptero, na noite de 7 de abril, o petista ainda dita as estratégias e os passos do partido e de seus principais aliados na campanha presidencial. E mantém o PT imobilizado na definição de uma alternativa eleitoral.

As vésperas da convenção partidária e a um mês do prazo final para o registro das candidaturas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – o prazo é 15 de agosto –, o mais importante preso da Lava Jato transformou sua “cela” em comitê político e eleitoral, numa espécie de campanha via porta-vozes.

Desde que foram autorizadas as visitas especiais de amigos, o ex-presidente já esteve com 16 pessoas em 11 datas distintas. A presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann, é quem mais visitou o ex-presidente. É ela a responsável por avisar o partido, governadores e líderes políticos sobre as decisões de Lula – que, segundo a sigla, tem a palavra final.

Anteontem, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad esteve com o ex-presidente pela primeira vez como advogado com procuração para atuar no processo da execução penal. Coordenador do programa de governo do PT e apontado como possível “plano B” do partido, Haddad havia estado com Lula em sua cela duas vezes, desde que foram liberadas pela Justiça visitas de amigos nas quintas-feiras, pelo período de uma hora. Como advogado, o petista pode agora ver o ex-presidente em qualquer dia da semana.

A intenção do grupo diretamente ligado a Lula é arrastar até o momento final a definição da candidatura e tentar reverter a situação em benefício eleitoral para o nome que for escolhido como candidato do partido, já que Lula está potencialmente impedido de concorrer com base na Lei da Ficha Limpa.

Partido de Marina também tem rede de dissidentes

Ex-integrantes criticam centralização de grupo da ex-ministra

Dimitrius Dantas e Tiago Aguiar* | O Globo

SÃO PAULO - Enquanto enfrenta dificuldades para fechar alianças para a précampanha da presidenciável Marina Silva, a Rede Sustentabilidade tem um histórico de dissidências que ajuda a entender a estrutura de poder do projeto político da ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente.

Ex-integrantes da Rede apontam que a atuação do núcleo do partido, mais próximo de Marina, diminuiu a democracia interna no partido. Em São Paulo, as dificuldades da legenda vêm desde 2016, quando o então porta-voz estadual — como os presidentes de diretórios regionais são chamados — deixou o partido por discordâncias com a Executiva Nacional. Nelson Pedroso foi fiel ao projeto de Marina desde que o movimento da pré-candidata ocupou o PV para a disputa da eleição presidencial de 2010. Após seguidos desgastes, desligou-se do cargo e da sigla. Para ele, a Rede tem dono:

— A verticalização aplicada pelos “mais próximos” de Marina produziu um efeito devastador, fazendo com que muitos se afastassem. Ocorreram substituições de todos aqueles que foram afastados, por um boicote sincronizado. Mesmo assim, fizemos alguns “milagres”, sem nenhum suporte de qualquer ordem.

Legenda tem dificuldades em SP e não terá candidato próprio

Rede tem 2,4 mil filiados no estado e deve apoiar PMN, ainda sem acordo

Dimitrius Dantas e Tiago Aguiar, estagiário sob a supervisão de Leandro Loyola | O Globo

SÃO PAULO - A Rede se propôs a fazer campanha este ano para Marina Silva por meio de voluntários engajados. Por esse critério, é em São Paulo, principal colégio eleitoral do país, que a sigla tem mais dificuldades para tentar eleger a ex-ministra e outros candidatos. O partido tem 2.487 filiados no estado, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número é menor do que os 2.711 simpatizantes de Minas Gerais, que tem menos da metade da população.

Além da dificuldade em angariar filiados em São Paulo, o partido não terá um candidato próprio ao governo local: decidiu apoiar Claudio Aguiar, do PMN, partido que ainda não tem um acordo firmado com a Rede nacionalmente. Também não tem prefeitos para ajudar na campanha. O único eleito em 2016, Anderson Prado, em Lençóis Paulista, migrou para o PSB no ano passado.

A Rede se diferencia por buscar alianças com movimentos sociais, e não procurar acordos com outras legendas, modelo usado pelos demais partidos. Há um preço a pagar. Sem uma coligação, Marina deverá ter apenas 12 segundos na propaganda televisiva, instrumento fundamental para fazer campanha. Deverá ter R$ 10 milhões do fundo eleitoral.

Candidatos ao Planalto têm focos de rejeição que perduram no tempo

Pesquisas mostram Bolsonaro fraco entre mulheres e no NE, região que também atrapalha Alckmin; Marina e Ciro vão mal entre jovens

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Apesar de estarem há meses em aberta corrida ao Planalto, os principais presidenciáveis enfrentam focos de rejeição que resistem ao tempo. A análise das 13 pesquisas nacionais do Datafolha feitas nos últimos 30 meses mostra que, apesar das subidas, quedas e oscilações nas intenções totais de voto, nenhum deles conseguiu superar seus principais pontos fracos.

Em dezembro de 2015, o Datafolha apontava no cenário que mais se assemelha à atual configuração da disputa um empate técnico entre Marina Silva (Rede), com 24% das intenções de voto, e Lula (PT), com 21%. Em seguida vinha Geraldo Alckmin (PSDB), com 14%. No pelotão de baixo, Ciro Gomes (PDT), com 7%, e Jair Bolsonaro (PSL), com 5%.

A partir de então, Lula e Bolsonaro cresceram, enquanto Marina e Alckmin caíram. Ciro se manteve estável.

Trinta meses e 12 pesquisas depois, o instituto mostrou no mês passado Lula na liderança, com 30%. Bolsonaro em segundo, com 17%, seguido por Marina (10%), Ciro (6%) e Alckmin (6%).

Preso desde abril deste ano, Lula não deve conseguir confirmar sua candidatura, mas o PT tentará transferir seus votos para um outro nome.

As pesquisas do Datafolha mostram que o principal trunfo do ex-presidente é o eleitorado que só tem o ensino fundamental, pobre --com renda familiar de até dois salários mínimos-- e do Nordeste, região em que ele atinge 49% das intenções de voto. Essas faixas são o foco do Bolsa Família, carro-chefe do lulismo.

Seus calcanhares de aquiles permanecem os mesmos verificados em 2015: o eleitorado mais rico, mais escolarizado e que mora no Sul e no Sudeste.

É entre os que têm renda familiar mensal de mais de dez salários mínimos que aparece o menor número ligado ao nome Lula na pesquisa, apenas 14% das intenções de voto.

Embora esse estrato tenha uma margem de erro bem maior (11 pontos percentuais) do que a do levantamento como um todo --que é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos--, as pesquisas anteriores também trazem indicador ruim, o que torna bastante provável o baixo desempenho no segmento.

Bolsonaro mais que triplicou suas intenções de voto até o início de 2018, quando parou de crescer, mas também manteve os mesmos pontos fracos que já se anunciavam 30 meses atrás.

Tem desempenho elevado entre o eleitorado masculino (23%), jovem (26%) e que tem renda familiar maior do que cinco salários mínimos, estrato em que atinge até 30%.

Seus pontos fracos são o eleitorado feminino (11%), acima de 45 anos (12%) e que mora no Nordeste (8%). A região, que é palco de várias das visitas do presidenciável nos últimos tempos, reúne 27% do eleitorado nacional.

‘Partidos perderam a liderança social’, diz filósofo

Entrevista com Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Unicamp

Professor da Unicamp aponta descrédito no voto como resultado da ‘queda cada vez mais célere da confiabilidade nas instituições de Estado'

Adriana Ferraz e Paulo Beraldo | O Estado de S.Paulo

Na opinião de Roberto Romano, professor de Ética e Filosofia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o País vive “uma espécie de liquefação dos partidos políticos”, o que se “reflete na incerteza do voto”. “Eles (os partidos) perderam o caráter de liderança social, política e institucional.” Segundo o filósofo, neste cenário de alienação do voto, são “as mulheres que sentem mais o peso da crise econômica, da crise política e da crise de segurança”. Leia os principais trechos da entrevista ao Estado.

• O que explica a expectativa de aumento nos votos brancos e nulos?

Esse aumento exponencial dos indecisos tem a ver com a queda cada vez mais célere da confiabilidade nas instituições de Estado e nos partidos políticos. Temos uma espécie de liquefação dos partidos políticos. Eles perderam o caráter de liderança social, política e institucional. Isso se reflete na incerteza do voto. Não há um programa de governo coerente, um programa de modificação do Estado ou de melhoria da sociedade. O que há é a guerra pelo voto em prol do voto.

• Como esse cenário afeta o processo eleitoral?

Serve para encobrir essa ausência programática e doutrinária. Temos uma espécie de Fla x Flu delineado para enganar justamente os que são mais politizados. De um lado, a extrema direita, representada pelo Jair Bolsonaro, e a esquerda, liderada por (Luiz Inácio) Lula (da Silva, condenado e preso pela Operação Lava Jato). Esse verniz ideológico vem para cobrir essa ausência de propostas ideológicas, programáticas e técnicas para os problemas brasileiros.

• O que explica a maior quantidade de mulheres optando por votar nulo, em branco e indecisas neste momento?

Quem sente mais o peso da crise econômica, da crise política e da crise de segurança são as mulheres. Quando você tem o caso daquelas que trabalham, elas dividem as preocupações com o salário, que não aumenta, com a inflação, que volta, com os preços, que sobem e também com o desemprego familiar.

É toda uma situação de incerteza no amanhã. As mulheres têm que se preocupar com várias pautas ao mesmo tempo, com a pauta do marido desempregado, dela própria desempregada, dos filhos, da recessão batendo, dos alimentos aumentando, dos serviços como água e luz subindo. E elas não encontram em nenhum dos candidatos um discurso que faça proposições sobre essa realidade do cotidiano.

Elas encontram falas sobre a crise, sobre o déficit orçamentário, grandes falas e grandes temas, mas não há quem trate com acuidade e com capacidade comunicativa propostas para a população. Todos esses dramas são vividos de uma maneira pungente por essas mulheres. Dá para entender porque elas não estão confiando nas ações políticas, nos partidos e nas instituições.

• É possível reduzir ou quebrar esse ciclo de corrupção?

É preciso questionar a estrutura do Estado brasileiro supercentralizado no Executivo federal, essa falta de isonomia dos poderes e a perda de capacidade de retorno dos impostos para os municípios. E aí nasce uma grande fonte de corrupção. Quando o presidente assume o poder, para se manter ele precisa criar uma base, que cobra o retorno de impostos para os municípios sob forma de emendas parlamentares.

Em uma verdadeira federação, os impostos devem sair do município, ir para o Estado e para o poder central, para depois retornar. Isso é o que não existe no Brasil. É preciso acabar com essa fábrica dos intermediários e essa política do é dando que se recebe.

Os custos da farra: Editorial | O Estado de S. Paulo

O estrago será inevitável, mas ainda se pode tentar conter parte dos danos ocasionados pela grande farra fiscal de Brasília – e quem comanda essa tarefa é o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, hoje o principal e quase solitário defensor do Tesouro Nacional. Assumindo a função de negociador, ele tenta evitar a aprovação de projetos com potencial para desviar dezenas de bilhões de reais do cofre da União. Um deles determina a transferência de R$ 39 bilhões por ano a Estados, para “compensar” supostas perdas na exportação de produtos básicos e semielaborados. Outro, apontado pelo ministro como a segunda maior pauta-bomba, é o marco regulatório do transporte de cargas, com custo anual estimado em R$ 8,5 bilhões. O primeiro já passou por uma comissão especial. O segundo, aprovado na Câmara dos Deputados, ainda será discutido no Senado.

É difícil dizer quanta esperança e quanta teimosia são necessárias para o ministro insistir nesse trabalho. Se argumentos técnicos e políticos – no melhor sentido – fossem suficientes, o sucesso estaria quase garantido. A “compensação” aos Estados é hoje baseada numa fantasia muito conveniente a governadores e seus aliados. Criada nos anos 1990, a Lei Kandir foi concebida para corrigir, por algum tempo, uma falha do sistema tributário. Os constituintes de 1988 se esqueceram de isentar do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo estadual, as exportações de bens primários e semielaborados. A lei foi concebida para durar pouco tempo. Uma reforma tributária resolveria o problema ou, na pior hipótese, acabaria havendo um ajuste das condições econômicas e fiscais.

Sem provas: Editorial | Folha de S. Paulo

Absolvição de Lula e outros quatro de obstrução da Justiça mostra os vícios de inquéritos baseados em delações

Desnecessário apontar que absolvições podem ser resultados razoáveis de processos judiciais legítimos, por mais que estes tenham causado constrangimento aos réus.

Entretanto merece atenção mais detida, até por sua repercussão na vida política nacional, o caso em que o juiz federal Ricardo Leite absolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o banqueiro André Esteves, o ex-senador Delcídio do Amaral (MS) e outros quatro acusados de obstrução da Justiça.

O grupo teria, conforme a peça elaborada pelo Ministério Público, conspirado com o objetivo de calar Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras que procurava delatar o envolvimento de Delcídio do Amaral em corrupção na estatal.

O filho de Cerveró, Bernardo, gravou conversas em que o ex-senador —na época, líder do governo petista no Senado— oferecia dinheiro e outros favores a fim de obter o silêncio do delator, que envolveria os denunciados na organização dos desvios.

O então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu em novembro de 2015 a prisão de Delcídio e Esteves, entre outros, o que foi determinado pelo Supremo Tribunal Federal. Em julho de 2016, o juiz Leite aceitou a denúncia do Ministério Público. Em setembro de 2017, a procuradoria recomendaria a absolvição dos envolvidos.

Êxodo forçado de populações desafia o Humanismo: Editorial | O Globo

Problema alimenta retórica xenófoba, preconceitos étnicos e religiosos e cria as condições que geraram, no século passado, duas guerras mundiais

Após a medida do governo de Donald Trump, separando pais e filhos de estrangeiros sem documentos, e a atualização dos dados de naufrágios no Mar Mediterrâneo, que registram 1.422 mortos e desaparecimentos este ano (gráfico abaixo), o problema do fluxo de pessoas deslocadas voltou a ter destaque internacional. De fato, trata-se de um cenário preocupante, não apenas pelo drama de refugiados e emigrantes, mas também por ser reflexo de isolacionismo, xenofobia e intolerância, mazelas que pareciam ter sido superadas.

Em pleno século XXI, inúmeras diásporas deslocam fluxos intensos de pessoas pelo mundo, expulsas de suas cidades natais por guerras, miséria, perseguição religiosa, conflitos étnicos, entre outras tragédias. E o êxodo atual é comparável às movimentações de refugiados da Segunda Guerra Mundial, como é o caso dos rohingyas, de Mianmar para Bangladesh; sírios, iraquianos e afegãos, para a Europa; e venezuelanos que fogem do desvario bolivariano de Nicolás Maduro para países vizinhos — Brasil, Colômbia, Peru e Chile.

A chegada de um fluxo migratório tão volumoso apresenta desafios para os países de acolhimento, muitas vezes gerando temores de impactos negativos nos serviços públicos, nos de saúde em especial, e nos mercados de trabalho, especialmente numa era de novas tecnologias e automação que reduzem a demanda por mão de obra. Isso fortalece a retórica de políticos populistas, defensores do fechamento de fronteiras, do protecionismo comercial, além de estimularem conflitos étnicos, como se vê na Europa e nos EUA de Trump.

Samuel Pessôa: Vamos para o ajuste?

- Folha de S. Paulo

Com reformas, próximo presidente tem chance elevada de reeleição em 2022

A economia brasileira tem forte desequilíbrio fiscal. O Congresso Nacional estabeleceu atribuições para o Estado que não conversam com as fontes de receita que este mesmo Congresso definiu.

Temos um impasse. Será necessário criar impostos ou aprovar reformas que reduzam o gasto.

Desde o primeiro ano do governo Dilma, o Congresso tem se recusado a arbitrar esse conflito distributivo. Tem rejeitado propostas que reduzam o gasto público, como, por exemplo, a reforma da Previdência, e tampouco aceita criar novos impostos.

O resultado é que a dívida pública cresce e estamos nos aproximando do momento em que a política monetária deixará de ser efetiva. Corremos o risco de retornar aos anos 1980 de triste memória.

Será que o novo governo a ser eleito em 2019 fará o ajuste?

Há diversos analistas e operadores do mercado que consideram que o ajuste não ocorrerá. Parte da desvalorização do câmbio e da pressão sobre os juros domésticos que houve desde maio segue desse entendimento.

Penso que cometem um erro.

De fato, a situação política deteriorou-se muito. Se o governo Temer já era fraco, a chamada "Ponte para o Futuro", o seu programa econômico, virou pinguela (para usar a expressão de FHC) após a divulgação da gravação com Joesley Batista.

O movimento dos caminhoneiros mostrou que a pinguela ruiu.

Caímos todos no rio e estamos a nado em direção à outra margem.

Em meio à incapacidade de centralização das ações de um governo que mais parece um pato morto do que manco, abundam pautas-bomba no Congresso.

Míriam Leitão: Visão do Tesouro

- O Globo

O Brasil tem que fazer um ajuste fiscal de 4 pontos do PIB, ou R$ 300 bi, diz Mansueto de Almeida, secretário do Tesouro. O Brasil tem que fazer um ajuste fiscal de quatro pontos do PIB, ou R$ 300 bilhões, diz o secretário do Tesouro, Mansueto de Almeida. Este ano a arrecadação está crescendo, subiu até em junho, e o déficit será menor do que o previsto. As estatais têm resultados bons e os ministérios não gastaram o que podiam. “Mas não é possível comemorar num país que está no quinto ano de déficit primário”, diz.

Ele defende que o curto prazo está controlado e que essas pautas-bomba no Congresso terão efeito no próximo governo. Mas podem ser desarmadas:

— Agora haverá apenas mais três semanas de votação, uma em agosto, outra em setembro e outra em outubro. Depois disso o país terá dois governos lutando pela agenda fiscal. O governo que vai entrar terá um grande incentivo para não deixar evoluir esses projetos.

O grande problema, na visão dele, é o tamanho do ajuste que precisará ser feito:

— Desde a Constituição, o único ajuste desta magnitude foi feito entre 1998 e 2002, no final do primeiro governo Fernando Henrique e durante o segundo. Mas foi principalmente com aumento de carga tributária. Agora não será mais possível fazer isso porque a carga é muito alta. Terá que ser corte de despesas. O Brasil é um país que tem um desequilíbrio fiscal muito grande, já tributa muito, tem uma carga tributária mais alta.

Adriana Calcanhotto - Esquadros

Fernando Pessoa: Acho tão natural que não se pense

Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa
Que tem que ver com haver gente que pensa ...

Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me cousas. . .
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente. . .

Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas cousas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos ...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu.