terça-feira, 8 de setembro de 2020

Opinião do dia – Marcus André Melo* (Igualdade, Democracia)

As razões do fracasso histórico do projeto de regime igualitário baseado no império da lei —"administração e distribuição correta da justiça", diria Freyre— são tema vasto que não pode ser tratado aqui. Mas o progresso ocorrido desde 1988 tem sido importante: as instituições judiciais e seus agentes passaram a desfrutar de autonomia e independência inéditas. E nunca tantos foram punidos por desmandos. Nem tudo é positivo, mas o saldo líquido de sua atuação em um quadro sistêmico de predação é francamente positivo.

Os governos nas últimas décadas têm entregue "carne e farinha" —na forma contemporânea de programas de transferência de renda. Eles importam muito, mas a chave para a criação de uma sociedade próspera e inclusiva continua sendo de ordem institucional.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA). “Carne, farinha e bacharéis”, Folha de S. Paulo, 7/9/2020.

Luiz Werneck Vianna* - O Rio de Janeiro não pode ser Gotham City

Entregues ao Deus dará vivem no nosso estado Rio de Janeiro quase 16 milhões de pessoas, boa parte delas, talvez a maioria, sem rumo e tateantes em busca de oportunidades de vida, lutando com unhas e dentes por um lugar ao sol, uma boquinha, um negócio da China, uma boa mamata, um falso brilhante, para alguns até uma côdea de pão. Mas o estado do Rio de Janeiro nem sempre foi assim, pois aqui nasceu nosso estado nacional com suas elites dirigentes empenhadas em difundir ideais civilizatórios, e sobretudo, nos anos 1930, tornou-se a sede do projeto de implantação dos alicerces da indústria pesada na cidade de Volta Redonda, que se tornou polo da siderurgia, elemento crucial para a industrialização do país. Mais à frente, outras iniciativas asseguravam essa primazia do estado na conversão do modelo agroexportador até então vigente nas atividades econômicas para o industrial, tais como, entre outras, a Fábrica Nacional de Motores, a companhia Nacional de Álcalis, a Petrobras e a Eletrobrás.

Foi sob o impulso do Estado autoritário, institucionalizado pela Carta de 1937, que tomou forma o processo de modernização autoritária que iria remodelar o Estado e suas relações com a sociedade, conduzido por uma elite forjada ainda nos anos 1920, entre os quais se destacavam nomes como Alberto Torres, Oliveira Vianna, Manoel Bonfim, entre tantos, que, críticos do liberalismo oligárquico e de sua república de fachada, preconizavam em favor de um estado forte que rompesse com o atraso do país e abrisse caminho à sua modernização. Com a criação do DASP, em 1938, dotava-se o Estado da capacidade de selecionar e treinar uma elite burocrática destinada a impor uma administração orientada para esses fins.

A democratização de 1946 não interrompeu essa trajetória que nos vinha da década anterior, apenas expurgou-a da sua ganga manifestamente autoritária, conservando sua modelagem original de primazia do Estado sobre a sociedade, principalmente quanto aos fins da sua economia. Contudo, a natureza desse Estado, manteve-se fiel à sua construção nos anos 1930 e preservou seu caráter bifronte, uma vez que não se reduzia aos elementos coercitivos, conhecendo também instituições e agendas voltadas para a produção de coesão social, muito especialmente abrigadas na fórmula corporativa. Por meio das corporações o Estado se vinculava à sociedade, em particular no mundo do trabalho, e, por meio desses nexos, seus fins e valores encontravam formas diretas de comunicação com os sindicatos e seus filiados. A Justiça do Trabalho cumpriria os fins estratégicos de extrair os conflitos do trabalho, em uma sociedade que se industrializava de modo acelerado, da órbita da sociedade para a do Estado, que os harmonizaria sob a mediação do Direito.

Merval Pereira - De volta ao passado

- O Globo

A certeza de que será decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a parcialidade de Sérgio Moro como juiz nos processos que condenaram o ex-presidente Lula é tamanha que ele ontem se lançou candidato à presidência da República em 2022. Colocou-se “à disposição do povo”. Desmentindo, assim, que o PT pudesse ter outro candidato, como insinuou recentemente.

O pronunciamento de ontem, e alguns movimentos anteriores, são sinais de que Lula tenta se reaproximar da esquerda, que já tem dois candidatos colocados: Ciro Gomes, pelo PDT; e Flavio Dino, do PCdoB. Há quem veja até possibilidade de Lula vir a repetir Cristina Kirchner, e apresentar-se como vice de uma chapa de esquerda. Difícil acreditar numa manobra dessas, pois tanto Ciro quanto Dino têm peso político próprio.

Quem aceitou ser vice de Lula foi Brizola e, depois da derrota para Fernando Henrique em 1998, nunca mais se aprumou na política. Moro, por sua vez, reluta em assumir uma candidatura que, pelas pesquisas recentes, é no momento a que mais competitiva se mostra diante do presidente Bolsonaro, fortalecido nos últimos meses depois que pagou o auxílio emergencial a milhões de brasileiros na pandemia.

Um programa social turbinado gerando os mesmos efeitos que Bolsonaro criticava quando o PT lançou o Bolsa-Família. Moro e os procuradores da Lava-Jato estão cercados de adversários pelos diversos lados do espectro político, dependendo de decisões judiciais para vislumbrar o futuro.

Dallagnol já deixou a coordenação da força-tarefa de Curitiba por questões de doença na família, mas mesmo assim deu-se um jeito de voltar a julgá-lo por uma acusação de que já foi liberado pelo próprio Conselho Nacional do Ministério Público. Nada deve acontecer além de uma advertência, que poderá ser questionada em recurso, mas a obstinação de seguir com o processo, mesmo depois que o ministro Celso de Mello suspendeu os procedimentos administrativos contra ele no CNMP, mostra que seus adversários não darão trégua enquanto não o neutralizarem politicamente.

Luiz Carlos Azedo - Verde, amarelo, branco, azul anil

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Crise sanitária, recessão econômica, crise fiscal, desemprego em massa e sinais da volta da inflação nos preços da cesta básica. Entretanto, Bolsonaro está cada vez mais populista”

Tivemos um inédito Dia da Independência sem desfiles militares, por causa da pandemia. O presidente Jair Bolsonaro desfilou em carro aberto, cercado de crianças, no velho Rolls-Royce presidencial, comprado pelo presidente Getúlio Vargas em 1952, em si uma atração à parte. A Esquadrilha da Fumaça, como sempre, riscou o céu de Brasília. Estamos a dois anos do Bicentenário da Independência. Quem tiver mais certezas do que dúvidas sobre o futuro estará errado. São tempos de mudanças vertiginosas em meio a grandes adversidades.

Olhando para metade do caminho percorrido, a década de 1920, houve um turbilhão de coisas que deixaram de pernas para o ar a chamada República Velha. O mundo saía da maior carnificina até então ocorrida na História, a I Guerra Mundial. Pode-se dizer que tudo o que ocorreu depois, no século passado, de alguma forma, foi marcado pelo conflito. Há 110 anos, havia uma grande inquietação cultural e artística, além da radicalização ideológica na qual se confrontaram o comunismo e o fascismo, como alternativas à social-democracia e ao liberalismo, respectivamente. A II Guerra Mundial foi quase uma consequência inevitável, cujo grande ensaio no teatro europeu foi a Guerra Civil espanhola.

No Brasil, havia uma profunda crise de identidade; as instituições republicanas, que constituíam um sistema federativo e a nossa democracia representativa, eram contestadas. Dizia-se que eram estruturas artificiais, não se coadunavam com a realidade social e cultural do país. A Semana de Arte Moderna questionaria os padrões culturais tradicionais, impostos por uma elite formada por ex-senhores de escravos e seus descendentes, propunha a busca de uma identidade nacional moderna, “digerindo” as novas correntes filosóficas e artísticas europeias para produzir uma cultura nacional autêntica. O tenentismo eclodiria com o heroísmo dos 18 do Forte Copacabana, questionando o coronelismo, as fraudes eleitorais, o sistema político. Na mesma época, surgia o Partido Comunista, formado por intelectuais e operários de origem anarquista, cristãos-novos do marxismo. Eram prenúncios de uma crise que iria desaguar na Revolução de 1930 e no Estado Novo.

Míriam Leitão - O ministro que não viu o visível

- O Globo

Jair Bolsonaro, no dia 28 de maio, amanheceu querendo dar ordens ao Supremo Tribunal Federal. Foi quando ele berrou na porta do Alvorada aquele ultrajante “acabou, porra”. O que o irritara era a decisão do ministro Alexandre de Moraes de expedir mandados de busca em endereços de empresários e blogueiros amigos do governo, investigados pela suspeita de ameaçar ministros do STF, disseminar fake news e financiar crimes digitais. “As coisas têm um limite. Não dá para admitir mais atitudes de certas pessoas”, disse o presidente. Era uma ameaça ao Judiciário e, portanto, à democracia. Mas Dias Toffoli não viu.

“De todo o relacionamento que tive com o presidente Jair Bolsonaro e com seus ministros de Estado, nunca vi da parte dele nenhuma atitude contra a democracia”, disse Dias Toffoli. O ataque descrito acima fora contra o inquérito que o próprio Toffoli abrira. Um dos seus filhos, o deputado Eduardo Bolsonaro, postou que era preciso uma “atitude enérgica” do presidente, acrescentando que não era uma questão de “se” mas “quando” ocorreria uma ruptura. O presidente continuou: “Repito, não teremos outro dia igual a ontem. Chega. Chegamos ao limite. Estou com as armas da democracia nas mãos”. Era uma ameaça, mais uma, mas Dias Toffoli não viu.

Bolsonaro atacou a imprensa de todas as formas, como naquele 23 de agosto em que diante da pergunta de um repórter deste jornal disse que queria “encher sua boca de porrada”. Era o valentão, cercado de seguranças e de imunidades presidenciais, fazendo ameaças físicas a um profissional no exercício da profissão. Não foi o primeiro ataque. Ele escolheu alguns jornalistas para ofender, injuriar e caluniar. Ameaçou também órgãos de imprensa que não o bajulam. Editou uma MP dizendo que o objetivo dela era prejudicar o jornal “Valor”. De variadas formas ele ameaçou a liberdade de expressão, um dos pilares da democracia. Isso também Toffoli não viu.

José Casado - Privilégios e impunidade

- O Globo

Disputa pelo foro privilegiado reflete o espírito de casta

Judiciário e Ministério Público perderam a bússola em disputas pelo foro privilegiado —mecanismo institucional que, para muitos, simplifica a rota da impunidade para poucos. Tem tribunal estadual anulando decisão do Supremo e procurador em luta contra procuradores, para garantir tratamento especial a políticos suspeitos de crimes comuns.

Há 55 mil agentes públicos nesse cercadinho judicial. Rio, Bahia e Piauí abrigam 11 mil privilegiados. A lista vai do presidente da República a vereador; de senador a reitor de universidade; de juiz a delegado.

Semanas atrás, o Tribunal de Justiça do Rio deu a regalia a um filho do presidente, Flávio Bolsonaro, político notório pelo talento para lucrar muito, várias vezes e rapidamente.

Era deputado estadual quando comprou uma quitinete na Prado Júnior, em Copacabana. Revendeu-a 60 semanas depois com o extraordinário lucro de 292%. A valorização na área havia sido de 11% (índice FipeZap). Fez mais 18 negócios assim na Barra, Botafogo e Laranjeiras.

Carlos Andreazza - Reforma pastel de vento

- O Globo

O governo apresentou uma carta de intenções

O governo apresentou a reforma administrativa. Apresentou? Que reforma? Li. Reli. E só achei capa. Ou melhor: só encontrei sumário. Estão lá, enunciados, os capítulos; inclusive os impopulares — que a turma do Ministério da Economia chamou de “politicamente sensíveis”. Há até boas ideias; bons princípios sobre a necessidade de redimensionar um Estado obsoleto, de existência atual não injustamente percebida como para tão somente se autossustentar. Mas é apenas isto o que se anunciou como reforma remetida ao Parlamento: um índice do que virá. Um dia. Porque carne mesmo, matéria — os capítulos do livro: não vieram.

Já sabíamos que a reforma prometida há mais de ano — travada e boicotada pelo próprio presidente corporativista da República —só atingiria os servidores do futuro. Impacto fiscal imediato: zero; e bote década até que algum efeito haja. Ok. Sabia-se. Soubemos na semana passada, porém, que a reforma administrativa prometida há mais de ano, e desde então prontíssima como parte de operosa linha de montagem de projetos — vendida como pujante e revolucionária —, não estava pronta. Ou, se um dia pronta esteve, mais não está.

O governo apresentou uma carta de intenções. O programa de uma reforma administrativa adiada. O Ministério da Economia tem se especializado nisto: em lançar fatia; a primeira sendo sempre mui modesta. Foi assim também com a tributária. Não deixa de ser estratégia politicamente esperta. Mostra-se aquele pedaço miúdo — com a promessa de que o bolo todo virá à mesa. Um dia. E o pessoal engole. Para o funcionamento intestinal do mercado: mata a fome e faz girar.

“Você está sendo muito duro com a proposta” — dirá um leitor. Não estou. (Que proposta, aliás?). “A reforma cria categorias e limita as carreiras que terão mantida a estabilidade” — argumenta-se. Jura? E onde está a lista que discrimina os que serão prejudicados e os protegidos? “Calma. Isso virá numa etapa posterior.” Entendi. “A reforma reduz salários iniciais, define formas para avaliar desempenhos e reestrutura cargos.” Uau! Que capitalista! Regras para mérito e para otimizar funções. E ainda reduz os salários de partida. Onde está isso? Quero ler. “Calma. Apenas numa fatia adiante.” Certo.

Ricardo Noblat - TV Globo ignora pegadinha de Bolsonaro, mas dá o troco

- Blog do Noblat | Veja

Panelaço ocupa mais tempo do Jornal Nacional do que o discurso presidencial de 7 de setembro

Em tempos normais, o pronunciamento do presidente da República, no dia em que o país celebrou mais um aniversário de sua independência, teria merecido no Jornal Nacional mais do um resumo de 38 segundos, quando nada porque ele exaltou o golpe militar que implantou no país uma ditadura de 21 anos.

Mas os tempos não são normais, como o presidente também não é. Jair Bolsonaro tentou aplicar uma pegadinha na Globo, e ela não caiu. Na parte do discurso que se referia ao golpe, chamado por ele de revolução de 64, Bolsonaro valeu-se de trechos de um editorial do jornal O Globo publicado em 1984.

Segundo Maurício Stycer, colunista da Folha de S. Paulo e autor da descoberta, o editorial, assinado por Roberto Marinho, dono do jornal, começava assim:

“Participamos da Revolução de 1964, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”.

Em sua fala de ontem, transmitida em cadeia nacional de rádio e televisão, Bolsonaro disse:

“Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”.

Não foi a primeira vez que Bolsonaro provoca a Globo. A primeira foi em agosto de 2018 quando era candidato a presidente. Em entrevista à GloboNews, ele citou o mesmo editorial. Levou como resposta que o jornal “O Globo” revira sua posição sobre o golpe cinco anos antes, e que como golpe o tratava desde então.

A resposta da Globo à pegadinha foi sutil, embora tenha sido mais incômoda para Bolsonaro. Por mais de 60 segundos, o Jornal Nacional mostrou imagens do panelaço ouvido em todas as regiões do país no exato momento do discurso presidencial. Quem dá recebe, quem pede tem preferência.

Bolsonaro fala em democracia e liberdade, mas exalta golpe militar

“Sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade”, disse em pronunciamento na TV

Por Mariana Ribeiro | Valor Econômico

BRASÍLIA - Em pronunciamento de 7 de Setembro em rede nacional, o presidente Jair Bolsonaro disse reiterar seu compromisso “com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade”. “Valores dos quais nosso país jamais abrirá mão”, acrescentou.

Na fala, no entanto, o presidente lembrou o golpe militar de 1964 ao dizer que, nos anos 1960, quando “a sombra do comunismo nos ameaçou”, milhões de brasileiros foram às ruas “identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas”.

Segundo ele, o país estava, naquele momento, “tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”. “O sangue dos brasileiros sempre foi derramado por liberdade. Vencemos ontem, estamos vencendo hoje e venceremos sempre”, afirmou.

Bolsonaro disse que, passados quase dois séculos da independência, o país “enfrentou e superou inúmeros desafios" e colocou que, durante a 2ª Guerra Mundial, a Força Expedicionária foi à Europa para “ajudar o mundo a derrotar o nazismo e o fascismo”.

Em pronunciamento na TV, Bolsonaro diz defender democracia, mas volta a celebrar golpe de 1964

Discurso provocou panelaços de opositores em cidades como Rio, São Paulo e Brasília

Renato Machado, Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro declarou em cadeia de rádio e televisão nesta segunda-feira (7) que defende a democracia, mas voltou a exaltar o golpe de 1964 que deu início à ditadura militar. Em meio ao pronunciamento, foram registrados panelaços contra o presidente em capitais como São Paulo, Rio e Brasília.

“Nos anos 60, quando a sombra do comunismo nos ameaçou, milhões de brasileiros, identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, foram às ruas contra um país tomado pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”, disse o presidente.

As declarações foram dadas em rede de rádio e TV, por ocasião das comemorações do Dia da Independência do Brasil.

Ainda no pronunciamento, o presidente declarou se comprometer com os valores constitucionais e com a democracia.

“No momento em que celebramos essa data tão especial, reitero, como presidente da República, meu amor à pátria e meu compromisso com a Constituição e com a preservação da soberania, democracia e liberdade, valores dos quais nosso país jamais abrirá mão."

Pablo Ortellado - Defund Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Será que ação de desinvestimento de empresas pode mesmo conter ou reduzir o desmatamento?

Uma campanha iniciada por ativistas brasileiros, mas orientada para o público internacional, pede o desfinanciamento de quem se beneficia das políticas ambientais de Bolsonaro.

A principal peça de propaganda da campanha é um vídeo em inglês mostrando cidades e produtos europeus com focos de incêndio, evidenciando que as queimadas amazônicas estão diretamente implicadas no consumo.

A expressão "defund", que aparece ao final do vídeo, remete à demanda de ativistas do Black Lives Matter, nos Estados Unidos, que pedem o desfinanciamento da polícia depois dos sucessivos casos de abuso contra cidadãos negros.

A campanha brasileira, porém, não pede o boicote de produtos e serviços brasileiros —estratégia utilizada com sucesso para derrubar o apartheid na África do Sul e com menos êxito na campanha BDS, que combate a ocupação da Palestina por Israel.

Hélio Schwartsman - Réquiem para a Lava Jato

- Folha de S. Paulo

Não vejo como afastar a suspeita de que apoio de Bolsonaro nunca passou de uma farsa

Em 1972, Richard Nixon, talvez o mais anticomunista de todos os presidentes americanos, fez uma visita à "China vermelha" que marcou a retomada de relações diplomáticas entre Washington e Pequim, após 25 anos de isolamento. A viagem consagrou a expressão "It took Nixon to go to China" (foi preciso Nixon para ir à China), que designa situações em que só políticos muito identificados com alguma tese podem ir contra ela sem pagar um preço exorbitante.

"Mutatis mutandis", a metáfora se aplica a Bolsonaro no esvaziamento da Lava Jato. Só o candidato que tomara carona na operação para eleger-se poderia voltar-se contra ela sem sofrer um enorme desgaste por isso. Ironicamente, foi sob Bolsonaro, e não sob o PT ou o centrão, que se estancou a sangria, se é lícito usar a expressão imortalizada por Romero Jucá.

Não estou, obviamente, afirmando que a Lava Jato ocorreu sem máculas. Como sempre ocorre nesse tipo de movimento, houve abusos que devem ser corrigidos. Penso que há elementos que justificam nulidades parciais em alguns casos, mas receio que estejamos prestes a cair no extremo oposto, pondo a perder os bons serviços prestados pela operação.

Cristina Serra - A morte como commodity

- Folha de S. Paulo

É preciso admitir a barbárie para salvar a democracia

Nos meses de quarentena, o Brasil conseguiu combinar duas catástrofes: uma das piores conduções mundiais do combate à pandemia, que resultou em massacre evitável de brasileiros, e o descontrole da epidemia de violência, que matou mais cidadãos e policiais no primeiro semestre deste ano que no mesmo período de 2019.

Pesquisa do Monitor da Violência e do site G1 aponta que, mesmo com o isolamento social, 3.148 pessoas foram mortas por policiais em 2020, 7% a mais que em 2019. E 103 policiais foram assassinados contra 83, aumento de 24%. Esses números estão em linha com o crescimento de assassinatos em geral: 6% a mais neste ano.

Como explicar essa doença social? O pesquisador Adilson Paes de Souza acaba de defender na USP a tese de doutorado "O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do estado de São Paulo". Para o estudioso, "a base do sistema de segurança pública no Brasil foi gestada na ditadura e a Constituição de 1988 não mudou isso. As PMs foram organizadas nos marcos da Doutrina de Segurança Nacional, que tem como meta a eliminação do inimigo interno para acabar com o comunismo".

Joel Pinheiro da Fonseca* - Stalinismo de YouTube

- Folha de S. Paulo

Sempre haverá alguém inescrupuloso para levar o discurso maluco a sério

Que youtubers e "digital influencers" defensores do stalinismo e do regime norte-coreano façam sucesso crescente nas redes sociais nos indica que o Brasil (e o mundo) está longe de sair do buraco de fake news e revisionismo em que caiu.

Os cientistas se veem na defensiva, tendo que justificar seu trabalho e suas boas intenções para um público que rejeita progressivamente conceitos básicos como a esfericidade da terra e o funcionamento de vacinas. Na política é mesma coisa: valores e instituições estão sob ataque de charlatães hábeis em seduzir levas de seguidores.

É chato defender instituições liberais. Colocar as regras do jogo acima do desejo de que seu time favorito vença a partida; conceder ao adversário as mesmas prerrogativas que você tem; ser contrário à resolução violenta de discordâncias de ideias.

Muito mais gostoso é sonhar que se é um revolucionário bolchevique prestes a matar pela revolução ou quem sabe um cruzado medieval pronto para a guerra santa. Tudo vale, tudo é permitido.

Rubens Barbosa* - Defesa – uma questão de segurança nacional

- O Estado de S.Paulo

PND e END respondem aos novos desafios de um mundo em rápida transformação...?

Depois de pouco mais de 30 anos, o mundo volta à era de competição entre superpotências, com o declínio da dominação dos EUA e o crescimento tecnológico, comercial e militar da China. Como evitar que a crise entre os EUA e a China seja transplantada para a América do Sul e interfira no interesse nacional? Como o Brasil deveria tomar posição, em termos de defesa, em seu entorno geográfico e área de influência? Qual seria o papel do Brasil como uma das dez maiores economias do mundo, a quinta em território e a sexta em população? Como enfrentar o déficit de inovação tecnológica em face da rápida obsolescência dos equipamentos militares e dos projetos especiais das três Forças?

Os documentos Política (PND) e Estratégia Nacional de Defesa (END) procuram responder aos desafios percebidos pelo atual governo e mostrar, em linhas gerais, o planejamento das prioridades para a defesa do País. Voltados prioritariamente para ameaças externas, eles estabelecem objetivos para o preparo e o emprego de todas as expressões do poder nacional.

Os objetivos gerais mencionados na PND são: garantir a soberania, o patrimônio nacional e a integridade territorial; assegurar a capacidade de defesa para o cumprimento das missões constitucionais das Forças Armadas; promover a autonomia tecnológica e produtiva na área de defesa; preservar a coesão e a unidade nacionais; salvaguardar as pessoas, os bens, os recursos e os interesses nacionais situados no exterior; ampliar o envolvimento da sociedade brasileira nos assuntos de defesa nacional; contribuir para a estabilidade regional e para a paz e a segurança internacionais; incrementar a projeção do Brasil no concerto das nações e sua inserção em processos decisórios internacionais.

Cristian Klein - Bolsonarismo é diluído no Rio

- Valor Econômico

Candidatura de ex-nadador divide forças do presidente no Rio

O presidente Jair Bolsonaro disse que não se meteria na disputa municipal e corre o risco de ver, em seu reduto eleitoral, a situação escapar do controle, com a fragmentação do cenário e a divisão do bolsonarismo no Rio. A novidade com as convenções do fim de semana e do feriado de ontem foi o surgimento de uma terceira via à polarização que se desenhava entre o prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) - apoiado discretamente pelo presidente - e o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM).

Partido pelo qual Bolsonaro se elegeu ao Planalto e com o qual rompeu, o PSL se prepara para lançar o deputado federal e ex-nadador Luiz Lima, tendo como vice a ex-deputada Cristiane Brasil, filha do cacique do PTB Roberto Jefferson. Com os portentosos fundo eleitoral e tempo de TV do PSL, é uma candidatura que tem o condão de embolar a peleja, animar a enfraquecida e desanimada esquerda e eventualmente deixar o clã Bolsonaro sem um nome para chamar de seu no provável segundo turno.

Luiz Lima é um típico bolsonarista, porém com uma verve mais cordata, ao estilo do primogênito e senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) em vez do radicalismo dos dois outros filhos políticos do presidente, o vereador Carlos (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). Em tempos de pandemia, já travou duelo em debate de TV com o calejado Marcelo Freixo (Psol-RJ) sem deixar evidente a exígua experiência parlamentar.

Sua entrada no páreo atropela as pretensões de aliança, desejadas tanto por Paes quanto por Crivella, bem como o extremismo do deputado estadual Rodrigo Amorim, que já havia sido até lançado pelo PSL como pré-candidato. O campeão de votos à Assembleia - que quebrou uma placa de homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco (Psol), durante a campanha de 2018 - perdeu tração ao se aproximar do hoje governador afastado Wilson Witzel (PSC) e caiu em desgraça com a família do presidente da República.

Eliane Cantanhêde - STF, Rio e Bolsonaros

- O Estado de S.Paulo

Com Luiz Fux, pode haver situação insólita: presidente do STF abstendo-se de julgar

Enquanto as pessoas se aglomeram irritantemente em praias, bares e festas, a pandemia parece arrefecer, mas ainda é ameaçadora, e o foco está em três frentes que confluem mais e mais na mesma direção: a família Bolsonaro, o Rio (a capital e o Estado) e o Supremo Tribunal Federal. Os três têm um encontro marcado nesta quinta-feira, quando muda o comando do STF.

O presidente Jair Bolsonaro e dois dos seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, têm base eleitoral do Rio, estão às voltas com investigações variadas e agora podem comemorar à vontade: estão com a faca e o queijo na mão, junto com o governador interino Cláudio Castro, o prefeito Marcelo Crivella e, consta, toda a estrutura de poder.

E assim vão caindo, um a um, os empecilhos para o domínio dos Bolsonaro no Rio. O Coaf apresentou ao Brasil um cidadão chamado Fabrício Queiroz? Despacham-se o Coaf para o Banco Central e o Queiroz para a casa do advogado da família. O ministro Sérgio Moro se recusava a trocar as cúpulas da PF nacional e no Rio? Que então Moro tivesse, e teve, “a dignidade de se demitir”. A Receita importunava a base evangélica do presidente, muito forte no Rio? Nada que uma boa conversinha não resolvesse.

Sobrou o governador Wilson Witzel, que surfou na onda bolsonarista em 2018 e depois pulou fora, deixando um rastro classificado como “muito grave” pelo Ministério Público e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Foi fácil afastá-lo, como foi cooptar o vice Cláudio Castro, que também tem seus probleminhas com o MP e precisa desesperadamente da mãozinha do governo federal para se equilibrar no cargo de Witzel. Com Crivella já andava tudo numa boa. Só faltava uma juíza qualquer censurar a publicação das investigações contra os filhos. Não falta mais.

A revitalização da agenda urbana – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao mesmo tempo em que multiplicou canais entre cidadãos, a pandemia os afastou de suas cidades. Eleições são o momento ideal para reaproximá-los

A pandemia reacendeu o debate – particularmente oportuno no Brasil, em vista das eleições municipais – sobre o futuro das cidades. Em Carta Aberta, um consórcio de instituições representativas da arquitetura e do urbanismo apresentou 51 recomendações para “diminuir as distâncias entre a cidade real e a ideal”.

A gestão urbana, enfatiza o manifesto, depende de um “mosaico de saberes” orientados por cinco princípios: 1) colocar as pessoas no centro das políticas e projetos, priorizando o acesso ao saneamento, moradia e educação cívica; 2) planejar de forma transversal, inclusiva e integrada, mediante políticas de Estado independentes dos governos de turno; 3) financiar essas políticas com recursos de diversas fontes; 4) otimizar recursos por meio de consórcios intermunicipais; e 5) estimular a participação popular nos processos decisórios.

As recomendações são articuladas em cinco categorias: saúde; sustentabilidade; governança e financiamento; paisagem e patrimônio; e mobilidade e inclusão.

No espectro sanitário é imperativo universalizar o saneamento básico. A aprovação do novo marco do saneamento abre um horizonte promissor aos municípios. É preciso especial atenção à mazela crônica das favelas e assentamentos ilegais. Programas extensivos de titularização de propriedades e de urbanização de assentamentos precários são urgentes. Para tanto, pode ser conveniente criar fundos especiais de desenvolvimento urbano e habitação voltados às comunidades marginalizadas.

O beijo da morte – Editorial | Folha de S. Paulo

Excessos da Lava Jato não justificam atrelar a Procuradoria ao poder político

Da onda de operações anticorrupção representadas sob a rubrica da Lava Jato, pode-se dizer que conheceu o seu apogeu entre 2015 e 2018 e depois entrou em derrocada. A debandada de procuradores identificados com algumas dessas investigações, nos últimos dias, assinala essa trajetória descendente.

Deltan Dallagnol, alegando razões pessoais, deixou o comando da Lava Jato, no Paraná. Todos os oito procuradores da República integrantes da versão paulista da operação renunciaram à incumbência, manifestando contrariedade com uma colega responsável pela distribuição dos casos.

Em Brasília, pediu afastamento Anselmo Lopes, principal investigador da operação Greenfield, que apura suspeitas de corrupção envolvendo bancos e fundos de pensão. Responsabilizou pela decisão a falta de apoio do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Embora negue a intenção de sufocar as forças-tarefas, Aras integra o time de autoridades que, há dois anos, obriga o lavajatismo a recuar. O presidente Jair Bolsonaro, de quem o chefe do Ministério Público parece aliado, políticos de vários partidos e membros do Judiciário reforçam a aliança informal contra os legatários de Curitiba.

Corte de verba para inovação pode piorar no próximo ano – Editorial | Valor Econômico

As medidas do governo para a ciência, tecnologia e inovação vão no sentido contrário do preconizado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual

Uma das áreas mais afetadas por cortes no projeto de lei orçamentária (PLO) enviada pelo governo ao Congresso é o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Uma verba de R$ 8 bilhões foi destinada ao MCTI para 2021, valor 31,7% menor do que os R$ 11,8 bilhões previstos para este ano, quando já houve dificuldades para pagar bolsas de pesquisa de órgãos vinculados ao ministério. O corte pode ser ainda maior devido à expectativa de que o contingenciamento aplicado neste ano seja repetido em 2021.

De janeiro a setembro, foram gastos apenas 37% do previsto. Especula-se que a reserva de contingência de 2021 chegue a 60%. Sobrariam R$ 3,1 bilhões dos R$ 8 bilhões alocados, dos quais R$ 1,6 bilhão seriam absorvidos pelas despesas obrigatórias, como salários. Restariam R$ 1,5 bilhão para as despesas discricionárias, como as destinadas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

Receia-se que o CNPq seja especialmente afetado no próximo ano uma vez que, até agora, a tesoura vem recaindo mais sobre o FNDCT. Responsável por financiar pesquisa e inovação em universidades e empresas, o FNDCT vem sendo cortado nos últimos anos. A verba livre do FNDCT, que já superou R$ 4 bilhões, caiu seguidamente, para R$ 850 milhões em 2019, R$ 600 milhões este ano e R$ 510 milhões previstos para 2021. Para o CNPq, o orçamento se manteve na faixa dos R$ 1,2 bilhão em 2019 e 2020, mas cairá para R$ 560 milhões em 2021.

Inquérito no STF expõe fragilidade do controle interno no Congresso – Editorial | O Globo

É inaceitável a fraude recorrente no uso de verbas legislativas e no financiamento eleitoral

O Supremo Tribunal Federal autorizou um inquérito sigiloso contra dois senadores, nove deputados federais e 18 ex-deputados e ex-senadores. Todos são suspeitos de peculato, desvios de verbas transferidas pelo Congresso para custear despesas inerentes ao exercício do mandato.

O caso se refere à legislatura passada (2014-2018) e envolve somente 1,8% dos atuais 594 congressistas. A Cota Parlamentar, objeto da investigação, funciona como caixa para financiar despesas como passagens aéreas ou aluguel de veículos. Varia entre R$ 35 mil e R$ 44 mil, conforme o estado do deputado ou senador.

A ministra Rosa Weber justificou a decisão, que divulgou na semana passada, com base nos indícios apresentados pelo Ministério Público Federal a partir de “relatórios técnicos de investigação, documentos e áudios obtidos em diligências de busca e apreensão, quebras de sigilo telefônico, bancário e fiscal”. Citou especificamente o artigo 312 do Código Penal, que pune com dois a 12 anos de prisão, além de multa, os servidores que se apropriam ou desviam dinheiro público entregue em razão do cargo.

A reação inicial foi o previsível protesto contra a “criminalização da política”, repetido desde 2014, quando líderes de partidos de esquerda começaram a ser expostos em episódios de corrupção. É um argumento pueril, como atesta a ministra Weber. Os fatos sugerem o desvio de dinheiro público por uma minoria parlamentar e precisam ser apurados.

É preciso evitar o desmonte da Lava-Jato – Editorial | O Globo

Não faz sentido o discurso de Aras, que tornou a centralização das forças-tarefas uma causa pessoal

O procurador-geral da República, Augusto Aras, está transformando o desmonte da Operação Lava-Jato numa causa política e pessoal, ao capitanear uma estratégia de fragilização e retrocesso das ações anticorrupção.

Aras precisa decidir até a próxima quinta-feira a respeito da prorrogação da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná. A continuidade do trabalho é necessária e depende de mero ato administrativo, como tem sido rotina desde o início das investigações, em abril de 2014. Na semana passada, o Conselho Superior do Ministério Público Federal resolveu estender o prazo provisoriamente. Cabe ao procurador-geral a decisão definitiva, mas ele reluta.

Aras está na carreira há 33 anos, virou chefe administrativo do MPF por escolha de Jair Bolsonaro, sob a justificativa do “alinhamento ideológico”. Logo embarcou numa espécie de cruzada contra a Lava-Jato, empreendida por partidos políticos cujos líderes ficaram expostos na teia de corrupção desvelada nas investigações desencadeadas a partir de contratos da Petrobras.

O procurador-geral comanda a nova tentativa de desmonte da Lava-Jato com um discurso frágil, recheado de neologismos, como um certo “lava-jatismo”. Baseia em acusações pouco críveis, como a existência de uma “caixa de segredos” na força-tarefa do Paraná. Sua lógica induz à conclusão de que o MPF conduz investigações ilegais sobre 38 mil pessoas físicas e empresas.

Música | Mariene de Castro & Almério - Canto de Ossanha

Poesia | Memória (declamado por Carlos Drummond de Andrade)