Para Sergio Abranches, novidade é o PT criar e defender um arcabouço ‘engenhoso’ e ‘ambicioso’
Por Ricardo Mendonça / Valor Econômico
Para o sociólogo e escritor Sergio Abranches, a principal novidade
nos primeiros cem dias do terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva é a
tentativa de combinar as políticas sociais que o PT sempre defendeu com um
ajuste fiscal desta vez criado e defendido pelos próprios petistas.
A diferença notável, destaca, é que nos governos anteriores do
partido a política fiscal mais rígida era adotada a contragosto. Agora “é da
cabeça deles”, diz. “Não dá para vir depois e dizer que é uma política
neoliberal.”
Criador do conceito do presidencialismo de coalizão, expresso pela
primeira vez em um artigo publicado em 1988, Abranches avalia que a
governabilidade ficou muito mais difícil após a implosão do modelo de disputa
liderado por partidos âncoras, PT e PSDB, que predominou entre 1994 e 2014 e
foi enterrado em 2018 com o triunfo de Jair Bolsonaro (PL).
Entende, entretanto, que Lula está sabendo se adaptar ao novo
“ecossistema político”, agora povoado por um número maior de partidos médios,
Centrão anabolizado e concentração maior de poder nas mãos dos presidentes da
Câmara e do Senado. A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:
Valor: Qual
que é a marca forte dos 100 dias do governo Lula?
Sergio Abranches: É a tentativa de compatibilizar
uma política social, que é típica do Lula e do PT, com uma política fiscal, que
nunca foi um forte deles. Embora Lula sempre tenha dito que fez superávit nos
primeiros governos dele, isso é verdade, sempre houve muita pressão interna
nesse campo. Não é uma política orgânica do PT fazer ajuste fiscal. Mas agora
é. Então o ajuste fiscal, pela primeira vez, virou uma política do PT.
Valor: É
um governo petista mais fiscalista do que os anteriores?
Abranches: Não é que seja mais fiscalista. É que agora ele está oferecendo uma política fiscal ambiciosa, do ponto de vista dos esforços, sem as mesmas resistências que havia no passado. Antes, eles adotavam uma política que não era deles, nunca foi considerada como deles. Adotavam a contragosto. Agora estão adotando uma política que foi formulada por eles, é da cabeça deles. Não dá para vir depois e dizer que é uma política neoliberal. Agora é uma política do governo do PT. Está sendo enviada por Lula e seus ministros ao Congresso.