“Com a Receita Federal do jeito que está , completamente aparelhada e a serviço da transgressão, sonegar informações ao Fisco, hoje, deixa de ser crime e passa a ser legítima defesa. ”
(Amâncio Lobo , leitor, São Paulo)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
FRASE DE ONTEM
Como nunca antes neste país – Editorial / O Estado de S. Paulo
O presidente Lula desmoralizou o Congresso Nacional ao permitir que o então chefe de seu Gabinete Civil, o trêfego José Dirceu, urdisse e implantasse um amplo esquema de compra de apoio parlamentar - o malfadado mensalão. Essa bandidagem custou ao chefe da gangue o cargo de ministro. Mas seu trânsito e influência dentro do governo permanecem enormes, com a indispensável anuência tácita do chefão.
Denunciado o plano de compra direta de apoio de deputados e senadores, o governo petista passou a se compor com toda e qualquer liderança disposta a trocar apoio por benesses governamentais, não importando o quanto de incoerência essas novas alianças pudessem significar diante do que propunha, no passado, a aguerrida ação oposicionista de Lula e de seu partido na defesa intransigente dos mais elevados valores éticos na política. Daí estarem hoje solidamente alinhadas com o governo as mais tradicionais oligarquias dos rincões mais atrasados do País - os Sarneys, os Calheiros, os Barbalhos, os Collors de Mello, todos antes vigorosamente apontados pelo lulo-petismo como responsáveis, no mínimo, pela miséria social em seus domínios. Essa mudança foi recentemente explicada por Dilma Rousseff como resultado do "amadurecimento" político do PT.
O presidente Lula desmoralizou a instituição sindical ao estimular o peleguismo nas entidades representativas dos trabalhadores e, de modo especial, nas centrais sindicais, transformadas em correia de transmissão dos interesses políticos de Brasília.
O presidente Lula tentou desmoralizar os tribunais de contas ao acusá-los, reiteradas vezes, de serem entrave à ação executiva do governo por conta do "excesso de zelo" com que fiscalizam as obras públicas.
O presidente Lula desmoralizou os Correios, antes uma instituição reconhecida pela excelência dos serviços essenciais que presta, ao aparelhar partidariamente sua administração em troca, claro, de apoio político.
O presidente Lula desmoralizou o Tribunal Superior Eleitoral, e, por extensão, toda a instituição judiciária, ao ridicularizar em público, para uma plateia de trabalhadores, multas que lhe foram aplicadas por causa de sua debochada desobediência à legislação eleitoral.
Mas é preciso reconhecer que pelo menos uma lei Lula reabilitou, pois andava relegada ao olvido: a lei de Gerson. Aquela que, no auge do regime militar e do "milagre brasileiro", recomendava: o importante é levar vantagem em tudo. Esse sentimento que o presidente nem tenta mais disfarçar - tudo está bem se me convém - só faz aumentar com o incremento de seus índices de popularidade e sinaliza, por um lado, a tentação do autoritarismo populista, enquanto, por outro lado, estimula a erosão dos valores morais, éticos, indispensáveis à promoção humana e a qualquer projeto de desenvolvimento social.
O presidente vangloria-se do enorme apoio popular de que desfruta porque a economia vai bem. Indicadores econômicos positivos, desemprego menor, os brasileiros ganhando mais, Copa do Mundo, Olimpíada. É verdade, mesmo sem considerar que Lula e o PT não fizeram isso sozinhos, pois, embora não tenham a honestidade de reconhecê-lo, beneficiaram-se de condições construídas desde muito antes de 2002 e também de uma conjuntura internacional política e, principalmente, econômica, que de uma maneira ou de outra acabou sendo sempre favorável ao Brasil nos últimos anos.
Mas um país não se constrói apenas com indicadores econômicos positivos. São necessárias também instituições sólidas, consciência cívica, capacidade cidadã de avaliar criticamente o jogo político e as ações do poder público. Nada disso Sua Excelência demonstra desejar. Oferece, é verdade, pão e circo. Não é pouco. Mas é muito menos do que exige a dignidade humana, senhor presidente da República!
Lula usa a velha tática da vitimização – Editorial / O Globo
Ao aparecer no programa eleitoral de Dilma Rousseff, na noite de terça, como se fizesse um pronunciamento oficial na condição de presidente da República, Lula apenas foi coerente com a postura que assumiu desde o momento em que resolveu eleger a sua pouco conhecida ministra-chefe da Casa Civil.
Sem se preocupar com limites legais, com nada, Lula tem sido um trator a serviço de Dilma, sem atentar para a confusão de papéis entre o chefe partidário e o representante do Poder Executivo.
Se o adversário José Serra se equivocou ao tentar cassar a candidatura de Dilma na Justiça eleitoral, devido ao já comprovado escândalo de invasão criminosa do sigilo fiscal de tucanos e da filha dele, Verônica, terça foi a vez de Lula extrapolar, ao exercitar no programa eleitoral uma velha tática petista: vitimizar-se, quando, na verdade, a vítima está do outro lado. Ou seja, o direito de reclamar é de Serra, da filha e demais tucanos cujos arquivos sob a guarda da Receita Federal foram violados, a partir da ação de pelo menos dois filiados ao PT.
O pronunciamento dissimulado e evasivo do presidente só fez aumentar o temor de quem é obrigado a ter sob a guarda do Estado dados pessoais, protegidos pela Constituição. Hoje se vê, uma proteção frágil, diante da atuação de aparelhos partidários e sindicais dentro da máquina burocrática, de que resulta o uso de instrumentos do Estado com fins políticos privados.
Sem falar, como admitiu o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, chefe supremo da Receita, dos incontáveis vazamentos de informações dos computadores da repartição, onde, tudo leva a crer, funcionam balcões de venda de dados a quem interessar: empresas de mala-direta, assaltantes de residências, sequestradores etc. Infelizmente, prática que parece disseminada em vários órgãos públicos, como demonstra a facilidade com que se compra esse tipo de informações privadas nas ruas do Centro velho de São Paulo, conforme revelou reportagem do GLOBO.
Enquanto a Receita claramente retarda a sindicância interna, como deseja o PT, o presidente acusa os atingidos pela criminosa quebra de sigilo de partirem para a baixaria (!?).
O cidadão comum, portanto, tem toda razão em se sentir vulnerável, desprotegido, sem qualquer ajuda do Executivo.
Resta-lhe esperar pela atuação do Ministério Público fortalecido pela Constituição de 1988 com a missão de estar ao lado da sociedade e da Justiça.
O mesmo recurso da vitimização é aplicado quando a imprensa independente, profissional, chamada de grande mídia, divulga fatos objetivos contrários aos interesses do PT. Imediatamente, ela passa a ser acusada de golpista. Assim, o partido se converte em vítima de supostas tenebrosas conspirações, e se exime de explicar as malfeitorias.
Foi assim no mensalão, minimizado por Lula o partido apenas copiara os demais ao comprar com dinheiro sujo apoio parlamentar , sem impedir, no entanto, a cassação de José Dirceu e a abertura de um processo no STF contra a organização criminosa, chefiada, no entender da Procuradoria Geral da República, pelo próprio titular da Casa Civil de Lula. Agora, o partido e sua candidata são vítimas de quem se indigna por ter informações privadas surrupiadas por iniciativa de filiados ao PT.
É demais.
A culpa é da oposição – Editorial / Folha de S. Paulo
Ganhou fama na internet o vídeo em que o presidente Lula responde com maus modos a um rapaz pobre do Rio de Janeiro, que dizia gostar de jogar tênis. Tratava-se de "esporte da burguesia", declarou o presidente, entre alguns impropérios.
Talvez a seus olhos também pareçam simplesmente coisa "da burguesia" as reações ao episódio gravíssimo da quebra do sigilo fiscal de contribuintes, entre os quais pessoas ligadas ao candidato José Serra.
Não pertencia "à burguesia", entretanto, o caseiro Francenildo dos Santos Costa, que depois de dar declarações contrárias aos interesses do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, teve sua conta bancária devassada pelos chefões do poder petista.
Do garoto da favela a personagens do PSDB não há nada em comum exceto o fato de representarem algum potencial de atrito aos poderosos do momento. E estes põem em prática seu longo aprendizado de arrogância e de abuso, tão logo se julgam ao abrigo dos olhos do público.
Fazendo-se entretanto de vítima, como é seu costume, aliás, o presidente da República ocupou parte do horário eleitoral de sua candidata para atribuir ao "preconceito" as críticas que o escândalo da Receita merecidamente recebeu da oposição.
Embalada por uma música sentimental, a aparição de Lula no programa de terça-feira foi uma demonstração deprimente do modo com que o mandatário encara a democracia, o debate político e seu próprio papel institucional.
Conclamou os adversários a manifestarem "mais amor pelo Brasil", como se fosse dos petistas e de seus aliados o monopólio desse sentimento. Criticou "os que só querem destruir", como se tivesse esquecido os tempos em que exerceu oposição sistemática. Condenou a "baixaria", como se fosse elevado o propósito de investigar a declaração de renda da filha de um candidato à Presidência.
Lula nem sequer citou o caso, escapando de explicações acerca do descalabro das violações, sejam as de evidente caráter político, sejam aquelas cujas motivações ainda são menos claras.
Fosse para agir como presidente da República, Lula deveria desde já afastar os responsáveis pela desmoralização da Receita Federal. Preferiu agir segundo os padrões da "república de companheiros" que se estabelece no país, pedindo novamente votos para sua candidata.
Não havendo provas do envolvimento direto de Dilma Rousseff na armação engendrada na Receita Federal, foi por certo temerária e excessiva a atitude tucana de pedir a impugnação da candidatura petista na Justiça Eleitoral. Eleições não se ganham por meio desse expediente.
Mas uma democracia se vê ainda mais atingida quando o Estado se torna aparelho nas mãos de uma camarilha arrogante e impenitente, que o põe a serviço de seus interesses eleitorais, de seu desrespeito com os direitos dos cidadãos, de sua permanente vocação para a chantagem moral e para a intimidação política.
O papel de Dirceu:: Merval Pereira
O ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, acusado pelo procurador-geral da República de ser o chefe da quadrilha que organizou o mensalão, está se sentindo perseguido durante esta campanha eleitoral. Incomoda-o bastante o pequeno anúncio da campanha do candidato tucano José Serra que alerta o eleitorado para a sua proximidade com a candidata oficial Dilma Rousseff.
Depois dela, vem ele, adverte o comercial. A própria candidata mostra-se incomodada com essa ligação, mas como José Dirceu continua tendo muito influência dentro do PT, e atua nos bastidores da coligação governista com estatura de coordenador da campanha, a candidata evita renegar seu antigo chefe, que, ao passar-lhe o cargo de chefe do Gabinete Civil, atingido pelo escândalo do mensalão, saudou-a como minha companheira em armas.
Hoje, Dilma nega ter pegado em armas contra a ditadura, mas na ocasião chegou a se emocionar no Palácio do Planalto ao relembrar os dias de luta armada e a morte de vários companheiros seus e de Dirceu.
Ao contrário do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, cujo apoio Dilma renegou de público depois de ter conseguido tirar do ar uma propaganda em que Collor pedia votos para ela, com Dirceu o trato é cauteloso.
Perguntada se Dirceu faria parte de seu governo, Dilma disse apenas que não responderia sobre equipe de governo porque pareceria presunção antes do resultado oficial da eleição.
Coube ao próprio José Dirceu retirar do caminho de Dilma esse obstáculo, anunciando que não pretende voltar a atuar no governo antes de seu julgamento no Supremo Tribunal Federal.
O fato é que José Dirceu continua dando as cartas dentro do PT e atuou explicitamente na formação da coligação que hoje apoia a candidatura de Dilma Rousseff.
Viajou pelo país como enviado do PT e negociou diretamente os diversos acordos firmados nos estados, tendo sido parte importante na decisão de o PT abrir mão de concorrer ao governo de Minas para dar a vez a Hélio Costa, do PMDB.
O ex-ministro mostrou-se também indignado com uma informação dada aqui na coluna na terça-feira.
Transcrevo o trecho que incomodou Dirceu e que ele publicou em seu blog: No governo, montaram uma máquina de informações não apenas para difundir notícias falsas sobre seus adversários como para usar as informações como arma política de chantagem nas negociações de bastidores.
O cérebro desse esquema de informações paralelo e ilegal foi o ex-ministro e deputado federal cassado José Dirceu, que se vangloria até hoje dos métodos que aprendeu quando esteve exilado em Cuba. Pois bem, a informação de que Dirceu é a origem de uma máquina subterrânea de inteligência montada dentro do governo petista já fora publicada aqui na coluna, mais exatamente em setembro de 2006 , quando o escândalo dos aloprados do PT estava no auge.
Naquela ocasião, relatei que Cid Benjamim, então candidato a deputado estadual pelo PSOL, irmão de César Benjamim, que disputava a eleição como vice de Heloísa Helena, contara em seu blog uma historinha que demonstra muito bem o que podia estar por trás da compra do dossiê contra os tucanos e do tal setor de inteligência da campanha de reeleição de Lula.
Setor esse que novamente está no centro das intrigas políticas, depois de ter sido apanhado em flagrante contratando um araponga para trabalhos de espionagem para a campanha de Dilma Rousseff.
Entre os que faziam parte desse grupo está o jornalista Amaury Ribeiro Junior, suposto autor do dossiê com dados que, por coincidência, se referem às mesmas pessoas do PSDB que tiveram seu sigilo quebrado, inclusive a filha do candidato Serra e seu marido.
Seu chefe, o jornalista Luiz Lanzetta, foi demitido do posto de coordenador de imprensa da campanha oficial depois que o caso dos dossiês foi noticiado.
Reproduzo a parte da coluna que se refere ao caso.
Segundo ele (Cid Benjamin), em fevereiro de 2002, estando em Porto Alegre para cobrir para um jornal do Rio o Fórum Social Mundial, conversou com José Dirceu, com que mantinha relações cordiais, ainda que no PT fossem adversários.
Cid relata a conversa: Lá pelas tantas, na sua megalomania, Dirceu disse: Estou montando um serviço secreto dentro do PT.
Uma coisa que será sigilosa e que as pessoas sequer saberão que existe. E esse serviço vai ficar subordinado diretamente a mim. Fiquei intrigado. Por que diabos ele estaria me contando isso? Será que pensa em me recrutar para seu SNI particular? Mas, depois, me convenci de que sua tagarelice advinha mesmo da descomunal vaidade. Hoje, tudo indica que essa autêntica Operação Tabajara foi produto do serviço secreto criado por Dirceu.
Estará ele ainda à frente desse simulacro de KGB? Eu não afastaria a hipótese. O caso das sucessivas quebras de sigilo fiscal de pessoas ligadas ao PSDB, e de parentes do candidato José Serra, mostra que continua funcionando a pleno vapor esse grupo de inteligência do PT, que teve sua origem, como se verifica, no Gabinete Civil sob a chefia do então ministro José Dirceu.
Pelo menos foi o que ele contou a Cid Benjamin.
Quanto aos treinamentos que recebeu em Cuba, o próprio Dirceu se encarrega de contar seus feitos a várias pessoas no meio político.
No documentário de João Moreira Salles Entreatos, sobre a campanha de 2002, há uma cena em que Dirceu reclama de uma reunião estar sendo filmada. E, quando Gilberto Carvalho diz que a equipe do documentário é de confiança, e que o filme é guardado em um cofre, Dirceu diz que não existe nada seguro em campanhas: Se você soubesse o que eu tenho guardado de outras campanhas, você não diria isso, comenta.
Presidente partido:: Dora Kramer
No dia da Independência, de broche da Bandeira Nacional na lapela, o presidente da República fez um pronunciamento à Nação no horário eleitoral do PT para desancar a oposição, defender sua candidata a presidente e confundir a opinião pública acerca das quebras de sigilo fiscal na Receita Federal.
Além de deformar os atributos do poder delegado pelas urnas, o presidente eleito para presidir a todos os brasileiros trabalha para um partido (o que é vedado pela Constituição) e se imiscui indevidamente nas investigações em andamento na Receita e na Polícia Federal.
Procurando dar uma feição oficial ao manifesto acusou seus adversários disso e daquilo, mas não contou o caso direito nem entrou em nenhum detalhe sobre o assunto que põe sob suspeita o governo, o PT e a campanha presidencial do partido.
Luiz Inácio da Silva não esclareceu coisa alguma sobre o que está acontecendo, só afirmou que "baixezas" são cometidas contra a candidata a presidente e, de maneira demagógica, estendeu a "ofensa" às mulheres de todo País.
Se a candidata não sabe - ou não pode - se defender, a maioria das mulheres sabe perfeitamente como fazer isso, embora muitas não disponham de instrumentos suficientes e nem todas obtenham êxito.
No caso, a defesa extensiva de sua excelência seria bem recebida não só por mulheres, mas também por homens. Todos os cidadãos que tiveram o sigilo violado na Receita gostariam de ser defendidos por Lula, mas até agora não mereceram atenção das autoridades, preocupadas com a única mulher que ao governo interessa: Dilma Rousseff.
Tirando ela, a necessidade de protegê-la e a ânsia de que o País inteiro "reconheça" que a eleição está decidida antes mesmo de a eleição acontecer, nada mais parece importar.
Ainda há quem se pergunte o que leva a imprensa de um modo geral a dar crédito à denúncia da oposição de que as quebras de sigilo fiscal descobertas até agora, no ABC paulista e no interior de Minas Gerais, teriam como alvo o candidato a presidente pelo PSDB.
Vários fatores: o histórico de conduta, o fato em si (petistas como agentes da violação, tucanos e parentes do candidato como objetos dos atos), o interesse, mas principalmente a atitude dos suspeitos, agora corroborada pela reação direta e pessoal do presidente Luiz Inácio da Silva.
As mentiras e mais recentemente a contundência deixam pouquíssima margem para dúvidas.
Se não sentisse um aroma de perigo no ar, Lula não se incomodaria com o caso. Por muito mais, a crise aérea de 2006/2007, o presidente da República demorou meses até se pronunciar.
Sendo verdade, como diz o ministro da Fazenda - com outras palavras, claro -, que a Receita Federal é uma peneira, natural seria que o governo demonstrasse um mínimo de preocupação com o fato.
Quanto à "coincidência" de na lista constar os nomes da filha de José Serra, do genro, do marido da prima, do ex-caixa de campanha, de um ministro do governo FH e do vice-presidente do partido do candidato da oposição, torna mais grave por força da eleição.
Insuspeito talvez não, mas mais republicano poderia ser considerado o gesto do presidente da República se no lugar de insultos ele dirigisse ao candidato escusas pelos transtornos causados pelo Estado.
Em seguida, anunciasse uma devassa em regra na Receita, mais especificamente na delegacia de Mauá e respectivas ramificações.
Refresco. A candidata Marina Silva provavelmente se considerasse vítima da Receita caso seu sigilo fiscal tivesse sido quebrado.
Portanto, quem teve a privacidade violada pelo Estado não se "faz" de vítima. Por definição "é" uma vítima, independentemente da filiação partidária.
Só para raciocinar: e se o sigilo fiscal violado fosse o de um dos filhos do presidente Lula? E se o caso acontecesse no governo do PSDB?
De homem para homem:: Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA - Afinal, quem é o candidato do governo? Lula ou Dilma?
Por que ele é quem tem de bater boca com o candidato da oposição no horário eleitoral? Para falar de homem para homem?
Não fica bem, principalmente se Lula já começa a transferir para Dilma aquela lenga-lenga do preconceito. Quem discorda tem preconceito porque ele "é operário" (?!). Quem continuar discordando terá preconceito porque ela é mulher.
Serra é acusado de estar se "vitimizando" com a história da quebra dos sigilos, mas nisso pode dar as mãos a Lula, campeão da vitimização. Sempre que a barra pesa, lá vem essa história do perseguido pelas elites e pela direita, enquanto os banqueiros enchem as burras da campanha da sua candidata.
O que interessa são os fatos, mais do que o uso eleitoral que Serra tente fazer e do qual Lula tente escapar. Os fatos são, até agora, lineares: usaram a Receita para quebrar o sigilo do secretário-geral do PSDB e da filha, do genro e do amigo de Serra. Por "coincidência", sempre havia um petista de carteirinha por trás, e os dados circularam pela pré-campanha de Dilma.
Em vez de agir como candidato, Lula deveria ser firme como presidente para salvaguardar o tão decantado "Estado democrático de Direito". Há um círculo interessante a ser investigado. Se é que alguém quer mesmo a investigação.
Ontem, em Uberlândia (MG), Lula fez uma provocação barata aos EUA, comparando a potência a um elefante bobão e o Brasil a um ratinho esperto: "Um elefante é daquele tamanhão, a tromba dele vale uns dez ratos, mas coloca um ratinho perto de um elefante para ver como o bicho tem medo e se borra todo", disse o presidente (ou seria o candidato?) sobre as batalhas que o Itamaraty enfrentou na OMC.
Aqui dentro, porém, a comparação é outra. Se o elefante Estado mete a sua pata onipresente nos milhões de ratinhos chamados de cidadãos, borram-se todos.
A quebra do sigilo fiscal e o Estado totalitário :: Ricardo Caldas
"(...) Confessavam assim que havia sido consumada a transformação do Estado de instrumento da lei em instrumento da nação; a nação havia conquistado o Estado, e o interesse nacional chegou a ter prioridade sobre a lei muito antes da afirmação de [Adolf] Hitler de que "o direito é aquilo que é bom para o povo alemão".
(...) Mas, como a sua criação [do Estado-nação] coincidia com a de governos constitucionais, os Estados-nações sempre haviam representado o domínio da lei, e nele se baseavam, em contraste com o domínio da burocracia administrativa e do despotismo -ambos arbitrários.
De modo que, ao se romper o precário equilíbrio entre a nação e o Estado, entre o interesse nacional e as instituições legais, ocorreu com espantosa rapidez a desintegração dessa forma de governo e de organização espontânea de povos."
(Trechos do livro "As Origens do Totalitarismo", página 308, de Hannah Arendt).
Na passagem acima, Hannah Arendt nos mostra como ocorre o processo de transformação do Estado de Direito em despotismo.
Ainda que na Europa a ascensão do totalitarismo tenha se dado em um contexto de perseguição às minorias nacionais, a forma como o Estado de Direito entra em declínio é sempre a mesma: as normas perdem o valor, os dirigentes do Estado se sentem à vontade para quebrá-las e a burocracia administrativa reina desimpedida, ao lado do despotismo.
Assim, o que caracterizava o totalitarismo para Arendt era não apenas a banalização do terror mas também a forma como o regime totalitário interfere e invade a vida individual de cada cidadão, que caberia ao Estado justamente proteger. Com efeito, entre as características do Estado de Direito estão, "inter alia", o fato de todos, inclusive o próprio Estado, estarem submetidos às mesmas normas.
A essência do Estado de Direito é o respeito às normas e o respeito aos direitos fundamentais. Estes são direitos subjetivos que existem por parte do indivíduo perante o Estado, mas que nem por isso deixam de ter um claro conteúdo (direto) na relação Estado-cidadão.
No caso do Brasil, sigilo fiscal está associado a direito à privacidade, previsto na Constituição Federal de 1988 (título 2º, artigo 5º, inciso 10). A quebra de sigilo fiscal representa, portanto, uma quebra de um princípio constitucional. Dito de outra forma, o Estado, ao quebrar o sigilo fiscal de um de seus cidadãos, abandona sua característica de garantidor de direitos e se torna um Estado usurpador.
Esse fato -a quebra do sigilo fiscal- é um aviso de que o Estado democrático de Direito está em crise e de que um Estado totalitário se aproxima.
Ricardo Caldas, professor de ciência política, é diretor do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da UnB (Universidade de Brasília). Publicado em 8/9/2010
"Udeenizar" de vez?:: Fábio Wanderley Reis
Popularidade do presidente Lula faz surgir a paranoia da democracia em risco e de mexicanização
Pouco tempo atrás, no Brasil, os democratas preocupavam-se com as ações de gente ideologicamente levada a menosprezar as eleições como algo "burguês" e supérfluo e a admitir, ou mesmo buscar, um poder ditatorial para realizar metas revolucionárias. Afora os sonhos radicais de uns tantos renitentes, isso acabou. Mas o momento eleitoral que vivemos, em que a popularidade inédita do presidente Lula o torna o protagonista maior de uma provável vitória eleitoral de feições - e, aparentemente, proporções - também inéditas, faz surgir a paranoia da democracia em risco, minoritária mas barulhenta (como costumo lembrar, eleitorado e "opinião pública" não se confundem, e são várias e fluídas, na verdade, as "opiniões públicas", algumas mais vocais que outras). E tome denúncias de "mexicanização" e PRI, ameaças corporativas de Estado-amálgama que junta sindicatos e empresários, personalismo e imposição pessoal da candidata petista, uso da máquina governamental.
Pessoalmente, não gosto nem um pouco de Dilma Rousseff como candidata. Talvez seja gestora competente. Do ponto de vista eleitoral, porém, é, sim, um poste que jamais se viabilizaria por si mesmo (o que tem desdobramentos relevantes para a avaliação da liderança presidencial, em sentido mais exigente, que seria capaz de exercer), e sua provável eleição é, claramente, puro e simples milagre de Lula. De outro lado, seria bom ter no PT um partido institucionalmente consistente, em vez da entidade posta na sombra do Super-Lula. Mas é difícil pretender que as coisas sejam melhores no PSDB, onde quem é posto na sombra, pela leitura feita das necessidades eleitorais, é sua figura maior, Fernando Henrique Cardoso, na campanha infeliz que resulta das vacilações e do joguinho míope de poder na escolha do candidato presidencial e que se viu há pouco reduzida a xingar pelas violações do sigilo fiscal - que precisam ser apuradas, é claro.
Quanto aos riscos "mexicanos", à parte o diagnóstico adequado do PRI e seu sistema, somos levados às questões complicadas em torno do que F. Zakaria chamou de "democracias iliberais": eleições garantirão por si só a democracia ou será preciso atentar para o autoritarismo (cesarismo, bonapartismo, "bolivarianismo") que se vale do apoio popular para afirmar-se? Há aí um problema autêntico. E é revelador das tentações envolvidas o fato de termos ouvido do próprio FHC, como presidente, a invocação da "voz rouca das ruas" a propósito da mudança legal que lhe permitiria reeleger-se.
Mas não basta, naturalmente, a força do apoio popular e eleitoral para que se possa falar de autoritarismo. É preciso que haja o empenho de usá-la como instrumento para acomodar as instituições aos desígnios autoritários (veja-se a Venezuela de Chávez); e, nessa ótica, a denúncia de risco autoritário mostra a cara de simples expediente de briga eleitoral. Não é senão de justiça lembrar que a iniciativa da "rerreeleição" não teve a acolhida de Lula, apesar de legalmente poder ser conduzida em termos tão respeitáveis como a introdução da reeleição com FHC. E não creio que alguém se disponha a questionar a independência de nosso Judiciário perante o Executivo, incluída a Justiça Eleitoral ativa e ativista, ou a importância da atuação do STF na revisão judicial das políticas públicas (ponhamos de lado o silêncio em torno das numerosas nomeações de Lula para o tribunal, em cuja recomposição extensa ninguém acusa política partidária ou ideológica). Tampouco se veem restrições governamentais à atividade dos partidos, em geral, de que Lula na verdade depende no Congresso e eleitoralmente. Talvez sejam as propostas sobre controle da imprensa as que melhor servem à paranoia, embora a questão certamente deva ser considerada (afinal, até quanto ao Judiciário o controle externo é recomendável) em termos mais sofisticados do que os resultantes da frequente arrogância ideológica de uma categoria profissional - ou dos interesses correlatos. De toda forma, não se falou de ameaça à democracia quando Sérgio Motta anunciava o projeto de 20 anos de poder do PSDB, assim como não se fala a propósito da prolongada hegemonia de partidos socialdemocratas em algumas democracias europeias exemplares. E não cabe esperar que, para ser democrático, um partido deva tratar de perder eleições de vez em quando.
Resta a crítica ao Estado-"amálgama". Evocando o "corporativismo" de ressonâncias negativas, ela omite o neocorporativismo como instrumento socialdemocrático e redunda em seletividade quanto a quem pode partilhar da intimidade do Estado: os sindicatos são um perigo... Mas que dizer de que a aprovação do fundamental das políticas que permitem o amálgama é - ainda bem, de muitos modos - imposta pelo próprio processo eleitoral aos candidatos oposicionistas?
Ah, o uso da máquina. Será que não basta a Justiça? Talvez se queira, tudo somado, "udeenizar" de vez e tentar chamar os militares. Mas "marchas da família" parecem difíceis.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da UFMG. Escreve mensalmente às quintas-feiras.
Gênese da delinquência :: Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Vinicius Torres Freire, que, como Gardel, "cada día canta mejor", disse em sua coluna de ontem em "Mercado" quase tudo o que eu gostaria de dizer sobre o mais recente escândalo da escandalosa política tapuia.
O foco, a meu ver, foi a frase "Lula e o lulo-petismo (...) apadrinharam malfeitores". Bingo.
Faltou apenas explicitar a gênese do apadrinhamento. Está na frase de Lula sobre o mensalão, na famosa entrevista dada em Paris: "O PT fez o que todo mundo faz".
O que todo mundo faz, segundo Lula, seria caixa dois. Circunscrever o mensalão a caixa dois não teve aval do então procurador-geral, que acusou um lote de petistas graúdos de, entre outros crimes, "formação de quadrilha". O STF acolheu a argumentação do procurador.
Muito bem. Mesmo que tivesse sido apenas caixa dois, resta o fato de que "caixa dois é coisa de bandido", frase de ninguém menos que Márcio Thomaz Bastos, então ministro da Justiça.
Não há, até agora, a bala de prata que prove que o PT, como instituição, e a campanha Dilma estejam envolvidos na quebra de sigilo de tucanos. Mas a frase de Lula, aceitando que o PT fez o que seu ministro disse ser "coisa de bandido", equivale a apadrinhar malfeitores, como escreveu Vinicius.
Apadrinhamento que o ministro Guido Mantega trouxe para o tempo presente, ao dizer que "vazamentos sempre ocorrem". Todo o mundo sabe que ocorrem, mas, ao conformar-se com a delinquência, o ministro do PT está também apadrinhando-a por omissão.
Nada a ver com o discurso de posse (a primeira) de Luiz Inácio Lula da Silva, que dizia: "O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes de meu governo. É preciso enfrentar (...) e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida brasileira".
A possibilidade de 2º turno presidencial e o efeito anti-PT no Sudeste e no Sul:: Jarbas de Holanda
A princípio tratando publicamente com desdém (“cadê esse tal de sigilo que ninguém sabe onde está”) e o deixando a cargo dos dirigentes do PT e de explicações técnicas do ministro da Fazenda Guido Mantega, o presidente Lula finalmente anteontem, em reunião com seu estado-maior político no Palácio do Planalto, cobrou “solução rápida do problema para que a oposição não continue a usá-lo como palanque eleitoral”. É que ele passou a preocupar-se com a ampla cobertura do escândalo por parte da televisão, especialmente da Globo, e dos principais veículos da mídia impressa. Reforçada pela extensão da quebra de sigilo com objetivos políticos de agências da Receita Federal no ABC paulista para a da cidade mineira de Formiga, na Grande Belo Horizonte, praticada também por funcionário filiado ao PT. A preocupação manifestada por Lula deve ter refletido sinais de desgaste do partido e de sua candidata presidencial em pesquisas qualitativas promovidas pelo próprio Planalto. E a “solução rápida” por ele recomendada não significa obviamente uma verdadeira apuração do escândalo mas uma resposta que proteja o governo, a campanha de Dilma e, se possível, o PT.
Mas a possibilidade de uma reversão das pesquisas sobre a corrida presidencial que adie a decisão para o 2º turno, como a que ocorreu quatro anos atrás em benefício de Geraldo Alckmin, é pouco provável em face da combinação de bons indicadores econômicos – inflação sob controle, crescimento do PIB e do emprego - com enorme popularidade de Lula, inclusive na periferia das regiões metropolitanas do centro-sul do país e com sua capacidade, já plenamente comprovada, de alto grau de transferência dessa popularidade para Dilma Rousseff. Tudo isso num contexto qualificado em inglês de feel good factor, fator de bem-estar social.
Bem maior probabilidade de efeito do escândalo das quebras de sigilo fiscal – mais uma e grave evidência de criminoso aparelhamento partidário da máquina federal – é o de contenção da ofensiva comandada pelo presidente Lula, na fase final das campanhas eleitorais deste ano, para um salto quantitativo das bancadas petistas na Câmara e no Senado. Ofensiva a que procuram vincular-se candidaturas do partido a cargos de voto majoritário de reduzida competitividade, como a de Aloizio Mercadante, em São Paulo. Mas que deverá refluir, sem a onda lulista projetada e o salto pretendido dessas bancadas nas regiões Sudeste e Sul (nem o ganho de competitividade de tais candidaturas) em face da associação que amplos segmentos da sociedade passam a fazer entre o novo escândalo e outros praticados anteriormente por petistas que estavam menos vivos na memória coletiva, como os Mensalão e dos Aloprados.
A contenção ou esvaziamento da referida ofensiva interessará não só à oposição (em São Paulo, Minas, na região Sul e em vários estados onde ela é competitiva nos pleitos majoritários e proporcionais, como Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Pará), mas também ao PMDB, na disputa que trava com o PT pela eleição de maiores bancadas nas duas Casas do Congresso.
Jarbas de Holanda é jornalista
Serra reage e diz que Lula serve à estratégia 'caixa-preta' do PT
O candidato José Serra (PSDB) reagiu aos ataques do presidente Lula, que havia acusado os adversários de baixaria e endureceu o discurso contra Dilma Rousseff e a campanha petista.
"Trabalho de quadrilha"
Serra reage a Lula e acusa o presidente de atacar para proteger Dilma
Silvia Amorim
SÃO PAULO - Depois de sofrer fortes ataques do presidente Lula na TV e após a confirmação de que dados cadastrais de seu genro, Alexandre Bourgeois, também foram acessados na agência da Receita Federal em Mauá, o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, disse ontem que o presidente está a serviço da estratégia caixa-preta da candidata do PT, Dilma Rousseff. Serra, acusado anteontem por Lula de fazer baixarias, referiu-se ao escândalo da violação de sigilos fiscais de tucanos como um trabalho de quadrilha.
A questão do meu genro é mais uma evidência que demonstra um trabalho de quadrilha afirmou o candidato tucano, num dos discursos mais duros feitos até agora no caso da série de violações de dados fiscais de pessoas próximas a ele, incluindo sua filha, Verônica Serra.
Serra não deixou os ataques do presidente Lula sem resposta. A reação foi elaborada com cautela pelo presidenciável, que, minutos antes de dar entrevista, recebeu de assessores uma folha com o conteúdo a ser abordado.
Essa é a estratégia do PT e da candidata oculta. Essa é a estratégia do próprio presidente Lula. É a estratégia eleitoral da caixa-preta.
Não aparece em debates, não confraterniza com o povo, oculta seu passado e terceiriza os ataques para o presidente do partido, para este, para aquele e até para o presidente da República, que está se prestando a isso afirmou.
Na TV, Lula acusou o adversário de tentar atingir a petista com mentiras e calúnias no caso da quebra de sigilos. Se a resposta será levada ao ar em seu programa eleitoral na TV hoje, Serra não quis comentar.
No programa eleitoral eu falo para a população brasileira. Eu não falo para este indivíduo ou aquele ou para responder a isso ou aquilo desconversou Serra, que garantiu que não havia gravado, até ontem à tarde, nada a esse respeito.
Já imaginou se ela fosse eleita?
Serra criticou a postura de Lula.
Apesar de presidente de todos os brasileiros, se engaja, como portavoz de uma candidata que aparentemente não tem condições de falar por si própria nem de atacar. O que houve ontem (anteontem) não foi uma defesa, mas um ataque.
Depois, sobre Dilma, ironizou: Não dá para brincar de caixapreta na Presidência da República.
Você já imaginou se ela fosse eleita presidente? Na primeira crítica que recebesse ia chamar o Lula para defendê-la? Após participar de um encontro com deficientes físicos, na capital paulista, o candidato voltou a lamentar a sucessão de violações e disse estar indignado.
É mais um capítulo desse episódio vergonhoso. Eu estou indignado porque invadiram a vida da minha filha, agora do meu genro, o que significa invadir a dos meus netos. Eles estão sendo agredidos pela máquina oficial em nome de uma campanha.
Para Serra, a campanha adversária tripudia sobre os direitos dos cidadãos.
Este crime vai muito além da minha família. Esse episódio envolve toda a nossa sociedade. O que está sendo quebrado é um preceito constitucional que garante às pessoas a sua intimidade. Estão tripudiando sobre isso afirmou.
Até genro de Serra foi 'espionado'
Acesso irregular também ocorreu no prédio da Receita em Mauá
Roberto Maltchik
BRASÍLIA. Os dados cadastrais de Alexandre Bourgeois, genro de José Serra, candidato do PSDB à Presidência, foram acessados oito dias depois de Eduardo Jorge Caldas Pereira, vice-presidente do PSDB, ter tido seus dados fiscais violados. Os dois acessos foram feitos do terminal da servidora Adeildda Ferreira Leão dos Santos, apontada pela Corregedoria da Receita Federal como suspeita de extrair dados fiscais e informações cadastrais de aliados de Serra.
A informação sobre a violação dos dados cadastrais de Bourgeois consta de apuração especial do Serpro no terminal de Adeildda. A Receita, em nota, negou que os dados fiscais de Bourgeois tenham sido violados. O Serpro descobriu o acesso aos dados cadastrais do genro de Serra em 24 de agosto, mas até ontem não havia despacho nos autos pedindo a investigação desse novo desdobramento do caso.
Bourgeois é marido de Verônica Serra, filha do candidato tucano. Ela teve o sigilo fiscal violado na Delegacia da Receita em Santo André (SP) em 30 de setembro de 2009. Segundo a Corregedoria, os dados de Verônica foram acessados com o uso de uma procuração fraudulenta, apresentada pelo suposto contador Antônio Carlos Atella Ferreira. Nove dias depois, o terminal de Adeildda, em Mauá, serviu para a devassa dos dados cadastrais de Verônica.
A Receita informou que é infração consultar dados cadastrais do contribuinte sem motivação. Os dados podem ser fornecidos ao próprio titular do documento, mas jamais a terceiros sem procuração ou autorização expressa para fazê-lo. Tampouco podem ser consultados por curiosidade do servidor.
Receita nega que dados fiscais tenham sido acessados Sem o pedido do contribuinte devidamente identificado no balcão de atendimento do Fisco, a instituição só pode consultar esses dados no contexto de um processo de fiscalização, com autorização expressa ou em resposta a uma ordem judicial. Existem outras situações menos frequentes, segundo a Receita, mas todas devem ser justificadas.
A extração dos dados cadastrais de Bourgeois do sistema CPF (que indica nome, data de nascimento, endereço, telefone e filiação) ocorreu em 16 de outubro de 2009. Oito dias antes, o computador de Adeildda fora usado para violar os sigilos fiscais de Eduardo Jorge, do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, do ex-diretor do Banco Central Ricardo Sérgio de Oliveira e do concunhado de Serra, Gregório Preciado.
A violação dos dados de Bourgeois aconteceu entre 10h43m e10h46m. O registro aponta dois acessos consecutivos e um terceiro, três minutos depois. A operação ocorreu de manhã, em horário de expediente de Adeildda.
Colaborou Vivian Oswald
Guerra: Lula tem discurso mentiroso
Flavio Freire
SÃO PAULO. O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), disse que o presidente Lula tem um discurso mentiroso e irresponsável contra a oposição. Segundo o tucano, Lula desrespeita as instituições democráticas e o eleitor com sua postura diante das crises. O senador lembrou que, em Paris, logo depois do mensalão, Lula menosprezou a força das denúncias e também tem se mostrado indiferente à Justiça Eleitoral, por ocasião das multas recebidas durante o processo eleitoral.
Guerra acusou a campanha de Dilma Rousseff (PT) de recorrer a argumento e conversa de bandido ao refutar qualquer envolvimento com a quebra do sigilo fiscal de pessoas ligadas ao candidato do PSDB à Presidência, José Serra. Para Guerra, os petistas envolvidos no escândalo do vazamento de dados de tucanos da Receita são a nova versão dos chamados aloprados, como ficaram conhecidos integrantes do PT envolvidos na confecção de um dossiê contra os tucanos em 2006.
As mãos que estão neste episódio são as mesmas que trouxeram para a política brasileira, com R$ 1,7 milhão em dinheiro apreendido, os chamados aloprados.
Os aloprados de agora são a versão de hoje dos aloprados de ontem. Todas as crises no ambiente do governo tem esse componente, de grupos de poder que operam à revelia da lei disse Guerra, que subiu o tom contra os petistas quando os comparou a bandidos.
Há sempre o argumento do Eu faço mas eles fizeram antes, eu faço mas eles fazem. Isso é argumento de bandido. Quando bandido é preso, ele diz o seguinte: eu faço mas alguém lá atrás também fez disse o presidente do PSDB.
Perguntado se estaria chamando o presidente Lula de bandido, o tucano recuou: Eu não seria leviano de chamar o presidente Lula de bandido disse Guerra, evitando citar os nomes de quem estaria agindo como bandido no caso da quebra dos sigilos de tucanos, inclusive o do genro de Serra, Alexandre Bourgeois, que também teve os dados fiscais devassados na agência da Receita em Mauá.
Com críticas à candidata petista, chamada por ele de candidata-fantasma, Guerra disse que Lula chegou ao limite com suas críticas.
Ontem (anteontem), eles foram ao limite. Não respeitaram o candidato, a filha, o genro, os amigos deles. E ele (Lula) vem dizer que isso não tem importância disse Guerra, durante entrevista coletiva convocada para rebater críticas do presidente Lula no programa eleitoral de anteontem na TV.
Não queremos ganhar a eleição fazendo política de qualquer jeito ou fazendo uma política sem vergonha acrescentou Guerra.
''O presidente Lula passou dos limites''
Roldão Arruda
O cientista político José Álvaro Moisés afirma que a atitude do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso das violações de sigilos fiscais é preocupante para a democracia no Brasil - porque estaria sinalizando que a vontade dos detentores do poder fica acima do primado da lei. Para o especialista, professor da Universidade de São Paulo e diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas daquela instituição, Lula confunde o papel de primeiro mandatário brasileiro com o de militante petista, responsável pela indicação de Dilma Rousseff como candidata à sua sucessão. Essa confusão de papéis pode dificultar as investigações sobre o episódio.
Como o senhor viu a presença do presidente Lula no horário de propaganda eleitoral gratuita, assumindo o papel de escudo da candidata Dilma Rousseff frente às suspeitas de envolvimento do PT no caso de quebra de dados fiscais de pessoas ligadas ao PSDB? Isso não pode causar a impressão de que o primeiro mandatário do País tomou partido frente a uma questão que vai além do debate eleitoral?
Sim. O presidente não tem tido cuidado, no processo eleitoral, de fazer distinção entre os papéis de presidente da República e de militante do PT responsável pela indicação de Dilma Rousseff como candidata à sua sucessão. Ele tem direito, como cidadão, de participar da campanha, desde que separe os papéis. Deveríamos lembrar o que ocorreu em 2002, durante a campanha que resultou na primeira eleição de Lula. O presidente Fernando Cardoso, apesar de apoiar o então candidato José Serra, teve cuidado para separar completamente as coisas, não misturar as funções. O presidente Lula não está tendo esse cuidado agora, assim como não teve em outros momentos de seu mandato.
Quais momentos?
Podemos citar as vezes nas quais desqualificou procedimentos do governo denunciados pelo Tribunal de Contas da União. Mais recentemente, ao ser multado pelo Tribunal Eleitoral, por fazer confusão entre sua função presidencial e a de dirigente do PT, ele praticamente menosprezou as decisões. Essas não são boas indicações. Elas sinalizam que, uma vez no cargo de primeiro mandatário, você pode misturar e confundir as coisas, pode ficar acima do que a lei estabelece.
O senhor não estaria sendo exagerado nas suas preocupações? Afinal, acaba de citar dois tribunais que estão funcionando e exercendo suas funções, numa comprovação de que a democracia anda normalmente.
Não há exagero. É extremamente importante discutir essas questões porque, embora estejamos numa democracia, o império da lei ainda não está inteiramente estabelecido no Brasil. Essas sinalizações dadas pelo presidente mostram que ele não leva em conta a ideia de que a democracia é o governo da lei e não o governo dos homens. Esse é um momento muito importante, porque envolve uma coisa crucial para a democracia, que é a violação do direito individual. Não estamos falando apenas dos dados da filha do Serra e do vice-presidente do PSDB, mas sim de milhares de pessoas. Fiquei indignado quando abri o jornal e li as declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, autojustificando, em certo sentido, as violações, porque já teriam ocorrido outras vezes.
O que se deveria esperar de alguém no cargo dele?
Eu esperaria que o ministro e o presidente da República viessem a público para dizer que medidas estariam sendo tomadas em face dos crimes de violações que afetam direitos individuais garantidos na Constituição - a questão do direito individual é uma cláusula pétrea da Constituição do Brasil. Mas ninguém disse uma palavra sobre isso. Pelo contrário, houve um esforço para blindar a candidata e dizer que, uma vez que já ocorreu em outras ocasiões, é normal que continue ocorrendo. Eu digo: não é normal. Especialmente no governo de um partido que pretendia reorganizar a política no Brasil, com uma resposta republicana. Penso que nesse caso o presidente Lula passou dos limites.
Se o presidente misturou de fato os papéis, isso poderia de alguma maneira atrapalhar as investigações sobre o caso? Os funcionários encarregados desse trabalho poderiam ver na mensagem do primeiro mandatário um sinal de que não é lá tão importante assim aprofundar a investigação?
Eu me preocupo com isso. No Brasil, a função de presidente, pelo prestígio, pelos recursos que tem e até mesmo pelo ritual do exercício do cargo, tem uma influência muito forte na sociedade. Aqui se valoriza muito a pessoa do primeiro mandatário, com uma certa ideia de que ele pode tudo. Vivemos em um meio com um forte elemento de personalização das relações de poder. Daí a necessidade de um cuidado ainda maior para se separar as funções. Se o Lula não faz isso, ele sinaliza que o desmando cometido por alguém, não importa o tamanho desse desmando, pode ser autorizado por alguém lá de cima, alguém que chega e diz que o caso não tem importância nenhuma. É uma situação que me faz lembrar aquilo que dizem que Getúlio Vargas dizia, quando governava: para os inimigos a lei e para os nossos, o tratamento que quisermos dar. Isso diminui e desqualifica a democracia.
Voltamos à questão anterior, sobre o funcionamento das instituições democráticas.
Não acho que está em questão se temos democracia. Nós temos. O que está em questão é a qualidade da democracia. Não se pode ter durante dois ou três anos um presidente que faz campanha eleitoral ao mesmo tempo que exerce as funções de primeiro mandatário. Essa separação é muito importante.
Na sua opinião, o comportamento do presidente, que desfruta de alta popularidade, é negativo para a democracia?
O presidente Lula, particularmente neste último período de governo, tem dado uma contribuição negativa para a cultura política do País. Tudo bem ele dizer que é um brasileirinho igual a você que chegou lá. Os elementos virtuosos da personalidade política não devem ser confundidos, porém, com a função presidencial. Ela tem regras, dispositivos constitucionais, que devem ser aceitos por quem quer que exerça o cargo.
Ele não deveria ter feito declarações sobre o caso na TV?
O presidente Lula poderia ter ido à TV dar explicações, dizer que a sua candidata não tem nada a ver com isso e que a oposição está explorando o fato. Mas também deveria ter admitido os erros e dizer que medidas está tomando para corrigi-los. O escárnio dele é de tal ordem que dias atrás perguntou: "Onde está esse tal de sigilo". Esse comportamento é agravado pela popularidade dele, pela sua enorme responsabilidade. Sigilo é muito relevante para a democracia. Sinaliza o primado da lei, que não deve ser usada arbitrariamente de acordo com a vontade do presidente.
O senhor não estaria sendo muito purista em relação à chamada liturgia do cargo?
Não. A liturgia do cargo ajuda a sinalizar o respeito que a autoridade tem para quem é devido o respeito - os eleitores. Isso é central para as democracias. Eu duvido que em qualquer outro país de democracia consolidada, ao ocorrer um fato dessa natureza, o ministro venha a público para se justificar e não para se desculpar. Qualquer um de nós pode cometer erros e se desculpar. Eu posso citar um autor errado numa das minhas aulas e, mais tarde, ao descobrir o erro, me desculpar perante os alunos e corrigir o erro. Uma autoridade também pode vir a público reconhecer um erro e anunciar que está tomando medidas para corrigi-lo, medidas baseada na lei, nas regras do funcionalismo. Mas o que vimos foi o ministro vir a público para se justificar, com aquele argumento, que insisto, é inaceitável. Mais uma vez querem passar a ideia de que não há nada a ser feito.
Por que mais uma vez?
Isso já aconteceu no episódio do mensalão, quando passaram a mão na cabeça dos envolvidos no caso.
QUEM É
Mestre em política e governo pela University of Essex e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), é professor titular do Departamento de Ciência Política e diretor científico do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP. Sua experiência tem ênfase em teoria democrática e comportamento político. Entre os livros de análise política que escreveu está Os brasileiros e a democracia.
Ministros do TSE criticam ida de Lula para atacar tucano
Ministros e ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral consideraram "inadequada" a participação do presidente Lula no horário eleitoral para defender sua candidata Dilma Rousseff, e atacar José Serra. Para eles, Lula deu a impressão de que fazia um pronunciamento presidencial.
Para ministros, aparição na TV foi ''inadequada''
Avaliação é de que Lula transmitiu a impressão equivocada de que fazia pronunciamento oficial como chefe da Nação
Mariângela Gallucci
Ministros e ex-ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) avaliariam ontem que a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no horário eleitoral gratuito para defender a sua candidata, Dilma Rousseff, e atacar o tucano José Serra foi "inadequada" porque transmitiu aos eleitores a impressão equivocada de que ele fazia um pronunciamento oficial como chefe da Nação.
Lula ocupou mais de 20% do programa de Dilma veiculado na terça-feira.
Num ambiente sóbrio, mimetizando um espaço oficial, o presidente fez uma espécie de pronunciamento, no qual acusou a oposição de partir para o ataque pessoal e cometer baixaria.
"Nossa candidata Dilma tem feito uma campanha elevada, discutindo propostas, mostrando o que fizemos e o que ainda vamos fazer pelo Brasil", afirmou Lula no programa do PT. "Infelizmente, nosso adversário, candidato da turma do contra, que torce o nariz contra tudo o que o povo brasileiro conquistou nos últimos anos, resolveu partir para ataques pessoais e para a baixaria."
Ar institucional. Nos meios jurídicos, não há dúvidas de que Lula tem o direito de participar dos programas eleitorais de Dilma, que é a sua candidata e está no mesmo partido. O problema, na avaliação de especialistas, é quando ele tenta dar um ar institucional, de pronunciamento oficial, para atacar o principal adversário da petista. Outro detalhe mencionado pelos especialistas é que, como chefe do Executivo, Lula não deveria falar sobre episódios de quebra de sigilo que estariam sendo investigados no governo.
A vice-procuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, disse ontem que vai avaliar a participação de Lula no horário eleitoral. Segundo ela, no episódio da quebra de sigilo fiscal de tucanos, ainda é difícil comprovar intuito eleitoral no vazamento dos dados, "uma vez que essas informações ainda não foram devidamente usadas por nenhum partido na propaganda eleitoral".
"Toda a dificuldade neste momento é demonstrar a conotação eleitoral", explicou a vice-procuradora, argumentando que não há prova até o momento de que foi pedido pelo PT. "A única prova que tem é que o cidadão é filiado ao PT. As pessoas têm filiação com o partido da candidata, mas já que não foi usado, como é que a gente vai demonstrar que essas pessoas agiram a mando da candidata ou a mando do comando de campanha? A menos que apareça alguém dizendo isso, o que não aconteceu até agora."
Genro de Serra teve sigilo fiscal violado
Quebra ocorreu na mesma agência da Receita em que dados de outros tucanos e de Verônica Serra foram acessados
O genro de Jose Serra, o empresário Alexandre Bourgeois, também teve seus dados violados na delegacia da Receita em Mauá (SP), o local é o mesmo onde foi quebrado o sigilo fiscal de quatro tucanos e de Verônica Serra - filha do presidenciável tucano e mulher de Bourgeois. 0 governo sabe do caso de Bourgeois desde 24 de agosto, mas só nesta semana decidiu inc1uí-lo no processo administrativo que apura as demais quebras. Todos os acessos, inc1usive o relativo aos dados de Alexandre, partiram de um único computador, usado pela servidora Adeildda Ferreira dos Santos. Esse fato reforça a suspeita de que as informações podem ter sido usadas com fins políticos - versão que a Receita nega. 0 advogado de Adeildda disse que ela só cumpria ordens e que desconhecia de quem eram os dados acessados.
"Pelo jeito, o terminal de Adeildda era o lado negro da Receita", disse ele.
Além de filha, genro de Serra também teve dados fiscais violados em Mauá
Governo sabia da quebra de sigilo do empresário Alexandre Bourgeois desde o dia 24 de agosto, mas só nesta semana o incluiu no processo administrativo aberto na Receita para apurar a invasão de informações de pessoas ligadas ao presidenciável do PSDB
Leandro Colon, Ana Paula Scinocca e Rui Nogueira - O Estado de S.PauloO empresário Alexandre Bourgeois, genro do presidenciável José Serra (PSDB), também teve dados fiscais violados na agência da Receita Federal em Mauá (SP). O governo sabe do caso desde 24 de agosto, mas só nesta semana o incluiu no processo administrativo que apura a quebra ilegal de sigilo fiscal de tucanos. O acesso aos dados de Bourgeois foi revelado com exclusividade pelo portal estadão.com.br.
A agência de Mauá foi palco da quebra de sigilo fiscal de quatro tucanos e de Verônica Serra, filha do candidato do PSDB. A invasão aos dados de Bourgeois ocorreu no dia 16 de outubro de 2009 e atingiu as informações cadastrais do empresário, casado com Verônica. Todos os acessos partiram do computador da servidora Adeildda Ferreira dos Santos, que trabalhava em Mauá. Na semana passada, o Estado revelou a estratégia do comando da Receita para abafar a violação do sigilo fiscal de Verônica, ocorrida dia 30 de setembro de 2009 numa agência Santo André. Por 20 horas, a Receita sustentou a versão de que ela pedira seus dados, mesmo sabendo que a violação ocorrera com uma procuração falsa.
Desta vez, descobre-se que o comando da Receita sabe dos acessos aos dados de Bourgeois desde 24 de agosto, quando a sindicância levantou todos os CPFs consultados no computador de Adeildda entre agosto e dezembro de 2009. O relatório - inserido numa "apuração especial" - mostra que as informações do genro de Serra foram acessadas três vezes - às 10h43m43s, 10h43m45s e 10h46m03s do dia 16 de outubro do ano passado.
Quando descobriu o acesso, há pouco mais de duas semanas, a Receita já investigava a violação dos dados fiscais do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, além de Luiz Carlos Mendonça de Barros, Ricardo Sérgio de Oliveira e Gregório Preciado, todos do alto escalão do partido.
A Receita tem sustentado a versão de que não há interesse político nas violações - uma estratégia para blindar a campanha de Dilma Rousseff (PT), onde parte dessas informações foi parar. Só que os componentes políticos só crescem: numa mesma agência, de um mesmo computador, foram vasculhados os dados da filha e do genro de Serra, de Eduardo Jorge e de mais três tucanos.
"Pelo jeito, o terminal de Adeildda era o lado negro da Receita", disse o advogado dela, Marcelo Panzardi. "É evidente que ela foi usada, ela e o computador dela."
Panzardi reafirma que a servidora apenas acatava ordens superiores. "Pode ter havido acesso por parte de Adeildda às declarações (de Bourgeois), mas certamente ela desconhecia de quem era a declaração. Recebia ordens para acessar, não estava interessada em nomes, apenas lidava com CPFs. Presumia que tudo estivesse dentro da legalidade."
Ritmo. Ao omitir a violação dos dados cadastrais do genro de Serra por 15 dias, o ritmo da Receita harmonizou-se com a estratégia da campanha de Dilma, a ponto de permitir que o presidente Lula acusasse a oposição de "baixaria" no programa eleitoral da petista levado ao ar na terça-feira.
A Polícia Federal, que também investiga o caso, tentou notificar o genro de Serra ontem para depor sobre o assunto, mas sem revelar a razão da convocação. Para o comando do PSDB, isso mostra que a PF também tem feito parte da operação abafa do governo.
O jornalista Amaury Ribeiro fez circular, a pretexto do livro que estaria escrevendo sobre as privatizações e os tucanos, uma informação que tinha como origem as declarações individuais de IR de Verônica e de Bourgeois - tratava de empresas relativas a negócios da época em que eram solteiros. "Essa informação só podia ter sido conseguida com a violação de nossas declarações de IR", disse ontem o genro de Serra ao Estado. Amaury está envolvido no episódio do suposto dossiê contra os tucanos que derrubou o jornalista Luiz Lanzetta da da campanha de Dilma. / COLABOROU FAUSTO MACEDO
PARA LEMBRAR
Tucano era líder no Ibope
Em setembro de 2009, pouco antes da quebra de sigilo, José Serra, então pré-candidato do PSDB à Presidência, era líder nas pesquisas. Levantamento do Ibope indicava que ele tinha 34% das intenções de voto, mais do que o dobro da petista Dilma Rousseff, que aparecia com 15% das preferências.
Serra diz que violações são 'trabalho de quadrilha' e Dilma está 'terceirizando' artilharia
Breno Costa
DE SÃO PAULO - Ao comentar o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante o programa de TV de sua candidata, Dilma Rousseff (PT), ontem à noite, o candidato José Serra (PSDB) afirmou que a participação de Lula "não foi uma defesa, mas um ataque" e que a adversária está "terceirizando" a artilharia contra sua candidatura.
Apesar de criticar o comportamento do presidente, o tucano procurou direcionar suas críticas à petista.
"Dilma [promove] a terceirização dos debates e dos ataques, que incluem, agora, o presidente da República, que apesar de presidente da República e de todos os brasileiros, se engaja como porta-voz de uma candidata que, aparentemente, não tem condição de falar por si própria, nem de atacar. Porque o que houve ontem não foi uma defesa, foi um ataque", afirmou, em entrevista após participar de um encontro com pessoas com deficiência.
Serra criticou o fato de o presidente ter, segundo ele, invertido a posição de vítimas dos tucanos e de sua filha, Veronica, ao acusar o candidato de promover "baixarias".
"É absolutamente original acusar vítimas, que reclamam por terem sido vítimas, de fazer jogo baixo. O jogo baixo, da invasão, só mostra a natureza daqueles que praticam o crime", disse o tucano.
Para o tucano, "essa é a estratégia do PT, essa é a estratégia da candidata oculta e essa é a estratégia do presidente da República enquanto pessoa física".
Serra não confirmou que responderá ao presidente Lula pessoalmente, no seu programa de TV, amanhã, como revelou a Folha mais cedo.
"Isso não está definido. No programa eleitoral eu falo para a população brasileira. Eu não falo para este indivíduo ou aquele, ou para responder isso ou aquilo", afirmou.
Sobre a revelação de que o seu genro, o empresário Alexandre Burgeois, também teve seu sigilo fiscal acessado na unidade da Receita Federal em Mauá, Serra disse que o caso "deixa mais do que claro que se trata de um trabalho de quadrilha".
O tucano se disse "indignado" e "ofendido" e afirmou que a violação representa, na prática, um ataque aos seus netos.
"Eu tenho três netos, os pais deles estão sendo agredidos pela máquina oficial em nome de uma campanha. Querem prejudicá-los para, com isso, prejudicar a minha candidatura", disse.
Genro de Serra teve dados acessados em Mauá
DE BRASÍLIA - Os dados cadastrais do empresário Alexandre Bourgeois, genro do candidato tucano José Serra, foram acessados no dia 16 de outubro de 2009 no órgão da Receita Federal em Mauá.
Os acessos foram feitos no computador da funcionária do Serpro Adeildda Ferreira dos Santos, cedida à agência do fisco em Mauá.
Veronica Serra, mulher de Alexandre, também teve os dados cadastrais acessados na mesma agência oito dias antes. Além disso, uma procuração falsa obteve os dados fiscais de Veronica em uma agência de Santo André.
O computador de Adeildda foi usado para consultar milhares de dados cadastrais, entre os quais o de Eduardo Jorge e de outras quatro pessoas ligadas ao PSDB. Depois disso, os sigilos de cinco pessoas ligadas ao PSDB foram quebrados no mesmo computador.
CPI
O deputado federal e candidato ao Senado em Pernambuco, Raul Jungmann (PPS), vai propor a formação de uma CPI na Câmara para apurar a quebra de sigilos.
Jungmann já começou a coletar assinaturas. "O Congresso está disperso agora, por conta do recesso, mas vamos conseguir aprová-la, sem sombra de dúvidas. Vou começar a coleta de assinaturas. Essa é uma questão democrática, a proteção do sigilo dos dados tem base na Constituição", afirmou.
De acordo com o deputado, as investigações realizadas até o momento não são satisfatórias. "A Receita Federal está escondendo dados e informações, mentindo. Como vamos fazer? Confiar isso à Polícia Federal do Executivo? Não. Isso não é mais um problema só de José Serra, mas um problema de milhões de brasileiros que recolhem impostos."
Jungmann disse que ainda não conversou com o tucano sobre a CPI, mas incentivou Serra a "pressionar" a Procuradoria Geral da República por resultados e "dialogar" com integrantes do Congresso para incentivar as apurações sobre o assunto.
Ao tentar transformar vítimas em réus, Lula mostra que não é mais presidente, apenas cabo eleitoral
Presidente do PPS critica ataque de Lula a oposição em programa de Dilma
Valéria de Oliveira
Causou indignação na oposição o papel agressivo que o presidente da República assumiu no último programa eleitoral da candidata do PT, Dilma Roussef. Foi uma atitude inédita no país até então. O presidente do PPS, Roberto Freire, acha que o fato de Lula ter aparecido se fazendo de vítima e acusando a oposição de baixar o nível da campanha demonstra que "ele já não é mais o presidente". Para Freire, Lula "abdicou do cargo e das responsabilidades, perdeu o respeito pela instituição Presidência da República ao transformá-la em instrumento eleitoral; tornou-se cabo eleitoral da candidata dele".
Freire disse que a vítima não é Dilma, mas todos os brasileiros, ou seja, a situação é o contrário do que disse Lula no programa eleitoral. "É um governo que não respeita as instituições republicanas, desmoraliza o Estado, as repartições públicas, como no caso das quebras de sigilo, que deixou a Receita Federal completamente desmoralizada". Na opinião de Freire, "isso é próprio de uma republiqueta".
Normalmente, no dia sete de setembro, os presidentes da República pedem a formação de cadeia de rádio e televisão para um pronunciamento à nação. O presidente Lula não fez isso. Entretanto, apareceu no final do programa da candidata Dilma vestindo terno, usando o broche da Presidência para acusar a oposição e defender a ex-ministra. Embora ostentasse o brasão, não parecia um presidente; apenas mais um político no jogo demagógico a tirar proveito do cargo, utilizando a mentira em prol de seu projeto de continuar no poder.
Gabeira acusa Cabral de aliança com milícias
Hudson Corrêa
DO RIO - O candidato a governador do Rio pelo PV, Fernando Gabeira, subiu o tom das críticas nesta quarta-feira em seu programa eleitoral e acusou o governador Sérgio Cabral (PMDB), que disputa a reeleição, de ter aliança com milícias --grupos criminosos que promovem extorsão em favelas em troca de "proteção" a comerciantes.
"Ele [Cabral] diz que quem entra nas comunidades armadas faz acordo com o tráfico. O acordo é o seguinte: metralhadora para baixo, nós entramos. Metralhadora voltada contra nós, nós saímos", disse Gabeira.
"O governador Cabral e o seu PMDB, esses sim, têm inúmeras evidências na história recente de uma aliança política com as milícias", acrescentou.
Em seguida, exibiu vídeo em que Cabral aparece em palanque ao lado do ex-deputado estadual Natalino José Gomes Guimarães, condenado a 15 anos de prisão por formação de quadrilha armada e porte de arma de uso restrito. Outra cena mostra o governador com Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, irmão de Natalino e ex-vereador pelo Rio, também condenado.
As imagens já circulavam na internet. Cabral nega qualquer tipo de aliança e argumenta que a Polícia Civil, comandada por ele, prendeu os dois políticos.
O país de Lula: esgoto em baixa, consumo em alta
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad 2009), divulgada pelo IBGE, confirma que o acesso a bens duráveis cresceu, mas o país ainda vive o drama da falta de saneamento. O número de lares ligados à rede coletora ficou praticamente estagnado, caindo de 59,3% para 59.1%, O desemprego subiu na crise, mas o brasileiro comprou mais DVDs e máquinas de lavar.
Crise afeta emprego e poupa renda
Desemprego sobe para 8,3% em 2009, mas salários aumentam 2,2%
Cássia Almeida, Clarice Spitz, Rennan Setti e Martha Beck
RIO e BRASÍLIA - Ainda sob os efeitos da crise financeira internacional, o Brasil viu sua taxa de desemprego subir de 7,1% para 8,3% no ano passado, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o mais amplo levantamento anual sobre as condições de vida dos brasileiros, divulgada ontem pelo IBGE. Mesmo com a alta no desemprego, o poder de compra dos trabalhadores ficou maior 2,2%, chegando a R$ 1.106. Excluindose a renda do Norte rural (área do país que só começou a ser investigada em 2004), a renda ficou em R$ 1.111, a maior desde 1998, amparada pelo ganho real de 6,39% do salário mínimo em 2009. E a formalização do mercado de trabalho bateu recorde.
A Pnad mostrou ainda redução no trabalho infantil, avanços na educação e no acesso a bens e serviços pelos brasileiros. Mas constatou que o país não conseguiu melhorar o saneamento básico, ausente em 40% dos lares do país, e que o analfabetismo ainda atinge quase 10% dos brasileiros.
O retrato do desemprego que a Pnad mostrou, no entanto, já é passado. A pesquisa foi às ruas em setembro do ano passado e, em julho deste ano, a taxa de desemprego nas seis maiores regiões metropolitanas do país ficou em 6,9%, a menor desde 2002. E, apesar do aumento do desemprego em 2009, houve redução da pobreza e melhora na distribuição de renda.
O que segurou o emprego foi o impacto da crise no Brasil. No primeiro semestre, os efeitos foram muito fortes, mas diminuíram no segundo semestre, a tal ponto que a economia só recuou 0,2%. A formalização do mercado de trabalho contribuiu para amenizar o impacto da crise disse Eduardo Nunes, presidente do IBGE.
Na análise dos especialistas, diante da crise financeira internacional, a maior desde 1929, o mercado de trabalho reagiu muito bem.
Tudo melhorou. Renda subindo, desigualdade caindo e escolaridade aumentando. Até mesmo o desemprego já foi superado. A Pnad mal chegou a captar os efeitos da crise, que se concentraram no último trimestre de 2008 e no primeiro de 2009.
A recuperação foi muito rápida afirmou João Saboia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ.
Até mesmo a taxa de desemprego, o lado ruim do mercado mostrado pela pesquisa, não significou corte de vagas.
O número de ocupados cresceu 0,3%, ou 294 mil. O que provocou a alta na taxa foi o aumento no número de desempregados, que chegou a 18,5%, a maior elevação desta década. Um milhão e 400 mil trabalhadores não encontrou uma vaga e isso fez a taxa subir. A indústria e a agricultura foram os dois setores que cortaram vagas em 2009, respectivamente, 2,8% e 2,4%. O primeiro setor foi o mais atingido pela crise, porém já está contratando. Os serviços domésticos foram os que mais aumentaram contratação: 9%.
Recorde no trabalho com carteira
O trabalho com carteira assinada alcançou 32,4 milhões de ocupados, 483 mil acima de 2008, atingindo 59,6% dos empregados. Se forem incluídas as domésticas, esse número sobe para 700 mil. E quem se manteve no mercado teve um ganho de renda, no ano passado, superior ao de 2008. Os salários avançaram 2,2%, para R$ 1.106, contra 1,7% no ano anterior, mas ainda abaixo do pico de 1996 (R$ 1.144).
Captamos o pouco efeito que a crise teve no lado real da economia avaliou Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Para Marcos Galvão, de 47 anos, porém, a crise trouxe o drama do desemprego. Em 2009, ele foi demitido de um estaleiro. Conseguiu pouco tempo depois uma vaga de auxiliar administrativo em uma rede de supermercados mas, há cerca de dois meses, foi despedido novamente.
Envio dezenas de currículos por semana, mas está difícil. Só tenho conseguido alguns bicos como garçom. Se eu tivesse um diploma de ensino superior, tenho certeza de que já estaria empregado contou Galvão, que completou apenas o ensino médio.
O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, destacou que, embora a crise mundial tenha provocado um aumento do desemprego, a renda, a formalização e a contribuição para a Previdência Social subiram: A pesquisa foi feita no ano passado e reflete a realidade daquele momento.
Mas isso não impediu o aumento da renda dos brasileiros. A renda cresceu e isso se traduziu num maior consumo de bens como carros, televisores e eletrodomésticos.
Bernardo destacou que, entre 2004 e 2009, os rendimentos do trabalho no país tiveram um aumento de 20%.
Pesquisa traz um retrato da recessão
Quando a Pnad foi a campo em setembro de 2009, a economia brasileira ainda estava se recuperando do tombo causado pela crise financeira internacional, que fez o país voltar a seu nível de produção de 2007. O Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) tinha caído 3,3% no último trimestre de 2008 e 1,5% no primeiro trimestre de 2009, empurrando o país para a recessão. No ano passado, a economia recuou 0,2%. Este ano, até junho, o avanço já é de 8,9%, na maior alta semestral em 14 anos.
Em 2008, a taxa de desemprego brasileira era a segunda maior entre as grandes economias do mundo. Em 2009, no meio da crise, passou a ser a décima. Algumas regiões metropolitanas, em julho deste ano, já registravam taxa de desemprego abaixo da americana de antes da crise, próximas de 5% afirmou Cimar Azeredo, gerente de integração da Pnad com a Pesquisa Mensal de Emprego (PME).
Nos Estados Unidos, a taxa de desemprego subiu de 5,8% para 9,3% de 2008 para 2009 e hoje está em 9,6%. Os analistas preveem que, este ano, a economia brasileira vá crescer mais que 7,5%. Se confirmada, será a maior taxa de crescimento desde 1986, ano do Plano Cruzado. (Cássia Almeida)
Mesmo com a crise, um milhão de brasileiros deixou a pobreza em 2009
Distribuição de renda melhorou, mas em ritmo menor que em outros anos
Fabiana Ribeiro, Cássia Almeida e Letícia Lins
RIO e RECIFE. A despeito de uma das maiores crises internacionais desde a Grande Depressão dos anos 30, um milhão de brasileiros deixou a pobreza no ano passado. Nos cálculos do economista Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV), o número de pobres caiu de 29,8 milhões para 28,8 milhões em um ano que representam agora 15,32% da população brasileira e não mais os 16,02% do ano anterior.
O economista considera pobre quem tem renda familiar per capita de até R$ 140.
A renda familiar per capita subiu 2,04% de 2008 para 2009, mesmo com um aumento do desemprego no país. E isso ajudou a reduzir a desigualdade, especialmente em tempos de crise afirmou Neri, acrescentando que, considerando a renda familiar per capita de meio salário mínimo (ou R$ 232,50, pelo piso de 2009), 3,5 milhões de pessoas deixaram a pobreza no ano passado.
A distância entre ricos e pobres também foi reduzida. Segundo Neri, os 40% mais pobres tiveram um aumento na renda domiciliar per capita de 3,15%, com ganho médio de R$ 294. Já a renda dos 10% mais ricos subiu 1,09%, para R$ 2.566: Vários fatores ajudaram a explicar a queda na desigualdade, como reajustes do mínimo, a Bolsa Família e o desempenho do mercado de trabalho.
Emprego formal fez aumentar renda O Índice de Gini, medida de distribuição de renda que, quanto mais próximo de um mais desigual é a sociedade, caiu de 0,521 para 0,518 no mercado de trabalho. Numa velocidade menor que em outros anos. Para Sonia Rocha, economista do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), essas oscilações já aconteceram em outros anos: Ainda não se configura uma tendência. Não quer dizer que está se esgotando. É espantoso que a distribuição de renda continue melhorando. O impacto da escassez de mão de obra qualificada não tem afetado a distribuição.
Nas famílias, a distribuição de renda também melhorou. O Índice de Gini passou de 0,514 para 0,509. E o principal fator foi o mercado de trabalho, segundo Sonia: A renda do trabalho responde por 75% dos rendimentos das famílias. Sem dúvida, o aumento do salário mínimo foi um dos componentes. Além disso, a cultura da formalização está aumentando.
Há um interesse das empresas em se formalizar para ter acesso a crédito e a compras governamentais.
Para o economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), essa melhora mais lenta na distribuição de renda pode representar, sim, uma eficácia menor dos programas sociais.
Porém, a desigualdade deve continuar caindo pelos fatores demográficos e educacionais.
A sociedade ainda é muito desigual Com ensino fundamental completo, Eliel Carvalho da Silva, de 22 anos, fazia biscates até os 18 anos, quando o seus rendimentos não atingiam, sequer, metade do salário mínimo.
Aos 20 anos, conseguiu seu primeiro emprego com carteira assinada, no qual ficou até julho passado. Não ficou um mês sem trabalho. Mesmo sem ser qualificado, ele já conseguiu outra vaga, como servente de construção em Recife.
No feriado de 7 de setembro, Silva trabalhava na reforma de uma agência bancária no bairro de Casa Forte, com companheiros que chegaram a passar até uma década sem trabalho formal. Silva ganha mais de um salário mínimo R$ 530, com direito a alguns outros benefícios sociais. Apesar do dinheiro não ser muito, está com as contas em dia. Ele está se programando agora para comprar uma geladeira, mas não quer se endividar.
Espero fazer isso em 2011 e estou poupando para comprar à vista e com desconto afirma Silva.
Para o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia, apesar das melhoras, ainda há muito a avançar.
A escolaridade é menor que de nossos vizinhos. A sociedade ainda é muito desigual.
Saneamento estaciona e só 59% têm o serviço
Na Região Norte, apenas 13,5% das residências contam com acesso à rede de esgoto. No Nordeste, um terço
Fabiana Ribeiro, Letícia Lins e Geralda Doca
RIO, RECIFE e BRASÍLIA. O Brasil ainda está longe de atingir a universalização do saneamento básico: ainda existem 24 milhões de domicílios sem acesso à rede de esgoto. Segundo a Pnad, 59,1% das residências do país em 2009 eram atendidas pelo serviço de rede coletora ou por fossa séptica ligada à rede.
Em 2008, essa proporção era praticamente a mesma, de 59,3%. E a desigualdade também aparece nesse quesito, concentrando-se nas regiões Norte (13,5%) e Nordeste (33,8%) as menores parcelas de famílias atendidas pelo serviço.
Em 2008, a cobertura era melhor nessas regiões: 15% e 35,4%, respectivamente.
O saneamento requer investimentos muito grandes e que levam tempo. Dos investimentos que foram feitos, parte deles ainda não mostrou seu efeito afirmou Eduardo Nunes, presidente do IBGE.
Já o número de domicílios atendidos por rede geral de abastecimento de água chegou a 49,5 milhões, ou 84,4% do total. Mais 1,2 milhão de residências passou a ter acesso ao serviço no país em 2009. Os indicadores de iluminação elétrica são bem melhores: 98,9% do total de domicílios dispunham deste serviço.
E houve crescimento de 0,7 ponto percentual na proporção de lares atendidos por serviço de coleta de lixo, alcançando 88,6% dos domicílios, ou 51,9 milhões.
Aposentado, o bombeiro José Domingos da Silva, de 72 anos, mora há 35 anos em uma ruela da favela Caranguejo Tabaiares, uma das mais precárias da capital pernambucana, que fica no bairro de Afogados. Ele convive há três décadas com um problema que atinge 73% da população de Recife: a falta de saneamento básico. O esgoto corre a céu aberto na frente de sua casa, que é inundada a cada chuva pela água contaminada.
Bastam dez minutos para a água entrar na sala, e vem com tudo que é seboseira reclama, referindo-se às fezes que boiam a cada inundação.
Na comunidade nenhuma casa tem saneamento. São mais de quatro mil moradores convivendo com a lama fétida que corre nas valas. Em alguns trechos, eles improvisaram calçadas em concreto armado, um pouco mais elevadas, que chamam de viadutos, única forma que encontraram para não meter os pés nos dejetos que correm entre as casas.
Segundo o Ministério das Cidades, a despeito dos investimentos destinados ao saneamento no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) R$ 10 bilhões por ano entre 2007 e 2010 as melhorias só serão captadas pela Pnad de 2011, a ser divulgada em 2012. A justificativa do ministério é a demora na execução das obras. Só 5% do total de projetos listados no PAC foram concluídos até agora, de acordo com o ministério. O prazo médio de conclusão dessas obras, de valores entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões, é de cinco anos (60 meses).
Acreditamos que vencendo a fase mais difícil de elaboração de projetos, regularização da terra e licenciamento ambiental, esse prazo possa ser reduzido para 48 meses afirmou Manoel Renato Machado Filho, gerente do PAC no ministério.
Segundo ele, o número de casas ligadas à rede de esgoto caiu no Norte porque a região passa por crescimento domiciliar duas vezes superior à média nacional, o que demandaria enorme investimento.
Dilma e Serra trocam acusações ao comentar resultados da pesquisa
Petista culpa SP por recuo no saneamento. Tucano aponta impacto da crise
Maria Lima e Silvia Amorim
BRASÍLIA e SÃO PAULO. Os candidatos que lideram as pesquisas de intenção de voto para presidente trocaram farpas ontem após a divulgação dos números do IBGE. A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, afirmou que São Paulo governado pelo seu adversário, o tucano José Serra, entre janeiro de 2007 e março deste ano é um dos principais culpados pelo quadro de quase estagnação dos indicadores de saneamento no país, levantados pela última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad2009). Serra, por sua vez, disse ontem que os dados da Pnad mostram que o reflexo da crise financeira mundial no Brasil não foi tão pequeno como chegou a apregoar o presidente Lula.
O que aconteceu foi que o Brasil não surfou por cima da crise como se acredita. Quem surfou foi a China, a Índia. A propaganda oficial diz que o Brasil surfou, mas a produção no ano passado encolheu. Isso tem um reflexo natural sobre o volume total de emprego disse Serra. Outra coisa são os empregos de carteira assinada.
Mas isso é metade dos empregos no Brasil. Então, muitos empregos preexistentes viraram de carteira assinada, não foi criação de emprego.
Após culpar estados e municípios de forma geral e o longo prazo da burocracia o tempo de maturação de um projeto de saneamento chegaria a 65 meses , Dilma respondeu de bate-pronto à pergunta sobre que estados atrapalhavam o andamento das obras: São Paulo. Eles atrasam muito. E quando íamos cobrálos, diziam que os prazos deles são diferentes dos nossos afirmou Dilma. Dependendo da obra, esse prazo da contratação e execução (do projeto) da obra chega a um ano. É questão de apertar. Todos são culpados, mas depende do gestor (estados e municípios).
Na média nacional, a parcela de domicílios com saneamento adequado (acesso direto à rede coletora ou via fossa séptica) caiu de 59,3% para 59,1% no ano passado. No estado de São Paulo, a proporção de domicílios com acesso ao saneamento adequado recuou de 91,2% para 90,8% em 2009, segundo a Pnad.
A presidenciável petista falou à imprensa durante coletiva antes de embarcar para Minas Gerais, onde teria evento de campanha ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Gerente suprema do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por três anos a ponto de ter sido chamada por Lula de mãe do PAC , Dilma chegou com diversas anotações sobre a Pnad.
O investimento em saneamento é o carro-chefe da área social do PAC, ao lado da habitação.
Analfabetismo atinge 14,1 milhões de pessoas
Na faixa de 6 a 14 anos, país tem 97,6% das crianças na escola. Cresce também o estudo entre adolescentes
Liana Melo, Rennan Setti, Letícia Lins e Demétrio Weber
RIO, RECIFE e BRASÍLIA. O carroceiro Waldir Oliveira, pernambucano de 34 anos, não sabe ler nem escrever. Nem seu nome ele sabe assinar. É nas ruas de Recife que ele ganha a vida, catando material reciclável.
Waldir é um dos 14,1 milhões de brasileiros que engordam as estatísticas oficiais de analfabetismo.
Fazem parte da taxa de analfabetismo especialmente homens, com 15 anos ou mais, e, sobretudo, moradores do Nordeste do país. Entre a população de 50 anos ou mais, a taxa de analfabetismo no Nordeste chega a 40,1%.
O analfabetismo é um produto da sociedade brasileira diagnostica o presidente do IBGE, Eduardo Nunes, lembrando que, de 2008 para 2009, houve uma pequena redução do analfabetismo, de 10% para 9,7%.
É uma maldição do passado, diz especialista Dados da Pnad indicam que a taxa de escolarização, de crianças de 6 a 14 anos, cresceu 1,5 ponto percentual de 2004 para 2009, atingindo 97,6%. Já de 2008 para o ano passado, o maior crescimento registrado foi na faixa de 15 a 17 anos, que variou de 84,1% para 85,2%.
Laura Santos, de 15 anos, é um exemplo de quem luta para continuar estudando. Após trocar com a família o Centro do Rio pela Zona Oeste, a jovem foi obrigada a abandonar a escola.
A mudança ocorreu há um ano e, só recentemente, ela pôde voltar aos bancos escolares, após a família voltar ao antigo bairro. Laura hoje está cursando a 5ª série, à noite: Estou conseguindo recuperar o que perdi.
O pesquisador do Ipea Sergei Soares está convencido de que o analfabetismo é uma maldição do passado, da qual não temos como escapar. A única forma de estancá-lo é parar de produzir analfabetos.
No Nordeste se concentram 19,8% dos analfabetos do país.
A segunda posição, entre as regiões com maior proporção de analfabetos, ficou com o Norte, com taxa de 10,6%, seguido por Centro-Oeste (8,0%), Sudeste (5,7%) e Sul (5,5%).
Apesar dessa taxa de analfabetismo, o consultor da Unesco para Educação, Célio da Cunha, está convencido de que o país fez progressos: Precisamos fechar a fábrica de analfabetos, porque tirá-los desta condição, sobretudo entre os mais velhos, é muito difícil.
Escola técnica deve ser prioridade do novo governo A proliferação de escolas técnicas no país, defende Cunha, deveria ser prioridade do próximo governo. Assim como atacar o analfabetismo funcional, aquele que atinge jovens acima de 15 anos, com menos de quatro anos de estudos completos. O analfabetismo funcional foi de 20,3% em 2009.
Em 2008, havia ficado em 21%.
Apesar de a taxa de analfabetismo ser maior até do que, inclusive, a população de Cuba de 11,2 milhões de pessoas o ministro da Educação, Fernando Haddad, ressalta o indicador de cobertura educacional. É que, segundo ele, está em sintonia com a elevação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, considerado principal indicador de qualidade do ensino brasileiro. Haddad está convencido de que o país atingirá a universalização, de 4 a 17 anos, até 2016. Ele ainda aposta que o analfabetismo pode cair para 6,7% em 2015, como prevê a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).