quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Opinião do dia – Ulysses Guimarães*

A Federação é a unidade na desigualdade, é a coesão pela autonomia das províncias. Comprimidas pelo centralismo, há o perigo de serem empurradas para a secessão.

É a irmandade entre as regiões. Para que não se rompa o elo, as mais prósperas devem colaborar com as menos desenvolvidas.

Enquanto houver Norte e Nordeste fracos, não haverá na União Estado forte, pois fraco é o Brasil. (Palmas.)

As necessidades básicas do homem estão nos Estados e nos Municípios. Neles deve estar o dinheiro para atendê-las. A Federação é a governabilidade. A governabilidade da Nação passa pela governabilidade dos Estados e dos Municípios. (Palmas.)

O desgoverno, filho da penúria de recursos, acende a ira popular, que invade primeiro os paços municipais, arranca as grades dos palácios e acabará chegando à rampa do Palácio do Planalto. (Palmas.)

A Constituição reabilitou a Federação ao alocar recursos ponderáveis às unidades regionais e locais, bem como ao arbitrar competência tributária para lastrear-lhes a independência financeira.

*Ulysses Guimarães, presidente da Constituinte, em discurso de promulgação da Constituição de 1988, Brasília, 5/10/1988

Eugênio Bucci* - Essa tal de ‘ideologia’

- O Estado de S.Paulo

Seria melhor para o Brasil se Bolsonaro tivesse lido o iluminado livro de Marilena Chaui

Há 40 anos a palavra “ideologia” estava na moda no Brasil. Em 1980 um pequenino livro de bolso, O que é Ideologia, projetou a coleção Primeiros Passos, da Editora Brasiliense, para a estante rarefeita dos best-sellers brasileiros. Com um texto iluminado e iluminador da filósofa Marilena Chaui, o livrinho rapidamente ultrapassou a casa dos 100 mil exemplares vendidos, ensinando os fundamentos de um conceito labiríntico e vibrante que, naqueles tempos, encantava as plateias.

Foram tempos difíceis (como todos são) e bons (como é raro que sejam os tempos). O Brasil livrava-se aos poucos da ditadura militar e a filosofia era sucesso em bancas de jornais. Quem não tem em casa um volume que seja da coleção Os Pensadores, da Abril Cultural? Eram milhões de leitores curiosos, sedentos. Mas nem todos os brasileiros eram assim. Alguns, é verdade, não eram curiosos nem sedentos – nem leitores eram. Jair Bolsonaro, por exemplo. Teria sido melhor para o Brasil se ele se tivesse dado ao trabalho de ler algumas das 120 páginas de O que é Ideologia. Teria sido melhor, mas a história não quis assim.

Na época, o jovem militar estava mais empenhado em tumultuar a disciplina dos quartéis, reclamar do soldo e trocar a farda por um mandato parlamentar. Seu projeto era adorar o regime que se esboroava e se profissionalizar como propagandista dos torturadores que, nos anos seguintes, seriam aposentados pela democracia. Ele queria (sem saber que queria) se petrificar num esbirro ideológico, mesmo sem ter ideia do que a palavra “ideologia” pode querer dizer (ou esconder).

Eis então que, hoje, quando a palavra já havia caído em desuso, o cidadão que não sabe o que é ideologia se tornou presidente do Brasil e deu de sair por aqui (e depois por aí afora) matraqueando a respeito. A julgar pelos discursos que lê (com certo esforço, para não tropeçar nas sílabas e não errar a entonação), os escribas que o cercam padecem do mesmo déficit cultural, político e humanista. Para eles, “ideologia” é xingamento. “Ideologia” é estritamente um sinônimo chulo de mentira. (Nisso, aliás, é bom que alguém os avise, eles se parecem com marxistas de orelhada: acham que a ideologia é uma “falsa consciência”, e nada mais. Para eles, só há uma consciência verdadeira: a deles mesmos. Tudo o mais são “falsas consciências”. Tudo o mais é ideologia.)

William Waack - Ministros normais

- O Estado de S.Paulo

Conduta errática do Executivo ajudou a reduzir o tamanho dos superministros

Jair Bolsonaro foi eleito para enfrentar dois superproblemas do Brasil: dívida e crime. Para fazer a economia crescer (o melhor jeito de enfrentar a dívida trazida pela tragédia fiscal) e para inverter as trágicas taxas de criminalidade (com lei, ordem e combate à corrupção), o capitão escolheu dois superministros, Paulo Guedes na Economia e Sérgio Moro na Justiça.

Atualmente, os desafios continuam na categoria “super”, mas os dois ministros, nem tanto. De fato, eles lidam com problemas de enorme e profundo alcance, que não se resolvem da noite para o dia nem há uma só medida isolada capaz de dar conta do recado. Além disso, os ex-super enfrentam um sistema de governo que funciona muito mal, e que a crise fiscal (acabou a grana) contribuiu para tornar ainda mais paralítico.

Mas seria injusto com os fatos da realidade atribuir a perda de status dos superministros ao Legislativo (e à tal “classe política”). Uma parte importante dos problemas políticos que os dois – agora normais – ministros enfrentam está no fato de o chefe do Executivo utilizar de forma precária e errática uma de suas maiores ferramentas de poder: a de determinar a agenda da própria política.

Dois exemplos recentes ilustram esse fato. Na seara de Guedes trata-se da reforma tributária, uma espécie de grito que se ouve ecoar em todos os níveis da Federação, em todos os segmentos da atividade econômica. A Câmara dos Deputados examina há pelo menos quatro anos uma proposta de simplificação. O Senado também. Surgiu mais um projeto de reforma, que seria do Executivo. Mas qual é ele, exatamente?

Zeina Latif* - Sem conclusões precipitadas

- O Estado de S.Paulo

Convém, neste momento, relativizar a importância da queda do CDS do Brasil

O Credit Default Swap (CDS) é um produto financeiro que funciona como um seguro para investidores que adquirem títulos da dívida de países. Quando o risco de calote é elevado, o preço do seguro sobe, e vice-versa. O patamar atual do CDS do Brasil, na casa de 130 pontos-base, significa que o investidor irá pagar, por ano, um prêmio de 1,3% sobre o valor investido.

O CDS do Brasil engatou uma tendência de queda este ano, atingindo patamares equivalentes aos de abril de 2008, quando a S&P elevou o País ao grupo de bom pagador. Para alguns analistas o recuo do CDS representa um selo de qualidade da política econômica e sedimenta o caminho para a recuperação do grau de investimento perdido em 2015. Não convém, porém, ir tão longe nas conclusões, em função de peculiaridades do momento atual.

Os CDS dos países emergentes têm elevada correlação entre si. Seus ciclos são parecidos. Esse fenômeno dá uma noção do peso de fatores externos influenciando a percepção de risco de investidores. Fosse o CDS apenas reflexo de fatores internos, essa correlação seria provavelmente mais fraca, apenas dando conta da natural influência do ciclo econômico mundial sobre os países.

Pelos nossos estudos, duas variáveis externas contribuem para explicar o comportamento do CDS do Brasil: preços de commodities e os juros internacionais.

José Serra* - Patentes e saúde

- O Estado de S.Paulo

É preciso equilibrar o acesso universal a medicamentos e o estímulo à pesquisa

O Congresso vem discutindo alguns aperfeiçoamentos na legislação brasileira sobre direitos e obrigações relativos à propriedade industrial – condensados na Lei de Propriedade Industrial (LPI). O debate envolve dispositivos que comprometem a sustentabilidade econômica das políticas de aquisição de medicamentos estratégicos do Ministério da Saúde. Um deles é o parágrafo único do artigo 40 da LPI, que permite a concessão de patentes no Brasil por um prazo de vigência superior ao que é estabelecido em outros países e nos acordos internacionais sobre direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio (Trips).

A questão central dessa agenda é encontrar a equação que garanta um certo equilíbrio entre o acesso universal e sustentável aos medicamentos e a necessidade de estimular a pesquisa por meio da concessão de patentes. No caso do setor farmacêutico, sem dúvida, a concessão de uma patente precisa levar em conta diferentes aspectos da saúde da população.

Para começar, a demanda por remédios não se reduz (ou muito pouco) diante do aumento dos preços – é relativamente inelástica, como dizem os economistas. Em muitos casos, perde-se a saúde ou a própria vida pela falta de acesso a determinado medicamento. Há grande assimetria de informações entre consumidores e produtores na saúde: aqueles dependem destes para obter prescrição sobre o tipo e frequência de uso dos medicamentos.

Os economistas mais ligados à corrente liberal, com o austríaco Friedrich Hayek à frente, postularam sempre que patentes tendem a criar ineficientes monopólios. Num mundo de escassez material, o mercado livre otimizaria a alocação de recursos com potenciais ganhos de eficiência. Ao garantirem direitos de patentes, os governos incentivam monopólios, que são contraditórios com os princípios de mercado, provocando ineficiência econômica nos setores protegidos.

Igor Gielow - Populismo vive dia desastroso

- Folha de S. Paulo

Coalizão de Steve Bannon viveu pesadelo na terça; outros aliados estão em apuros

Steve Bannon se esforça bastante, mas a grande coalizão de líderes populistas cristãos que enfrentaria o monstro globalista marxista, arquitetada pelo ex-conselheiro de Donald Trump, parece estar fazendo água por seus próprios méritos.

Naturalmente, não é um movimento coordenado de desastre, mas há um ar de sincronicidade nas agruras que os expoentes da onda nacionalista que varreu o mundo no final dos anos 2010 enfrentam. O 24 de setembro de 2019 parece um desses dias fadados a ser lembrados nas linhas do tempo de historiadores futuros.

A terça começou com primeiro-ministro Boris Johnson sendo acusado pela Corte Suprema britânica de ter induzido a rainha Elizabeth 2ª a erro. A Justiça determinou o fim da suspensão do Parlamento, o golpe institucional mais vistoso já tentando pela atual leva de populistas no poder —descontando-se as estripulias autoritárias de Viktor Orbán na Hungria, mas o belo país às margens do Danúbio não é a mãe da democracia liberal.

Pode haver questionamentos sobre uma certa lava-jatização da Justiça britânica, dado que a prorrogação do recesso parlamentar é um ato real, mas o tom contrito de Johnson demonstra um fato consumado. Até por ser intelectualmente mais bem preparado do que seus colegas populistas, é de se esperar alguma reação, mas os tais freios e contrapesos britânicos parecem estar a pleno vapor.

Pouco tempo depois, o novato da turma, o brasileiro Jair Bolsonaro, fez seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU na condição de um presidente com altíssima rejeição e crescentes problemas políticos e econômicos.

Não cabe dar tanta bola à horrenda repercussão da reiteração das ideias do presidente fora do Brasil, porque essas falas costumam estar esquecidas em poucas horas ou dias, mas se havia uma chance de mudança de humor externo em relação ao Brasil, ela se esfarelou nos 32 minutos da emissão presidencial de uma visão de mundo paranoica e exótica.

Maria Hermínia Tavares de Almeida - O Brasil emudeceu

- Folha de S. Paulo

Fala de Bolsonaro na ONU faz o Brasil se transformar em um figurante sem voz

No português rudimentar e com a fala truncada que são a sua marca, o presidente Bolsonaro discursou na sessão de debate-geral da assembleia das Nações Unidas, na terça-feira.

O evento que dá início à reunião anual dos representantes dos 193 países da organização não é um momento de ação. Ali não se tomam decisões sobre a guerra ou a paz, nem mesmo sobre quaisquer outras grandes questões mundiais.

Na sessão de debate-geral, tem lugar um ritual simbólico em que estados membros se apresentam, expressam as visões de cada qual sobre os problemas que ultrapassam as suas fronteiras e reafirmam a disposição de cooperar para resolvê-los.

Desde 1946, o Brasil é o primeiro a tomar a palavra. Graças ao embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa, organizador de “O Brasil nas Nações Unidas — 1946-2006”, temos acesso à primorosa edição comentada dos pronunciamentos de todos os representantes do país ao longo de 60 anos.

Apesar de diferenças de contexto, de orientação política doméstica, de percepção do alcance possível da influência internacional e das prioridades de política externa de diferentes governos, nota-se significativa coerência na maneira como o país se apresentou e como articulou suas demandas.

Bruno Boghossian – A Venezuela como outdoor

- Folha de S. Paulo

Governos mostram descrença sobre Guaidó, mas usam Maduro para criticar socialismo

Os países do consórcio diplomático que tenta pôr fim ao regime de Nicolás Maduro estão paralisados. Enquanto a crise política permanece sem solução à vista, alguns governantes só parecem preocupados em usar a Venezuela como outdoor em suas campanhas sobre os perigos do socialismo.

Presidentes que querem fustigar adversários de esquerda continuam dando atenção a Maduro. O pronunciamento de Donald Trump na ONU citou o caso venezuelano para dizer que o socialismo é um "destruidor de nações". Jair Bolsonaro prometeu lutar para que outros países "não experimentem esse nefasto regime".

Ficou por aí. Em 48 horas, três reuniões sobre o assunto em Nova York produziram somente um par de notas amenas e uma resolução com poucos avanços objetivos.

Mariliz Pereira Jorge - A fraquejada de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro acha que bajular Trump é o suficiente para ganhar uma linha direta com a Casa Branca

Não tem vídeo, nem áudio, apenas o relato de diplomatas ao jornalista Lauro Jardim de que Jair Bolsonaro, ao encontrar Donald Trump, depois de discursar na ONU, teria dito: "I love you". É, eu sei, mas calma, piora.

O americano apenas diz: "bom te ver de novo". Algo como: "obrigado, valeu, qualquer coisa te ligo". A resposta é um clássico nas histórias de amores platônicos. Nos declaramos enquanto o outro pode querer apenas uma aventura e nada mais. A diferença é que eu, você, a maioria não representamos os interesses do país.

O Brasil não precisava passar por (mais) essa humilhação. Gostaria que fosse invenção. Mas em poucos meses já conhecemos o nível de idolatria da primeira-família por Trump, portanto, além da possível veracidade, mandar um "I love you" totalmente fora de contexto revela mais do que pouca intimidade com outra língua. É subserviência.

Vinicius Torres Freire – O crédito voltou, o emprego está longe

- Folha de S. Paulo

Emprego formal cresce no mesmo ritmo lerdo desde setembro do ano passado

O emprego com carteira assinada teve o melhor agosto desde 2014, a gente lia por aí na quarta-feira (25), quando saiu o balanço do emprego formal, do Ministério da Economia. É uma conversa fiada, embora se possa ver ali ou aqui algum sinal de pequena melhora, como no crédito e na construção de casas.

Quanto ao emprego, a coisa vai de pior a mal. O número de empregos formais havia voltado a crescer em janeiro de 2018, saindo das profundas dos infernos da Grande Recessão. Desde setembro do ano passado, cresce ao mesmo ritmo lerdo, em torno de 1,4% ao ano, compatível com um crescimento do PIB mais ou menos de 1% ao ano, o que temos visto desde 2017.

Nada disso presta. Presta ainda menos se lembrarmos que parte desses novos empregos formais são precários (intermitentes e temporários). Não entravam na conta de 2014.

Nessa toada de criação de vagas de trabalho com CLT, o país voltaria a ter o número recorde de empregos com carteira de 2014 apenas em 2023, o que ainda seria insuficiente, pois a população querendo trabalhar terá crescido muito. Além do mais, sabe-se lá o que chamaremos de “emprego formal” ou “com carteira” em 2023 —ou mesmo o que chamaremos de “emprego”.

O ritmo de criação de emprego formal não acelera porque a indústria voltou a emperrar em outubro do ano passado. As fábricas de calçados, papel, material de transporte, têxtil, vestuário, madeira, móveis etc. estão empregando menos que em 2018. O avanço da economia em geral depende principalmente de melhoras na indústria de transformação.

Luiz Carlos Azedo - Suprema decisão

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O julgamento de hoje terá ampla repercussão em relação à Operação Lava-Jato, pois pode levar à anulação de 32 sentenças e beneficiar 143 réus”

O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje um julgamento que pode representar o maior revés até agora para a Operação Lava-Jato. Trata-se do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, no qual sua defesa alega que o réu foi condenado sem direito à ampla defesa, porque não foi ouvido após o corréu que o acusou em delação premiada. O relator do caso, ministro Edson Fachin, que solicitou a apreciação o caso pelo pleno da Corte, na abertura do julgamento, apresentou voto contrário à tese, que pode levar à anulação de outras 32 sentenças da Lava-Jato, beneficiando 143 réus.

A defesa de Márcio de Almeida surfa uma decisão da Segunda Turma do STF, em agosto, que anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Foi a primeira vez que foi anulada sentença do então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Na ocasião, a defesa de Bendine tirou o seguinte coelho da cartola: réus delatados deveriam apresentar alegações finais após os réus delatores. A tese parte do princípio constitucional de que o réu tem o direito sagrado de se defender somente após a acusação.

Desde o início da Lava-Jato, a Justiça em primeira instância tem dado o mesmo prazo para as alegações finais a todos os réus, inclusive aos que fizeram delação premiada. Em consequência, os réus condenados pela Lava-Jato nessa situação podem se beneficiar da decisão do Supremo no julgamento de hoje. Entre os réus, ninguém menos do que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja defesa também pediu anulação das condenações nos casos do tríplex do Guarujá, pelo qual está preso, e do sítio de Atibaia, ainda em primeira instância. Mais quatro pedidos semelhantes já chegaram ao Supremo.

No julgamento de Bendine, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu anular a sentença de Moro que, em 2018, condenou o ex-presidente da Petrobras a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Com isso, o processo voltou à primeira instância da Justiça para nova sentença. Na segunda instância, a condenação de Bendine foi mantida, mas reduzida para sete anos, nove meses e 10 dias de prisão. O processo não chegou a ser concluído, porém, porque ainda falta a análise de um recurso.

Merval Pereira – O nome em vão

- O Globo

Soberanistas estão ficando pelo caminho, e se Trump for derrotado no ano que vem, o projeto vai por água abaixo

Nunca esteve tão em moda a frase do escritor e pensador inglês Samuel Johnson, que, escrita no século XVIII, sobreviveu ao tempo, ganhando um significado mais amplo, terrivelmente atual: “O patriotismo é o ultimo refúgio dos canalhas”.

Referia-se ao partido Patriotas de então, que, para Johnson, estava sendo dominado por políticos oportunistas. O patriotismo tornou-se, ao longo da História, instrumento político de autocratas e populistas, de esquerda e de direita, fazendo jus à ampliação do sentido da frase do pensador inglês.

Os discursos dos presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Jair Bolsonaro, do Brasil, utilizaram-se do termo para defender a tese mais cara aos dois e a vários líderes autoritários espalhados pelo mundo. São os “soberanistas”, que, em nome do patriotismo, veem em políticas globais coordenadas por órgãos multilaterais como a ONU tentativas de limitar a soberania das nações.

As críticas internacionais à política ambientalista de Bolsonaro foram aproveitadas para exacerbar o sentimento patriótico dos brasileiros, ameaçados que estaríamos por países europeus de olho na internacionalização da Amazônia.

O presidente francês, Emmanuel Macron, caiu na besteira de fazer um gesto demagógico aos eleitores ecológicos, abordando essa ideia como uma possibilidade de resolver as questões ambientais naquela região, e provocou a ira de Bolsonaro e da ala militar nacionalista.

Bernardo Mello Franco - Capitão, ouça o professor Marcelo

- O Globo

Na contramão de Trump e Bolsonaro, o presidente de Portugal usou a tribuna da ONU para criticar o nacional-populismo e a xenofobia. Ouvir seu discurso é um alento em tempos bicudos

Há 45 anos, Portugal era um país atrasado, submetido a uma ditadura carola e fechado para o mundo. Hoje é uma nação moderna, que atrai imigrantes e cresce acima da média europeia. Virou o destino preferido de brasileiros que fogem do desemprego e da violência urbana.

Na terça-feira, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa representou o país na Assembleia Geral da ONU. Ele fez um discurso incisivo contra o nacional-populismo, a intolerância e a xenofobia. Sem citar nomes, criticou líderes que se dizem patriotas e fingem ignorar desafios urgentes, como as mudanças climáticas e a crise migratória.

Na contramão de Donald Trump e seus imitadores, o português disse que o mundo precisa de mais multilateralismo e cooperação internacional. “Há 80 anos, começava a Segunda Guerra. Vale a pena parar um minuto para tirar as lições desse passado próximo”, afirmou.

Ascânio Seleme - Raoni merece o Nobel

- O Globo

É um homem digno que só busca o bem

Já em 1984 Raoni Metuktire era um dos maiores líderes indígenas brasileiros e o principal chefe da etnia caiapó. Meu primeiro encontro com o cacique pode parecer bizarro e levantar suspeitas sobre sua sensatez e serenidade. Como repórter da extinta TV Manchete, fui até uma aldeia caiapó no Xingu para cobrir a libertação de cinco sertanistas da Funai que Raoni mantivera sequestrados numa das muitas disputas que travava em torno da demarcação da sua reserva no Xingu. Quando Raoni saiu vitorioso do episódio, os sertanistas sequestrados, que também estavam do lado da causa indígena, festejaram mais a vitória do cacique do que a sua própria libertação.

Raoni já tinha o porte majestoso que mantém até hoje. Era ao mesmo tempo doce e duro. A luta pela demarcação definitiva do Parque do Xingu, criado pelos irmãos Villas Bôas em 1961, se estendeu no tempo e se desdobrou em outros momentos importantes. Um dos mais emblemáticos ocorreu no dia em que o cacique enfrentou Mário Andreazza, o último ministro dos Transportes do regime militar. Pintado de vermelho para a guerra e portando uma borduna, o líder indígena se reuniu com Andreazza e produziu uma frase que entrou para a história. Ao final do encontro, o ministro disse para Raoni que o considerava um amigo e ouviu a seguinte resposta de um índio insatisfeito com o resultado da reunião: “Aceito ser amigo, mas você tem que ouvir o índio”.

Não ocorreu no governo militar a demarcação do Xingu, mas apenas em 1993. Antes disso, o mais carismático líder indígena brasileiro recebeu em Altamira, no Pará, o cantor Sting, que estava então no auge da sua popularidade. Também fiz a cobertura jornalística deste encontro, que durou quase uma semana, mas já pelo GLOBO. Foi um evento memorável. Jornalistas de diversos veículos estrangeiros e dos principais órgãos brasileiros se amontoaram em pequenos hotéis, casas alugadas de famílias locais ou acampados dentro de um ginásio de esportes, para acompanhar a reunião. Sting era a celebridade, mas quem se destacou foi o índio botocudo, que desde os 15 anos tem implantado no seu lábio inferior um grande disco de madeira pintada que o distingue de todos. Sting virou coadjuvante.

Raoni nunca fala alto, embora seja sempre firme. Não se conhece episódio em que tenha agredido fisicamente alguém, embora seu porte atlético seja assustador. Raoni, que há um mês foi recebido pelo presidente da França, Emmanuel Macron, não se surpreendeu com o Palácio do Eliseu porque lá já estivera uma vez, no ano 2000, quando foi recebido pelo então presidente Jacques Chirac. Pompa não é novidade para este líder guerreiro.

Míriam Leitão - A diminuição do custo da dívida

- O Globo

Com a queda da inflação e da Selic, o gasto do governo com juros voltou ao mesmo nível de quando o país tinha grau de investimento

O custo da dívida brasileira tem caído fortemente e hoje é quase igual ao que era quando o Brasil tinha grau de investimento. O que produziu esse ganho foi a redução dos juros, que começou no governo Michel Temer e continua no atual governo. O que o país paga de juros da dívida nem sempre corresponde à Selic, porque depende da confiança que se tem na manutenção da inflação sob controle. Quando o BC reduziu na marra os juros, num contexto de inflação em alta, os juros cobrados nos títulos públicos acabaram subindo no médio prazo.

O país ainda paga muito para rolar a dívida pública. Nos últimos 12 meses os juros custaram 5,12% do PIB para governo federal, estados e municípios, ou R$ 359 bilhões. A boa notícia é que este é o mesmo patamar de 2011, quando o Brasil tinha 52% do PIB de dívida e era classificado como um país bom para investimento. Hoje a dívida está em 79% do PIB. Mesmo assim, o valor pago é o mesmo em proporção ao PIB.

O pior momento recente foi em janeiro de 2016, nos últimos meses da administração Dilma, quanto bateu em 9% do PIB, ou mais precisamente 8,9%. Para se ter uma ideia do que isso significa em reais, se estivesse pagando hoje esse mesmo percentual, o custo seria de R$ 641 bilhões. Dilma assumiu o governo com a dívida em torno de 50%, mas quando saiu estava em 66%. E continuou subindo porque o país já tinha entrado em déficit primário, do qual não saiu até hoje.

Maria Cristina Fernandes - Prestar serviço contra a turbulência bolsonarista

- Valor Econômico

Os sinais de um laboratório agreste da política nacional

Na campanha municipal de 2016, a então deputada estadual de Pernambuco Raquel Lyra (PSDB) colocou em seu programa de governo para a Prefeitura de Caruaru o compromisso com a defesa da população LGBT contra a violência e a evasão escolar. A promessa entrou num telefone sem fio e incendiou as igrejas evangélicas, obrigando a candidata a fazer um encontro com 80 pastores para lhes explicar que o terceiro banheiro nas escolas públicas não era meta de seu governo.

Ali estava um laboratório microscópico do fenômeno que, dois anos depois, arrebataria o país. No primeiro turno, Raquel derrotou um ex-delegado da Polícia Civil, Erick Lessa (PP), que fez campanha ora como um Sergio Moro do Agreste, prendendo vereadores por extorsão e médicos por venda de cirurgias no SUS, ora como o candidato da bala e da “Bíblia”. E, no segundo, o deputado estadual Tony Gel (MDB), radialista que já governara a cidade no início do século embalado no slogan “sem panela, sem penico, sem colchão, dá-lhe João”.

No primeiro turno das eleições presidenciais de 2018, Jair Bolsonaro venceu com folga Fernando Haddad no maior município do interior do Estado em que nasceu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No segundo turno, o presidente perdeu para o candidato petista, mas com uma votação bem superior à média do Estado.

A um ano das eleições municipais de 2020, Caruaru volta a se transformar em um laboratório da política nacional. A redução da violência no município não beneficia Bolsonaro, mas empurra o favoritismo da reeleição de Raquel. De acordo com pesquisas não registradas do Instituto Travessia, o presidente já não repete, na cidade, a votação obtida em 2018.

Ribamar Oliveira - O estranho erro de quase R$ 6 bilhões

- Valor Econômico

Em junho, a Instituição Fiscal Independente alertou que a despesa estava superestimada

Na semana passada, o governo surpreendeu a todos ao informar que tinha cometido um erro de R$ 5,8 bilhões em sua estimativa para a despesa com pessoal e encargos sociais da União neste ano. Em vez de R$ 324,6 bilhões, o gasto ficará em R$ 318,8 bilhões. Chamou a atenção, em primeiro lugar, o tamanho do erro. Em anos anteriores, a estimativa inicial para o gasto com pessoal e o valor executado ficaram muito próximos, com diferenças, às vezes, desprezíveis.

Depois, causou estranheza a explicação oficial para o erro, que foi atribuído ao impacto menor que o estimado dos reajustes salariais concedidos aos servidores em 2019. Foram concedidos aumentos salariais ao funcionalismo em 2017 e em 2018, inclusive para mais categorias de servidores e em percentuais diferentes, mas, nesses anos, as despesas com pessoal terminaram muito próximas das estimativas iniciais.

A surpresa maior, no entanto, deve-se à data em que o erro foi percebido pela equipe econômica do governo. Somente após o pagamento da folha do funcionalismo relativa a agosto constatou-se que a projeção da despesa com pessoal estava superestimada em R$ 5,8 bilhões. No momento em que corrigiu o equívoco, o governo anunciou um descontingenciamento das dotações orçamentárias de R$ 12,5 bilhões, que só foi possível, em parte, por causa da redução do gasto com pessoal.

Ricardo Noblat - A grosseria do capitão com o embaixador

- Blog | Veja

Coisas da Nova Política
A vida dos dois jamais se cruzou. Nos últimos 30 anos, Jair Bolsonaro foi um deputado do baixo clero da Câmara, apenas isso até se eleger presidente. E Mauro Vieira, ministro-conselheiro das embaixadas do Brasil no México e na França, e depois embaixador na Argentina e nos Estados Unidos. Formalmente, ainda é o embaixador do Brasil junto à ONU em Nova Iorque.

Mas Vieira foi também ministro das Relações Exteriores do segundo governo Dilma. Lula, à época, indicou para o cargo o embaixador Celso Amorim. Dilma escolheu Vieira a quem mal conhecia só para não ter que engolir o pedido de Lula. Pois foi o que bastou: logo nos seus primeiros dias de governo, Bolsonaro decidiu que queria Vieira fora e longe do território americano.

Indicou-o para embaixador do Brasil na Croácia. Mas como a indicação teria de ser aprovada pelo Senado, e isso às vezes demora, o Itamaraty orientou Vieira a entrar de férias de modo a não estar em Nova Iorque quando Bolsonaro pusesse os pés por lá para falar na a Assembleia Geral da ONU. Só que nunca antes um embaixador deixou seu posto vago durante uma visita presidencial.

O que fez o Itamaraty? O ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, acionou David Alcolumbre (PMDB-AP), presidente do Senado. Que, por sua vez, pediu pressa à Comissão de Relações Exteriores do Senado. E assim, a sabatina de Vieira na Comissão foi marcada para o início desta semana, o que o forçou a se ausentar de Nova Iorque enquanto Bolsonaro estivesse por lá.

Ontem, por 15 votos contra 1, o nome de Vieira foi aprovado na Comissão. Desconfia-se que o único voto contrário possa ter sido o do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) ou o de um vice-líder do governo. Flávio é membro suplente da Comissão. Bolsonaro não tem nenhuma viagem marcada à Croácia.

Tudo por um aperto de mão de Trump

Gols de placa
Assessores do presidente Jair Bolsonaro que o acompanharam na viagem a Nova Iorque comemoram o que apontam como gols de placa do seu chefe: pela ordem, o discurso incisivo feito na abertura da Assembleia Geral da ONU, e a foto onde ele aperta a mão do presidente Donald Trump.

Bolsonaro teve que suar e ter muita paciência para aguardar a hora de poder cumprimentar Trump. O encontro cavado por ele rendeu, além da foto, 17 preciosos segundos de vídeo. Ouro puro a ser usado na próxima campanha presidencial. Quer dizer: se Trump conseguir se reeleger.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Disciplina fiscal, federação real – Editorial | O Estado de S. Paulo

Mais de um terço dos tributos pagos no Brasil vai para os cofres de Estados e municípios, além das transferências bancadas pela União, mas, ainda assim, muitos governos estaduais e municipais estão em apuros, endividados e alguns, perto de quebrar. O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem anunciado com insistência um novo pacto federativo, num discurso pontuado pelo bordão “mais Brasil, menos Brasília”. Mas a palavra federação, neste país, é quase uma figura de linguagem: autoridades subnacionais vivem alardeando direitos e autonomia, mas poucas têm sido capazes de cuidar de suas finanças e de viver sem o socorro do poder central. Antes de cuidar de um novo pacto, será bom levar a sério os feios dados da realidade, começando, por exemplo, pelo relatório técnico recém-concluído por uma equipe do Fundo Monetário Internacional (FMI). Técnicos do Fundo estiveram no Brasil por solicitação do governo, entre 29 de abril e 13 de maio, para examinar e avaliar as finanças de Estados e municípios e propor políticas de ajuste e padrões de disciplina e segurança. Disciplinados por alguns anos, depois de negociar suas dívidas com o Tesouro Nacional, nos anos 1990, governos estaduais e municipais acabaram caindo de novo na farra financeira, com as bênçãos do poder federal.

Poesia | João Cabral de Melo Neto - Noturno

O mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
”meus pesadelos atrasados de muitas noites

De madrugada,meus pensamentos soltos
”voaram como telegramas
e nas janelas acesas toda a noite
o retrato da morta
fez esforços desesperados para fugir.

Música | Teresa Cristina - Não tem tradução (Noel Rosa)