A expressão nacional de quem está em segundo lugar nas pesquisas para a Presidência da República e a pressão da ex-ministra Marina Silva sobre a Justiça eleitoral criaram um clima favorável para que o seu partido, o Rede Sustentabilidade, seja registrado a tempo de poder disputar as eleições no ano que vem. Depois de uma semana em que se reuniu com a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, e com a corregedora-geral da Corte, Laurita Vaz, Marina Silva teria encontrado apoio para que o processo ganhe prioridade. A disposição de ministros do TSE, segundo apurou o Valor, é que o tribunal trabalhe a pleno vapor para julgar o processo de registro do Rede até 5 de outubro, quando se encerra o prazo de um ano antes da eleição, exigido por lei, para que um novo partido possa concorrer. O entendimento de alguns ministros do TSE seria o de que "aqui ninguém quer ser aquele que vai enterrar o projeto da seringueira". Na última corrida presidencial, em 2010, Marina ficou em terceiro lugar, com quase 20% da votação, e nos últimos levantamentos de opinião tem pontuado à frente dos demais pré-candidatos da oposição.
Para aproveitar a boa vontade do TSE, o grupo de Marina terá que apresentar a documentação em "condições mínimas" para que não haja muitas pendências. A comparação é com o Partido Republicano da Ordem Social (PROS), legenda também em processo de formação, mas que teria entregue o material de modo "bagunçado" ao tribunal, o que estaria atrasando o deferimento da sigla, com a necessidade de recontagem de assinaturas.
O grande problema do Rede é que nem o número mínimo de assinaturas certificadas, 491.569, equivalente a 0,5% dos votos válidos na última eleição para a Câmara dos Deputados, foi alcançado. A legenda reuniu até agora 250 mil, pouco mais da metade. Também não obteve o registro do partido em nenhum Estado, quando o mínimo seria de um terço do total (nove). Ainda assim, o Rede programa-se para entrar com o pedido de registro no TSE nesta semana. O objetivo é adiantar o processo, confiar em precedentes alcançados por outros partidos e sanar as irregularidades durante a análise do material pelo tribunal.
Caso o TSE acelere os trâmites, os prazos para a apreciação do Rede poderão ser encurtados, na dependência da entrega da documentação das instâncias inferiores. Em sua visita à Corte, na semana passada, Marina reclamou da demora na certificação de assinaturas pelos cartórios eleitorais e no deferimento do registro pelos Tribunais Regionais Eleitorais. A avaliação, de acordo com um advogado consultado pelo Valor, é a de que a intervenção de Cármen Lúcia e da corregedoria-geral pode, de fato, acelerar o andamento das certidões dos cartórios e dos TREs, uma vez que o comando da Justiça eleitoral é muito mais centralizado que o do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por exemplo. Apesar da autonomia, os TREs estão acostumados a se reunir para organizar as eleições, sob o comando do TSE, e seguir suas orientações.
Marina Silva já colheu mais assinaturas que o PSD, criado em 2011, e o Solidariedade, outra legenda em construção, mas enfrenta o maior risco dentre as três siglas de fracassar e não obter o registro. Não tem a força e a organização da máquina política de uma legião de deputados federais, prefeitos, governadores e vice-governadores, com a qual contava há dois anos o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), nem fez o trabalho antecipado do Solidariedade, que foi fundado quase quatro meses antes, em outubro de 2012.
Seu grupo diz ter reunido, por segurança, cerca de 830 mil assinaturas de apoio -70% a mais que o necessário, uma vez que a taxa de rejeição dos cartórios pode chegar a mais da metade. Na mesma empreitada, o PSD e o Solidariedade foram mais eficientes. Há dois anos, a primeira sigla, no dia 23 de agosto - mesma data da próxima sexta-feira - entrava com o pedido de registro no TSE, com um total de 538.263 assinaturas já certificadas. Há quase dois meses, em 24 de junho, a segunda legenda fazia o mesmo e apresentava 514 mil assinaturas. Até a sexta-feira, o Rede contabilizava apenas 250 mil apoios válidos.
Secretário-geral e operador na construção do PSD, o ex-deputado federal Saulo Queiroz estima que o grupo de Marina Silva esteja pelo menos 20 dias atrasado em relação à situação que seu partido se encontrava em 2011. Essa demora pode ser determinante, lembra, já que na época o registro só foi deferido em 27 de setembro, a dez dias do fim do prazo, que era em 7 de outubro. Por esses cálculos, Marina só alcançará o objetivo num clima de missão quase impossível. Em 2011, o pequeno PPL, que era formado enquanto todas as atenções se voltavam para o "partido do Kassab", obteve o registro a três dias do fim do prazo.
No entanto, o desfecho em cima do laço não é coincidência e indica que, apesar do suspense, há uma margem de manobra pela qual o tempo burocrático pode ser apressado pelo tempo político. "O TSE pode ajudar, no sentido de conversar com os TREs e pedir agilidade, sem ser pressão ou imposição", afirma Pedro Ivo Batista, coordenador de organização da comissão executiva nacional do Rede.
A pressão sobre os TREs é fundamental. Além de não ter ainda conseguido as assinaturas mínimas, o grupo de Marina também não tem a comprovação de estar organizado em pelo menos nove unidades da Federação. O Solidariedade alcançou 11. Mas o PSD, há dois anos, ingressou no TSE com apenas o registro de um Estado e justificou a ausência dos demais pela demora dos TREs.
Kassab e companhia entregaram tudo o que tinham em mãos até o prazo que consideravam seguro para que o TSE julgasse o pedido - cerca de um mês e meio antes do limite. É o que Marina Silva fará nesta semana, seguindo o mesmo "timing".
Em 2011, o único Estado que o PSD havia obtido ao entrar com seu processo no TSE era Santa Catarina, onde o governador Raimundo Colombo capitaneou a construção da legenda. Ali, o TRE foi célere e deferiu o registro em apenas 22 dias, enquanto outros tribunais levaram até dois meses. Saulo Queiroz nega que a agilidade tenha a ver com a influência do governador sobre a Justiça eleitoral. "Andamos mais depressa lá justamente porque o governador estava conosco e tínhamos mais condições de levantar apoio. Não dá para misturar as coisas. O fato de termos nascido aliados a vários governos ajudou na coleta de assinaturas e na montagem de diretórios. Mas não tem nada a ver com a Justiça eleitoral", afirma.
O advogado André Duarte Lima, ligado ao Solidariedade, no entanto, tem outra visão. "É inocência acreditar que a regra é seguida de modo igualitário e que os casos serão tratados da mesma forma. Mas as exceções para o PSD criaram precedentes para qualquer partido", diz.
Duarte afirma não acreditar que o Rede conseguirá cumprir os prazos a tempo, embora Marina Silva seja uma personalidade e tenha muito apoio de militantes e de artistas. "O problema talvez seja de organização. Talvez não tenha tido um plano de trabalho. Nós aqui em São Paulo fizemos um espaço com 645 escaninhos com o nome da pessoa responsável pela coleta das assinaturas em cada município. Tem que contratar e treinar as pessoas para convencer o eleitor - que geralmente resiste muito - a apoiar o partido", diz.
Um advogado eleitoral consultado pelo Valor, que já atuou na formação de uma sigla, afirma que o fato de o Rede ter colhido, por precaução, um número de assinaturas muito além do necessário pode ter sido contraproducente e atrapalhado ao abarrotar os cartórios e aumentar a lentidão. Ele diz que o limite de 15 dias para a certificação - reivindicado por Marina - não é, realmente, cumprido pelos cartórios, mas que o prazo não é obrigatório. Apenas o TRE de São Paulo criou uma resolução que impõe sanções para atrasos. O advogado, que prefere o anonimato, afirma que, como o pedido de registro no TSE é um processo de aferição, e não litigioso, há margem para que se dê entrada na papelada, mesmo sem o preenchimento de todos os pré-requisitos. "É por isso que o TSE não pode indeferir de cara. A lei permite e abre prazo para o partido sanar as irregularidades", diz, lembrando que o PEN, há dois anos, entrou com pedido no TSE com apenas 367 mil assinaturas certificadas.
O advogado, no entanto, ressalta que o papel do presidente do TSE é crucial e aponta diferenças entre o ministro Ricardo Lewandowski, que estava à frente do tribunal em 2011, e Cármen Lúcia. Enquanto o primeiro teria sido muito atuante, "passando por cima de tudo", e ajudado o PSD, cuja formação interessava ao governo federal, a atual presidente do TSE teria um perfil mais independente e estaria sem o mesmo tempo disponível, uma vez que as atenções estão voltadas para o julgamento do mensalão. Neste caso, porém, o perfil tenderia até a beneficiar Marina, já que a formação do Rede e sua candidatura presidencial não interessam aos governistas.
Fonte: Valor Econômico