sábado, 7 de setembro de 2019

Miguel Reale Júnior* - Ilegítima agressão

- O Estado de S.Paulo

Pretendidas alterações na legítima defesa surgem para proteção de maus policiais

Por via do projeto denominado anticrime, o governo pretende ampliar a legítima defesa. Para tanto contempla seu reconhecimento na hipótese de perigo em face de possível conflito armado. Também sob a escusa de se agir em estado de medo ou surpresa, justifica a ação desmedida de defesa, que se transforma em agressão.

Com essas propostas se desfigura a excludente da legítima defesa. Cabe, por isso, recordar em que consiste a situação de legítima defesa. Como está no artigo 25 do Código Penal, ela se dá quando há injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou de terceiro, à qual se reage usando os meios necessários de forma moderada.

A agressão deve ser real e efetiva, exceto no caso – excepcionalíssimo – de quem julga justificadamente existente uma agressão inexistente. Ademais, a agressão há de ser iminente ou atual, criando um perigo que não se baliza pelo temor do pretenso agredido, mas, sim, pelo que objetivamente é constatável como causador de dano.

A agressão é atual se já iniciada e iminente se está em via de ocorrer. Há uma situação de perigo quando se verifica a possibilidade concreta de lesão à integridade física, a provocar consciência do perigo fundado na realidade. Porém a constatação do perigo não pode decorrer apenas da impressão subjetiva, fruto do medo ou da violenta emoção daquele que é supostamente agredido. Do contrário seria entregar o reconhecimento do direito de matar, por exemplo, à aberta impressão subjetiva do agente.

Compõe também a situação de legítima defesa a exigência de que a reação à agressão seja moderada, ou seja, proporcional ao ataque sofrido, não indo além do necessário para a devida repulsa. Requer-se, ademais, que os meios necessários também sejam usados com moderação, ou seja, de modo suficiente para fazer cessar a agressão.

Quando esse uso é imoderado, é dizer, desmedido em face do perigo decorrente da agressão, surge o excesso no exercício da legítima defesa. Este pode ser doloso ou culposo. Será doloso quando o agente, atuando em situação de legítima defesa, passa a agir não para se defender (pois a agressão já fora controlada), mas, sim, para atingir desnecessariamente o agressor. E será culposo se, nas circunstâncias, houver uma descuidada avaliação que conduza a uma atitude desproporcional à necessária.

O projeto do ministro Sérgio Moro desconhece os elementos componentes da legítima defesa; abre a porta à subjetividade, oferecendo licença para matar ao acrescentar parágrafo 2.º ao artigo 23, assim redigido: “O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Dom Joel Portella Amado* - Compromisso com a criação

- O Estado de S.Paulo

Igreja e Amazônia, empenho na defesa dos direitos humanos e da biodiversidade

Nesta semana em que se comemorou o Dia da Amazônia (5 de setembro), a pouco mais de um mês do Sínodo dos Bispos sobre novos caminhos para a evangelização e para uma ecologia integral, convém olhar o passado e compreender a relação entre o sínodo e a missão da Igreja. Não são de agora a reflexão e o cuidado da Igreja Católica no Brasil com o meio ambiente, especialmente com a Amazônia.

Presente desde o período colonial na região, a Igreja esteve sempre próxima das populações locais. Desde o século 17 há registros da atuação na evangelização e na promoção humana, com oferta de serviços essenciais às populações, principalmente em educação e saúde. A defesa dos direitos humanos e a luta pela preservação da biodiversidade também fazem parte da memória dessa presença, marcada até mesmo pelo martírio de religiosos e leigos.

Em 1954 o então secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Hélder Câmara, convocou uma reunião com os bispos prelados da região para buscar o fortalecimento da missão e a renovação do empenho em favor da promoção humana das populações amazônicas.

A exortação do papa Paulo VI Cristo aponta para a Amazônia, de 1972, marcou um novo impulso na a atuação eclesial e fortaleceu a presença evangelizadora da parte da CNBB na região. Animados por esse impulso, os bispos da região se encontraram em assembleia conjunta em Santarém (PA) e construíram o documento Linhas prioritárias da Pastoral da Amazônia, que foi determinante para orientar a caminhada da Igreja de 1972 a 1997.

Nesse intervalo de tempo, a questão ecológica ganhou espaço na reflexão sobre o trabalho desenvolvido, temática na qual a Igreja, já há algum tempo tem sido uma voz profética. Foi também a partir de encontros dos bispos e da atuação da Igreja na Amazônia que surgiram organismos que até hoje atuam na defesa de povos e da biodiversidade.

Adriana Fernandes - Cadê o emprego?

- O Estado de S.Paulo

Há um descompasso na cabeça de Guedes sobre o alcance das medidas para o emprego

O ministro da Economia, Paulo Guedes, deu um banho de água fria em quem esperava para logo o lançamento do pacote de medidas para combater o desemprego. No Rio de Janeiro, Guedes declarou ontem que o pacote de incentivos para o emprego “é bem para frente”.

As medidas em estudo já foram apresentadas para a Casa Civil e um grupo de empresários e banqueiros. O que se contava agora era que o ministro desse sinal verde para acioná-las imediatamente diante da crise estrutural de emprego no Brasil.

Ainda falta trabalho no País para 28,10 milhões de pessoas. O total de trabalhadores informais alcançou o patamar recorde de 38,683 milhões em agosto, o equivalente a mais de 40% da população ocupada.

Diante da demora anunciada, ficam algumas perguntas no ar: Guedes não gostou das propostas que seus auxiliares desenharam? Tem dúvida da hora certa de fazer o lançamento? O ministro está titubeando? Por que esperar mais para botar o bloco na rua?

Há um evidente descompasso não resolvido na cabeça do ministro sobre o alcance das medidas para o emprego, algumas mais liberalizantes do que as outras e de difícil implementação.

João Domingos - O preço da desarticulação

- O Estado de S.Paulo

Próximos dias serão de muitas dificuldades para o governo no Congresso Nacional

Se for perguntado a qualquer líder partidário no Congresso se o governo tem condições de reverter a tendência de uma votação, ou impedir que vetos presidenciais sejam derrubados, é possível que todos eles respondam que não tem. Tal realidade tornou o governo de Jair Bolsonaro dependente dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (AP), ambos do DEM. Não é à toa que muitas vezes se ouve falar que, em relação ao Congresso, Bolsonaro é “maiadependente”, se a votação vai ocorrer na Câmara, ou “davidependente”, se o palco é o Senado.

No caso dos vetos à Lei de Abuso de Autoridade, Bolsonaro não poderá contar nem com Maia nem com Alcolumbre. Os dois farão o que os congressistas desejarem. E a tendência no Congresso é a de derrubar boa parte dos 36 vetos de Bolsonaro à lei. À exceção do veto à parte que condena o policial à prisão por uso de algemas quando o preso não oferecer resistência, qualquer um dos outros pode cair. Em maior risco estão o que trata de punições à autoridade que dá início “à persecução penal, civil ou administrativa” sem justa causa fundamentada ou contra quem se sabe ser inocente (artigo 30) e o que se refere a punições por decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais (artigo 9.º).

Cabe ao presidente do Senado definir a data da sessão que tratará do exame dos vetos. Mas deputados que fazem parte do grupo de partidos de centro conhecido por Centrão já pressionam Davi Alcolumbre a resolver logo o assunto. Entre eles, o líder do PP, Arthur Lira (AL), e o relator do projeto da Lei de Abuso de Autoridade, deputado Ricardo Barros (PP-PR).

Merval Pereira – Prova de lealdade

- O Globo

Demonstrações de lealdade, no entendimento do presidente e sua família, requerem ações públicas de concordância

Para além da grosseria, o comentário do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre a primeira-dama francesa Brigitte Macron revela um dos lados mais perversos do governo, a necessidade de prestar vassalagem a Bolsonaro.

Demonstrações de lealdade, no entendimento do presidente e sua família, requerem ações públicas de concordância. Auxiliares que tentam contemporizar são considerados desleais, marginalizados ou demitidos.

As Forças Armadas, principalmente o Exército, de onde é oriundo, viram na ascensão política de Bolsonaro a chance de retornar ao poder num governo democrático. A nomeação de cerca de 130 militares, sendo sete ministros de Estado, deu a impressão de que tutelariam Bolsonaro.

Aconteceu o contrário, Bolsonaro os enquadrou. A obediência à hierarquia e a suposta habilidade política de Bolsonaro, numa carreira de 28 anos no Congresso que o levou à Presidência da República, fizeram dele um parâmetro de comportamento.

As decisões políticas não são divididas com assessores, mesmo os fardados mais próximos, como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que parecia credenciado a ser uma espécie de conselheiro: “Quem entende de política aqui sou eu”.

O general Santos Cruz, amigo de Bolsonaro há 40 anos, foi demitido quando se revelava um importante interlocutor de políticos e empresários na Secretaria de Governo. Caiu em desgraça com Carlos Bolsonaro, o internauta da família, e do ideólogo Olavo de Carvalho, que xingou o general pelo Twitter.

Era o mais ponderado dos assessores. Foi substituído pelo general Luiz Eduardo Ramos, comandante do Sudeste, outro amigo de Bolsonaro. Homem do diálogo, tinha boa relação com o PT e o PSOL em São Paulo. No governo, já sentiu o peso do veto presidencial.

Míriam Leitão – Comércio externo encolheu no país

- O Globo

Num ano instável na economia global, comércio externo vai afetar o PIB brasileiro, com queda nas exportações e importações

O comércio externo brasileiro terá impacto negativo no PIB este ano, porque estão em queda os preços das commodities, as exportações de produtos industriais e as importações. O agravamento da crise argentina, a volatilidade cambial decorrente das idas e vindas do conflito comercial entre Estados Unidos e China, e o ritmo mais fraco da recuperação são os fatores que explicam esse resultado. Nos EUA, os efeitos negativos da disputa com a China começam a aparecer em indicadores ligados à atividade. A boa notícia é que o nosso déficit com os americanos diminuiu, e eles têm comprado mais produtos do Brasil.

A disputa comercial entre as duas maiores economias do mundo teve momentos de trégua e por isso as bolsas subiram. O real foi a moeda que mais se valorizou em relação ao dólar, mas também havia se desvalorizado mais do que outras nos últimos dias. Só não ultrapassou a barreira de R$ 4,20 porque houve atuação do Banco Central brasileiro. Ontem fechou em R$ 4,07.

O economista espanhol Raimundo Diaz, presidente para as Américas do TMF Group, multinacional que atua em 80 países e é especializada na expansão de empresas nos mercados internacionais, explica que há consenso dentro dos EUA de que a China fere as regras do comércio internacional. Por isso, o partido Democrata tem dificuldade para se opor a Trump nesse assunto, enquanto os chineses têm uma visão de longo prazo e jogam com o tempo para tentar minar a estratégia do presidente americano.

— O grande problema é a forma como Trump atua, que provoca muita volatilidade. Mas dentro dos Estados Unidos há consenso nessa visão contra o comércio chinês. Ele tira proveito disso. A China é outra cultura, negocia de outra forma, e sabe que se a economia americana desacelerar, Trump pode não se reeleger no ano que vem —explicou.

Daniel Aarão Reis - Medo e tirania

- O Globo

Estudantes de Hong Kong mostraram que o poder não pode tratar os cidadãos como um pedacinho de palha, sem força

‘O que eu fiz foi imperdoável... ter mergulhado a cidade neste imenso caos é imperdoável”. Estas palavras foram ditas na segunda-feira passada por Carrie Lam, chefe do governo de Hong Kong. Ela queixou-se de estar duplamente espremida: pela guerra comercial entre os EUA e a China e pelos “dois senhores” a quem deve servir: o governo de Pequim e o povo de Hong Kong.

Lam tem razão — a cidade está perturbada: num turbilhão, manifestações se sucedem desde começos de junho. O estopim da crise foi o envio ao Parlamento local, em fins de maio, de uma lei autorizando a extradição para a China continental de criminosos comuns solicitados por Pequim. Os termos do projeto, porém, eram vagos, permitiam a deportação de quaisquer críticos do regime comunista.

Em 6 de junho, dois mil advogados protestaram em público, vestidos de preto, em silêncio. Era preciso manter os termos do Tratado de 1997: um país, dois sistemas. Três dias depois, uma grande passeata encheu ruas e avenidas, e aquela proposta deveria ser retirada. Começou uma queda de braço. A repressão atacou com brutalidade: gás, porretes, jatos de água e prisões. Aqueles “desordeiros” pagariam caro. Os manifestantes não se intimidaram — dispersavam-se e voltavam a se reunir em outros lugares. Para se proteger das balas de borracha, passaram a aparecer com o corpo coberto, máscaras contra gases, óculos escuros, capacetes de motociclistas. Corriam em zigue-zagues, invadindo estações do metrô, paralisando os trens, evitando confrontos. Quando podiam, pegavam os policiais de jeito, as pedras voavam, acompanhadas pelos coquetéis molotov, temíveis, quando bem lançados. O mês de junho foi um sufoco. Era apenas o começo.

Demétrio Magnoli* - O Povo contra o Parlamento

- Folha de S. Paulo

Solução da corrente radical do brexit é esvaziar a democracia de sua substância

O referendo do brexit, em 2016, meses antes do triunfo de Donald Trump, marcou o início da ofensiva da direita nacionalista no Ocidente. Hoje, no mesmo Reino Unido, o ciclo atinge um clímax.

O populismo devastou o sistema político-partidário britânico e lançou o berço da democracia parlamentar numa crise constitucional. A solução oferecida pela corrente radical do brexit é esvaziar a democracia de sua substância. O Povo contra o Parlamento —eis o estandarte do governo nacionalista de Boris Johnson.

No Reino Unido, a soberania popular reside, exclusivamente, no Parlamento. O referendo sobre a União Europeia (UE), um crasso erro de cálculo do primeiro-ministro David Cameron, inoculou o veneno plebiscitário na circulação sanguínea do parlamentarismo.

Cameron imaginava que obteria maioria pela permanência, pacificando um Partido Conservador cindido entre europeístas e eurocéticos. A derrota inesperada destruiu sua carreira, partiu o país ao meio e minou o poder do Parlamento.

Hélio Schwartsman - Uma censurazinha não dói

- Folha de S. Paulo

Apesar da clareza do que está na Constituição, a censura nunca deixou de dar as caras

"A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição". Reconheceu? É o caput do artigo 220 da Constituição. Difícil até imaginar texto mais vigoroso e claro do que esse.

Apesar da veemência do constituinte, a censura nunca deixou de dar as caras. O caso mais recente é o da presidente da Câmara de Porto Alegre, Mônica Leal, que mandou recolher uma exposição de charges críticas a Jair Bolsonaro que acontecia nas dependências da Casa. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella, também tentou banir um gibi da Bienal esta semana, mas foi felizmente ignorado.

Se ainda houver juízes em Porto Alegre, a decisão da vereadora será revertida, dirá o leitor esperançoso. Talvez não. A cadeira de magistrado não é garantia de comportamento iluminista. Em abril, Alexandre de Moraes, do STF, determinou que dois sites retirassem do ar textos com menções ao presidente da corte, Dias Toffoli. Como as notas só reproduziam o que está nos autos da Lava Jato, Moraes conseguiu a façanha de censurar a própria Justiça.

Alvaro Costa e Silva - O torturador da esquina

- Folha de S. Paulo

A vergonha de ver o presidente Bolsonaro enaltecendo ditaduras

O núcleo duro bolsonarista --12% da população que batem palma para tudo o que o chefe mandar-- deve ter ido ao delírio, mesmo que nesse grupo muitos se considerem cristãos. A maioria dos brasileiros, contudo, mais uma vez sentiu vergonha de ver um presidente da República enaltecendo a tortura e o assassinato.

Bolsonaro atacou a memória do pai da alta-comissária da ONU, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile. O brigadeiro Bachelet foi preso, torturado e morto pelo regime de Augusto Pinochet --um tirano e, hoje sabemos, um assaltante de cofres públicos. A grosseria e a desumanidade não espantam, vindas de quem já elogiou o torturador Brilhante Ustra e aproveitou o Sete de Setembro para dizer que a ditadura militar no Brasil merece nota 10.

Em entrevista à Folha, o presidente usou uma palavra ligada aos usos e costumes indígenas para fazer uma ameaça --mais uma-- à democracia: "Se eu levantar a borduna, todo mundo vai atrás de mim e eu não fiz isso ainda". Todo mundo quem, cara-pálida?

Julianna Sofia - No país da brincadeira

- Folha de S. Paulo

A cacofonia do governo Bolsonaro cristaliza a percepção de que o Brasil vive uma algazarra institucional

A cacofonia produzida pelo governo Bolsonaro com falas contraditórias e/ou insultuosas sobre alvos e temas diversos cristaliza a percepção, interna e externa, de que o Brasil vive uma algazarra institucional. Um ambiente contaminado, que repele investimentos essenciais para o país transpor o PIB anêmico.

O presidente ataca seus auxiliares por esporte. Mesmo gozando de mais prestígio entre a população que o próprio mandatário, Paulo Guedes (Economia) levou suas bordoadas. Segundo pesquisa Datafolha, a atuação do ministro é tida como ótima ou boa para 38% das pessoas que o conhecem. Dos seus olímpicos 29%, o mito não se contém e um dia acorda chamando o economista de chucro na política.

Também não facilita a vida de Guedes ao criar ruído desnecessário sobre a regra do teto de gastos em meio a um nó fiscal sem precedentes. Na quarta-feira (4), defendeu a revisão do parâmetro que trava o crescimento das despesas públicas para, no dia seguinte, voltar atrás e reforçar a necessidade do mecanismo. O presidente não esconde sua ignorância em assuntos econômicos e já havia prometido não se meter nessa seara. Segue desenfreado.

Em sua incontinência, a cada hora revê sua opinião sobre a nova CPMF, prevista na reforma tributária gestada pelo Ministério da Economia. Na última versão, disse concordar com o tributo desde que haja alguma compensação ao contribuinte. Sem isso, o capitão reformado promete "porrada" para o ministro.

Ricardo Noblat - A nova versão humilde e frágil de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

É temporária, não se enganem
A indicação de Augusto Aras para o cargo de Procurador-Geral da República rachou a base de apoio ao presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais, onde ele costuma nadar de braçada, e repercutiu mal dentro do seu partido, o PSL.

Nada, de alguns meses para cá, deixou Bolsonaro mais assustado. A ponto de ele ter suplicado por compreensão e paciência no seu programa semanal ao vivo no Facebook da última quinta-feira, e de ter repetido a súplica ontem.

Pela primeira vez, na nova versão de “presidente humilde e frágil”, Bolsonaro pareceu emocionado e declamou sem elevar o tom da voz, quase chorando: “Reconheço as minhas limitações, a minha incompetência em alguns momentos”.

Esqueceu a advertência que fizera na véspera de que não deve “lealdade cega” nem mesmo aos que o elegeram, e de que o eventual insucesso do seu governo poderá resultar na volta do PT ao poder com todos os males que isso significaria.

Amigo do senador Jaques Wagner (PT-BA), com bom trânsito entre petistas cinco estrelas, Aras foi alvo de um dossiê entregue por deputados do PSL a Bolsonaro que eram contra sua a indicação para a Procuradoria Geral da República.

Notícias sobre o dossiê ganharam as redes sociais impulsionadas por bolsonaristas sinceros, porém radicais. Junto com o alerta de que se ele fosse escolhido, o combate à corrupção perderia força e o PSL poderia cindir-se de vez e para sempre.

A suspeita foi reforçada com manifestações de procuradores ligados à Lava Jato que recomendaram a Bolsonaro a escolha de outro nome – de preferência, um dos três sugeridos pela massa de procuradores em votação direta. Foram ignorados.

O Procurador-Geral da República pode muito, mas não pode tudo. Em matéria de importância, o cargo só perde para os de presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. É mais importante que o cargo de vice-presidente.

Difícil que Aras vá se empenhar em enfraquecer o combate à corrupção. Não combina com o seu perfil e lhe faltaria apoio entre os colegas. Desconfia-se é que Bolsonaro pessoalmente já não esteja mais tanto assim comprometido com o combate à corrupção.

O ministro Sérgio Moro caiu em desgraça junto a Bolsonaro por tentar reverter a decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, que, atendendo a um pedido do senador Flávio Bolsonaro, brecou investigações sobre a corrupção com base em dados fiscais.

Foi deslealdade de Moro na opinião de Bolsonaro, afinal a decisão solitária de Toffoli, que em breve será referendada ou não pelos seus pares, beneficiou não só Flávio como por tabela toda a sua família que corria o risco de ser também investigada.

A vida de Aras na Procuradoria Geral da República não será fácil. Como, de resto, não foi a dos seus antecessores.

Foi a facada que elegeu o capitão?

Monica de Bolle - Trégua?

- Revista Época

É cedo para saber se há indício de que o ciclo do nacionalismo populista pode se esgotar mais rapidamente do que se imaginava

No mais recente episódio do Brexit, o primeiro-ministro Boris Johnson sofreu derrota acachapante após a tentativa de fechar o parlamento britânico por cinco semanas, o que provavelmente resultaria no “no-deal Brexit”, ou a saída da Grã-Bretanha da União Europeia sem qualquer acordo, em outubro. 

Em 2016, pouco antes da votação do fatídico referendo, Nigel Farage, o engenheiro do Brexit e membro do partido nacionalista UKIP, afirmou que o Brexit seria a placa de Petri para a vitória de Trump nos Estados Unidos. Amigo de Steve Bannon, o homem que inventou o Movimento — o agrupamento de líderes e partidos populistas-nacionalistas —, Farage foi arroz de festa nas comemorações que seguiram a vitória de Trump. 

De lá para cá, Brexit e Trump têm sido vinculados à disseminação de uma ideologia de extrema-direita sustentada pelos pilares do nacionalismo, do conservadorismo retrógrado, de uma interpretação particular do que significa ser cristão no mundo moderno e diverso do século XXI, da supremacia racial, da negação das mudanças climáticas.

Comentei no artigo da semana passada que a linguagem usada por esses “novos” nacionalistas é muito parecida — não importa se estamos tratando do Brasil, da Turquia, dos EUA, da Hungria, da Itália. As lideranças desses países ou dos partidos da extrema-direita nacional-populista dizem mais ou menos as mesmas coisas sobre esses temas, usando às vezes as mesmas palavras. Pode ser que o repeteco seja falta de imaginação. 

Mas o mais provável é que as mensagens simples sobre assuntos complexos exerçam um hipnotismo entre camadas da população mais, digamos, vulneráveis. Essas camadas, que incluem as supostas elites em muitos casos — vejam o Brasil que elegeu Bolsonaro —, rejeitam as evidências científicas e aceitam as estultices que lhes são enfiadas goela abaixo pelas redes sociais e tribos às quais pensam pertencer. Para todos os que trabalham com fatos, o que acabo de escrever provoca tanto uma desilusão profunda quanto a intensa vontade de ocupar o vácuo deixado pelo anti-intelectualismo.

“Será que o anti-intelectualismo tem limites?”

Marcus Pestana - Porque ficamos para trás

- O Tempo (MG)

O que não deu certo? Quais as razões para o Brasil ter perdido a sua trajetória de desenvolvimento? A reflexão essencial foi lançada pelo Acadêmico Edmar Bacha, um dos maiores economistas brasileiros, em sua conferência na Academia Brasileira de Letras. É intrigante mergulhar nesta discussão, já que o país foi conhecido como uma máquina de crescimento do pós-guerra até a crise de 1980, com maiores taxas médias anuais de 7,5%.

E não se trata de nenhum “complexo de vira-lata” ou pessimismo crônico. Os dados falam por si. Ao se comparar o PIB per capita de Brasil, Chile, China e Coréia do Sul revela-se um triste retrato da realidade: o Brasil que em 1980 ocupava a melhor posição, amarga hoje o último lugar. Em relação à Coreia do Sul, por exemplo, que tinha no início da década dos anos 1970 renda per capita menor que a nossa, fechou 2018 com um indicador 2,5 vezes superior a de nosso país.

Cabe registrar que apenas 130 anos atrás tínhamos ainda relações escravistas de produção. De 1988 a 1930 predominou o modelo primário exportador. Nossa industrialização tardia, entre 1930 a 1980, foi em ritmo acelerado e “marcha forçada” baseada em alto grau de intervenção estatal e fechamento da economia através do processo de substituição de importações. De 1980 até 1995 vivemos um período turbulento de instabilidade com a hiperinflação batendo às portas e estrangulamentos no Balanço de Pagamentos. O Plano Real desencadeou um novo ciclo, mas as conquistas do período foram colocadas em risco pelos equívocos do Governo Dilma, resultando em recessão, desemprego e crise de confiança.

O professor Edmar Bacha se detém na análise de algumas das causas desta trajetória. A primeira é o baixíssimo coeficiente de abertura ao comércio exterior. A mediana de doze países selecionados que romperam as amarras da pobreza revela um nível de comércio exterior de 75% do PIB. Enquanto no Brasil representa apenas 24% do PIB. Segundo Bacha, para se ter crescimento e incremento na produtividade, as empresas precisam de tecnologia, escala, especialização e concorrência, coisas que só uma economia aberta pode garantir.

Qual é o projeto para o Brasil?

A três anos do bicentenário da independência, especialistas refletem sobre os caminhos para o país e apontam uma nação na encruzilhada

Por Cristian Klein e Rafael Rosas | Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

RIO - Do país em formação de José Bonifácio à terra em transe de Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil que chegará em 2022 não está para festas. A três anos do bicentenário da Independência, as preocupações são imediatas - em meio à maior crise econômica, política e ambiental da história -, mas o marco já chama à reflexão especialistas que apontam uma nação na encruzilhada. Convidados pelo Valor, eles respondem a duas perguntas básicas: que projeto de país trouxe o Brasil até aqui e qual o levará adiante.

De uma sociedade jovem, católica e em crescimento por longos períodos, o Brasil do bicentenário terá o desafio de se reencontrar como uma nação envelhecida, evangélica e presa à armadilha da renda média, em que está enredada desde a década de 1980, afirma o cientista político e professor da FGV-Rio Octavio Amorim. A dificuldade de se construir um projeto de país não vem apenas da aguda polarização política ou do desequilíbrio fiscal na economia. Passa pela perda da janela demográfica. Depende ainda das consequências de um fenômeno mundial que afeta a sobrevivência da ordem constitucional.

"A questão da democracia é um problema. Há uma propensão autoritária grande do atual presidente. Mas esse nacional-populismo não é uma jabuticaba brasileira. Está nos Estados Unidos, na Itália, na Hungria, na Turquia, nas Filipinas, na Índia. O Brasil nunca esteve à margem das grandes ondas mundiais", diz Amorim.

Se há quase 200 anos as terras tupiniquins eram afetadas pelos ventos internacionais do liberalismo da Revolução Francesa e das guerras napoleônicas, que enfraqueceram a metrópole Portugal, hoje o Brasil balança com as turbulências da reação iliberal à globalização econômica. Para Renato Lessa, professor associado de filosofia política da PUC-Rio, o projeto de país baseia-se, antes de qualquer coisa, na "recuperação da normalidade", "do processo civilizatório" e na desintoxicação do ambiente político. Com a Itália, diz, o Brasil se tornou um laboratório de teste para "um mundo distópico, protagonizado por sujeitos que querem desconstruir".

Lá fora, o grande projeto, não de um país, mas de um continente inteiro, erguido em torno da União Europeia, é atacado por líderes como o presidente americano Donald Trump, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o ultradireitista italiano Matteo Salvini. Na esteira desses movimentos, o Brasil põe em xeque a concepção e até mesmo os limites de nação, construídos desde a Independência. É o que alerta Lessa e também o professor Matias Spektor, pesquisador de relações internacionais da FGV-SP.

Ponto de convergência entre os especialistas, se o império fracassou, como descreve Amorim, de forma "patética" na economia escravagista, por outro lado o principal legado político dos reinados de Pedro I e Pedro II foi a construção de um território gigantesco com uma única língua. Para Spektor, porém, esse espaço de dimensões continentais - "a distância do Oiapoque ao Chuí é maior do que a de Lisboa a Moscou" - está em risco, seja pela expansão do crime organizado, à frente o Primeiro Comando da Capital (PCC), seja pela crise de países vizinhos, como a Venezuela.

"Nesses casos, tudo que era fronteira segura deixou de ser. É um fenômeno novo para o qual não se tem resposta. A solução não é a militarização, como foi na Colômbia. O processo agora é de erosão, na direção contrária a desses 200 anos, quando o território só aumentou", diz.

Outra concordância entre os especialistas, como o economista José Alexandre Scheinkman e o consultor Darc Costa, é que o único momento claro em que o Brasil teve um projeto consensual de nação - que "uniu elites, esquerda e direita, civis e militares", conforme também pontua Amorim - foi a Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas. O projeto de modernização e de industrialização do país, de estilo nacional-desenvolvimentista, perdurou até o fim da ditadura militar, lembra Costa, presidente do Instituto Brasilidade.

Scheinkman pondera que, a partir da Grande Depressão, o Brasil encampou um projeto que o isolou paulatinamente do restante do mundo. Para o professor de economia da Universidade Columbia, o objetivo foi tornar o país um "minimundo" onde os bens e serviços eram produzidos e consumidos, com pouca conexão com o restante do mundo.

"Esse foi um projeto muito dominante no Brasil, que começa a ser desmontado a partir do governo Collor, embora a partir da década de 1980 as evidências internacionais já apontassem que ele estava fadado ao fracasso", diz Scheinkman, que também é professor emérito da Universidade Princeton.

Ele ressalta que, apesar de já não ter a força de antes, esse projeto do "minimundo" brasileiro "de uma certa maneira continua até hoje". "Esse projeto ainda tem força, evidentemente beneficia uma parte do empresariado", avalia Scheinkman.

Mas Costa, que foi vice-presidente do BNDES, critica o abandono do projeto após a redemocratização, em 1985, em prol de um modelo liberal baseado nos interesses do capital paulista, representados por PSDB e PT, que, por sua vez, foi derrotado na última eleição pela ascensão do fenômeno bolsonarista.

Para Lessa, assim como os líderes congêneres da direita mundial, Bolsonaro é portador de um "desprojeto". "O que vejo no futuro imediato é a desconfiguração da ideia de nação. O Brasil deixa de ser um país e passa a ser um lugar, um território, para se fazer negócio, com um mínimo de regulação. Como era na época da colônia, quando o Brasil não era um país. Era um espaço de predação, inclusive no regime de trabalho, em que podia se usar mão de obra sem qualquer restrição", afirma.

O professor da PUC-Rio diz que a destruição do arcabouço de instituições ligadas ao projeto pós-1930 é a "revolução que está acontecendo no momento", cujo principal aspecto está na figura do ministro da Economia. Paulo Guedes seria "o mais deletério de todos" os "operadores demoníacos" do bolsonarismo, critica. "Esses caras são os bolcheviques de direita. São os primeiros bolcheviques, para valer, que apareceram no Brasil. O velho Partido Comunista era reformista, queria reformas lentas", diz.

Os riscos da era da desglobalização

O nacionalismo e a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China sinalizam nos tempos na geopolítica

Trump coloca em xeque princípios da ordem econômica liberal e globalista, que se consolidaram nas últimas três décadas

Por Carlos Rydlewski | Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

A crise da desglobalização

SÃO PAULO - O embaixador Sergio Amaral, que serviu em Washington, Londres e Paris, tem uma leitura peculiar do momento que o mundo atravessa. Diz acreditar que podemos estar diante do início de uma revolução, mas ainda não nos demos conta. Afinal, o planeta passa por tantas e tão simultâneas guinadas que a síntese dessas mudanças nos escapa. Mas qual é a base dessa suspeita? Trata-se de tudo que está por trás da disputa comercial entre EUA e China, cuja recente escalada de retaliações ameaça comprometer o crescimento global - e, no limite, lançar o mundo em uma recessão. Como observou o economista Nouriel Roubini, em um artigo publicado no "Business Insider Italia", ela representa apenas uma pequena escaramuça de uma guerra muito mais ampla pelo domínio global. Foi Roubini quem previu a crise do mercado imobiliário americano, em 2007.

Também não faltam analistas que veem no confronto sinais do nascimento de uma nova Guerra Fria, à semelhança da que opôs americanos e soviéticos no século passado. De acordo com o historiador norueguês Odd Arne Westad, professor da Universidade Yale, os chineses entram nesse teatro de batalhas em condições bem diferentes. O poder econômico da China em relação aos EUA, observa Westad, excede o poder relativo da União Soviética em um fator de dois ou três. E isso pode fazer toda a diferença.

A questão, contudo, não se resume à reedição de uma peleja, ainda que histórica. É mais ampla. Cresce entre especialistas o consenso de que, ao confrontar os chineses, o presidente americano Donald Trump está colocando em xeque os princípios da ordem econômica liberal e globalista, que se consolidaram nas últimas três décadas em todo o planeta. "Eles estavam baseados na hipótese da liberdade de comércio e pressupõem a formação de cadeias de produção e distribuição interligadas, nas quais a localização geográfica de insumos, consumidores e fornecedores beira a irrelevância", diz Mario Mesquita, economista-chefe do Itaú Unibanco.

Em oposição a isso, o governo da maior economia do mundo, e durante décadas o maior beneficiário do sistema multilateral, está engatando uma marcha à ré em pleno curso e impondo ao mundo uma lógica nacionalista e protecionista. "Não acho que vamos voltar às economias fechadas e políticas autárquicas dos anos 30 do século passado", acrescenta Mesquita. "Mas essa reviravolta e a mera incerteza de como as muitas empresas terão acesso a clientes e fornecedores a partir de agora é muito prejudicial ao ambiente de negócios."

Na prática, o governo americano quer promover o "decoupling" (dissociação), ou ainda, uma espécie de "desglobalização", entre os destinos e as economias chinesa e americana. Hoje elas estão profundamente interligadas. É por isso que, para Roubini, é possível imaginar em um futuro não muito distante a possibilidade de criação de dois sistemas globais, distintos e antagônicos, polarizados de um lado pelos EUA e do outro pela China. Seguiriam moldes similares dos blocos russo e americano do século XX. Hoje, mais de 50 empresas globais consideram a possibilidade - ou já anunciaram planos - de transferir a produção para fora da China, segundo reportagem do "Nikkei Asian Review". Incluem nomes como Apple, Nintendo, Sharp, HP e Dell. De pronto, o objetivo de algumas dessas companhias é evitar as penalidades das tarifas de importação impostas pelo governo americano na guerra comercial. Mas, em vez de mover suas operações para os EUA, muitas delas pretendem reconstruir suas cadeias de fornecimento na Ásia, notadamente no Vietnã.

A primeira camada da disputa entre EUA e China dá-se no campo comercial. Arrasta-se desde o início do ano passado, mas a artilharia pesada começou a ser detonada de forma intensa - e sequencial - no início de agosto. No 1º dia do mês, Trump impôs novas tarifas às mercadorias chinesas (10% sobre um total de US$ 300 bilhões). A China respondeu ao ataque cambial desvalorizando sua moeda, o yuan, levando-a a patamares só praticados em 2008, na crise global.

Em meio a esse tiroteio, as bolsas desabaram e houve inversão da curva de juros do Tesouro americano. Nesse caso, as taxas de longo prazo (de dez anos) ficam menores do que as de curto prazo (dois anos). Esse fenômeno é considerado um presságio de recessão dentro de um período de 18 a 24 meses. Não ocorria desde 2007. "O mercado está apostando que, em algum momento, o banco central americano, o Fed, vai baixar juros para conter o desaquecimento da economia mais adiante", diz o economista Edmar Bacha, um dos pais do Real. "É por isso que os juros de longo prazo ficam tão baixos."

Quem acompanha as declarações do presidente americano pode imaginar que parte dessa peleja não passa de gestos discricionários do líder americano. Essa ideia é reforçada, por exemplo, nas páginas inicias de "Medo - Trump na Casa Branca" (Todavia), livro de Bob Woodward, o decano do jornalismo americano. No livro, o líder da maior nação do planeta, o homem que detém o poder do juízo final nuclear na ponta dos dedos, é ludibriado como se fosse criança pelo ex-CEO de um banco e por um advogado de Harvard.

Philip Stephens - Brexit enterra os conservadores

- Valor Econômico

O discurso político civilizado deu lugar à hostilidade sistemática. Normas e instituições democráticas essenciais, entre as quais o respeito por pontos de vista minoritários, estão sob ataque cerrado. Mentiras gratuitas se tornaram a prática ministerial dominante preferida

O fervor ideológico se transformou em intensa febre. O Brexit convulsionou a política britânica. O próprio tecido da democracia do país corre risco. O lugar da Escócia na União do Reino Unido foi posto em questão. Boris Johnson não ligou. O premiê e seu grupo de defensores do Brexit decretaram que o Reino Unido tem de sair da União Europeia (UE) a 31 de outubro. Nem um dia a mais. Todo o resto não tem importância.

Felizmente, a decisão do Parlamento foi outra. Nesta semana a fanfarronice vulgar da curta gestão de Johnson como premiê sofreu a primeira colisão com a realidade. Um político acostumado a mentir e a sair de saias-justas com trapaças foi fragorosamente derrotado na Câmara dos Comuns, a câmara baixa britânica. O Parlamento parece agora preparado para desarmar o prazo final de outubro ao barrar o caminho para um Brexit sem acordo. Além disso, tirou das mãos do premiê a determinação da data para uma inevitável eleição geral.

A reação de Johnson ficou à altura de sua personalidade. À maneira do menino de escola valentão descontrolado que não conseguiu o que queria, Johnson expulsou do partido 21 conservadores de centro que tinham ousado desafiá-lo [pela regra, o parlamentar expulso continua atuando, como independente, até o partido decidir readmiti-lo]. O pedido de exoneração do governo de seu irmão Jo Johnson - um político da ala boa do partido - não poderia ter sido afirmação mais forte de que esse foi um ato de rancor de que o premiê se arrependerá.

Na lista de ex-ministros defenestrados do partido estavam Kenneth Clarke, um dos políticos conservadores mais ilustres do pós-guerra. Nicholas Soames, o neto de Winston Churchill, foi outra vítima, ao lado de Philip Hammond, que até dois meses atrás foi o ministro das Finanças. São personalidades que há muito sustentam o discurso político digno, respeitável e essencialmente sincero que Johnson desconhece por completo.

O que pensa a mídia – Editoriais

Contrato de risco – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro revela desprezo pela autonomia do Ministério Público com indicação

Ao escolher o procurador Augusto Aras para chefiar o Ministério Público Federal, Jair Bolsonaro (PSL) concluiu um processo em que deu seguidas demonstrações de desprezo pela independência de uma instituição que é um dos pilares do regime democrático brasileiro.

Em vez de seguir a tradição e optar por um dos nomes indicados pelos procuradores em sua eleição interna, o chefe do Executivo preferiu submeter os candidatos à vaga a uma humilhante romaria ao seu gabinete nos últimos meses.

É certo que nada obriga o mandatário a acolher a recomendação da categoria, mas seus antecessores respeitaram esse rito por uma boa razão —como sinal de apreço pela autonomia conferida pela Constituição ao Ministério Público.

Todos os procuradores-gerais da República nomeados de 2003 para cá foram escolhidos após a apresentação de uma lista com os três nomes mais votados pelos integrantes da corporação. Aras nem sequer participou da disputa interna, lançando sua candidatura por fora do processo tradicional.

Bolsonaro também deixou clara sua disposição de se intrometer nos assuntos da instituição ao se referir ao procurador-geral da República como parte integrante de seu governo —e sugerir a troca de ocupantes de cargos de segundo escalão na estrutura do órgão como se trabalhassem no seu quintal.

Há 32 anos no Ministério Público, Aras chegou ao topo da carreira após um percurso em que se especializou em assuntos econômicos e eleitorais, sem maior destaque.

Seu pensamento é conhecido especialmente pelas entrevistas que deu durante a campanha para conquistar a simpatia do presidente, quando criticou o corporativismo dos colegas e alinhou-se a alguns dos cânones do bolsonarismo.

Poesia | Vinicius de Moraes - Pátria minha

Música | Toquinho - Aquarela