terça-feira, 4 de julho de 2023

Merval Pereira - A hora da verdade

O Globo

Seria trágico se a nomeação de Nísia Trindade para a pasta da Saúde, como resposta à sociedade pelos anos perversos que vivemos, fosse agora neutralizada pelo anseio de parlamentares que invejam a verba a que o setor tem direito pela Constituição

É irrealista exigir que o presidente Lula, ou qualquer outro presidente da República, trombe com o Congresso a cada reivindicação fisiológica que surja, especialmente agora que os parlamentares foram empoderados com emendas impositivas e com o orçamento secreto, que teima em não morrer, apesar da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de considerá-lo inconstitucional.

Mas existe uma diferença entre atender às demandas dos parlamentares e a interesses que desvirtuem um projeto de governo em área vital, como o Ministério da Saúde. Depois de todos os transtornos que vivemos como nação durante a pandemia, com ministros da Saúde caindo um atrás do outro para satisfazer às idiossincrasias do presidente Bolsonaro, seria trágico se a nomeação de Nísia Trindade para a pasta da Saúde, como resposta à sociedade pelos anos perversos que vivemos, fosse agora neutralizada pelo anseio de parlamentares que invejam a verba a que o setor tem direito pela Constituição.

Somente no Ministério da Saúde, as sobras das emendas de relator (nome oficial do orçamento secreto) totalizam R$ 3 bilhões, dos quais R$ 600 milhões já foram liberados para projetos cadastrados por municípios nas áreas de atenção primária à saúde e de média e alta complexidade. Pela decisão do STF, essa verba deve ser alocada nos programas definidos como prioritários pelo ministério, e os parlamentares têm de adequar seus pedidos de verba a esses programas.

Míriam Leitão - Poucos poderes do inelegível

O Globo

Bolsonaro pode ter pouca capacidade de transferir votos e muita dificuldade de atravessar os longos anos de ostracismo eleitoral

Cinco ex-governadores de São Paulo tentaram a presidência. Todos perderam. Paulo Maluf, Mário Covas, Orestes Quércia, José Serra e Geraldo Alckmin. A ideia de que Tarcísio Gomes de Freitas tem chance de vencer em 2026 por ser governador de São Paulo e se receber as bençãos do inelegível é prematura e contra os fatos. A hipótese de que Bolsonaro seja capaz de ir de capitão a cabo eleitoral depende de inúmeros fatores, mas o mais importante deles é o desempenho do governo do PT.

No Brasil, sempre houve extrema direita. Bolsonaro não inventou nada. Afinal este é o país em que a extrema direita deu um golpe, passou 21 anos no poder, cometeu inúmeros crimes e, ao sair, nenhum dos seus criminosos foi punido. E até hoje existem aberrações como a proposta de Tarcísio de Freitas de homenagear Erasmo Dias, para emular quem louvava o torturador Brilhante Ustra. O que Bolsonaro representou de novidade foi quebrar o princípio de que para ser eleito é preciso caminhar para o centro. O princípio permanece em vigor. A eleição de 2018 foi um ponto fora da curva, que não tem explicação simples.

Luiz Carlos Azedo - Governo precisa da reforma tributária para deslanchar

Correio Braziliense

A movimentação de governadores e prefeitos nos bastidores da Câmara contra o projeto do governo pode retardar a aprovação. Alguma forma de compensação terá que ser encontrada

Uma comparação objetiva entre o governo Lula e o de Bolsonaro, ao longo desses seis meses, mostra uma mudança da água para o vinho no país. Os indicadores são significativos: o fim do isolamento internacional; a mudança de rumo na questão ambiental e na demarcação das terras indígenas; a retomada das políticas públicas nas áreas de saúde, educação, segurança pública e direitos humanos; a aprovação do novo Arcabouço Fiscal; o início da reforma tributária. Portando, não se trata de jogar a criança fora com a água da bacia. Houve uma mudança de rumo muito positiva para a sociedade. Entretanto, o país ainda não deslanchou como deveria.

A primeira razão para isso é a economia estar contingenciada por uma taxa de juros de 13,75%, uma espécie de remédio que virou veneno. Economistas como o mineiro Benito Salomão, ontem, em artigo na Folha de S.Paulo, destacam os sinais de que a curva da desinflação aponta realmente para baixo.

As principais razões, sem economês, seriam a queda gradativa, porém continuada, do dólar, que retrai o peso das importações na cesta inflacionária; o fato de que os reajustes de preços estão sendo feitos muito mais em razão da inflação passada do que devido à expectativa de alta; e a aprovação da nova política fiscal, que deu mais previsibilidade à economia.

Carlos Andreazza - Valor absoluto

O Globo

Confrontar a inelegibilidade de Bolsonaro à elegibilidade eterna de Maduro faz materializar os princípios sólidos — não relativizáveis — da democracia.

Por favor, não use conceitos da ciência política para defender a relativização da democracia segundo Lula. O presidente se referia à Venezuela, uma autocracia, e sua formulação — “o conceito de democracia é relativo para você e para mim” — apenas pretendeu acarinhar um regime amigo. Coisa de compadres. De Hugo Chávez a Nicolás Maduro.

Sem novidade. Veio para nos salvar de Jair Bolsonaro — o das joias da ditadura árabe — o outrora camarada de Muamar Kadafi. Tudo previsível.

Razão por que, a propósito, será falso — talvez mesmo carinhoso — acusar Lula de haver cometido “estelionato eleitoral”. Ninguém pode ter sido pego de surpresa. Não faltou transparência — nem na campanha — sobre relações (históricas) de amizade fraternal com autocratas e outros ortegas.

Dora Kramer – Aviso aos navegantes

Folha de S. Paulo

Os males do sistema político/partidário vêm de muito antes da reeleição

A Justiça Eleitoral é habitualmente generosa para com governantes, sejam eles vencedores ou perdedores. Abusos de poder são frequentes e raríssimas as punições. Na esfera do Executivo, então, só ocorreram quando o prefeito ou o governador estavam fora dos cargos.

Com presidentes da República nunca acontecera. Vimos agora, e pela primeira vez, um ex-presidente ser castigado devido ao abuso das prerrogativas em campanha eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral tornou Jair Bolsonaro inelegível cinco meses depois do término do mandato, numa decisão inédita que pode ser didática caso o rigor venha a se configurar como regra.

Alvaro Costa e Silva - Bolsonaro, o ultraprocessado

Folha de S. Paulo

Como fica o bolsonarismo sem o capitão, agora rebaixado a cabo?

O Partido Liberal de Valdemar Costa Neto, que paga um salário de R$ 46 mil a Bolsonaro e ainda arca com os custos da defesa judicial do ex-presidente, que podem chegar a R$ 2 milhões no barato, está disposto a cobrar a fatura.

Os planos para 2024 são fabulosos. Usando o inelegível como "cabo eleitoral de luxo", o PL estima alcançar 1.500 prefeituras, quatro vezes as atuais 360. Em São Paulo a intenção é comandar 150 municípios; a aposta na capital é o senador Marcos Pontes, após a desistência forçada do deputado federal Ricardo Salles. No Rio surge o nome do general Braga Netto, que escapou da condenação no TSE. Isso sem falar na corrida presidencial, quando Bolsonaro poderia influir em ene prováveis candidaturas, num leque que vai do governador Tarcísio de Freitas à senadora Tereza Cristina.

Joel Pinheiro da Fonseca - O Twitter e o debate público

Folha de S. Paulo

Se Musk não tornar a rede sustentável, morrerá um importante palco do debate público

Falamos muito do poder das redes sociais, mas não reparamos o quão rápido ele surgiu e o quão rápido pode mudar. MySpace, Orkut, Friendster, StumbleUpon, Google+; nomes que ficaram para trás e hoje é como se nunca tivessem existido. O que nos traz ao Twitter: será que ele está fadado a seguir o mesmo caminho?

Quando Elon Musk comprou o Twitter e começou a fazer mudanças, não faltaram profetas do colapso. A demissão em massa de funcionários faria com que serviços essenciais começassem a falhar e em breve o site sairia do ar. Era questão de dias.

Meses se passaram e nada disso aconteceu, o que nos leva a suspeitar duas coisas: 1) que o número inflado de funcionários da empresa deficitária talvez não fosse tão necessário assim. 2) Que as profecias de colapso iminente feitas agora que Musk implementou novas mudanças (limitou a quantidade de tweets diários que podemos ler) também devem ser exageradas.

Andrea Jubé - ‘Ninguém no PT trabalha com a hipótese de Lula não ser candidato em 2026’

Valor Econômico

Declaração de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro não tranquiliza os adversários

A declaração de inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não tranquiliza os adversários. Meses antes da sentença da Justiça Eleitoral, o ex-mandatário já estava com o pé na estrada, desempenhando o papel de cabo eleitoral de luxo do PL, e priorizando os três Estados que concentram cerca de 40% do eleitorado: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Desde que voltou ao Brasil, em 30 de março, após o sabático nos Estados Unidos, Bolsonaro esteve cinco vezes em São Paulo, três delas ao lado do bem avaliado governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

No começo de maio, foram juntos à Agrishow, em Ribeirão Preto, um reduto do agronegócio bolsonarista. Uma semana depois, o ex-presidente acompanhou Michelle Bolsonaro na posse de Rosana Valle como presidente do PL Mulher na Assembleia Legislativa paulista.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Adam Smith e a mão invisível

Valor Econômico

Smith ‘despolitiza’ as relações sociais, buscando afirmar a autorregulação da sociedade econômica

Diriam os da antiga: reler o livro “Economic Sentiments” de Emma Rothschild é bálsamo para a alma. A erudição e os cuidados históricos e conceituais da autora também podem balançar os neurônios dos interessados nos avanços e recuos da outrora chamada Economia Política, hoje proclamada urbi et orbi como Ciência Econômica.

Entre tantas admiráveis passagens, escolhi o capítulo 5, “The Bloody and Invisible Hand”.

Emma começa por suspeitar que Adam Smith não estimava especialmente a mão invisível. Diz ela que a imagem da mão invisível deveria ser interpretada como uma ironia. Em sua caminhada para desvendar os significados que Smith teria emprestado à expressão Mão Invisível, a autora encontra três sentidos em ocasiões bastante diferentes.

 “O primeiro uso, em sua ‘História da Astronomia’ (que se acredita ter sido escrita na década de 1750, mas foi preservada por Smith para publicação póstuma), é claramente irônico. Smith está falando sobre a credulidade das pessoas em sociedades politeístas, que atribuem “os eventos irregulares da natureza”, como trovões e tempestades, a “seres inteligentes, embora invisíveis - a deuses, demônios, bruxas, gênios, fadas”. Não atribuem apoio divino ao “curso ordinário das coisas”: “O fogo arde e a água refresca; corpos pesados descem, e substâncias mais leves voam para cima, pela necessidade de sua própria natureza; nem a mão invisível de Júpiter foi necessária para ser empregada nesses assuntos”.

O segundo uso, diz Emma, está na “Teoria dos Sentimentos Morais”, em uma passagem publicada em 1759, e mantida inalterada ao longo das revisões subsequentes da obra por Smith. O irônico está aqui de uma maneira diferente. Smith está descrevendo alguns proprietários ricos particularmente desagradáveis, que não estão preocupados com a humanidade ou a justiça, mas que, em “seu egoísmo natural e rapacidade”, perseguem apenas “seus próprios desejos vãos e insaciáveis”. Empregam, no entanto, milhares de trabalhadores pobres para produzir mercadorias de luxo: “Eles são conduzidos por uma mão invisível a (...) sem querer, sem saber, promovem o interesse da sociedade”.

Eliane Cantanhêde – Sai Nísia entra Wellington Dias na mira

O Estado de S. Paulo

Lula blindou o Ministério da Saúde, mas Centrão não desiste, só trocou o alvo

Semana vem, semana vai, e a troca no Ministério do Turismo não sai, mas agora vai e está para ocorrer a qualquer momento, sem surpresa, sem emoção e sem choro nem vela. Mas “só” isso não agrada ao União Brasil nem ao Centrão, que começam a mudar a direção do olho gordo: em vez da Saúde, passam a disputar o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, que tem orçamento tão grande quanto o próprio nome.

Ao disputarem a Saúde – que já foi ocupada por um dos seus, o deputado Ricardo Barros (PPPR), no governo Temer –, os líderes do Centrão bateram num muro de resistência que começou no Planalto, se estendeu para a Esplanada dos Ministérios, chegou ao Congresso e foi reforçado pela mídia. Na linguagem política, a ministra Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz na pandemia, foi “blindada”.

Paulo Hartung* - Política ambiental como motor social

O Estado de S. Paulo

Além dos benefícios ambientais, o cuidado com a natureza pode ser uma alavanca para enfrentar a desigualdade social do País

Há alguns anos o meio ambiente vem clamando por atenção. O cuidar da natureza deixou o romantismo no passado e se tornou pauta urgente para as atuais gerações que têm a missão de enfrentar a convulsão climática, um dos maiores desafios da contemporaneidade.

O Brasil é um dos candidatos a protagonizar esta era de socorro ao futuro planetário. Para além de suas potencialidades, representadas pelo imenso ativo ambiental e sua matriz energética já diferenciada, ainda contamos com o anseio global por um Brasil mais cooperativo. Com as cartas dispostas sobre a mesa, cabe ao Brasil cuidar das fragilidades para, enfim, avançar efetivamente nesta agenda. É imperativo combater desmatamento, garimpo ilegal, queimadas, entre outros crimes.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - Para onde conduzem as derrapadas dos governantes?

O Brasil acaba de assumir a presidência do Mercosul. Mas, com   que roupa Lula se apresentou por lá? O grande projeto de integração do Acordo regional, por se realizar ainda, é   com a União Europeia - um bloco que reúne 27 países -  que se arrasta, contudo, por mais de 20 anos. O brasileiro tem esperança de debutar sua gestão com a assinatura desse acordo, que livraria seus produtos e membros - Brasil, Argentina. Paraguai e Uruguai - de alguns embaraços fiscais impostos pelos europeus.

Há um mês, na expectativa de ampliar o escopo de sua influência regional, o brasileiro reuniu-se com presidentes de dez países latino-americanos. Suas ideias, pouco explícitas, foram aplaudidas por três ou quatro, mas ganhou a   contestação de outros.  As derrapadas retóricas do novo chefe do Estado do Brasil terminaram por abalar sua credibilidade também na Europa e nos EUA. Sua opinião sobre a invasão da Ucrânia foi apenas um detalhe.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula é incoerente ao julgar democracia ‘conceito relativo’

O Globo

Declaração é inaceitável depois de campanha eleitoral em que ele lutou contra ameaça antidemocrática

A condescendência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com as barbaridades da ditadura venezuelana chegou ao absurdo. Ao tentar justificar seu apoio ao ditador Nicolás Maduro, Lula afirmou em entrevista à Rádio Gaúcha que a Venezuela tem mais eleições do que o Brasil e que “o conceito de democracia é relativo”.

A declaração é ainda mais inaceitável depois de uma campanha eleitoral em que a promessa de defender a democracia, ameaçada por Jair Bolsonaro, atraiu para Lula o apoio de diversas tendências ideológicas. Lula venceu, e felizmente as instituições brasileiras têm se encarregado de punir Bolsonaro pelos arroubos golpistas — o TSE já o tornou inelegível por oito anos. Permanece no ar, porém, a pergunta: Lula teria reunido frente tão ampla se as declarações sobre a democracia “relativa” tivessem vindo à tona na época?

Poesia Mário Quintana - Deixem-me envelhecer

 

Música | Clara Nunes - Tristeza pé no chão