segunda-feira, 10 de junho de 2019

Opinião do dia: Alexis de Toqueville*

Cada um propunha seu plano: este apresentava-o nos jornais, aquele nos cartazes que logo cobriram os muros, o outro, pela palavra, aos quatro ventos. Um pretendia eliminar a desigualdade das fortunas, outro a das luzes, um terceiro aspirava a nivelar a mais antigas das desigualdades, a existente entre o homem e a mulher; receitavam-se medicamentos específicos contra a pobreza e contra o mal do trabalho, que atormenta a humanidade desde que ela existe.



*Alexis de Toqueville (1805-1859), “Lembranças de 1848”, p. 117, Companhia das Letras, 2011.

*Marcus André Melo: Reformas e coalizões

- Folha de S. Paulo

Coalizões importam nas questões nas quais os parlamentares são indiferentes, divergem do Executivo ou este está sob ataque.

Bolsonaro enfrenta um dilema não trivial: rejeitar a articulação política para eleger-se e engajar-se nela para aprovar sua agenda é como trocar a roda com o carro andando. Não se trata só de tomar consciência da importância da negociação, como querem alguns analistas. Ele foi eleito devido a sua rejeição da barganha legislativa. Renegar seu discurso de campanha tem custos importantes.

Há estratégias que podem reduzi-los: delegando a articulação política e minimizando sua visibilidade política, já discutido aqui. E isso está sendo feito nos bastidores.

No caso da Previdência, a delegação é explícita: Paulo Guedes tornou-se "o dono da reforma", eximindo o chefe do Executivo de incorrer diretamente nos custos concentrados de uma reforma impopular.

Bolsonaro não é o único a não querer arcar com eles: parlamentares e governadores de estados da oposição fazem o mesmo. Mas foram ameaçados com a exclusão. Como afirmou o presidente da comissão especial: "Os governadores têm que calçar a sandália da humildade e vir para cá dizer assim 'olha, nós não temos coragem de fazer, nós queremos pedir aos deputados que façam por nós'. É isso que eles têm fazer humildezinhos". E foi o que fizeram.

*Celso Rocha de Barros: As conversas da Lava Jato

- Folha de S. Paulo

A tese de que Lula não foi julgado dentro da normalidade jurídica ganhou força

O site Intercept Brasil divulgou neste domingo (9) o conteúdo de mensagens trocadas entre Sergio Moro e procuradores da Lava Jato em momentos-chave da história da operação.
É coisa séria, é coisa grande, e é coisa que deve ter efeitos sobre o diálogo político nacional.

Antes de mais nada, vamos ao que os vazamentos até o momento não mostram (o Intercept Brasil anunciou que há mais material a ser publicado): não há falsificação de provas ou coisas do gênero. Ninguém foi inocentado pelos vazamentos do Intercept.

No geral, as conclusões gerais da Lava Jato sobre como o cartel das empreiteiras financiava todos os grandes partidos políticos continuam de pé.

Mas o quadro que emerge sobre o julgamento de Lula é ruim. Não há nada nos vazamentos que prove que Lula é inocente, mas há sinais fortes de que seu julgamento não foi normal.

Em uma conversa de 7 de dezembro de 2015, Moro deu uma pista relativa ao caso Lula para que Dallagnol investigasse: "Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado por ter sido ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferência de propriedade de um dos filhos do ex-Presidente".

Moro era o juiz do caso. Não poderia ajudar nem a defesa nem a acusação.

No episódio em que a entrevista de Lula para a Folha durante a campanha foi censurada pelo STF, procuradores falaram abertamente em passar para outros órgãos de imprensa —em especial o site O Antagonista— um modelo de petição para também participar da entrevista.

A ideia seria "tentar ampliar para outros, para o circo ser menor armado e preparado. Com a chance de, com a possível confusão, não acontecer".

E, para quem tinha dúvidas, fica claro que não há grande simpatia pelo Partido dos Trabalhadores na força-tarefa. Em uma conversa, uma pessoa identificada como CarolPGR diz que está rezando para que o PT não volte ao poder, e recebe como resposta de Dallagnol: "reze sim".

O que fica disso?

Gaudêncio Torquato: O estilo Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Há pouca chance de mudar caráter e personalidade

“Le style, c’est l’homme même” (“O estilo é o próprio homem”). O conceito é de autoria de George-Louis Leclerc, conde de Buffon, em discurso na Academia Francesa, em 25 de agosto de 1753. Referência na análise do “gênio” dos homens públicos, tem suscitado críticas e elogios.

A história é farta de exemplos que demonstram a força da assertiva. Gandhi, despojado de ambição, surge como expressão de grandeza moral. Para ele, os conflitos podem ser resolvidos com a sabedoria, não com armas. Hitler, com seu ideário de pureza de raça e domínio pela força, é a síntese do mal. Kennedy, em sua estampa jovem e exuberante, simboliza o ideal de uma América próspera e feliz. De Gaulle, do alto de sua autoridade, tem a imagem de herói da França. Churchill, culto e persistente, emerge como o maior estrategista da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial. Juscelino Kubitschek, o nosso JK, de sorriso aberto deu ao Brasil a cara de modernidade. O estilo de cada um, com suas atitudes e comportamentos, lhes deu fama e reconhecimento.

Como se traduz o estilo Jair Bolsonaro? No plano estético, sobressai a imagem do capitão fazendo com as mãos o gesto de atirar com arma. Não é um gesto de paz. Na semântica, destaca-se a figura de um radical, cujas expressões ferem os direitos humanos, a partir da posição contrária à igualdade de gêneros.

Não há projetos que abrilhantem a vida parlamentar de 28 anos. Farta é a carga de elogios a envolvidos com a tortura nos tempos de chumbo. Eleito por vestir o manto da moralidade, ganhou a identidade de guerreiro contra o lulopetismo, a bandidagem das ruas e a velha política.

Leandro Colon: PSL em chamas

- Folha de S. Paulo

Partido revelou-se uma balbúrdia ética e crise interna se agrava em hora importante para Bolsonaro

"Vou colocar fogo no puteiro." A frase de alto nível foi escrita em rede social neste domingo (9) pelo deputado Alexandre Frota, do PSL, partido de Jair Bolsonaro.

O ex-ator pornô está nu depois de a Folha revelar que um ex-motorista do parlamentar prestou depoimento ao Ministério Público acusando o ex-patrão de usá-lo como laranja.

Marcelo Ricardo Silva afirma que, a pedido de Frota, tornou-se sócio de empresas que eram do político. E que recebia dinheiro de terceiros a ser repassado para a mulher do ator que fez o Apolo de "Sassaricando".

Mais um do PSL ligado a um caso de laranja, Frota escancarou de vez o que todo mundo já sabe. Que o PSL é uma guerra conflagrada internamente, um amontoado de pessoas sem estofo político e desinteressadas em atuar unidas para ajudar o governo do seu principal filiado a sair o quanto antes do ponto morto.

"O que tenho comigo é muito forte", afirmou Frota, em tom de ameaça aos colegas de legenda após vazar na internet o conteúdo de uma conversa do grupo de WhatsApp da bancada. Espera-se agora que ele deixe a bravata de lado e conte o que sabe.

No sábado (8), Bolsonaro reuniu-se com aliados do PSL para discutir uma possível retirada de Luciano Bivar da presidência da sigla. Como mostrou a Folha, o deputado apresentou à Câmara e ao TSE notas fiscais de empresas que vendem esse tipo de documento, um indício de que os serviços pagos com dinheiro público jamais foram prestados.

Vinicius Mota: Governo Bolsonaro vive seu melhor momento

- Folha de S. Paulo

Atritos produzidos pelo presidente e seu círculo diminuem, e Congresso aprende a lidar com anomalia

Contrastado com os cinco primeiros meses de mandato, o governo de Jair Bolsonaro vive seu melhor momento.

Pararam as flechadas que vinham de fora, da família belicosa ou dos lunáticos associados, contra setores da administração. Os militares mostraram o caminho ao deixarem de bater palmas para maluco dançar.

O presidente também colaborou diante do corredor polonês por que passavam medidas provisórias cruciais no Congresso. Impôs derrotas a suas alas radicais e a Sergio Moro para não perder o essencial.

As lideranças no Congresso decantaram seu mecanismo de lidar com um Executivo anômalo. Fixaram um rol de prioridades e um filtro pelo qual dificilmente passarão extravagâncias do Planalto.

A chefia do Supremo também parece buscar sintonia. Colocou rapidamente em votação o tema das privatizações e da venda de ativos de estatais. A decisão estabiliza expectativas pelos próximos anos.

Uma brisa de alívio na inflação dos alimentos, em meio a tanta notícia ruim na economia, soma-se aos fatores favoráveis à situação. Da comida cara se nutrem, quase sempre, as ondas de insatisfação popular contra o presidente.

Anna Virginia Balloussier: O governo Bolsonaro é pura 'A Praça É Nossa', tá ok?

- Folha de S. Paulo

O que o humorístico tem a ver com a atual gestão

O supermercado de estimação pode dizer muito sobre uma pessoa. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, basta evocar o autorreferente Zona Sul e já imagino o sujeito torrando numa fatia de camembert 10% do que ele paga à empregada, as caixas de som tocando Bach, Carolina Ferraz na fila do presunto. De Parma, naturalmente.

Virando a esquina tem o Mundial, essa Meca do tiozão do churrasco, onde todo saldão de cerveja é uma potencial Guernica entre a clientela.

Foi lá que, dia desses, vi uma cena que tão bem resume o Zeitgeist copacabanense. Alguém derrubara Yakult no chão, um rapaz de regata do Mengão escorregou daquele jeito de dar uma sambadinha sem tombar no final, e um engraçadinho exclamou: “LactoVACILO!”. Me peguei rindo sozinha da cena horas depois, pensando em como o Mundial parece um looping de personagens cômicos, um mais bizarro do que o outro.

Dias atrás, Jair Bolsonaro encontrou espaço na agenda lotada para ir a outro humorístico à parte, a Câmara dos Deputados. “Também quero ir. Sou fã dele”, justificou e se escafedeu rumo a uma homenagem a Carlos Alberto de Nóbrega.

Denis Lerrer Rosenfield: Um país dividido

- O Estado de S.Paulo

Narrativa do confronto está sendo substituída pela da negociação com parlamentares e partidos

Os governos petistas acostumaram o País à divisão. Foi o célebre “nós” contra “eles”, os “progressistas” contra os “conservadores”, além de outras versões da acepção do político enquanto distinção entre amigo e inimigo. Apesar de estes governos terem tido, na prática, uma política de negociação e, mesmo, de corrupção com os mesmos “conservadores” e “eles” tão vilipendiados, a narrativa dominante foi a do combate incessante. No imaginário nacional, prevaleceu a narrativa da guerra política, até ela ser desmontada pela Operação Lava Jato, ao expor as entranhas destes compromissos. É esta narrativa, aliás, que continua a nortear o PT ao colocar o ex-presidente, julgado e condenado, como “vítima” e “perseguido” político.

O curto mandato do presidente Temer caracterizou-se por uma acepção do político diferente, voltada para a negociação e a pacificação. Foi evitado qualquer confronto que pudesse pôr em questão a estabilidade institucional, por meio de diálogos e compromissos. Tornou-se, assim, possível realizar um ousado projeto de reformas de cunho liberalizante, que colocou o Brasil num novo patamar, tendo faltado o seu desfecho na reforma da Previdência, torpedeada por aqueles mesmos que procuravam manter os seus privilégios. Serviu de álibi a luta “salvacionista” contra a corrupção, embora nada tenha sido provado. Os efeitos midiáticos, porém, foram enormes.

Cida Damasco: Questão de prioridade

- O Estado de S. Paulo

O Congresso tomou a dianteira e está levando adiante seus projetos

Com Bolsonaro envolvido numa agenda populista e de interesse dos convertidos, o Congresso tomou a dianteira. E, goste-se ou não, está levando adiante seus projetos prioritários. Sem dúvida mais prioritários do que os defendidos ardorosamente pelo Executivo, como o pacote de mudanças na lei de trânsito – que, em nome do liberalismo, chega ao extremo de dispensar a multa para quem transporta crianças sem cadeirinhas. Até o factoide da criação de uma moeda única do Mercosul virou assunto preferencial de Bolsonaro, como se fosse garantia de integração regional. Enquanto isso, a pauta do Congresso segue em frente, mesmo com todas aquelas manobras típicas da política, e vem pondo à prova o amadorismo da articulação do Planalto.

Só deu Congresso nas últimas semanas. Diante de um Executivo atordoado, o Legislativo aprovou em cima da hora a Medida Provisória (MP) da reforma administrativa, mas retirou o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) da Justiça de Sérgio Moro e devolveu-o para a Economia de Paulo Guedes. Também validou a MP do pente-fino nos benefícios do INSS, por meio de um saudável acordo entre oposicionistas e governistas, e a MP do Saneamento. E, se o bom senso imperar, nos próximos dias deverá garantir o crédito suplementar de R$ 248 bilhões, crucial para impedir a paralisação da máquina pública no segundo semestre. Mais ainda: “carimbou” o orçamento impositivo e deu passagem à proposta que endurece a tramitação de MPs. Para um poder acusado de acomodação às iniciativas do Executivo e de fazer “corpo mole” para tomar decisões, não é pouca coisa.

Sergio Lamucci: Muito além da política monetária

- Valor Econômico

Superar crescimento baixo exige estímulo à produtividade

Com inflação baixa e sob controle, atividade econômica fraquíssima e gastos públicos contidos, crescem as apostas de que o Banco Central (BC) cortará os juros básicos neste ano. A redução pode ocorrer na primeira reunião do segundo semestre, em julho, a não ser que haja um revés na tramitação da reforma da Previdência no Congresso. Num momento em que a economia não consegue acelerar a recuperação cíclica iniciada em 2017, novos estímulos monetários serão bem-vindos. Há analistas que defendem a redução imediata da Selic, dada a ociosidade na economia e a insuficiência de demanda, mas o BC tende a manter a taxa neste mês - a instituição deve esperar alguma revisão para baixo das projeções da inflação para 2020 e a avaliar o andamento das reformas.

Esse provável novo ciclo de baixa da Selic, contudo, não deverá fazer a economia engatar um ritmo de crescimento dos mais expressivos. Primeiro, o espaço para a queda da taxa, hoje em 6,5% ao ano, não é dos maiores. O Safra projeta Selic a 5,5% no fim do ano, enquanto o Bradesco prevê o juro a 5,75% e o Banco Fator, a 5,25%. Mais do que isso, não é a política monetária que fará o Brasil sair do quadro de baixíssimo crescimento em que se encontra, ainda que reduções da Selic pareçam hoje de fato oportunas e necessárias.

O país precisa enfrentar o desequilíbrio fiscal, o que requer a aprovação de uma reforma da Previdência razoável, além da contenção de gastos com o funcionalismo e da mudança na regra de reajuste do salário mínimo, para tentar abrir algum espaço para o investimento público. Também é crucial uma ampla agenda de reformas para melhorar a produtividade, o que obviamente não é da alçada do BC.

*Bruno Carazza: Democracia de Facebook

- Valor Econômico

Há riscos de se governar com as redes sociais

"Se você gosta de pagar multa, bota lá que é a favor do radar móvel. Se tu é contrário, vota lá o contrário. (...) No meu voto eu vou botar pra acabar com o radar móvel, tá legal?" Na sua última live no Facebook, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que fará uma enquete para saber se os brasileiros são contra ou a favor dos radares móveis. Segundo ele, essa pesquisa na rede social servirá para o governo decidir se acabará ou não com esse instrumento de fiscalização de velocidade nas estradas brasileiras.

Bolsonaro não é o pioneiro no uso dessas consultas virtuais para embasar suas decisões políticas. Em fevereiro, o senador Jorge Kajuru (PRP-GO), já havia utilizado as redes sociais para definir seu posicionamento na eleição para presidente daquela Casa legislativa.

Mas consultas populares podem ser tiros no pé de quem as promove. O site da Câmara dos Deputados informa que 58% dos internautas são totalmente contra a reforma da Previdência, enquanto apenas 30% posicionam-se a favor. Se tivesse que seguir a vontade dos 135.000 votantes dessa pesquisa, Bolsonaro deveria abrir mão da tábua de salvação proposta por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, talvez decretando o fim prematuro de seu governo.

Analisando as enquetes que mobilizaram o maior número de eleitores na página do Senado Federal, vemos que muitas das polêmicas alimentadas por Bolsonaro desde a campanha eleitoral estão no topo. A má notícia para o presidente é que os internautas se posicionaram radicalmente contra a proposta do ex-senador Magno Malta de revogar a união homoafetiva, além de apoiar em peso a proposta que criminaliza a homofobia no país.

Fernando Gabeira: A cabeça pode salvar o capacete

- O Globo

Os desastres com moto já são campeões nas estatísticas. A saída é continuar documentando acidentes, fazendo as contas

Governo estranho este. O que Bolsonaro propõe hoje vai na direção oposta do Código de Trânsito Brasileiro, pelo menos tal como o votamos. É um governo conservador que se lixa para o princípio de precaução, o que poderia ser uma ponte para o debate. É um governo liberal pouco atento à vida das pessoas, embora queira livrá-las das garras do Estado.

Lembro-me dos debates sobre o Código de Trânsito. O relator era um deputado de São Paulo, que conhecia bem o tema. Chama-se Ary Kara e aceitou emenda para que os carros populares tivessem airbag. Fomos derrotados porque a indústria achava, na época, que isso reduziria vendas.

Bolsonaro deu uma grande mexida no setor. Propõe abolir a multa para quem não usa cadeirinha das crianças, ampliar os pontos para suspensão da carteira, afrouxar as regras para uso de capacete em moto. Isso entra em choque com a experiência cotidiana. No Norte e Nordeste, há uma abundância de motos e uma escassez de capacetes.

Cacá Diegues: O planeta Flora

- O Globo

Desde que ficara doente, no final de 2015, Flora desenvolvia um projeto que pretendíamos produzir para ela, eu e Renata. A Nasa havia descoberto estrela parecida com o Sol, em torno da qual giravam planetas que foram batizados com letras que iam de A até não sei o quê. Flora havia se interessado pelo Planeta F do sistema que a Nasa chamou de Trappist-1, o planeta que possuía condições naturais mais semelhantes às da Terra.

Após sua primeira cirurgia, em dezembro de 2015, Flora começou a desenvolver a ideia de uma série que se chamaria “Bem-Vindo a Trappist-1 Planeta F”. Durante um tempo, ela nos dava a ler trechos do que seria o projeto, até completá-lo uns dois anos depois. Suas anotações eram cada vez mais claras e contundentes: “(Essa) é uma série em processo, onde procuraremos descobrir quem está aqui afim de sair e ir começar um mundo novo. Queremos elaborar as dificuldades pessoais dos brasileiros, por que suas vidas são complicadas e complexas, como dispõem suas esperanças num mundo completamente novo.”

Um dos trechos de seu projeto dizia: “No mesmo ano em que a Nasa anunciou a descoberta de Trappist-1, eu me curava de um câncer no cérebro. Um ano intenso, cheio de intromissões científicas dentro do meu corpo, cheio de provas da minha contemporaneidade da geração millenium. Durante o tratamento, deixei de lado o celular, os eletrônicos e tudo o que me afastava da vida agora. Queria entender por que nos afastamos e o que nos resta. Eu podia começar tudo de novo. Quem eu traria comigo? Foram dois anos de reflexão. Entendi que o começo, ou até o fim das coisas, nada mais é do que a utopia de que elas têm solução. De que de repente é possível sair desse planeta e construir um outro, com menos defeito. Reiniciar o mundo, assim como eu tive a oportunidade de reiniciar a vida.”

E concluía sua declaração de intenções: “Quem são essas pessoas que vivem aqui do meu lado? Quem são os negros, os pobres, os gays e os vizinhos? Voltei ao celular e à distância, mas não abandonei o desejo de saber o que a gente está fazendo aqui. (...) Quando o Estado se importa cada vez menos com a cultura, a gente se transforma em mil para fazer alguma coisa. Eu quero ouvir e falar sobre o tempo em que vivo, numa comunhão da farsa e esperança de que tudo pode acabar bem.”

Em 2018, depois de brilhar em Cannes como atriz de filme selecionado, os médicos constataram que o tumor no cérebro havia voltado de forma violenta. Depois de duas novas cirurgias, Flora faleceu no último dia 2 de junho, apesar do enorme esforço que fazia para sobreviver e seguir trabalhando no teatro, em novelas e em filmes. Aos 32 anos de idade. Em seu velório, Duda e Dudu, seus parceiros, leram para os amigos presentes a carta à Nasa que ela havia preparado para quando iniciasse a produção de seu projeto. Ei-la aqui.

Ana Maria Machado: Na alma e na memória

- O Globo

Toda unanimidade é burra, garantia o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues. Durante o governo militar, ele mesmo estava longe de se transformar na relativa unanimidade em que se converteu mais tarde, quando mesmo os que mais se irritavam com seu conservadorismo e apoio ao autoritarismo acabaram relevando algo da injustiça e agressividade de seus ataques à oposição, e se viram obrigados a engolir seu inegável talento. Em especial ao retratar o falso moralismo e a hipocrisia da sociedade brasileira.

Mas naquele tempo suas baterias miravam sobretudo outros alvos — como a unanimidade com que Chico Buarque era amado por todos. Chico, ainda tão jovem, já encarnava o melhor da alma nacional. Cada brasileiro reconhecia isso de modo inegável.

O espaço desta coluna não dá para nem ao menos citar os feitos e qualidades do poeta e compositor, do ficcionista e dramaturgo que fala por nós há tantos anos, com palavras exatas, inteligência aguda, humor preciso, lirismo incomparável e genialidade musical. Todos o trazemos na memória. O merecidíssimo Prêmio Camões que lhe é conferido agora não apenas o reconhece e aplaude como um dos grandes da língua portuguesa, mas o consagra como expressão e honra de toda a lusofonia.

Ricardo Noblat: A hora da verdade para Moro

- Blog do Noblat / Veja

Hacker invade telefones e aplicativos de procuradores e deixa o ex-juiz em maus lençóis

O ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, pode ter razão quando diz que a troca de mensagens entre ele e o procurador Daltan Dallagnol, divulgada ontem pelo site The Intercept Brasil, não revela nenhuma ilegalidade que tenha cometido à época em que comandou a Lava Jato.

Mas não faltou razão ao ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), quando disse que a troca de mensagens pôs em xeque a equidistância da Justiça “que tem de ser absoluta”. A relação de juiz com procurador, segundo Mello, “tem que ser tratada no processo (…) de forma pública, com absoluta transparência”.

O revelado pelo site até aqui mostra que Moro sugeriu a Dallagnol a troca de ordem de fases da Lava Jato, cobrou mais agilidade em novas operações, deu pistas a serem seguidas, antecipou pelo menos uma decisão que tomaria, criticou e sugeriu o uso de recursos pelo Ministério Público e até censurou Dallagnol como se fosse seu chefe.

A cumplicidade dos dois foi total no período abrangido pelas mensagens conhecidas. O site informou que dispõe de farto material a ser revelado mais adiante. Moro e Dallagnol quase nunca divergiram. E quando isso ocorreu, prevaleceu a opinião de Moro. Nada demais se a lei não cobrasse neutralidade do juiz.

Cabe ao Ministério Público investigar e, se for o caso, oferecer denúncia. Ao juiz, manter-se distante das partes (acusação e defesa) e decidir com isenção. Nas mensagens trocadas por Moro com Dallagnol fica claro que eles tinham um objetivo comum: “limpar o Congresso” da bandalheira por lá existente.

Em uma das mensagens que remeteu a Moro em 15 de dezembro de 2016 para atualizá-lo sobre as negociações da delação dos executivos da Odebrecht, Dallagnol escreveu:

“Caro, favor não passar pra frente: (favor manter aqui): 9 presidentes (1 em exercício), 29 ministros (8 em exercício), 3 secretários federais, 34 senadores (21 em exercício), 82 deputados (41 em exercício), 63 governadores (11 em exercício), 17 deputados estaduais, 88 prefeitos e 15 vereadores”.

Ao que Moro respondeu no mesmo dia a título de conselho:

“Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do mp [Ministério Público] e judiciário.”

Dallagnol e Moro celebraram o sucesso das manifestações de rua do dia 13 de março daquele ano (2016) a favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff. O procurador escreveu:

“E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […].”

O juiz respondeu:

“Fiz uma manifestação oficial. Parabéns a todos nós. […] Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o Congresso. O melhor seria o Congresso se autolimpar, mas isso não está no horizonte. E não sei se o STF tem força suficiente para processar e condenar tantos e tão poderosos.”

Nenhum das mensagens vazadas para o The Intercept dá conta de fraudes cometidas para condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou quaisquer outros dos políticos presos. Mas o conjunto das mensagens fortalece a tese da defesa de Lula de que ele não foi julgado e condenado de acordo com a normalidade jurídica.

Se antes a má vontade do Congresso com Moro era grande, crescerá mais a ponto de poder tornar insustentável sua permanência no cargo. Quanto à sua nomeação para a primeira vaga de ministro a ser aberta no STF, que Moro a esqueça. Nem o Senado está disposto a aprovar seu nome nem o Supremo a recebê-lo.

Certezas e incertezas da macroeconomia brasileira

Sem políticas voltadas ao crescimento o Brasil estará condenado a uma quinta década de expansão medíocre

Por Carlos Luque*, Simão Silber** e Roberto Zagha*** / Valor Econômico

A macroeconomia evoluiu em resposta a crises econômicas. A crise de 1929 levou à Teoria Geral de Keynes e conceitos novos: PIB, contas nacionais, demanda agregada, equilíbrio com desemprego, armadilha da liquidez, curva de Philips e políticas de estabilização. Estas ideias resultaram em quatro décadas prósperas.

Nos anos 70 economias avançadas se defrontaram com inflação e estagnação que as políticas de inspiração keynesiana não puderam resolver. Apareceram novos ingredientes: expectativas racionais e o poder de regras estáveis na condução de políticas macroeconômicas. Surgiram novas práticas: regras simples, bancos centrais independentes, metas de inflação, taxa de juros como principal instrumento de política monetária, regra de Taylor e ceticismo sobre o poder estabilizador de políticas fiscais.

Durante quatro décadas estas ideias permitiram às economias avançadas crescer com inflação baixa. "A Grande Moderação" levou muitos a pensar que flutuações econômicas e o keynesianismo faziam parte do passado.

Poucos economistas previram a Grande Crise de 2008. Foi um choque tanto intelectual como econômico. Levou ao abandono de regras que tinham dominado a prática de políticas macroeconômicas desde os anos 70 e ressurreição de políticas fiscais para estabilizar a economia. Pôs em marcha introspecção acadêmica das crenças que dominaram o pensamento econômico.

Este sumário simplificado ilustra que a macroeconomia está em evolução e não permite certezas. 

Também explica a prática da macroeconomia frequentemente à frente da teoria. As políticas fiscais de defesa do emprego nos EUA e alguns países europeus na década de 30 se anteciparam à teoria keynesiana. As políticas da "Grande Moderação" se basearam em modelos que, apesar de sofisticados, não deixaram de ser casuísticos. Experimentação e prática são inerentes às políticas macroeconômicas. Os países do Leste Asiático repeliram as políticas de abertura da conta financeira depois da crise de 1996-97. E aqui no Brasil o sucesso do Plano Real ilustrou as limitações da ortodoxia econômica (o FMI se recusou a financiar o Plano).

A incerteza sobre o modelo macroeconômico aplicável coexiste de forma desconfortável com a certeza dominando as políticas macroeconômicas brasileiras dos últimos 20 anos: superávits primários, juros altos, metas de inflação e câmbio apreciado por muitos anos. Estas políticas deram certo por um tempo. Até darem errado. Face ao desemprego alto, crescimento anêmico e dívida pública explosiva, a reação dos economistas nacionais e internacionais (IPEA, FMI, Banco Mundial, OCDE) evitou questionamento e introspecção intelectual. Tem sido de "Mais é Melhor": mais arrocho fiscal, mais independência do banco central e metas de inflação mais ambiciosas.

Estados evitaram alterar Previdência de seus servidores

Mesmo diante da crise fiscal, 16 estados ainda não adotaram a previdência complementar, e 14 praticam a menor alíquota previdenciária permitida em lei, de 11%. O atual projeto de reforma da Previdência torna obrigatório o percentual de 14% para servidores estaduais.

INÉRCIA DOS ESTADOS

Governadores evitam elevar alíquota e recorrer à previdência complementar

Silvia Amorim e Geralda Doca / O Globo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Autorizados há mais de duas décadas pela Constituição a criar regimes de previdência complementar para aliviar o rombo nas contas públicas, mais da metade dos estados (16) cruzou os braços e continua sobrecarregando os cofres estaduais com o pagamento de aposentadorias acima do teto do INSS de R$ 5.839. A maioria dos governos (14) também pratica a menor alíquota previdenciária permitida por lei, de 11%, apesar do quadro de completo desequilíbrio fiscal.

Os números mostram a pequena disposição de governadores para mexer na Previdência do setor público. Hoje, um dos principais debates em torno do projeto é justamente se as mudanças nas aposentadorias ficarão restritas ao governo federal ou se serão estendidas a estados e municípios.

VOTAÇÃO EM SEPARADO
O presidente da comissão especial na Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse ontem ter sugerido ao relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que mantenha todos os entes da federação na proposta. Porém, seria feito um acordo com os líderes dos partidos para votar esse ponto separadamente, via destaque ao texto.

Para ele, a carta de apoio à reforma assinada na semana passada por 25 governadores é insuficiente para fazer com que os parlamentares, sobretudo do chamado “centrão”, aprovem a aplicação imediata das novas regras para os servidores estaduais e municipais. Por isso, vai pedir a governadores a lista com o número de votos dos parlamentares favoráveis à inclusão dos estados.

— Não basta os governadores de PT, PDT e PSB assinarem manifesto de apoio pela permanência dos estados na reforma se toda a bancada vai votar contra —disse Ramos.

Capitalização não emplacou há 20 anos

Por Edna Simão | Valor Econômico

BRASÍLIA - A criação de um regime de capitalização, um dos temas polêmicos da reforma de Previdência do governo Bolsonaro, já estava prevista na proposta de mudança das regras de concessão da aposentadoria há mais de 20 anos. Na ocasião, a medida não emplacou devido à resistência política e ao elevado custo financeiro em um ambiente de forte restrição fiscal, quadro semelhante ao atual.

"Vinte anos se passaram, os paliativos não têm mais efeito e o problema persiste. Há alguns anos, numa conferência em Oxford, perguntado sobre o que se arrependia de não ter feito no seu governo, FHC [Fernando Henrique Cardoso] citou a reforma da Previdência. Preferi não perguntar por que não a fez", disse o economista André Lara Resende em entrevista, por e-mail, ao Valor.

Em 1998, Lara Resende coordenou um grupo de trabalho que analisou a possibilidade de inserir na reforma da Previdência a migração parcial de um regime de repartição simples (em que o trabalhador da ativa financia o aposentado e pensionista) para um de capitalização (contas individuais). O objetivo era chegar a um regime de capitalização para rendas acima do salário mínimo.

"Até um salário mínimo, o sistema continuaria de repartição, mas a parte assistencial, como a aposentadoria rural e outras, seriam separadas do sistema de aposentadorias", explicou o economista. "O problema, como se sabe, é a transição da repartição para a capitalização. Embora a situação atuarial não mude, cria-se um déficit de caixa que precisa ser financiado", acrescentou Resende.

Lara Resende explicou que o ponto chave para um regime de previdência atuarialmente equilibrado "não é o de repartição versus capitalização, mas sim o de benefícios definidos versus contribuição definida". "Todo sistema que define os benefícios antes de definir a contribuição, mais cedo ou mais tarde, tenderá a ser deficitário", explicou. "As empresas, públicas e privadas, que tinham benefícios definidos viram-se diante de passivos potencialmente explosivos. A capitalização era uma forma de transitar para a contribuição definida", disse. Sem capitalização e a aprovação de uma idade mínima de aposentadoria, o governo criou o fator previdenciário, que é resultado da combinação da idade, tempo de contribuição e a expectativa de vida.

Às vésperas de parecer, deputados querem dividir desgaste da Previdência com governadores

Líderes partidários não têm consenso sobre incluir estados e municípios na proposta

Daniel Carvalho / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Às vésperas da apresentação do parecer com alterações na proposta da reforma da Previdência, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reuniu na noite deste domingo (9) líderes partidários e o relator da comissão especial, Samuel Moreira (PSDB-SP) para ajustes finais.

Compareceram líderes de nove partidos (PRB, PSC, Patriota, PSDB, PL [ex-PR], DEM, PP, MDB e PTB), mas nenhum das siglas que costumam votar com governo, como PSL e Novo. Os líderes do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), e no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), não haviam aparecido até a publicação deste texto.

O presidente da comissão especial que analisa a proposta, Marcelo Ramos (PL-AM), também não compareceu. Alegou ter uma audiência pública sobre Previdência na manhã desta segunda-feira (10), no Maranhão.

O encontro foi convocado para que Moreira apresente uma versão mais acabada de seu relatório aos líderes e para a discussão de pontos que ainda geram polêmica e podem ser alterados. Entre eles, vinculação ou não da pensão por morte ao salário mínimo e regras do abono salarial e de transição para quem já está próximo de se aposentar.

Mas o principal impasse é político e não há consenso: a inclusão de estados e municípios no texto da reforma que será apresentado no início da semana.

Governadores e prefeitos não querem ter que fazer alterações em seus redutos, mas deputados também não desejam arcar sozinhos com o ônus político de alterar as regras para servidores estaduais e municipais.

Moro colaborou com MPF para ajudar Lava-Jato, diz site

Por Mariana Muniz | Valor Econômico

BRASÍLIA - O site "The Intercept" publicou ontem uma série de informações, baseadas supostamente em mensagens trocadas entre integrantes da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, sugerindo que o então juiz Sérgio Moro, responsável pelo caso, participou de articulações com o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná. O objetivo seria colaborar para o sucesso da operação.

O site informou ter recebido "lote de arquivos secretos" de uma "fonte anônima" há algumas semanas. O acervo inclui, além das conversas entre Moro e Dallagnol, mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Lava-Jato no aplicativo Telegram. De acordo com o site, os diálogos revelam que Moro teria sugerido a Dallagnol trocar a ordem de fases da Lava-Jato. Ele teria cobrado, ainda segundo site, a realização de novas operações, dado conselhos e antecipado uma decisão.

A troca de mensagens entre membros da força-tarefa fazem referências ao processo que culminou na condenação e prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Segundo a matéria, Moro teria passado informalmente pista sobre o caso do ex-presidente Lula para que a equipe do MP investigasse. A reportagem também sugere que os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato teriam atuado para impedir a entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à "Folha de S. Paulo" antes das eleições.

Em nota, a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba disse que seus membros foram vítimas de "ação criminosa de um hacker" que praticou os "mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes".

A nota não desmente o conteúdo das mensagens e confirma que os celulares e os aplicativos de mensagens de vários procuradores foram invadidos por um hacker. Na semana passada, a assessoria de imprensa de Moro informou que o aparelho do ministro foi alvo de um ataque cibernético. "Não se sabe exatamente ainda a extensão da invasão, mas se sabe que foram obtidas cópias de mensagens e arquivos trocados em relações privadas e de trabalho"', diz o texto da nota do MPF.

Mensagens de Moro colocam em dúvida equidistância da Justiça, diz Marco Aurélio Mello

Para ministro do STF, relação entre juiz e procurador tem que ser 'no processo, com ampla publicidade'

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse neste domingo (9) que a troca de colaborações entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, vista em mensagens publicadas pelo site Intercept Brasil, põe em xeque a equidistância da Justiça.

"Apenas coloca em dúvida, principalmente ao olhar do leigo, a equidistância do órgão julgador, que tem ser absoluta. Agora, as consequências, eu não sei. Temos que aguardar", afirmou o magistrado.

"Isso [relação do juiz e procurador] tem que ser tratado no processo, com ampla publicidade. De forma pública, com absoluta transparência", acrescentou.

Marco Aurélio evitou, no entanto, comentar detalhes do caso. Ele disse que é preciso aguardar para analisar se as revelações terão alguma interferência na Operação Lava Jato.

O conteúdo divulgado neste domingo expõe como Moro sugeriu ao MPF (Ministério Público Federal) trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial.

Moro, em nota, negou que haja no material revelado "qualquer anormalidade ou direcionamento" da sua atuação como juiz. Ele deixou a carreira na magistratura em novembro, quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PSL) para ser ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Após a publicação da reportagem, a equipe de procuradores da operação divulgou nota chamando a revelação das mensagens de "ataque criminoso à Lava Jato" e disse que o caso põe em risco a segurança dos integrantes do órgão.

Site diz que Moro e Deltan combinavam operações

The Intercept Brasil divulga conversa entre procurador da República e ministro da Justiça tratando de ações da Lava-Jato; eles afirmam que foram alvos de ‘hackeamento’ ilegal e negam irregularidade

- O Globo

Mensagens atribuídas a Sergio Moro e Deltan Dallagnol pelo site The Intercept mostram os dois combinando atuação na LavaJato. Eles se dizem vítimas de ação criminosa de hackers e negam irregularidade. Mensagens atribuídas ao procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal, e ao ministro da Justiça Sergio Moro, divulgadas ontem pelo site The Intercept Brasil, mostram os dois combinando atuações enquanto trabalharam na operação Lava-Jato. Pela noite, a força-tarefa de Curitiba divulgou nota para rebater a reportagem, dizendo que “seus membros foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.

Em nota, o ministro Sergio Moro lamentou “a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores. Assim como a postura do site que não entrou em contato antes da publicação, contrariando regra básica do jornalismo.”

Ontem, o site divulgou trocas de mensagens de Dallagnol e Moro que fazem referências ao processo em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi condenado no caso do tríplex de Guarujá.

The Intercept Brasil informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018.

Em uma das mensagens de texto, no dia 21 de fevereiro de 2016, Moro sugeriu alterações no calendário das operações da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, em decorrência de desdobramentos políticos. Dallagnol, de acordo com o site, disse ao magistrado que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão.

PGR ACIONADA
Em 31 de agosto de 2016, Moro teria questionado, de acordo com The Intercept, o ritmo das prisões e apreensões ao perguntar se a força-tarefa não estaria muito tempo sem promover operações. "Não é muito tempo sem operação?", disse Moro segundo o site. A última fase da Lava-Jato, de acordo com o site, havia sido feita 29 dias antes — a operação Resta Um, com foco na empreiteira Queiroz Galvão. Pelo conteúdo das mensagens divulgadas, Dallagnol concorda coma observação sobre o tempo da demora.

Cumprir regra de ouro será desafio para governo até 2022: Editorial / Valor Econômico

Sem acordo entre os parlamentares, a Comissão Mista de Orçamento do Congresso adiou para esta semana a votação do PLN 4/2019, que abre crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões para a União pagar despesas sem descumprir a regra de ouro das contas públicas. O governo precisa da aprovação dessa medida para não ser responsabilizado pelo descumprimento do preceito constitucional que veda a emissão de dívida pública para bancar gastos correntes, como pagamentos de Previdência e pessoal.

Com o problema ainda sem solução, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica se aproximam de um momento no qual terão que decidir se continuam pagando algumas despesas, correndo o risco de processo até por crime de responsabilidade, ou se as paralisam, gerando grave transtorno social.

A questão para o atual governo foi a complicada negociação do ano passado entre o Planalto e o Congresso na elaboração do Orçamento de 2019. A peça aprovada estabeleceu que o pagamento das despesas como Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada (BPC), parte da Previdência e Plano Safra ficaria vinculado à aprovação do crédito suplementar.

Da forma como foi escrito, não há escape juridicamente seguro que não seja o de obter a autorização de deputados e senadores para efetuar o pagamento dessas despesas. A alternativa de um crédito extraordinário, alegando emergência para evitar o "shutdown", pode até ser considerada, mas não sem risco de fortes contestações no Judiciário, dado que o requisito da imprevisibilidade da despesa não estaria contemplado nesse caso.

O Supremo se corrige: Editorial / O Estado de S. Paulo

A decisão do Supremo Tribunal Federal dispensando autorização legislativa para a venda do controle de subsidiárias de empresas públicas e sociedades de economia mista, tomada em sessão na quinta-feira passada, reparou flagrante intromissão da própria Corte em assunto exclusivo da direção das estatais. Essa correção reduz a insegurança jurídica nos negócios dessas empresas, condição essencial para sua saúde financeira e para a confiança dos agentes privados que nelas investem.

Alguns votos de ministros do Supremo, no entanto, indicam a permanência, naquele tribunal, de uma visão contaminada pela política, o que infelizmente prenuncia mais decisões ideologicamente motivadas como a que acaba de ser derrubada.

Em junho de 2018, uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski a pedido de funcionários e sindicalistas da Caixa Econômica Federal impediu a venda de empresas controladas pelas estatais, exigindo aval legislativo prévio. A decisão ainda proibiu a dispensa de licitação nos casos em que a venda envolva perda de controle acionário. Assim, monocraticamente, o ministro Lewandowski alterou uma lei aprovada pelo Congresso, a Lei das Estatais, objeto da ação. Foi com base nessa decisão do ministro Lewandowski que sindicatos dos petroleiros e de operadores de refinarias entraram no Supremo para impedir a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), rede de gasodutos da Petrobrás. No dia 26 de maio, o ministro Edson Fachin concedeu liminar atendendo a esse pleito, a despeito do fato de que a venda havia sido realizada sob orientação do Tribunal de Contas da União e depois de analisadas as melhores ofertas. O resultado é que o negócio, fechado pela Petrobrás com o grupo francês Engie por US$ 8,6 bilhões, foi suspenso.

Privatização na lei: Editorial / Folha de S. Paulo

Supremo enfim decide que venda de subsidiárias de estatais não depende de autorização legislativa
Em decisão tomada por expressiva maioria, o Supremo Tribunal Federal removeu os óbices para a venda de subsidiárias de empresas estatais, que não dependerão de aprovação do Congresso e processo formal de licitação.

O julgamento, concluído na quinta-feira (6), referiu-se a ações movidas contra dispositivos da lei das estatais, de 2016. Uma delas já contava com liminar do ministro Ricardo Lewandowski no sentido de que seria necessária prévio aval legislativo para quaisquer alienações.

A tese vencedora foi a de que o artigo 37 da Constituição estipula a necessidade de lei específica para autorizar a criação de empresas públicas ou de economia mista, mas o faz apenas de forma genérica no caso de subsidiárias.

Ou seja, uma vez autorizada a criação da companhia-mãe, e havendo na mesma lei a permissão para subsidiárias, caberá ao Executivo decidir quais, se e quando serão efetivamente criadas —na medida em que é sua prerrogativa dispor sobre a organização e o funcionamento da administração.

Assim, por simetria, também seria desnecessária autorização legislativa para a venda de subsidiária.

Assembleias sem transparência e relevância: Editorial / O Globo

No conjunto, os 1.059 deputados estaduais do país custam mais de R$ 20 bilhões por ano aos cidadãos

Na Assembleia Legislativa do Rio há cerca de 70 funcionários para cada parlamentar. Não se conhecem dados precisos, mas é possível estimar que atualmente existem mais de cinco mil pessoas inscritas na folha de pagamentos, a um custo médio de R$ 10,8 milhões anuais por deputado (são 70 deputados estaduais).

A despesa total da Alerj apenas com pessoal ultrapassou R$ 762 milhões nos últimos 12 meses, segundo o último relatório de gestão fiscal. Isso é extraordinário para um estado que se debate na falência.

Há deputado com 39 servidores no gabinete e pagamentos de auxílio-educação (“bolsa de reforço escolar”) de R$ 1.193,36 para até dois dependentes por funcionário.

As despesas do Legislativo fluminense são pouco conhecidas. Sabese que a assembleia e seu órgão assessor, o Tribunal de Contas, custam R$ 1,2 bilhão por ano aos cofres públicos. É valor alto, proporcionalmente superior ao da Assembleia de São Paulo, estado com população três vezes maior.

Fernando Pessoa: Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Carla Visi: Tristeza pé no chão