sábado, 10 de novembro de 2018

Opinião do dia: José Arthur Giannotti

"À medida que se perde esse território comum, aumenta-se a desigualdade, e o sistema econômico perde a legitimidade que teve, abre-se espaço para a radicalização, estreitando o espaço para posições de centro. Não é coincidência que a ascensão da extrema-direita se deu nos anos 1930 e agora no pós-crise de 2008. A direita sabe explorar muito bem o medo e a raiva do cidadão comum".

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José Arthur Giannotti é professor de filosofia, em “A Era dos Extremos”, Eu & Fim de Semana / Valor Econômico, 9/11/2018.

Merval Pereira: A conta chegou

- O Globo

Tucanos estão presos a uma contradição, pois não conseguem se desvencilhar de uma aliança carcomida com o PMDB

A primeira-dama Ruth Cardoso, a propósito do acordo político fechado por seu marido Fernando Henrique com o Partido da Frente Liberal, hoje Democratas (DEM), disse uma frase que ficou célebre: “O meu PFL não é o mesmo do Antonio Carlos”, referindo-se ao então governador da Bahia.

Tantos anos depois, a mesma frase está sendo dita a voz pequena por renomados tucanos, atualizada: “O PSDB do Dória não é o meu PSDB”. O inevitável está acontecendo. A partir da eleição de João Dória para o governo de São Paulo, ele está avançando sobre a direção nacional do partido, cuja presidência o ex-governador de São Paulo e candidato derrotado à presidência da República Geraldo Alckmin vai deixar em maio.

Já está tudo certo para que o deputado Bruno Araujo, aliado do senador e deputado federal eleito Aécio Neves, assuma o comando, o que confirma a permanência do partido no apoio do governo Temer para, em seguida, bandear-se para o governo Bolsonaro.

“Não com o meu apoio”, já disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em diversas conversas reservadas, aguardando o momento certo para abrir oficialmente a dissidência, que será o ponto de partida para a formação de outro, reunindo dissidentes de várias legendas.

Míriam Leitão: A contrarreforma da Previdência

- O Globo

Uma mudança tímida nas regras para a previdência não vai resolver o desequilíbrio das contas e pode agravar a desigualdade entre os regimes

A melhor maneira de não fazer a reforma da Previdência é aprovar pequenas mudanças, uma meia-sola que dê a impressão que ela já foi feita e, assim, permita aos políticos fugirem do incômodo assunto. Uma contrarreforma. A proposta apressada de fazer “alguma coisa” vai aprofundar e não diminuir as desigualdades entre os regimes, além de economizar pouco. Aprovar o projeto do governo Michel Temer seria melhor do que fazer mudança de afogadilho. Mas o ideal é buscar uma reforma que alcance todos os brasileiros.

O governo Jair Bolsonaro chega com a força da consagração das urnas. Este é o momento das tarefas difíceis. Mas gastar esse capital político com uma falsa reforma, apenas criará a ficção de que a mudança foi aprovada. Seria o mesmo que fez a ex-presidente Dilma. Ela apresentou uma proposta de alterações tímidas. O que acabou saindo do Congresso foi o fim do fator previdenciário e a fórmula 85/95.

Não há como escapar da idade mínima, nem da redução da desigualdade entre os sistemas. O problema da reforma de Michel Temer é que ela foi sendo enfraquecida no debate. Era um governo curto, de transição, e que ficou mais fraco quando foi atingido pela denúncia de corrupção, após a revelação da sua conversa com o empresário Joesley Batista que, aliás, ontem foi preso novamente. Agora, será um governo novo, saído das urnas, e com um ministro da economia que tem sólida convicção da necessidade de equilíbrio fiscal no país.

João Domingos: Oposição pelo País

- O Estado de S.Paulo

À exceção do PT, centro e centro-esquerda rejeitam a ideia de um terceiro turno

A eleição de Jair Bolsonaro para presidente da República e tudo o que ela carrega, a exemplo do reforço do conservadorismo nos costumes e da pauta anticorrupção e pró-segurança, trará mudanças profundas na forma de se fazer política no Brasil. À exceção do PT, que pelo menos no discurso vê tudo como parte de uma conspiração maligna, da qual só não participou Satanás, por ser difícil acreditar em tal criatura dos infernos, partidos de centro e de centro-esquerda olham para trás e fazem autocrítica. Por que foram rejeitados?

Foram rejeitados porque perderam a comunicação com o eleitor, porque não souberam usar as novas mídias para passar suas mensagens, porque ficaram presos a velhos hábitos, porque não resistiram à tentação de se agarrar a propostas fundamentalistas para atacar um candidato que, a cada pancada, aumentava sua resistência. E onde estava a grande força de resistência de Bolsonaro? Na comunicação direta com o eleitor, feita pelas redes sociais em mensagens capazes de serem assimiladas pela população, pois em linguagem simples e direta, aquilo que ela queria ouvir.

Portanto, a depender dos partidos de centro e de centro-esquerda, à exceção do PT, é bom lembrar, não haverá terceiro turno. Estão todos, nesse momento, em busca de um jeito de mudar sua forma de fazer política e se reencontrar com o eleitor. PSB, PPS, Rede, a ala social-democrata do PSDB e alguns emedebistas deram início as conversações que convergem para um ponto: não farão oposição ao governo de Bolsonaro simplesmente por fazer oposição. Naquilo que discordarem, votarão contra; naquilo que concordarem, votarão a favor.

Adriana Fernandes: Efeito Brasília

- O Estado de S. Paulo

O presidente eleito teve um encontro nada fácil com a capital federal

O Orçamento de 2019 é o próximo alvo das lideranças políticas que manobraram as votações ao longo da semana no Congresso e impuseram perdas importantes ao presidente eleito, Jair Bolsonaro.

A principal delas é o reajuste dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com efeito cascata para os Estados.

Há risco de a lei orçamentária não ser aprovada até o fim do ano por conta de manobras protelatórias já esperadas do presidente do Congresso, Eunício Oliveira (MDB-CE). Aliado do PT e sem mandato a partir de 2019, Eunício já deu o tom do estrago que pode fazer nas poucas semanas que faltam dos trabalhos legislativos. Terá muito poder até lá para detonar novas votações.

Em entrevista ao repórter Felipe Frazão do Estado, o emedebista soltou o verbo e avisou que, “até o último dia em que for presidente, ninguém vai interferir nesse Poder”. Eunício contou, com certo desdém, que o senador eleito major Olímpio (PSL-SP), um dos principais aliados de Bolsonaro, ao lhe procurar para pedir o seu gabinete e um apartamento funcional, lhe disse: “Olha, eu estou com vergonha de que alguém não tenha procurado o presidente do Congresso sobre pautas aqui”.

Sem Orçamento, Bolsonaro e o seu superministro da Economia, Paulo Guedes, terão de gastar tempo no início do novo governo negociando a votação da peça orçamentária.

Almir Pazzianotto Pinto: Preocupações injustificadas

- O Estado de S. Paulo

Se em algum porão é articulada a ideia de golpe, não brota do próximo governo

Análises objetivas, baseadas em fatos concretos, levam-me a acreditar que são injustificados os temores de golpe contra o Estado Democrático de Direito, apregoados durante a campanha presidencial. Desde a promulgação, há pouco mais de 30 anos, a Constituição tem ultrapassado rigorosas provas de resistência e força, como se observou durante os processos de impeachment de Fernando Collor e Dilma Rousseff, nas ações penais do mensalão e da Operação Lava Jato, na condenação e prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Continua presente em nossa memória o golpe militar de 1964. Não me parece ser esta a ocasião para discutir se foi golpe, contragolpe, movimento militar, quartelada ou revolução. O fato é que a queda de João Goulart era tragédia previsível desde o momento em que, com uma imprudência que beirava os limites da insanidade, apoiou a grande greve de outubro de 1963 e passou a estimular a violação dos princípios de hierarquia e disciplina que regem as Forças Armadas, por praças e sargentos.

Acreditava em imaginários dispositivos militar e sindical que lhe dariam sustentação. A partir, porém, do momento em que o general Olímpio Mourão Filho pôs na estrada a infantaria do I Exército, aquartelada em Juiz de Fora, constatou que estava isolado e indefeso. A rápida adesão de governos estaduais e de poderosas unidades das Forças Armadas convenceu o presidente Goulart a bater em retirada. Do Rio de Janeiro, onde estava no dia 31 de março, voou para Porto Alegre e, após breve escala em Brasília, seguiu para Montevidéu a fim de pedir asilo ao governo uruguaio.

No espaço de horas o governo deixava de existir e o Comando Supremo da Revolução assumia o poder. No dia 9 de abril foi baixado o primeiro ato institucional, em que se afirmava, sem meias palavras: A revolução vitoriosa se investe do Poder Constitucional. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo. Nela se contém a força normativa, inerente ao Poder Constituinte.

Confirmava-se a profecia relatada no livro Jango, um Depoimento Pessoal, no qual o autor, João Pinheiro Neto, registrou que, quando exercia o cargo de ministro do Trabalho, Jango lhe dizia: “Tu que és um menino inteligente, diga a esses homens (referia-se às lideranças sindicais) que não forcem demais, que me deixem um pouco tranquilo”. E acrescentava: “Podes anotar, se me apertarem demais e eu cair, virá por aí uma ditadura militar que vai durar vinte anos. E quando isso acontecer, os nossos líderes sindicais não poderão andar nem na rua (Ed. Record, RJ, 1993, pág. 39).

Demétrio Magnoli: Política externa como imitação

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro inova ao eleger o mimetismo como doutrina de política externa

“Israel é um Estado soberano. Vocês decidem qual é sua capital e nós vamos segui-los.” A promessa de campanha de Bolsonaro, reiterada ao jornal Israel Hayom e comunicada ao governo de Netanyahu, inaugura um novo estilo de política externa. O Brasil desiste de identificar seus interesses nacionais e passa a agir por imitação. Explicitamente: “vejo em Trump um modelo a seguir”, disse o presidente eleito ao mesmo jornal. É bem mais que um giro ideológico.

O lulismo inseminou a política externa brasileira com o esperma da ideologia. Havia precedentes. No regime militar, de Castelo a Médici, importamos o compasso da Guerra Fria para nossas relações internacionais. Antes disso, entre 1961 e 1964, sob a chamada Política Externa Independente, o Itamaraty foi submetido aos axiomas do terceiro-mundismo. Lula e seu chanceler, Celso Amorim, atualizaram o manual terceiro-mundista, revestindo um antiamericanismo dogmático com a película retórica da busca de um sistema multipolar. Mas Bolsonaro inova ao eleger o mimetismo como doutrina de política externa.

Na arena do sistema internacional, as nações defendem seus interesses, que ganham distintas traduções e refletem, até certo ponto, as oscilações políticas internas. Contudo, por definição, os interesses nacionais são nacionais —ou seja, nunca coincidem perfeitamente com os interesses de outras nações.

O caso da transferência de embaixadas é emblemático. Trump atende à voz da ideologia, não aos interesses dos EUA, ao transferir a embaixada para Jerusalém. Ao menos, porém, seu gesto tem impacto real, contribuindo com o projeto de Netanyahu de esterilizar a via da paz em dois Estados. Já o gesto de Bolsonaro é uma proclamação puramente simbólica, de um ator irrelevante no contexto do Oriente Médio.

Hélio Schwartsman: F65.0

- Folha de S. Paulo

A obsessão de Bolsonaro em reduzir drasticamente o número de ministérios é só um símbolo

F65.0 é o código da CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) para o fetichismo. A fixação erótica num objeto inanimado ou numa parte não genital do corpo é só um tempero sexual se não tem impacto negativo na vida do portador, mas torna-se patológica quando lhe causa forte estresse psicossocial ou produz outros efeitos adversos. Eu receio que, como sociedade, estejamos desenvolvendo um fetichismo em relação aos ministérios.

O problema, como sempre, são os nossos cérebros. Eles não gostam de lidar com complexidade e, por isso, se aproveitam de qualquer atalho cognitivo que apareça pelo caminho.

Assim, o ativista de direitos humanos ou a militante feminista, por exemplo, atônitos diante da caleidoscópica multiplicidade de pautas que gostariam de promover, acabam elegendo a criação do Ministério de Direitos Humanos ou do Ministério da Mulher como objetivo preferencial de sua atuação. E, uma vez atingida a meta, passam a considerar uma eventual extinção da pasta como a negação dos próprios direitos humanos ou da agenda feminista.

Julianna Sofia: Acerto de contas já

- Folha de S. Paulo

Com reajuste aprovado, STF pode empurrar com a barriga fim do auxílio-moradia

Recompensados com um reajuste de 16,38%, ministros do Supremo Tribunal Federal externam pouca pressa em debater a contrapartidano acordo para elevar seus ganhos. Dias Toffoli não havia sequer sentado na cadeira da presidência da corte quando confabulou com Michel Temer, em agosto, uma forma engenhosa para travestir o aumento. Aprova-se o percentual; abole-se o auxílio-moradia.

"Eu já disse publicamente: (o prazo será) quando o Senado deliberar sobre a revisão, que a Câmara dos Deputados já aprovou", declarou o já presidente do STF à Folha, quando indagado sobre a data para julgar o benefício. "Não é aumento. É revisão das perdas inflacionárias de 2009 a 2014. Uma vez aprovado isso, vota (no STF) o auxílio-moradia."

Reajuste aprovado, cabe a Toffoli garantir o acerto de contas já.

Mas seus pares mostram-se inconsonantes. Luiz Fux está silente. Sua tarefa como relator é liberar as ações para julgamento pelo plenário. Dos demais ministros, quase nada se ouviu sobre a extinção do auxílio nos dias seguintes à votação no Senado. Pelos corredores do tribunal, comenta-se redigir nova alínea para o acordão e deixar o debate para depois que Temer sancionar o aumento aprovado pelo Congresso.

Ricardo Noblat: Presidente à procura de uma ideia

- Blog do Noblat

Cortar ou respeitar direitos?

É tão gigantesca a necessidade do presidente eleito Jair Bolsonaro de manter-se em evidência nas redes sociais que muitas vezes à falta do que dizer ele diz alguma coisa e o seu contrário. Até nisso copia Donald Trump.

A propósito da reforma da Previdência que só dependeria de uma “prensa” no Congresso para ser aprovada, segundo o economista Paulo Guedes, Bolsonaro escreveu no Facebook o que empresários sopram ao seu ouvido.

“O que queremos é destravar a economia. Esse é o caminho. Os empresários têm dito para mim que nós temos que decidir: ou todos os direitos e desemprego ou menos direitos e emprego”, repetiu Bolsonaro.

Para em seguida emendar na contramão do que havia dito: “O Brasil é um país dos direitos”, todos previstos na Constituição, e por isso mesmo ele, Bolsonaro, simplesmente se recusa a eliminar tais direitos.

Ora, ora, ora… A concordar que é preciso suprimir direitos dos trabalhadores para que seja possível criar mais empregos, Bolsonaro não pode se opor a subtrair direitos, mesmo se previstos na Constituição.

De fato, os empresários podem querer, o futuro xerife da economia recomendar, mas Bolsonaro ainda não faz a mínima ideia sobre o tamanho da reforma da Previdência que imagina bancar quando assumir o cargo.

A título de sugestão, talvez fosse o caso de ele ouvir vozes que despreza ou que não se fazem escutar no seu entorno.

Entrevista - Terminou o ciclo social-democrata do PSDB, é um tempo que passou, diz Alberto Goldman

Para ex-governador de São Paulo e membro da executiva tucana, é cedo para dizer que João Doria vai assumir controle do partido

Ricardo Kotscho | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Aos 81 anos, com quase 50 de vida política, o ex-governador Alberto Goldman, um dos tucanos históricos ainda em atividade, não se espanta com mais nada.

Em seu confortável apartamento em Higienópolis, ele acompanha o noticiário e não se preocupa com a ofensiva do seu antagonista João Doria para tomar o PSDB.

Vice-presidente do PSDB até o ano passado e membro da executiva, Goldman vai se opor à adesão incondicional a Bolsonaro, como quer Doria, e não acredita que o partido vá acabar ou sofrer um novo racha, como aconteceu quando entrou no governo Temer.

• Em conversas após as eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso revelou o seu medo de que o PSDB acabe. O sr. também tem esse receio?

Não tenho medo de que acabe e nem de que continue. Os partidos são instrumentos de atividade política e, se em algum momento, deixar de ser útil, poderemos reformar ou até mudar esse instrumento.

• Doria quer antecipar e propor a troca de comando do PSDB, prevista para o próximo ano, já em reunião do partido de 22 de novembro. Será possível?

Se dependesse dele, seria ontem, mas ele é apenas um governador eleito, basicamente pelos votos que capturou na aliança com Bolsonaro. A partir dessa reunião da executiva, vamos aprovar as convenções em maio e marcar um congresso para rever o programa.

• Dos 29 deputados da bancada federal do PSDB, 15 já declararam que pretendem integrar a base de Bolsonaro. O partido pode rachar de novo?

Uma coisa fundamental para o futuro é que o partido tenha unidade de ação, não é unidade de pensamento. Depois do desastre que sofremos nas eleições, essa divisão dificilmente voltará a acontecer.

A Era dos Extremos

Candidaturas com programas e discursos mais radicais se destacaram na urnas de várias nações

Fora do centro

Por Danilo Thomaz | Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em novembro de 2008, o então senador republicano John McCain, em discurso de aceitação de derrota no Arizona, teve que pedir a seus apoiadores para interromper as vaias quando citou o nome de seu adversário na corrida presidencial, o democrata Barack Obama. O ruído que o impediria de seguir com o pronunciamento reproduziu-se com a mesma intensidade, mas em tom positivo, ao homenagear sua companheira de chapa, a ex-governadora do Alasca Sarah Palin, representante de uma ala mais radical do partido. Era a segunda vez, em um mês, que o republicano precisava pedir moderação a seus apoiadores, que buscavam atacar a figura de Obama com informações falsas.

A cena era um prenúncio do que se tornaria a disputa política nos EUA a partir de então. A reação à crise e à eleição de Obama levariam, já em 2009, à ascensão do Tea Party, movimento conservador e anti-establishment que defendia, de forma virulenta, a redução nas tarifas de impostos, restrições à imigração, maior flexibilização do porte de armas e punição aos grandes investidores de Wall Street, considerados responsáveis pela crise de 2008.

O movimento, que tinha em Sarah Palin um de seus símbolos, foi o primeiro passo de uma nova direita dentro do Partido Republicano, que, sete anos depois, voltaria à Casa Branca por meio de um outsider, Donald Trump, que surpreendeu e sacodiu o establishment político americano. Nesta semana, Trump considerou o resultado das eleições de meio mandato presidencial um "tremendo sucesso", após os republicanos ampliarem o controle do Senado, apesar de terem perdido a maioria na Câmara.

Do lado democrata, a disputa havia surpreendido na fase das primárias da eleição de 2016 com a ascensão do senador Bernie Sanders, que se declara socialista. Derrotado por Hillary Clinton, escolhida candidata pela maioria dos delegados e superdelegados do partido, Sanders levou consigo uma vitória moral. Tanto pelo apoio junto aos jovens quanto pelo fato de as pesquisas na época mostrarem que ele, com sua agenda nacionalista e social, seria o democrata a derrotar Trump, também defensor de uma agenda nacionalista econômica. Sanders conseguiu, ainda, levar de volta para o vocabulário político americano o adjetivo "socialista".

O esvaziamento do centro político e a ascensão de candidatos e programas partidários próximos aos extremos do sistema político é o cerne do estudo Nacionalismo Econômico, em desenvolvimento no Peterson Institute for International Economics, um dos principais centros de pesquisa dos EUA. A pesquisa é coordenada pela economista Monica de Bolle, pesquisadora do instituto e diretora dos estudos em América Latina e Mercados Emergentes da Johns Hopkins.

O levantamento, realizado a partir das propostas partidárias de candidatos dos países que compõem o G20, classifica o nacionalismo econômico em várias nações, comparando as plataformas políticas e econômicas dos partidos nos períodos anterior e posterior à crise de 2008.

A pesquisa definiu sete pontos para a análise: os tipos de políticas de concorrência, industrial e comercial; o nível de abertura ao capital estrangeiro; o tipo de política macroeconômica; a relação com organizações multilaterais e a abertura e restrição à imigração.

Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, o consenso social-democrata liberal, uma marca do mundo entre 1989 e início dos anos 2000, estava muito presente nas plataformas partidárias, mostra a pesquisa. Depois da crise de 2008, é possível identificar um aumento de propostas nacionalistas. Esse fortalecimento, até o momento, é mais percebido nas economias desenvolvidas, como EUA e Inglaterra, pelo abalo sofrido diante da crise econômica.

"Quando você olha o programa dos republicanos pré e pós-crise, houve um 'swing' nacionalista. O programa dos republicanos em 2016 é bem mais nacionalista e em cima da política e da retórica de Trump, que é bem nacionalista. Nos EUA o que diferencia [hoje] os republicanos e os democratas é a agenda de costumes e o progressismo cultural", afirma Monica. "Na política econômica, os democratas mais radicais têm uma postura muito intervencionista. Assim como os republicanos. A identidade de um partido e de outro está se colocando na questão de costumes."

Na Inglaterra, uma convergência de propostas também foi observada ao comparar o Partido Conservador e o Partido Trabalhista, diante do esvaziamento do centro. Nas eleições de 2005 para o Parlamento Britânico, o Partido Liberal Democrata, de centro, conquistou 62 assentos, a maior bancada de sua história. Caiu para 57 em 2010, após a crise, quando compôs com os conservadores liderados por David Cameron. Nas eleições seguintes, em 2015, fez 8 assentos. Subiu para 12 em 2017.

Segundo a economista, essa aproximação entre os programas dos partidos majoritários do Reino Unido se deu pela preocupação extrema com o trabalhador britânico, que era tradicional dos trabalhistas. "Hoje tem uma convergência imensa entre um campo e outro. A única coisa em que eles não convergem é no Brexit [defendido pelo Partido Conservador]", afirma Monica. "Em todo resto, eles convergem: na questão migratória, na política industrial, no objetivo maior de políticas econômicas para garantir emprego no Reino Unido para os britânicos. Se você não soubesse que estava lendo o manifesto dos conservadores, você acharia que está lendo o dos trabalhistas."

Nova CLT, 1º ano: Editorial | Folha de S. Paulo

Geração de empregos foi baixa nos primeiros 12 meses da reforma trabalhista

O primeiro aniversário da reforma trabalhista, neste domingo (11), não merecerá maiores comemorações. Para os críticos da lei, que flexibilizou a jornada de trabalho e acabou com a contribuição sindical obrigatória, a mudança não criou os empregos prometidos.

Entre os que reconhecem avanços, aponta-se que ainda falta segurança jurídica para fazer deslanchar as contratações —o que, de todo modo, depende basicamente do estado geral da economia.

A geração de vagas formais, de fato, foi pequena no período de vigência da legislação. Entre novembro de 2017 e setembro deste ano, abriram-se 298,3 mil postos com carteira assinada.

A cifra ficou muito abaixo da expectativa do governo Michel Temer (MDB), que chegava a 2 milhões —o país tem hoje 38,6 milhões de celetistas.

As novas possibilidades de contratos, como o trabalho intermitente, ainda não têm sido usadas em larga escala. Foram apenas 35,3 mil empregos nessa modalidade.

É equívoco, entretanto, culpar a reforma pelo baixo dinamismo do mercado de trabalho. Ao longo deste ano, sobretudo desde a paralisação dos caminhoneiros, as projeções para o crescimento do Produto Interno Bruto foram sendo continuamente rebaixadas, de quase 3% para menos de 1,5%.

Leniência levou 18 estatais a ampliar folha em 124%: Editorial | O Globo

É inaceitável sustentar empresas públicas que pagam bônus sobre prejuízos acumulados

Depois de privatizar quatro subsidiárias da Eletrobras, ainda resta ao governo federal um acervo de 138 empresas estatais ativas. Nos estados e municípios, existem outras 250. Se nas empresas federais os sistemas de controle interno eram quase inexistentes, como está demonstrado nos processos da Operação Lava-Jato, não é preciso esforço para imaginar como funciona a maioria das estaduais e municipais.

Em junho, o Ministério do Planejamento contou 505 mil empregados nesse conjunto de 138 estatais federais. O censo não inclui, por óbvio, os chamados terceirizados. O quadro geral mostra que houve aumento constante nas contratações durante as administrações de Lula e Dilma Rousseff. O ex-presidente entregou o governo com um efetivo 14% maior nas estatais. Com Dilma, houve um acréscimo de 11,4%, chegando-se ao recorde de 555 mil funcionários.

É, praticamente, uma folha paralela à da União. Sob Michel Temer, houve redução de cerca de 10%, para 505 mil, como efeito de algumas privatizações, incentivos e aposentadorias. Porém, num exame mais detalhado, percebe-se que parte significativa do aumento de pessoal ocorreu num grupo especial de 18 estatais federais. Elas dependem de repasses do Tesouro para abrir as portas.

O número de empregados nessas empresas cresceu nada menos que 124,4% nos últimos 12 anos e seis meses. Eram 34,6 mil em 2006. Agora são 77,6 mil. O salto (82,7%) aconteceu sob Dilma. Muitas dessas estatais surgiram de iniciativas delirantes como o projeto do trem-bala, logo descarrilado. Permanecem aí, mesmo sem utilidade à sociedade que paga as contas.

Fim da mordaça: Editorial | O Estado de S. Paulo

Por longos 3.327 dias - mais de nove anos, portanto -, o jornal O Estado de S. Paulo chegou a seus leitores, todos os dias, sob censura. Não houve outro atentado à liberdade que tenha calado um veículo de informação por tanto tempo desde a redemocratização do País e a promulgação da Constituição de 1988.

Um dia de imprensa amordaçada já seria tempo mais do que insuportável para nações que vivem sob a égide do Estado Democrático de Direito. O que explica, então, tamanha demora até que a censura imposta ao Estado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), em 2009, fosse, enfim, derrubada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF)?

Em 31 de julho daquele ano, o desembargador Dácio Vieira, do TJDFT, proibiu o Estadode publicar notícias sobre a Operação Boi Barrica. A ação da Polícia Federal (PF) apurou o envolvimento de Fernando Sarney, filho do então presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), em um esquema de contratação de parentes e afilhados políticos do ex-presidente da República por meio de atos secretos do Senado.

O desembargador Dácio Vieira, que à época mantinha relações sociais com José Sarney, acolheu recurso interposto por Fernando Sarney contra a decisão do juiz Daniel Felipe Machado, da 12.ª Vara Cível de Brasília, que havia negado a censura prévia a este jornal, e concedeu liminar proibindo a publicação de notícias sobre a Operação Boi Barrica. Poucos meses depois da decisão, o Conselho Especial do TJDFT declarou a suspeição de Dácio Vieira. Mesmo após a mudança do desembargador relator e nova análise do processo pela 5.ª Turma Cível do TJDFT, a censura foi mantida.

Euclides da Cunha é o autor homenageado da Flip 2019

Ele foi correspondente do ‘Estado’ em Canudos e saiu da guerra com o embrião de seu clássico monumental ‘Os Sertões’; a Flip 2019 será realizada de 10 a 14 de julho de 2019, em Paraty

Maria Fernanda Rodrigues | O Estado de S. Paulo

Engenheiro, militar, funcionário público, jornalista e autor de um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Euclides da Cunha (1866–1909) será o escritor homenageado da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip 2019), a ser realizada de 10 e 14 de julho.

A escolha tem a ver com a vontade de Fernanda Diamant, a nova curadora da Flip, de investir mais em não ficção na programação do evento em 2019. “Os Sertões é o primeiro clássico de não ficção brasileira, uma obra exemplar. Uma não ficção que é uma grande literatura”, diz.

Nascida nas páginas do Estado, então Província de São Paulo, quando Euclides cobriu a Guerra de Canudos (1896–1897) para o jornal, a obra monumental lançada em 1902 vai dar, imagina Fernanda, muito pano para manga no palco da Flip, já que deverá suscitar discussões sobre questões que mobilizam os brasileiros.

“Os Sertões é uma obra que tem muita conversa com o que está acontecendo no Brasil hoje. Para além da maravilha literária, é uma obra jornalística, a cobertura de um conflito que terminou em massacre”, diz Fernanda.

Nesse contexto, o autor e sua obra ensinam a olhar as coisas mais de perto, a valorizar o jornalismo e a reportagem, ela comenta. “Euclides tinha idealizações a respeito de tudo e, quando vai conferir de perto, fica muito tocado pelo que vê e muda, aprende. Temos que aprender com a nossa história, com os nossos fracassos e vitórias.”

Uma biografia à altura da grandeza de Jorge Amado

Por Oscar Pilagallo | Para o Valor Econômico | Eu & Fim de Semana

O livro é um porto seguro, a partir do qual, com repertório reabastecido, parte-se para ler, ou reler, Jorge Amado

SÃO PAULO - Em 1939, numa festa de São João na casa dos pais de Jorge Amado, Dorival Caymmi pega o violão e entoa "É doce morrer no mar", frase que lera em "Mar Morto", até então o mais lírico romance do escritor baiano, publicado três anos antes. Amado completaria os versos da antológica canção, a primeira parceria dos dois. Duas décadas depois, Amado recebe em casa João Gilberto, de quem fora padrinho do primeiro casamento, para compor a trilha de "Seara Vermelha", filme baseado no livro que integrou a fase de romances de temática social do autor. Lá nascia "Indiú", palavra que remete ao canto do pássaro que, no meio da madrugada, parecia repetir na gaiola a melodia cantada por João.

Os dois registros, anotados na aguardada biografia de Joselia Aguiar, dão a dimensão do alcance da produção de Jorge Amado. Desde meados da primeira metade do século passado, o festejado escritor estava presente no panorama da cultura popular brasileira mesmo em áreas em que não se destacou, como a música. Afinal, não sabia nem assobiar e sua letra não chegou a ser aproveitada na versão gravada pelo criador da batida de violão da bossa nova.

As passagens não valem apenas pelo caráter anedótico que enriquece a narrativa. São ilustrativas do plano da obra, que, mesmo ao abordar pontos fora da curva, privilegia histórias reveladoras do eixo de atuação de um personagem tentando se equilibrar entre a militância comunista e a literatura de agrado popular.

O Amado que emerge do alentado e criterioso trabalho da pesquisadora tem a humanidade de seus melhores tipos, pleno de contradições. É expansivo e recolhido, audacioso e hesitante, materialista e frequentador do candomblé. É também um autor movido pelo desejo de criar, não acomodado ao sucesso obtido desde a juventude, divulgador incansável da cultura afro-brasileira de sua terra e crítico ferrenho das injustiças sociais. Joselia aponta interconexões improváveis exploradas pelo escritor. "Jubiabá", de 1935, por exemplo, o primeiro a conquistar público e crítica, é uma ficção que não esconde a pretensão de ser um instrumento de combate político. "Na figura do pai de santo Jubiabá, o candomblé é concebido como uma resistência à sociedade branca e burguesa."

"Capitães da Areia", de 1937, mantém o vigor realista da primeira safra, de "Cacau" e "Suor", concebidos como romances proletários, mas é mais bem realizado, na intuição do próprio autor. Muito lido ainda hoje, teve um lançamento conturbado. Foi recolhido e queimado pela ditadura do Estado Novo, que chegou a prender o escritor em Manaus, em rota para um exílio. "No xilindró manauara, escutou um dos policiais contar que andava a vender clandestinamente muitos dos seus livros apreendidos, pois a procura era grande e o lucro, certo."

Biografia - Amado na ficção e na vida real

Por Rachel Bertol | Eu & Fim de Semana | Valor Econômico

RIO - Em uma visita a Moscou, diante da Catedral de São Basílio, Jorge Amado (1912-2001) não hesitou em repreender seu guia, no auge do regime soviético, quando ele lhe disse que aquele símbolo "de feudalismo e superstição" deveria ser destruído e não restaurado. O regime de Stálin perseguia a Igreja Ortodoxa (sendo a religião execrada sob o comunismo), mas o autor de "Jubiabá" não se deixou embalar pelo sectarismo: "Se você ama mesmo a sua pátria e o regime soviético, nunca mais repita essa bobagem". Amado e Zélia Gattai (1916-2008), sua mulher, realizavam um antigo sonho, de visitar a capital da URSS pela primeira vez, no período em que viveram exilados na Europa entre 1948 e 1952, por causa da militância comunista do autor.

Em "Jorge Amado - Uma Biografia" (Editora Todavia, 640 páginas, R$ 63,12), que chega às livrarias neste mês, a jornalista Joselia Aguiar tempera a narrativa sobre a vida do escritor mais popular da literatura brasileira no século XX com breves lances como esse, que ilustram uma personalidade cativante. Baiana como Amado, ela mostra como o autor de 35 livros, que começou a carreira em 1931 e a encerrou nos anos 90, fundiu vida e obra como poucos, mesclando suas peripécias ficcionais às reais.

"É um personagem delicioso: há momentos engraçados, tristes, com reviravoltas literárias, momentos em que você acha que acabou, e ele volta", afirma Joselia, que levou sete anos para concluir a obra e continua sua pesquisa para um doutorado em história que realiza na Universidade de São Paulo (USP), sobre as relações latino-americanas de Amado. É a segunda biografia do autor - a primeira data de 1961.

Ao longo da pesquisa, que bancou sozinha (inclusive o apoio de duas ajudantes no exterior, uma na República Tcheca e outra na Rússia), Joselia encontrou uma série de documentos inéditos. Um dos mais importantes foram os originais de "Rui Barbosa Nº 2", o segundo livro escrito pelo autor. Nele há um personagem chamado Archanjo, "tocado pela questão racial", diz Joselia, que vai reaparecer em "Tenda dos Milagres", de 1969. Às questões étnicas se soma a presença da religiosidade.

Desde "Jubiabá", seu quarto romance, publicado em 1935, quando tinha 23 anos, Amado já punha em cena personagens negros, num tempo em que isso ainda era raro no país. Jubiabá é um pai de santo, mas quem domina o enredo é o herói negro, Antônio Balduíno. Joselia conta que o livro foi recebido pela crítica como "um passo a mais" na trajetória do escritor, que reuniu 37 recortes de jornal a respeito para impressionar o pai, "coronel" de cacau na Bahia. E houve outra conquista: foi lançado na França pela prestigiosa editora Gallimard. Um título em Paris na época significava projeção internacional. Assim, o autor iniciou a façanha de ter sido o brasileiro mais traduzido no século XX.

"Quando comecei a pesquisa, eu me dei conta de que ia ser impossível falar dele sem contar o que acontecia literariamente e politicamente", afirma Joselia. Por isso, o livro de mais de 500 páginas oferece uma narrativa movimentada por múltiplos episódios históricos e personalidades como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Érico Verissimo, Pablo Neruda, Pablo Picasso, José Saramago, Carybé, Luiz Carlos Prestes.

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A Benedito Coutinho

Contemplando a maré baixa
nos mangues do Tijipió
lembro a baía de Dublin
que daqui já me lembrou.Em meio à bacia negra
desta maré quando em cio,
eis a Albufera, Valência,
onde o Recife me surgiu.As janelas do cais da Aurora,
olhos compridos, vadios,
incansáveis, como em Chelsea,
vêem rio substituir rio,e essas várzeas de Tiuma
com seus estendais de cana
vêm devolver-me os trigais
de Guadalajara, Espanha.Mas as lajes da cidade
não me devolvem só uma,
nem foi uma só cidade
que me lembrou destas ruas.As cidades se parecem
nas pedras do calçamento
das ruas artérias regando
faces de vário cimento,por onde iguais procissões
do trabalho, sem andor,
vão levar o seu produto
aos mercados do suor.Todas lembravam o Recife,
este em todas se situa,
em todas em que é um crime
para o povo estar na rua,em todas em que esse crime,
traço comum que surpreendo,
pôs nódoas de vida humana
nas pedras do pavimento.

( Em Paisagens com Figuras -1954)