Candidaturas com programas e discursos mais radicais se destacaram na urnas de várias nações
Fora do centro
Por Danilo Thomaz | Eu & Fim de Semana | Valor Econômico
SÃO PAULO - Em novembro de 2008, o então senador republicano John McCain, em discurso de aceitação de derrota no Arizona, teve que pedir a seus apoiadores para interromper as vaias quando citou o nome de seu adversário na corrida presidencial, o democrata Barack Obama. O ruído que o impediria de seguir com o pronunciamento reproduziu-se com a mesma intensidade, mas em tom positivo, ao homenagear sua companheira de chapa, a ex-governadora do Alasca Sarah Palin, representante de uma ala mais radical do partido. Era a segunda vez, em um mês, que o republicano precisava pedir moderação a seus apoiadores, que buscavam atacar a figura de Obama com informações falsas.
A cena era um prenúncio do que se tornaria a disputa política nos EUA a partir de então. A reação à crise e à eleição de Obama levariam, já em 2009, à ascensão do Tea Party, movimento conservador e anti-establishment que defendia, de forma virulenta, a redução nas tarifas de impostos, restrições à imigração, maior flexibilização do porte de armas e punição aos grandes investidores de Wall Street, considerados responsáveis pela crise de 2008.
O movimento, que tinha em Sarah Palin um de seus símbolos, foi o primeiro passo de uma nova direita dentro do Partido Republicano, que, sete anos depois, voltaria à Casa Branca por meio de um outsider, Donald Trump, que surpreendeu e sacodiu o establishment político americano. Nesta semana, Trump considerou o resultado das eleições de meio mandato presidencial um "tremendo sucesso", após os republicanos ampliarem o controle do Senado, apesar de terem perdido a maioria na Câmara.
Do lado democrata, a disputa havia surpreendido na fase das primárias da eleição de 2016 com a ascensão do senador Bernie Sanders, que se declara socialista. Derrotado por Hillary Clinton, escolhida candidata pela maioria dos delegados e superdelegados do partido, Sanders levou consigo uma vitória moral. Tanto pelo apoio junto aos jovens quanto pelo fato de as pesquisas na época mostrarem que ele, com sua agenda nacionalista e social, seria o democrata a derrotar Trump, também defensor de uma agenda nacionalista econômica. Sanders conseguiu, ainda, levar de volta para o vocabulário político americano o adjetivo "socialista".
O esvaziamento do centro político e a ascensão de candidatos e programas partidários próximos aos extremos do sistema político é o cerne do estudo Nacionalismo Econômico, em desenvolvimento no Peterson Institute for International Economics, um dos principais centros de pesquisa dos EUA. A pesquisa é coordenada pela economista Monica de Bolle, pesquisadora do instituto e diretora dos estudos em América Latina e Mercados Emergentes da Johns Hopkins.
O levantamento, realizado a partir das propostas partidárias de candidatos dos países que compõem o G20, classifica o nacionalismo econômico em várias nações, comparando as plataformas políticas e econômicas dos partidos nos períodos anterior e posterior à crise de 2008.
A pesquisa definiu sete pontos para a análise: os tipos de políticas de concorrência, industrial e comercial; o nível de abertura ao capital estrangeiro; o tipo de política macroeconômica; a relação com organizações multilaterais e a abertura e restrição à imigração.
Na virada dos anos 1990 para os anos 2000, o consenso social-democrata liberal, uma marca do mundo entre 1989 e início dos anos 2000, estava muito presente nas plataformas partidárias, mostra a pesquisa. Depois da crise de 2008, é possível identificar um aumento de propostas nacionalistas. Esse fortalecimento, até o momento, é mais percebido nas economias desenvolvidas, como EUA e Inglaterra, pelo abalo sofrido diante da crise econômica.
"Quando você olha o programa dos republicanos pré e pós-crise, houve um 'swing' nacionalista. O programa dos republicanos em 2016 é bem mais nacionalista e em cima da política e da retórica de Trump, que é bem nacionalista. Nos EUA o que diferencia [hoje] os republicanos e os democratas é a agenda de costumes e o progressismo cultural", afirma Monica. "Na política econômica, os democratas mais radicais têm uma postura muito intervencionista. Assim como os republicanos. A identidade de um partido e de outro está se colocando na questão de costumes."
Na Inglaterra, uma convergência de propostas também foi observada ao comparar o Partido Conservador e o Partido Trabalhista, diante do esvaziamento do centro. Nas eleições de 2005 para o Parlamento Britânico, o Partido Liberal Democrata, de centro, conquistou 62 assentos, a maior bancada de sua história. Caiu para 57 em 2010, após a crise, quando compôs com os conservadores liderados por David Cameron. Nas eleições seguintes, em 2015, fez 8 assentos. Subiu para 12 em 2017.
Segundo a economista, essa aproximação entre os programas dos partidos majoritários do Reino Unido se deu pela preocupação extrema com o trabalhador britânico, que era tradicional dos trabalhistas. "Hoje tem uma convergência imensa entre um campo e outro. A única coisa em que eles não convergem é no Brexit [defendido pelo Partido Conservador]", afirma Monica. "Em todo resto, eles convergem: na questão migratória, na política industrial, no objetivo maior de políticas econômicas para garantir emprego no Reino Unido para os britânicos. Se você não soubesse que estava lendo o manifesto dos conservadores, você acharia que está lendo o dos trabalhistas."