Para
ex-presidente, nome da terceira via em 2022 precisa conhecer bem realidade
brasileira
Por Cristiano
Romero / Valor Econômico
BRASÍLIA - Na polarização que se
desenha para a eleição de 2022, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(PSDB) afirma ser possível criar o “espaço” para uma terceira via competitiva que
enfrente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual, Jair
Bolsonaro (sem partido). Desde que a alternativa construa esse “espaço” com um
forte discurso de “progresso econômico”, que conheça a realidade brasileira e
não seja “anódina”. “É preciso ver quem é capaz de conversar com o Brasil. Não
pode ser o candidato da elite”, defende, em entrevista ao Valor.
Para
FHC, o Brasil “gosta de novidade” e a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos é
“positiva” por refletir “aqui de alguma forma” a possibilidade de se escolher
“uma candidatura que seja equilibrada”. O ex-presidente almeja, mas não enxerga
no momento o portador do perfil ideal para combater Lula e Bolsonaro em 2022:
alguém que exerça liderança nacional, “atenda aos mais pobres” e seja popular.
“Estamos
longe de ver alguém que simbolize essa diversidade, para ser um bom candidato
de oposição”, diz. “Há governadores que têm peso. Dizem que são candidatos, mas
eles não simbolizam nada nacionalmente”, acrescenta FHC, correligionário dos
governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite,
pré-candidatos na corrida presidencial.
Para
o tucano, “política não se faz com o passado”, mas com o futuro. Apesar disso,
a disputa em 2022, afirma, pode favorecer Lula. Em sua opinião, o petista, na
falta de uma terceira via competitiva, pode aglutinar forças do centro.
“Bolsonaro é mais extremo que o Lula. Se não aparecer uma [terceira]
candidatura, o Lula vai somar essa gente [que hoje faz oposição ao governo]
para enfrentá-lo”, diz o tucano, que tampouco é a favor do impeachment de
Bolsonaro. “Estamos muito longe de uma situação de impeachment. Bolsonaro está
governando. Então, acho que é insensato”, disse.
A
seguir, leia os principais trechos da entrevista ao Valor:
Valor: O senhor imaginou que o Brasil
fosse se tornar o epicentro da pandemia?
Fernando
Henrique Cardoso: Na minha casa falavam muito da gripe espanhola, que foi
algo muito difícil, mas nunca mais se falou de uma pandemia no sentido que
temos hoje. As pessoas não estavam, em geral, preparadas para isso. Quando o
governo não sinaliza a gravidade, é pior. A situação é muito complicada, o
número de mortos não para de crescer. E o pior é que os pequenos negócios na
economia estão fechando, todo mundo está sofrendo as consequências e vai sofrer
por muito tempo ainda.
Valor: Como estaremos depois da
pandemia?
FHC: Não sei o que vai
acontecer porque, neste momento, todos querem salvar a própria pele, todo mundo
pensando em si mesmo, depois vai pensar na vida. E a vida é o trabalho, a
política. O Brasil é curioso porque tem um serviço de saúde bom. Quando eu era
criança, aqui só havia as santas casas de misericórdia e olhe lá. Hoje, temos o
SUS e ele funciona, atende às pessoas. Eu uso o SUS.
Valor: Mas o senhor é bem atendido
porque é ex-presidente.
FHC: Espero que sim,
mas a cama é a mesma, os lençóis são os mesmos, os médicos, enfim, o SUS é
razoável.
Valor: O que está faltando?
FHC: Confiança. É
difícil manter a confiança numa situação dessas. E com o nosso presidente que
acha que a pandemia é uma gripezinha, ninguém acredita em nada. Agora, isso não
para a vida política. Ainda bem que tem eleição, mas sempre repito: política
não se faz com o passado.
Valor: Não?
FHC: Não. Política se
faz com o futuro. O que você apresenta, qual é o caminho. Num país como o
Brasil, isso é mais forte.
Valor: Por quê?
FHC: Porque aqui não
tem partido para disciplinar os políticos. O povo vai atrás de pessoas que
expressam aquele momento. Neste momento, você olha em volta e vê falta de quem
expresse alguma coisa. Vamos ver quem, depois da pandemia, vai expressar o
momento novo do Brasil. É um país que tem futuro, tem riqueza, tem gente.
Valor: Mas não cresce há sete anos.
FHC: O problema
fundamental é retomar o crescimento, mas diminuir a desigualdade, que é muito
grande. Quando falam do meu governo, dizem: “Ele fez o Plano Real”. O real foi
importante, mas fiz a reforma agrária, algo que tem um peso grande para a
população. A educação melhorou bastante, Paulo Renato [de Souza] era um bom
ministro; a saúde, onde o [José] Serra foi um bom ministro, antes dele o [Adib]
Jatene, deu um salto grande. Comecei a reforma fiscal para enfrentar o déficit
público, que sempre existiu e agora vai aumentar.
Valor: Bolsonaro, ex-deputado sem
grandes pretensões políticas, rompeu com a polarização PSDB-PT que prevaleceu
de 1994 a 2018. Como se explica isso?
FHC: Bolsonaro veio
como o anti-PT. O pessoal ficou com medo da vitória do PT.
Valor: Medo do que exatamente?
FHC: O medo não estava
baseado propriamente em fatos, mas muito mais na pintura que se fazia das
coisas. Na verdade, quando foi presidente, Lula governou de acordo com o
mercado. A presidente Dilma [Rousseff] foi mais voluntariosa, mas não fez nada
que fosse contra os interesses predominantes. Ela podia ser menos capacitada
que o Lula para lidar com a máquina pública.
Valor: Onde o senhor acha que a
ex-presidente errou?
FHC: Ela rompeu [com o
modelo macroeconômico herdado de Lula], sobretudo, no segundo mandato
[2015-2016], quando fez outra coisa. A Dilma era mais estatizante que o Lula.
Valor: Lula manteve o modelo adotado
em seu governo e, inclusive, o aperfeiçoou. Um exemplo foi a acumulação de
reservas cambiais. Como o senhor o define?
FHC: O Lula é prático.
Eu o conheci bastante quando ele era dirigente sindical. Ele é inteligente,
sensível e prático. Sempre teve mais amor ao capital, mas nunca deixou de olhar
para o povo, sempre fez uma mescla das duas coisas. É mais paulista: “O governo
faz, mas quem faz também é o mercado”. Com a Dilma, é mais Estado. Não deu
certo não só por ser Estado, mas também porque a conjuntura não favoreceu.
Bolsonaro se elegeu na base de que é um liberal.
Valor: Ele é um liberal?
FHC: Não é liberal. É
um militar e eu conheço bem os militares. Meu pai era general e meu avô,
marechal. Nada contra isso, mas conheço a mentalidade militar deles, que é mais
Estado. No caso do presidente, ele é capitão, então, é mais reivindicativo
ainda. Nunca falei com ele, mas lembro que ele era um ser reivindicante, queria
coisas para os militares. Não me parece que ele tenha grandes habilidades
políticas.