domingo, 10 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Crimes contra mulher exigem julgamento célere

O Globo

Enquanto feminicídios estão em alta, condenações por estupro e assédio sexual demoram anos

violência contra a mulher continua a exigir mais atenção das instituições. Apenas no ano passado, foram registrados 1.463 feminicídios, um aumento de 1,6% em relação ao ano anterior, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Foi o número mais alto desde 2015, ano em que o crime foi tipificado em lei.

Desde então, foram registrados 10.655 feminicídios. Em 18 estados, a taxa de feminicídio ficou acima da média nacional, de 1,4 morte por 100 mil habitantes. A mais alta (2,5) foi registrada em Mato Grosso. A mais baixa (0,9), no Ceará, embora haja uma suspeita fundamentada de subnotificação, já que apenas 28 das 264 mulheres assassinadas no estado foram classificadas como vítimas de feminicídio (crime em que a vítima se torna alvo pela condição de mulher).

Paulo Fábio Dantas Neto* - Educação e atitude política

Falar de atitude política é falar de uma disposição permanente que condiciona a relação que um sujeito (individual ou grupal) estabelece com um fenômeno político. Duas atitudes polares: uma, a de sempre ver, num fenômeno conflitivo, uma oportunidade para exacerbá-lo a ponto de deixar (ou de provocar) vir à tona uma contradição “essencial” (que, a depender do caso, pode ser econômica, social, cultural, religiosa, racial, de gênero, de valores, etc...), a qual esse sujeito político julga insanável pelos caminhos da política. Atitude oposta é a de sujeitos que, perante um conflito de qualquer das naturezas citadas acima, antepõem-se a responsabilidade de evitá-lo, apelando à integridade da tradição ou a de bem compreendê-lo, reconhecendo a situação conflitiva, mas buscando carreá-la para um certo nível de entendimento e negociação que faça o novo nascer com menos dor. Partos “naturais”, em lugar de “cesarianas”, ou fórceps. Uma aposta em possibilidades da política, não na sua impotência. 

No interior de cada uma dessas atitudes políticas polares há gradações várias, assim como há variadas inclinações ideológicas, às vezes díspares entre si. É comum flagrar-se adversários aparentemente difíceis de conviver agindo de modo a jogarem água para um mesmo moinho, seja o da confrontação ou o da conciliação. Reacionários de direita e revolucionários de esquerda podem plantar a mesma semente agonística em seus solos ideológicos distantes, assim como conservadores e reformistas de centro ou de esquerda podem convergir na disposição comum de recusar os extremos. Os dois últimos preocupam-se – para usar jargão conhecido – com a criança que está na bacia, enquanto os primeiros prestam atenção, antes e ao fim de tudo, na água que julgam suja ou benta, conforme suas convicções. 

Luiz Carlos Azedo - Lula e o americanismo na vida brasileira

Correio Braziliense

O American way of life serve de espelho para a maioria da população. Não apenas a elite econômica e a classe média, mas também a grande massa de periferias e favelas

A complexidade das relações do Brasil com os Estados Unidos é determinada historicamente por nossa condição geopolítica na América do Sul, o republicanismo, a vocação agroexportadora e industrial e a influência cultural do modo de vida americano na vida urbana. Antes mesmo da independência do Brasil, quando as relações com os EUA se estabeleceram diplomaticamente, alternamos períodos de tensão por razões comerciais ou políticas, como na Inconfidência, na Confederação do Equador e nos governos Vargas e João Goulart, e momentos de estreita cooperação, maior até do que deveria, como na Primeira República, no governo Dutra e nos primeiros anos do regime militar.

Merval Pereira - O enigma

O Globo

O governo está sem saída, não tem maioria no Congresso e está perdendo também nas pesquisas de opinião

Uma tempestade perfeita parece estar se formando sobre o Palácio do Planalto, com a perda de força política do governo em relação ao Congresso, e com a queda de popularidade do próprio presidente Lula diante da opinião pública, revelada por diversas pesquisas recentes. O mais estranho é que os resultados econômicos estão vindo, com crescimento do PIB, aumento no rendimento médio dos trabalhadores e melhoria do PIB per capita, o que não acontecia há muito tempo.

É provável que os resultados econômicos resultem na reversão, ou pelo menos na neutralização, desse quadro negativo, mas é preciso que o governo Lula atue em outros campos, pois tudo indica que hoje já não basta a situação econômica estar equilibrada para preencher as aspirações de uma ampla massa de eleitores, que já atinge até mesmo os moradores do nordeste, que continua sendo uma barreira inexpugnável ao pessimismo em relação ao governo petista.

Elio Gaspari - O lulopetismo tem um problema: Lula 3.0

O Globo

As pesquisas do Ipec e da Quaest revelaram que entre agosto e março a aprovação do desempenho de Lula caiu enquanto a reprovação cresceu.

As duas linhas se aproximaram, e o resultado confirmou a pesquisa do Ipec de dezembro, que mostrava a boca do jacaré aberta: 50% dos entrevistados não confiavam nele, contra 48% que confiavam. A diferença cabia na margem de erro. Em março, não cabe mais: 51% não confiam, contra 45% que confiam.

Alguma coisa está funcionando mal no governo de Lula 3.0. Não se pode dizer que seja a economia. Anda-se de lado, mas anda-se. Também não é a política, pois, em mais de um ano de governo, aprovou-se a reforma tributária e levou-se o andor sem escândalos.

Lula restabeleceu a relação civilizada com governadores filiados a partidos da oposição e enfrentou uma crise militar com um desempenho capaz de causar inveja ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e a Nelson Jobim, seu ministro da Defesa.

Bernardo Mello Franco - 'Tô nem aí' de Tarcísio

O Globo

Aliado de Bolsonaro, governador debochou de denúncia à ONU por violência policial

Assim que venceu a eleição de 2022, Tarcísio de Freitas deu início a uma operação de reposicionamento. Queria suavizar a imagem e se descolar da extrema direita. “Nunca fui bolsonarista raiz”, jurou, dias antes da posse. “Sou cristão e contra o aborto, mas não vou entrar em guerra cultural”, prometeu.

Com ambições presidenciais, o governador de São Paulo foi aconselhado a se vender como um político moderado. Na sexta-feira, abandonou o teatro e rasgou a fantasia.

Entidades civis denunciaram a polícia paulista ao Conselho de Direitos Humanos da ONU. Relataram ameaças, torturas e execuções sumárias na Baixada Santista. Questionado sobre o assunto, o governador respondeu em tom de deboche. “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse.

Dorrit Harazim - Ser quem somos

O Globo

Se adiássemos a busca do conhecimento e a procura do belo até haver alguma paz, nem sequer as pinturas rupestres existiriam

Entre os feitos do britânico C.S. Lewis estão ter sobrevivido às trincheiras da Primeira Guerra Mundial e ser o autor das “Crônicas de Nárnia”, cujos sete volumes venderam mais de 100 milhões de exemplares e foram adaptados para TV, cinema, teatro, videogame. Em 1939, portanto às vésperas do conflito mundial seguinte, ele deu uma palestra na Universidade de Oxford. O tema era uma indagação: “O belo importa quando bombas começam a cair?”.

Como não? — respondeu ele.

A condição humana sempre foi feita de contendas, caos e dor. Vivemos inexoravelmente à beira do precipício, mas a cultura também emerge, sempre. Se adiássemos a busca do conhecimento e a procura do belo até haver alguma paz, nem sequer as pinturas rupestres existiriam.

Eliane Cantanhêde - O voluntarismo de Lula

O Estado de S. Paulo

Lula fala e interfere onde não deve, cala sobre o que deve e despenca nas pesquisas

O presidente Lula parece ou finge não ver, mas as coisas estão desandando e as pesquisas já apontam para desaprovação maior do que aprovação nas próximas rodadas, com queda de popularidade nos diferentes segmentos. Fazer meia culpa não é e nunca foi o forte de Lula, mas cadê o decantado faro político, a perspicácia e o carisma de Lula? Está sempre sério, mal-humorado, com declarações recheadas de erros não só de comunicação, mas de informação e compreensão do mundo.

Edmar Bacha - Em busca do país Real

O Globo

O Plano Real permitiu abolir dois males históricos da economia, a alta inflação e as crises de balanço de pagamentos

Em 1974, escrevi uma fábula sobre o reino de Belíndia, mistura de Bélgica com Índia, um país em que o crescimento econômico beneficiava somente a parcela mais rica da população. Em 1984, imaginei em nova fábula uma reunião de economistas no Sambódromo para discutir como dar fim à inflação no país dos contrários, em que tudo funcionava de trás para a frente, inclusive o próprio nome do país, Lisarb. Após a redemocratização, Mário Henrique Simonsen cunhou o termo Banglabânia, mistura de Bangladesh com Albânia, para expressar sua preocupação com o risco de empobrecimento do país como consequência das tendências autárquicas e estatizantes da Constituição de 1988. Em 1994, Delfim Netto concebeu a Ingana, mistura de Inglaterra com Gana, para criticar o governo que aumentava os impostos como se estivesse num país europeu, enquanto oferecia serviços públicos de terceiro mundo. As manifestações de rua de 2013 trouxeram à tona outra caracterização, que denominei de Rumala, triste combinação de Rússia com Guatemala: uma elite corrupta associada a uma alta taxa de criminalidade. Como se não bastasse, ao promover a devastação da Amazônia e a ocupação pelo garimpo ilegal dos territórios indígenas, o governo de Bolsonaro me sugeriu criar Brasa, um país em chamas, completando essa peculiar lista.

Pedro S. Malan* - Problemas complexos, soluções simples?

O Estado de S. Paulo

É preciso reconhecer, justiça lhe seja feita, que há coerência e consistência na visão de Lula da Silva ao longo do tempo

“Nós temos mais três anos pela frente e queremos ter algo concreto para a sociedade brasileira aprovar (em 2026). O nosso problema era dinheiro e dinheiro não é mais problema.” Assim falou Lula em 22 de janeiro de 2024, na cerimônia de lançamento do Programa Nova Indústria Brasil (NIB).

O NIB define seis grandes missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bio economia e desenvolver tecnologias estratégicas. A opinião pública foi informada de que o plano será guiado por “diretrizes transversais” como inclusão, equidade de gênero, cor e etnia e promoção do trabalho decente. O leque de instrumentos é amplo: subvenções, créditos tributários, participações acionárias, requisitos de conteúdo local, entre outros.

Rolf Kuntz - Estado laico, amém

O Estado de S. Paulo

Ato na Avenida Paulista evidenciou mais uma vez os vínculos – vigorosamente afirmados pela ex-primeira-dama – entre a fé religiosa e o jogo do poder

A mistura tóxica de religião e política, uma aberração num Estado leigo, é hoje parte do dia a dia dos brasileiros, como indica pesquisa da consultoria Quaest. Segundo o relatório, 42% dos cidadãos identificados como católicos avaliaram positivamente o atual governo e 28%, de forma negativa. Entre os evangélicos, a avaliação positiva ficou em 22% e a negativa, em 48%. O vínculo entre filiação religiosa e opinião política parece claro. Além disso, remete à fala da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro no comício de 25 de fevereiro na Avenida Paulista. “Por um bom tempo, fomos negligentes a ponto de dizer que não poderíamos misturar política com religião. E o mal tomou e o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação”, disse a oradora, antes de chamar Deus para estabelecer seu reino no Brasil.

Vinicius Torres Freire - Crime, droga e o prestígio de Lula

Folha de S. Paulo

Economia aflige menos; nota do presidente na segurança pública cai muito, diz pesquisa

A partir do final do ano passado até agora, a avaliação de Luiz Inácio Lula da Silva piorou muito em várias áreas, em especial em segurança pública, combate à corrupção e em controle de gastos, lê-se em pesquisa Atlas feita entre 2 e 5 de março.

Aumentou a preocupação do eleitorado com criminalidade e tráfico de drogas e com corrupção, assuntos citados como os principais problemas do país para quase 60% dos entrevistados. "Pobreza, desemprego e desigualdade social", pior problema citado por 20,6%, e "economia e inflação", por 15%, ora estão longe no ranking das aflições.

Esses números podem ajudar a explicar a baixa da popularidade de Lula. O aumento do salário médio, dos benefícios sociais, do número de empregos e a queda da inflação não bastaram para compensar outras insatisfações (talvez mais reverberadas em redes sociais e de mensagens).

Celso Rocha de Barros - General entregou Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Generais sabem que ex-presidente conspirou e o que lhes teria acontecido se o golpe tivesse dado certo

Pelo que já vazou, os depoimentos do general Freire Gomes e do brigadeiro Baptista Júnior à Polícia Federal confirmaram que Bolsonaro lhes apresentou a minuta do golpe de Estado. Também teria partido de Jair a ordem de não desmobilizar os acampamentos em frente aos quartéis.

Vocês devem se lembrar do Jair na Paulista dizendo que antigamente golpe era tanque na rua, e agora é só "uma minuta".

Pois bem, Jair: quando você propôs a minuta aos chefes das Forças Armadas, você deu a ordem para que os tanques fossem para a rua. Se os tanques não te obedeceram, Jair, não é problema do juiz que vai te colocar em cana por tentativa de golpe de Estado.

Muniz Sodré* - As igrejas neopentecostais e a consolação a varejo

Folha de S. Paulo

Trata-se de um projeto escuso de poder, sob uma teologia de domínio, cujo alvo é o Estado

Fato capaz de pôr orelhas em pé é a presença maior de católicos no comício de 25/2 na Paulista, enquanto predomina entre os evangélicos a opinião de que religião não deveria se misturar com política. O paradoxo é que se tratava de organização neopentecostal, portanto, de evento do nicho eleitoral da extrema direita.

É retrato diferente, induzido pela atuação neopentecostal, que trocou nas mentes o todo pela parte. Enriquecida, essa parte tem prosperado no pacto com a entidade anticrística Mamon, citada nos evangelhos de Lucas e Mateus como fetiche do dinheiro. O comício na Paulista foi mais Malafaia do que Bozo.

Hélio Schwartsman - Volodimir Zelenski, o showman

Folha de S. Paulo

Biografia do presidente da Ucrânia mostra bastidores da guerra da Ucrânia e dá densidade psicológica ao personagem

Antes da guerra, era difícil olhar para Volodimir Zelenski e não achar que ele fosse uma espécie de piada. Ele, afinal, era um ator que conquistara a Presidência da Ucrânia por ter representado, numa série televisiva, o papel de um cidadão comum que se vê eleito presidente após viralizar ao fazer uma crítica aos políticos tradicionais. "O Showman", de Simon Shuster, é uma biografia que dá densidade psicológica ao personagem.

Alvaro Costa e Silva - Puramente criminosos

Folha de S. Paulo

O liberou geral de armas para criminosos pode não ser só descuido

Depois do fim da saída temporária de presos em datas comemorativas –projeto aprovado no Senado por 62 votos a dois, com anuência de partidos da base governista–, mais pautas ligadas à segurança serão debatidas. Entre elas o aumento de penas para quem comete furto (de um para dois anos de reclusão), roubo com lesão corporal grave (de 7 para 16 anos) e latrocínio (de 20 para 24). Assim como tornar obrigatória a decretação de prisão preventiva na audiência de custódia em casos de crime hediondo e roubo.

Desnecessário dizer que a revisão penal tem amplo apoio popular. Não poderia ser diferente: a sensação de insegurança é geral. No Rio um celular é roubado a cada 10 minutos; esse tempo é ainda mais curto em São Paulo.

Ruy Castro - Justiça para Messi, o cachorro do filme 'Anatomia de uma queda'

Folha de S. Paulo

O Oscar está a ponto de cometer a maior injustiça contra um ator desde que negou o prêmio a Rin-Tin-Tin

Em reportagem de Fernanda Talarico, fico sabendo que o grande injustiçado do Oscar deste domingo (10) será um cachorro. Trata-se de Messi, o border collie do filme "Anatomia de Uma Queda", da francesa Justine Triet. É um drama de tribunal em que ele interpreta Snoop, um cão superdotado. O mundo gira e o Oscar não se livra de seu formalismo. Pelo simples fato de ser cachorro, Messi não pode concorrer ao Oscar de melhor ator —talvez para alívio de Ryan Gosling e Jeffrey Wright e certamente de Robert De Niro, candidatos ao prêmio.

Com a avançada idade de oito anos na vida real, Messi estréia na tela e já é considerado a maior revelação animal do cinema desde Flipper, o golfinho que nadava de costas, dava gargalhadas e falava francês. O nome é uma homenagem a Lionel Messi, claro, e os dois ainda não foram apresentados porque o craque teme ser ofuscado por seu xará canino. É um risco que ele pode correr pelo que se viu há pouco numa entrevista coletiva em Cannes, quando Messi deu um baile em seus colegas de elenco.

Cacá Diegues - A esplêndida história da Humanidade

O Globo

Somos constantemente ameaçados pelas mudanças climáticas que nós mesmos provocamos, a população do planeta segue crescendo e não temos como evitá-lo, as guerras destrutivas como as da Ucrânia e no Oriente Médio se repetem por toda parte, parece até que curtimos essas desgraças 

Acabo de mandar uma mensagem eletrônica para um grande amigo meu que sabe dessas coisas. Eu lhe dizia que os sinos da Academia estão batendo até agora com grande euforia por causa da eleição de Lilia Schwarcz. Ela é a mais nova acadêmica e ocupa a cadeira nº 9, onde esteve o querido Alberto da Costa e Silva, que nos honrou e ensinou durante anos com seus conhecimentos obtidos com a Diplomacia, na Literatura e na História do Brasil. “Minha candidatura é uma homenagem ao dr. Costa e Silva”, disse ela com modéstia, “ele sempre foi meu pai espiritual, meu pai intelectual, gostaria muito de seguir seus passos, e a ABL é fundamental para isso, como é fundamental para nossa memória nacional”. Os sinos continuam portanto a bater.

Poesia | Amigo, de Pablo Neruda

 

Música | "O navio negreiro" – Slim Rimografia