terça-feira, 14 de abril de 2020

Merval Pereira - Presidente louco

- O Globo

A questão é a certeza de que, se demitir Mandetta, Bolsonaro nomeará quem pensa como ele sobre a Covid-19

Não é a primeira vez. Tivemos mesmo uma Rainha Louca, Maria I, Rainha do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Já tivemos presidentes considerados loucos. Um tinha olhar de doido, outro se comportava como tal. Mas Delfim Moreira, presidente entre 1918 e 1919, foi o único até agora a ser clinicamente considerado louco. Vice na chapa de Rodrigues Alves, Delfim Moreira assumiu a presidência por causa de sua morte, que teria sido vítima da gripe Espanhola.

Mas a loucura de Delfim Moreira era mansa. Às vezes colocava seu fraque, com todas as condecorações, preparado para uma solenidade que não havia. Certa vez, conta a lenda, foi visitado por Ruy Barbosa, mas ficou olhando atrás da porta, abrindo-a e fechando-a. O que teria feito Ruy Barbosa comentar: “Que estranho é o Brasil, onde até um louco pode ser presidente e eu não posso”, referindo-se à eleição presidencial que perdera.

Bolsonaro não sai à rua de fraque, mas provoca mais estragos apertando a mão de incautos. O Código Penal, no seu capítulo III, que trata “ Dos crimes contra a saúde pública”, o artigo 268 (infração de medida sanitária preventiva) define como crime “Infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doenças contagiosas.”

Como o presidente da República encarna o próprio poder público, estamos numa dessas enrascadas que só acontecem abaixo do Equador. Da mesma gravidade de termos um presidente que luta contra determinações de seu próprio governo, representado nesse caso pelo ministério da Saúde.

Essa disputa que politizou o combate à Covid-19 continua em curso, e não se sabe onde vai parar. O tom da entrevista do ministro Luiz Henrique Mandetta ao Fantástico no domingo foi uma reação sua à humilhação pública a que o presidente o submeteu, desta vez em pessoa, na visita que fizeram juntos a um hospital de campanha que está sendo construído no interior de Goiás.

Carlos Andreazza - A peste moral (teatro)

- O Globo

Curva do debate público brasileiro se achata

Elementos do enredo farsesco e alegorias para um arco trágico: crise sem precedentes; depressão econômica a caminho; “imaginação totalitária” (conforme Francisco Razzo) imperando; jacobinistas de repente apaixonados por garantias constitucionais; súbitos defensores do direito de ir e vir protestando —farreando o carnaval da vida banalizada — com caixões cenográficos nas avenidas; presidente da República, com plano de saúde, investindo no (convidando ao) rolê; povo, sem plano de saúde, saindo às ruas para trombar com o pico do contágio e, talvez, tombar em caixões de verdade; governador, em defesa da vida (e para antagonizar com um fã de Brilhante Ustra), ameaçando prender quem lhe desafie a norma e ouse circular livremente.

Compõe a trama também — glória do populismo — a luta de classes, forjada artificialmente pelo bolsonarismo, ante uma pandemia. De um lado, o pobre que quer comida — pobre defendido por (virada dramática) Jair Bolsonaro, aquele outrora contrário ao Bolsa Família, doravante preocupado com o pão na mesa do desvalido. De outro, o rico — sai da bolha!— que quer o pobre em casa, passando fome, morrendo de fome, mas sem lhe transmitir doença. Importante realçar esta marca de personalidade do abastado egoísta: se mostrar preocupação com o colapso do SUS, estará mentindo. Relevante também — para a correta caracterização das nuances — que esse alienado não seja confundido com o empreendedor dinâmico que quer o povo no trem, no rumo do batente, imunizando-se enquanto trabalha para gerar riqueza.

Hora de apresentar os artistas do espetáculo: o vírus chinês (comunista, outrora gripezinha), o isolamento social caviar (luxo elitista, coisa de governador almofadinha) e o remédio do Bolsonaro, a cloroquina (ainda carente de chancela científica, mas já largamente ministrada para a exploração personalista) — contra cuja eficácia os céticos torcem porque seu sucesso seria uma vitória do presidente.

Bernardo Mello Franco - Mandetta devolveu a fritura ao capitão

- O Globo

Jogado na frigideira, Mandetta devolveu a fritura ao colo de Bolsonaro. O ministro sabe que está por um fio. Por isso, marcou posição e deixou claro que está sendo sabotado

No início da semana passada, Jair Bolsonaro acordou invocado e resolveu demitir o ministro da Saúde em plena pandemia do coronavírus. Os generais do Planalto entraram em campo e convenceram o capitão a guardar a caneta. Luiz Henrique Mandetta também ensaiou um recuo e declarou que o chefe estava no comando.

A crise parecia ter esfriado, mas Bolsonaro não se emenda. O presidente tirou a Semana Santa para provocar o ministro. Na quinta-feira, foi à padaria e lanchou no balcão, desrespeitando um decreto local. Mais tarde, disse que “médico não abandona paciente, mas paciente pode trocar de médico”.

Na sexta, deu um pulo na farmácia, esfregou o nariz e apertou as mãos de populares. No sábado, foi a Goiás e voltou a confraternizar com eleitores. Tudo diante das câmeras, num teatro para desmoralizar Mandetta e debochar das medidas de isolamento.

No domingo de Páscoa, o ministro revidou. Em entrevista ao Fantástico, ele desafiou o presidente ao menos seis vezes. Reclamou das declarações contra a quarentena, condenou quem continua “entrando em padaria”, desmentiu a conversa de que o vírus está “começando a ir embora” e ironizou teorias conspiratórias que brotam dos subterrâneos do governo.

José Casado - Uma aposta em Bolsonaro

- O Globo

A médica que morreu do vírus do qual desdenhou

‘O coronavírus vai invadir o Brasil”, ironizou numa rede social às 16h32m de quinta-feira, 12 de março. Atendia à incitação do presidente para protestos contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

O sorriso largo no rosto cheio indicava uma mulher de bem com a vida. Aos 65 anos, viu em Jair Bolsonaro a referência da sua identidade política.

Visitava a filha em Fortaleza. Médica há 40 anos, trabalhava no interior e duvidava da “pandemia” anunciada na véspera (11/3), pela OMS. Existiam 83 casos no país, nenhum no Ceará. E Bolsonaro falava em “muita fantasia” (10/3), insistindo: “Outras gripes mataram muito mais” (11/3).

Celebrou o presidente na catarse antipolítica (15/3) organizada por grupos autoproclamados de direita. Às 13h41m do dia seguinte, repetiu a “lógica” presidencial: “Existem vírus muito mais potentes e que matam muito mais (H1N1 por exemplo) e ninguém está nem aí... Porque será??????” E acrescentou:

“Nenhuma morte ainda registrada do coronavírus no Brasil, mas a imprensa já matou quase a metade da população.” Mais tarde foi anunciada a primeira morte. Bolsonaro vangloriava-se: “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar.”

Luiz Carlos Azedo - Uma crise instalada

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

”A queda na arrecadação é tratada por Bolsonaro como uma espécie de castigo aos governadores que estão defendendo o isolamento social”

O choque entre o presidente Jair Bolsonaro e seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é a face mais visível de uma crise de maiores proporções entre a União e os estados, numa recidiva da velha contradição centralização versus descentralização. A epidemia de coronavírus e a recessão mundial dela decorrente exacerbaram o conflito, que se manifesta na discussão sobre aprovação do chamado Plano Mansueto, ou seja, a ajuda a estados e municípios. Bolsonaro está em litígio aberto com os governadores e prefeitos que estão na linha de frente do combate à epidemia de coronavírus e não esconde o incômodo com o alinhamento entre eles e o ministro Mandetta.

Uma decisão de Bolsonaro é emblemática quanto às dificuldades que cria para os governadores na implementação da estratégia de distanciamento social adotada pelo Ministério da Saúde para conter a velocidade da epidemia. No fim de março, as operadoras de telecomunicações ofereceram ao Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) um mapa de calor para mostrar a geolocalização da população. O intuito era identificar aglomerações e situações de risco de contaminação do novo coronavírus. Bolsonaro vetou o uso das informações, que seria mais uma arma no combate à Covid-19, pois o georreferenciamento permite a pronta atuação das autoridades locais para reduzir essas aglomerações.

O ministro Marcos Pontes chegou a gravar um vídeo anunciando a implantação do sistema nesta semana. No sábado, porém, Bolsonaro ligou para Pontes e suspendeu tudo. Alegou que há riscos para a privacidade do cidadão e que a Presidência precisa estudar melhor o tema, apesar de um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovar o uso da ferramenta proposta pelas teles, uma solução semelhante à que foi adotada pela Coreia do Sul, um dos países com menores taxas de mortalidade pela Covid-19.

A decisão de Bolsonaro tem endereço certo: o governador tucano João Doria, que está controlando o nível de isolamento social no estado de São Paulo pelo monitoramento dos celulares. Para se ter uma ideia de como isso é útil, a diferença de 50% para 70% da população em regime de distanciamento social, para efeito da propagação da epidemia por pessoa, salta de uma média de dois para quatro novos contaminados, ou seja, um crescimento exponencial.

José Pastore* - O vírus não espera decisões complicadas

- O Globo

Qual pequeno empresário dormirá sossegado após fazer acordos que podem ser questionados pelos sindicatos?

Imaginem uma empresa que precisa faturar hoje para pagar as contas amanhã. Fechada, sem vendas e sem faturamento, ela só pagará suas contas se o empresário tiver uma boa poupança. Esse é o caso das grandes corporações, mas não é o que ocorre com 82% das empresas brasileiras — pequenas e médias —que respondem por uma enormidade de empregos. Pesquisas recentes do Sebrae indicam que essas empresas aguentam, no máximo, 12 dias.

O governo lançou inúmeras medidas para acudir as pequenas empresas brasileiras com crédito, diferimento de pagamentos, isenções de impostos e contribuições etc. No campo trabalhista, abriu para elas duas possibilidades de aliviar suas responsabilidades em relação à folha de pagamentos. A Medida Provisória 936 contempla a redução de jornada e a suspensão do contrato do trabalho.

Reconhecendo o clima de catástrofe criado pela pandemia do coronavírus, empregados e empregadores têm a liberdade para fazer acordos individuais simples e expeditos para salvar os empregos. A velocidade é crucial para enfrentar um vírus ágil e competente.

O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em liminar, desejava que a redução de jornada e a suspensão de contrato de trabalho tivessem o aval dos sindicatos, pouco se importando com a demora exigida pela CLT. Ontem, reformou sua própria liminar para dizer que os acordos individuais valem, mas que os sindicatos não são arquivistas e que podem provocar as empresas para fazer acordos coletivos diferentes dos individuais.

Míriam Leitão - A luta política na ajuda aos estados

- O Globo

A luta política atrasou dias a ajuda aos estados. Prevenir abusos fiscais futuros é legítimo, mas a prioridade é salvar vidas

A briga entre o Ministério da Economia e a Câmara dos Deputados atravessou o fim de semana e tomou o dia inteiro de ontem. Como já havia tomado a sexta-feira. O governo acabou derrotado, porque não entendeu a urgência de uma decisão como essa. O debate é sobre quanto e de que forma o Tesouro vai ajudar os estados. A Câmara fugiu de uma polêmica, mas abriu outra. Há argumentos bons de lado a lado, e há a insanidade da luta política em plena pandemia. O governo federal tem que socorrer estados e municípios e, claro, deve ter mecanismos para evitar o descontrole. Mas a urgência da hora exige que a ajuda chegue o mais cedo possível.

O projeto que foi a voto não tinha o mais controverso, que era o pedido de aval para empréstimos que a equipe econômica chamou de cheque em branco. Segundo o deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), foi a própria equipe que havia proposto isso. De qualquer forma, o projeto desistiu do endividamento mas ampliou a compensação de arrecadação de ICMS e ISS para seis meses e a chamou de “seguro”. A palavra causou arrepios na área econômica. Por seis meses o governo federal cobrirá toda a queda de arrecadação de ICMS e ISS em relação aos valores nominais do ano passado. A equipe econômica acha que os estados e as cidades maiores serão beneficiados porque são os que têm uma parcela maior da sua receita dependendo desses dois impostos, ICMS e ISS.

Ricardo Noblat - Ganha contornos o tamanho da desgraça do Covid-19 no Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Resta rezar para que Deus tenha nascido por aqui

Tempo ameno aquele que cercou há quase um mês o encontro do ministro Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, com ministros do Supremo Tribunal Federal e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado para discutirem a ameaça do coronavírus.

Foi no último dia 16. O Brasil só tinha 234 casos confirmados e 2.064 suspeitos da desgraça que começava a atingir alguns países da Europa depois de assombrar a China. O governo destinara apenas R$ 5,09 bilhões para o combate que mal começara.

Na véspera, contrariando as recomendações médicas, o presidente Jair Bolsonaro recepcionara ao pé da rampa do Palácio do Planalto uma pequena multidão que fora às ruas pedir o fechamento do Congresso e do Supremo. Tocou com as mãos em 272 pessoas.

Antes do início da reunião, os participantes do encontro higienizaram as mãos com álcool em gel e evitaram o contato físico. Mandetta chegou a estender a sua para apertar as demais mãos, mas recolheu-a a tempo provocando risos discretos.

Combinou-se que pouco do que ali fosse dito poderia vazar para a imprensa. Um dos ministros perguntou a Mandetta quantos brasileiros poderiam morrer ao fim da pandemia. No cenário mais realista, respondeu Mandetta, algo como 280 mil. Sim, 280 mil.

Ranier Bragon - É só irresponsável?

- Folha de S. Paulo

Como qualificar quem despreza a vida humana em nome da sobrevida política?

Se hoje o presidente da República batesse à porta das pessoas sugerindo estricnina para tratar cólicas, possivelmente não seria removido em uma camisa de força. Provavelmente surgiria aí um debate nacional. Especialistas de coisa nenhuma sairiam dos bueiros para adulá-lo, o bom senso se insurgiria, carreatas de novos e velhos ricos cafonas enfeariam as ruas e estaria instalada mais uma balbúrdia.

A atual pandemia já matou mais de 100 mil pessoas, com uma média subestimada de cerca de 100 mortos por dia no Brasil. Brincar com isso, desprezar isso, é só irresponsabilidade?

Entre um passeio e outro à padaria, Bolsonaro se insurge contra o mundo e busca sabotar o trabalho do ministro que se recusou a aderir ao batalhão dos paspalhos.

Em um caso que envolve vidas, muito mais de cem mil, você prefere estar ao lado da ciência, do bom senso, da razão ou ao lado da ala cafajeste do empresariado e de gente como o profeta Osmar Terra, que há alguns dias disse que a Covid-19 mataria menos gente do que a gripe sazonal do Rio Grande do Sul. Era uma aposta corajosa, que, em suas próprias palavras, poderia desmoralizá-lo por completo —e nesse ponto não podemos negar que ele estava coberto de razão.

Poupem-me da suposição de que Bolsonaro esteja preocupado com os miseráveis. Em toda a sua longa carreira política,só se lembrou de pobres para defender a sua esterilização em massa. O presidente nem esconde que seu real temor é ser culpado pela debacle econômica, levando seu governo, de vez, para o beleléu.

Hélio Schwartsman - A avó de todas as vacinas

- Folha de S. Paulo

Corrida em busca de uma vacina contra a Covid-19 é notável

Nossa melhor esperança para uma volta à normalidade é o desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19. Há uma verdadeira corrida mundial por um imunizante. Apenas três meses após a identificação da doença, surgiram vários candidatos a vacina, alguns dos quais já estão sendo ministrados a humanos para testar a segurança e a intensidade da resposta imune.

É um feito notável, considerando que avanços em pesquisas de novas vacinas costumam medir-se em anos, não em meses. Ainda assim, não temos nenhuma segurança de que poderemos contar logo com um imunizante, se é que o Sars-Cov-2 é um vírus “vacinizável”. Nem todos são. Um prazo muito repetido na imprensa é o de um ano e meio a dois anos para um produto que possa ser usado em escala comercial.

Pablo Ortellado* - A Kurzarbeit de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Política de inspiração alemã adotada por Bolsonaro não garante gastos essenciais dos trabalhadores

Durante a crise de 2008, a Alemanha adotou uma política de redução de jornada na qual trabalhadores recebem uma compensação paga pelo Estado. Essa política é conhecida como Kurzarbeit —ou trabalho de curta duração. Segundo a OCDE, ela foi a responsável por preservar centenas de milhares de postos de trabalho na Alemanha no período.

O trabalho de curta duração é um mecanismo utilizado em situações de desaceleração econômica, com um duplo propósito: de um lado, preserva uma força de trabalho experiente que pode ser rapidamente mobilizada pelas empresas quando a atividade econômica for retomada; de outro, mantém o emprego e a maior parte dos rendimentos dos trabalhadores, cujo consumo estimula a recuperação econômica. Tem virtudes sociais e econômicas.

Por suas características e pelo bom desempenho na crise de 2008, o trabalho de curta duração foi a solução adotada pela maior parte dos países europeus na crise da Covid-19 para evitar demissões e o desemprego em massa.

Na Alemanha, o Estado garante 67% do valor dos salários daqueles que têm a jornada reduzida, mas acordos coletivos setoriais garantem que empresas deem contrapartidas que restituem até 100% do valor. Levantamento do instituto dos sindicatos europeus mostra que, na Europa, as compensações concedidas aos trabalhadores para o trabalho de curta duração são, em geral, de 70% (França, Bélgica), 80% (Reino Unido, Itália) ou 100% (Holanda, Dinamarca) do valor dos salários.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Um presidente sem palavra

- Folha de S. Paulo

Um presidente irrelevante não merece tanta atenção da mídia

Um bom exemplo do poder das palavras de um líder veio do Reino Unido. Tendo se recuperado de um caso grave de Covid-19, o primeiro-ministro Boris Johnson gravou um depoimento oficial lapidar: demonstra empatia com os doentes, apoio e admiração aos profissionais de saúde, louva o sistema público de saúde do país e conclama a população ao esforço coletivo necessário para enfrentar a tragédia.

Independente do juízo maior que se possa fazer sobre o governo de Boris Johnson, foi uma fala digna de um líder nacional.

Ninguém cogita que algo similar possa vir de Bolsonaro. Não esperamos do presidente nenhum sentimento nobre, nenhuma inspiração coletiva, nada que acene para a união e para valores nacionais. Dele não sai nada além de provocações baratas e brigas políticas de absoluta mesquinhez.

Elas também não indicam o rumo que o governo tomará. Até o momento em que escrevo esta coluna, Luiz Henrique Mandetta continua ministro da Saúde, mesmo depois de dar uma entrevista ao Fantástico em que disse com todas as letras que ele e o presidente divergem na estratégia. Que ele continue ministro só demonstra o quão frouxo é Bolsonaro no campo da ação.

Andrea Jubé - CPMI mira epidemia de ‘fake news’

- Valor Econômico

Comissão tentará votar quebras de sigilo remotamente

A afirmação do presidente Jair Bolsonaro no domingo de que “está começando a ir embora a questão do vírus” não tem base científica e esbarra na realidade e nos números. Naquele mesmo dia, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que tem feito o contraponto técnico ao chefe do Executivo, advertiu que “maio e junho serão os meses mais duros”.

Mandetta baseia-se nos números, que são implacáveis e desafiam Bolsonaro porque os novos casos e as novas mortes não arrefecem. O balanço divulgado ontem pelo Ministério da Saúde apontou 23.430 casos confirmados e 1.328 mortes. A taxa de letalidade da covid-19 subiu de 5,5% para 5,7%. Em 24 horas, foram 105 novas mortes de brasileiros, um acréscimo de quase 10%.

O presidente da CPMI que investiga a máquina de disseminação de notícias falsas, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), disse à coluna que Bolsonaro cometeu uma “fake news”. “Não é o que estamos vendo e ouvindo [que o vírus está indo embora], o que tem sido noticiado pela mídia, pelos governadores, prefeitos e pelo Ministério da Saúde. Ou será que governadores, prefeitos e o próprio ministério estão errados e só ele está certo?”

O presidente já incorreu em notícia enganosa. No começo do mês, Bolsonaro foi a público pedir desculpas pela divulgação de conteúdo falso em suas redes sobre desabastecimento de alimentos em Minas Gerais por causa do vírus. “Não houve checagem”, lamentou.
O agravante em meio ao enfrentamento da pandemia é que as notícias falsas crescem encadeadas com o aumento dos infectados. “As ‘fake news’ subiram mais do que o número de casos”, alertou Mandetta há uma semana.

Assis Moreira - Reconfiguração do comércio mundial

- Valor Econômico

Brasil pode entrar em novas cadeias de suprimento, mas vai também enfrentar o desafio de novas barreiras sanitárias e fitossanitárias

A pandemia de covid-19 provoca um colapso no comércio global bem mais forte do que crises no passado. Países que fazem mais da metade da produção mundial estão em “lockdown”, com a atividade praticamente paralisada. Nas próximas semanas, ficará mais evidente o desarranjo de cadeias globais de valor. Uma ilustração dos problemas de logística ocorre com tripulações de aviões de cargas, que em alguns países não podem nem sequer descer do avião ou têm de ficar em quarentena. Para ter uma ideia, a percentagem de valor agregado estrangeiro nas exportações de eletrônicos é de cerca de 10% nos EUA, 25% na China, mais de 30% na Coreia do Sul, superior a 40% em Cingapura e mais de 50% no México, Malásia e Vietnã.

A crise atual vai acelerar uma reconfiguração no comércio mundial, com uma mudança brutal nos fluxos de trocas. A primeira tendência, mais óbvia, e que vai se consolidar, é a busca das grandes empresas em diversificar suas cadeias de suprimento. Ficou claro que, numa situação de pandemia, tsumani, terremoto, inundações, se uma companhia ou país é dependente de fornecedor de um só país ou região pode enfrentar um embargo comercial. Portanto, a diversificação de riscos, que já tinha começado quando se iniciou a guerra comercial entre os EUA e a China, agora tende a se acelerar, ao custo de preço maior dos produtos. Não é que uma companhia vá cortar fonte de suprimento na China e em outros óbvios produtores. Mas vai alargar o campo dos fornecedores para ter mais segurança no futuro.

Eliane Cantanhêde - Meu Brasil brasileiro

- O Estado de S.Paulo

O Brasil é o único país no mundo em que há carreatas contra o isolamento e pró-pandemia

Só num país, entre os mais de 190 existentes no mundo, pessoas fazem carreata contra o isolamento social, riem do coronavírus, desdenham da doença e da morte ou dançam na rua com uma imitação de caixão em plena pandemia. Não há registro de algo tão macabro nos Estados Unidos, Itália, Espanha, França, Alemanha, Canadá, Argentina, Coreia do Sul...

Também não se consegue imaginar Donald Trump, Giuseppe Conte, Pedro Sanchez, Emmanuel Macron, Angela Merkel, Justin Trudeau, Alberto Fernandez ou Moon Jae-in indo às ruas alegremente, sem máscaras, causando aglomeração, misturando-se com incautos, tocando pessoas mesmo depois de tossir.

Com mais de meio milhão de casos oficiais de coronavírus e perto de cem mil mortes no planeta, já imaginaram Trump e Macron misturados com pessoas na rua ou num aeródromo? E que tal Merkel e Trudeau confraternizando displicentemente com manifestantes contra a Suprema Corte e o Congresso?

Bem, com o mandatário do Brasil o mundo todo já está acostumado. O que não tem explicação e a compreensão geral não alcança é por que pessoas com razoável escolaridade se metem em carrões, caminhonetes e motocicletas para protestar contra o isolamento e exigir que os trabalhadores enfrentem o coronavírus, cara a cara.

O ministro da Saúde grita “isolamento, isolamento, isolamento” para o seu paciente Brasil. E “trabalho, trabalho, trabalho” para ele próprio, que é médico, está dormindo e acordando com a pandemia e sabe da gravidade da situação – e como é muito diferente o vírus se espalhar entre os bem nutridos, como agora, e entre miseráveis que se amontoam em casebres insalubres, como fatalmente vai acontecer.

Rubens Barbosa* - O Brasil depois da covid-19

- O Estado de S.Paulo

Sociedade civil deveria começar a discutir estratégias internas e externas de médio prazo

Como é natural, a quase totalidade das análises e dos comentários na imprensa falada, escrita, nas TVs e na mídia social se concentra hoje nos grandes desafios internos para superar a crise provocada pelo coronavírus. Depois de a pandemia passar, o Brasil e o mundo serão outros.

Do ângulo interno, os desafios econômico-financeiros, sociais, de logística, de modernização do Estado, do fim dos privilégios, da violência e da corrupção vão ter de ser enfrentados como nunca antes. O Brasil deverá ser reconstruído. O orçamento de guerra determinou despesas indispensáveis para atender aos trabalhadores formais e informais e as empresas afetadas pela quase paralisia da economia doméstica e global. Como tratar o déficit publico e fiscal? Como sair da recessão? Como gerar crescimento e reduzir as desigualdades e o desemprego? Como ficará o equilíbrio federativo? A sociedade brasileira vai ter de enfrentar um período de decisões profundas sobre as prioridades nacionais, as contas públicas, o funcionamento do Estado, a reativação da economia, a reindustrialização, enfim, essas e outras vulnerabilidades que, diante da crise, ficaram evidentes.

Pedro Fernando Nery* - O direito sem trabalho

- O Estado de S. Paulo

O difícil equilíbrio entre buscar o melhor para os trabalhadores formais sem ampliar o desemprego é missão que persistirá ao fim da pandemia

O ministro Lewandowski revisitou ontem sua decisão da semana passada contrária à medida provisória do governo que pretendia salvar 8,5 milhões de empregos. O País chega assim à 6.ª regra sobre redução de salários desde o início da pandemia – ou desde 22 de março. No início, não podia (1). O governo editou então uma MP incompleta que provocou reações (2), e revogou a nova regra no mesmo dia (3). Depois editou a MP certa (4), mas o ministro do STF deu liminar restringindo (5). Ontem, voltou atrás (6). Na quinta-feira, o Supremo se reúne para decidir (7?). A controvérsia da redução da jornada e salários é mais uma a opor juristas e economistas, que enxergam no direito do trabalho o direito sem trabalho.

A MP em questão se aproxima do chamado lay-off, adotado em outros países na pandemia e prescrito pela própria Organização Internacional do Trabalho (OIT). A fim de preservar os empregos em um momento em que as receitas despencam, os empregadores poderiam propor a redução da jornada dos funcionários, ou mesmo suspender os contratos, com redução proporcional do salário. O governo, com o seguro-desemprego, reporia a renda dos trabalhadores, parcial ou totalmente (no caso dos menores salários).

Angela Alonso*- Nenhum governo pode se dar ao luxo de ser liberal na pandemia de coronavírus

- Folha de S. Paulo

Estado precisa de recursos; é hora de grandes empresas e igrejas devolverem concessões à administração pública

Quando definir fica difícil, filiar nova safra a cepa velha é um conforto. O prefixo “neo” salva a pátria. A Covid-19 trouxe novo membro à família, que já tem neofascismo, neoliberalismo e que tais: o neokeynesianismo.

Subitamente, adversários do Estado entraram a defendê-lo. Espera-se que coordene iniciativas, financie os gastos com a crise, dê o rumo. Toada na contramão do que se dizia em versos e colunas de jornal até outro dia.

Na última década, a sociedade se mobilizou e muito para reclamar do Estado —e não ficou na conversa. Ações diretas proliferaram, desde coletivos culturais, sociais e políticos até o empreendedorismo cívico, no gênero empresário social ou ambientalmente responsável, e o religioso, que movimenta cultura e economia de autoajuda entre fiéis. Todos martelando a autogestão da vida coletiva pelos cidadãos como superior à estatal.

Duas retóricas difundiram a ideia. Uma é a da autossuficiência da ”sociedade civil”, que, se bem organizada, proveria tudo —bens, serviços etc.— mais e melhor que o Estado. Outra é a do autointeresse. Se o Estado parasse de meter o bedelho, empreendedores de “espírito animal” —opostos dos funcionários parasitas— venceriam a luta pela vida, gerando uma sociedade repleta de prósperos empresários.

Ambas deslegitimaram o Estado como gestor da vida coletiva, demandando protagonismo para a ágil, eficaz e moralmente superior sociedade civil. O Estado era o inimigo. Corrupto e ineficiente, desmereceria a confiança, o poder e os impostos dos cidadãos. Melhor reduzi-lo ao mínimo guedesiano.

Ante o vírus, a linha do autointeresse insistiu no individualismo: isolar-se, munindo-se de grandes estoques, e deixar à livre iniciativa quem mal mora, ou nem mora —e que não tem para comer hoje, que dirá para estocar papel higiênico. Esses “loosers” deveriam é voltar logo ao trabalho de servir o andar de cima.

Em derrota para Guedes, Câmara aprova socorro de R$ 89,6 bi para estados e municípios; governo deve vetar

Texto prevê seguro contra perdas na arrecadação de ICMS, ponto criticado por ministro da Economia. Só líder do governo orientou voto contrário

Marcello Corrêa e Bruno Góes | O Globo

BRASÍLIA - Em derrota para o governo, a Câmara dos Deputados aprovou nesta segunda-feira o texto-base do projeto de lei para ajudar estados e municípios a combaterem a crise do coronavírus. O texto tem impacto estimado de R$ 89,6 bilhões, mais que o dobro do oferecido pelo Tesouro Nacional, e não como prevê congelamento de salários como contrapartida, como previa a equipe econômica.

A proposta foi aprovada por 431 votos a 70 e agora precisa ser analisada no Senado. O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO) — único a orientar contra a proposta — disse que vai sugerir que o presidente Jair Bolsonaro vete trechos do texto, por recomendação do ministro da Economia, Paulo Guedes.

— O governo vai atuar no Senado para modificar (a proposta). Existe a possibilidade concreta de o presidente avaliar a possibilidade de veto. Essa discussão ainda vai continuar.

O principal ponto da proposta é a previsão de repasses federais para compensar governos locais por perdas na arrecadação, medida criticada pelo governo. Só esse trecho tem impacto estimado de R$ 80 bilhões, segundo cálculos do relator da proposta, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).

O valor é mais que o dobro que o previsto pelo governo, que admitia repassar algo entre R$ 32 bilhões e R$ 40 bilhões. Os outros R$ 9,6 bilhões seriam da suspensão da dívida com bancos públicos, trecho com o qual a equipe econômica concorda.

Câmara aprova projeto de socorro aos estados, mas Guedes quer veto de Bolsonaro

Apesar de desidratada, a versão não agrada o ministro da Economia

Thiago Resende , Bernardo Caram , Danielle Brant e Alexa Salomão | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA E SÃO PAULO - Após concessões do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), os deputados aprovaram o projeto de socorro aos estados na crise causada pelo coronavírus.

Apesar de desidratada, a versão não agrada o ministro Paulo Guedes (Economia), que, em caso de aprovação pelo Congresso, defende veto à proposta.

O pacote emergencial não prevê contrapartidas dos chefes de Executivo estadual e municipal, como queria a equipe econômica. O texto-base foi aprovado por 431 votos a 70. O plenário da Câmara analisou e rejeitou os destaques —pedidos de alteração do texto.

O projeto segue para o Senado, onde o governo já tenta articular mudanças.

Encabeçado por Maia, o projeto prevê auxílio financeiro a estados e municípios que perderam arrecadação com a pandemia.

Segundo líderes da Câmara, o efeito do texto-base aprovado nas contas públicas é de R$ 89,6 bilhões.
A versão original, apresentada na semana passada, tinha um impacto calculado em R$ 220 bilhões pelo Ministério da Economia, que classificou a proposta como bomba fiscal.

A proposta inicial de Maia encontrou resistência até mesmo de aliados. O pacote, na versão mais ampla, foi divulgado na última quinta-feira (9). O presidente da Câmara tentou aprovar o projeto no mesmo dia e não teve apoio no plenário. Ele teve, portanto, que negociar com partidos para conseguir aprovar o socorro nesta segunda.

Em outra frente, o time de Guedes tentou emplacar um projeto próprio, mas foi derrotado pela articulação da Câmara, apesar de ter conseguido reduzir o pacote de bondades que Maia queria aprovar para os governadores.

Em derrota do governo, Câmara aprova seguro de receita a Estados

Veto presidencial à proposta provavelmente será derrubado

Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto | Valor Econômico

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 431 a 70, o texto-base do projeto de socorro emergencial aos Estados e municípios, que estabelece que a União deve recompor Estados e municípios pela queda de arrecadação de ICMS e ISS por seis meses, entre maio e outubro deste ano. A aprovação representa uma derrota para o governo, que orientou contra o avanço da proposta. Três emendas do Centrão ainda precisam ser apreciadas antes de o texto ser encaminhado ao Senado.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), orientou contra a proposta que foi aprovada, afirmando que a fórmula de distribuição dos recursos beneficiará “quem administra mal e aqueles que não estão tendo uma gestão equilibrada da crise, com preocupações com as vidas e com os efeitos econômicos da pandemia”.

O texto ainda prevê a suspensão do pagamento dos empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal de março a dezembro deste ano.

Os dois bancos poderão fazer aditamentos nos contratos para decidir como será a forma de pagamento dessas parcelas, mas, se isso não ocorrer, elas serão quitadas mensalmente após o término do contrato. O custo dessa suspensão, segundo o relator, é de R$ 9,6 bilhões.

Em seu parecer, o relator Pedro Paulo (DEM-RJ) determina que os recursos do auxílio financeiro devem ser destinados a ações que mitiguem os impactos da pandemia do coronavírus. Os cálculos que acompanham o relatório indicam que o impacto total da proposta é de R$ 89,6 bilhões.

“Esta Casa tem o papel de estar à frente do combate dessa que talvez seja a maior guerra da nossa geração. Nesta guerra, não existe ateu e não há ideólogo. Não apresentaria um relatório se não tivesse absoluta responsabilidade. A gente precisa dar garantia e previsibilidade aos Estados e municípios para enfrentar a crise. O seguro receita é fundamental. Quanto mais tardarmos para tomar a decisão, mais caro custará ao Brasil”, disse Pedro Paulo.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Área da saúde necessita de apaziguamento – Editorial | O Globo

Bolsonaro precisa se juntar a Mandetta para enfrentarem a fase de agravamento da crise

Os choques entre o presidente Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, transcorrem à medida que avança a epidemia da Covid-19 no país, causando insegurança e incertezas na equipe do governo federal que trabalha no enfrentamento da mais grave crise de saúde no mundo nos últimos cem anos.

A maior das incertezas é sobre a continuidade da política de isolamento social, a única forma eficaz de impedir a explosão de casos, para dar tempo à União, aos estados e aos municípios de prepararem o sistema de saúde, o SUS, a fim de resistir ao impacto do aumento no número de infectados, o que já acontece. A coincidência deste conflito com o início da fase de expansão mais rápida da doença pode criar dificuldades inconcebíveis na defesa da população contra o coronavírus. Não deve passar despercebido que os respectivos serviços diplomáticos aconselharam alemães e italianos a saírem do Brasil.

Morre o cantor baiano Moraes Moreira, aos 72 anos

Por Agência O Globo

RIO - Morreu, nesta segunda-feira (13), aos 72 anos, o cantor e compositor baiano Moraes Moreira. A causa da morte ainda não foi divulgada.

Um dos maiores artistas da música popular brasileira, Moraes ficou célebre por sucessos como "Lá vem o Brasil descendo a ladeira", "Pombo correio", "Sintonia" e, com o grupo Novos Baianos, "Preta pretinha", "Mistério do Planeta" e "Acabou chorare" (essas, compostas em parceria com o poeta e integrante do grupo Luiz Galvão).

Antonio Carlos Moreira Pires nasceu em 1947, em Ituaçu (BA), e passou sua adolescência tocando sanfona em festas de São João, enquanto intercalava sua vida com o estudo de ciências, em Calulé.

Em 1966, mudou-se para Salvador e foi morar em uma pensão, onde conheceu Paulinho Boca de Cantor e Luiz Galvão.

Três anos mais tarde, eles se juntariam à cantora Baby Consuelo e ao guitarrista Pepeu Gomes, formando os Novos Baianos. O grupo fez sua estreia em 1969 com o show "Desembarque dos bichos depois do dilúvio".

Também em Salvador, Moraes se aproximou de Tom Zé, figura imprescindível para aproximá-lo do rock, ritmo que influenciaria diretamente sua trajetória, especialmente no carnaval.

No início dos anos 1970, os Novos Baianos se transferiram para o Rio de Janeiro, e foram viver juntos, em comunidade: inicialmente em um apartamento em Botafogo (onde foram visitados pelo cantor João Gilberto) e, mais tarde, em um sítio em Vargem Grande.

Em 1972, o grupo gravou no Rio o álbum "Acabou chorare", um clássico pós-tropicalista da mistura de música brasileira e rock, eleito, em 2007, pela revista "Rolling Stone Brasil", um dos 100 maiores discos da música brasileira.

Depois de mais dois LPs com os Novos Baianos, Moraes Moreira resolveu deixar o grupo — àquela altura um símbolo da contracultura brasileira. Em sua carreira solo, que começou em 1975, ele lançou mais de 20 álbuns e se consagrou nos carnavais do trio elétrico de Dodô e Osmar. Para a folia, compôs hinos como "Pombo correio", "Vassourinha elétrica" e "Bloco do prazer".

Música | Moraes Moreira - Festa do interior

Poesia | Joaquim Cardozo - Espumas do Mar

Cavalos ligeiros
De eriçadas crinas
Por que sobre as ondas
Passais sem parar?
Vencendo procelas,
Ressacas em flor,
Num fulgor de estrelas
A poeira das águas
Fazeis levantar.

Espumas do mar.

Nas serenas curvas
Da carne marinha
Há sopros, há fugas
De véus a ondular;
Vestidos de rendas...
Vestidos, mortalhas
De noivas morenas
Que em noites de lua
Virão se afogar.

Virão se afogar.

Se há fomes noturnas
Mordendo e chorando,
Lívidas, remotas
Fúrias soltas no ar,
Que os lábios do vento
Se abrindo devorem
A flor de farinha
Que as vagas maiores
Irão derramar.

Espumas do mar.

Nesse fogo verde
De cinza tão branca
Que se apure um mel

De brilho sem par;
Turbinas, moendas
No giro girando
E o açúcar nascendo
Na folha das ondas
Constante a rolar.

Constante a rolar.

Sobre os seios mansos
Das baías claras
Em puro abandono
Não hei de ficar;
Saudades das ilhas,
Amor dos navios,
Segredo das águas
Nas barras dos rios
Irei desvendar.

Espumas do mar.

Em mares incertos
Irei navegar;
E direi louvores
Às velas latinas
Por bem velejar;
Louvores direi
Aos lírios de sal
E às vozes dos búzios
Que sabem cantar.

Que sabem cantar.

Teu rosto esqueci,
Teus olhos? Não sei...
Da face marcada
O espelho quebrei
De muito sonhar;
Nos laços retidos
Das águas profundas
Tesouros perdidos
Quem há de encontrar?
Espumas do mar.