domingo, 24 de julho de 2011

Opinião - Alberto Goldmann: O que vem acontecendo no Brasil

Nada mais eloquente do que a entrevista do industrial Ivo Rosset na última quarta feira na Folha de São Paulo.

Para quem não conhece, Ivo Rosset é proprietário de um dos maiores grupos industriais na produção de tecidos, dono das marcas Valisère e da Cia. Marítima. Ivo passou a ser, a partir de um certo momento que não sei definir, nem sei por quê, um ardoroso petista, a ponto de se filiar ao Partido, e um entusiasta do presidente Lula. Assim como outros empresários, aderiu de corpo e alma às políticas dos governos do PT, na época, sem qualquer senso crítico. Agora, diante de problemas que se avolumam para o seu setor e para muitos outros, decidiu falar sobre o assunto de forma consistente mostrando os perigos do aprofundamento do nosso processo de desindustrialização.

Ivo alerta contra o fechamento de várias fábricas no Brasil diante da concorrência dos produtos chineses. Chega a vaticinar que cerca de 2,5 milhões de empregos, de um total de 8 milhões, podem desaparecer. Muitos industriais fecham suas fábricas e vão produzir na China ou em outros países que lhes permite maior competitividade. Cita inclusive a fábrica de carrocerias de ônibus, a Marcopolo – antes nacional, gaúcha, que agora produz fora do país e vende – exporta – para nós.

As razões não se limitam à mão de obra mais barata de outros países. Se relacionam também à nossa carga tributária, à moeda nacional supervalorizada, às taxas de juros internas e à outras aberrações como, por exemplo, a possibilidade de se importar produtos pelos portos de alguns Estados que incentivam a importação baixando o ICMS. Isto é, incentivam que os empregos sejam criados fora do país e que nós apenas importemos os produtos.

Ivo pergunta na entrevista: queremos ou não ser um país industrializado? Se não, vamos nos tornar um país de serviços ( e fornecedor de produtos primários, acrescento ) e vamos pagar um preço muito alto lá na frente. E, segundo ele, o governo está sem saber direito o que fazer.

Vou acrescentar a esse quadro desastroso as notícias correntes de que o Brasil está importando produtos asiáticos através de nossos vizinhos, utilizando as vantagens de nossos acordos comerciais com esses países vizinhos.

Eu já ouvi vários relatos de empresários, de diversos setores, na mesma direção. Mas talvez nenhum tão eloquente. Além do que, exposto por um neo petista, empresário que ajudou a transformar o Lula em um mito.

Será que, afinal, a ficha vai cair?

Alberto Goldmann,  ex-deputado, ex- vice-governador de S. Paulo, no Blog, 21/7/2011

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

FOLHA DE S. PAULO

O ESTADO DE S. PAULO

ESTADO DE MINAS

CORREIO BRAZILIENSE

ZERO HORA (RS)

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Demissões não eliminam foco de corrupção no Dnit

Para mudar o Ministério dos Transportes e pôr fim a esquemas de corrupção em órgãos como o Dnit não bastará demitir dirigentes, como tem feito a presidente Dilma. Com uma engrenagem azeitada para impedir a fiscalização, o Dnit tem uma gestão caótica e procedimentos desenhados para esconder a corrupção. Há mais de 150 sistemas diferentes de informação na sede e nas 23 superintendências regionais, o que dificulta qualquer controle. Consultores terceirizados entregam projetos de engenharia de baixa qualidade e sem assinar, o que resulta em obras com múltiplos termos aditivos para ampliar custos e prazos. Um plano de gestão e ética, feito por funcionários, chegou a ser levado ao diretor-geral afastado Luiz Antônio Pagot, propondo cobrança de resultados como na iniciativa privada, mas foi engavetado

Feito para não funcionar

Modelo de gestão do Dnit é caótico, com mais de 150 sistemas e falta de controle

Roberto Maltchik e Fábio Fabrini

Por trás de dirigentes e servidores acusados de corrupção, prospera no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) uma engrenagem azeitada para impedir o controle e engavetar toda e qualquer proposta moralizadora. Consultores terceirizados emitem projetos de engenharia apócrifos e de baixa qualidade, que resultam em obras com múltiplos termos aditivos para ampliar custos e prazos. Há mais de 150 sistemas de informação na sede e nas 23 superintendências regionais, e eles são incompatíveis. A estrutura é coroada com a indicação de apadrinhados para coordenadorias vitais, subordinadas às diretorias ocupadas por partidos: Planejamento, Rodoviária, Ferroviária e Aquaviária.

As falhas estruturais são conhecidas há tempos. O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria Geral da União (CGU) já cansaram de emitir alertas, mas a adoção de propostas moralizadoras engatinha. Um plano de Gestão e Ética, elaborado pelos funcionários, chegou a ser encaminhado ao diretor-geral afastado Luiz Antonio Pagot. Entre as sugestões, identificar áreas suscetíveis a desvios, nomear comissões de ética nos estados e julgar todos os procedimentos disciplinares abertos, estabelecendo metas e controle como na iniciativa privada. O material chegou às mãos de Pagot em junho de 2010, mas não saiu do gabinete.

No Dnit, órgão técnico com orçamento de R$13 bilhões este ano, os cursos de capacitação para gerência de pavimentos e gestão de projetos são substituídos por aulas de qualidade de vida, "entusiasmo" e Língua Brasileira de Sinais (Libras), segundo o plano de capacitação de servidores, aprovado pela diretoria colegiada do órgão.

A multiplicação de termos aditivos em obras bilionárias - usual meio de desvios que deflagrou a crise das últimas semanas - deve-se, em parte, ao fracasso na gestão de projetos. Não há softwares ou escritório de gerenciamento dos estudos que fundamentam as obras. "Não se utilizam ferramentas consagradas, como o método do valor agregado, eficaz no monitoramento de prazos e custos de projeto. Hoje, o Dnit atua de forma compartimentada, havendo desconexão entre seus diferentes setores", pontua um diagnóstico sobre o Dnit elaborado pelo governo e obtido com exclusividade pelo GLOBO.

Especialista em engenharia da Universidade de Brasília (UnB), Dikran Berberian diz que a combinação entre comando político e governança capenga só interessa a quem deseja lucrar com dinheiro público:

- Eles nomeiam um vassalo do capeta para ser um gestor de um pedaço do céu. O diabo é hábil. É astuto e hábil.

Auditorias do TCU sobre a gestão do Dnit mostram que a Diretoria de Planejamento e Pesquisa, responsável pelos projetos, não interage com aquela que deveria ser sua irmã siamesa: a Diretoria Rodoviária, que toca as licitações. Com isso, inúmeros canteiros são instalados a partir de pleitos "alheios", não raro políticos, sem origem nos setores responsáveis pelo planejamento.
Nada menos que 66% dos projetos elaborados entre 2003 e 2008 não tinham provocado licitações para obras em 2009, ficando nas prateleiras. O estoque de estudos engavetados é imenso, mas eles faltam na hora de lançar editais para obras prioritárias, segundo os auditores do TCU.

O engenheiro de uma empreiteira que tem contratos com o Dnit contou que essa é a senha para a multiplicação de preços. O Dnit contrata projetos a toque de caixa e, depois, os empreiteiros ganham com os reajustes provocados pelos "nós" estruturais que aparecem no meio da obra. Exemplos estão espalhados pelo país, como nas obras da Rio-Santos ou da BR-101 Sul, entre Palhoça (SC) e Osório (RS).

- Eles não fiscalizam o canteiro de obras. Indiscutivelmente, esse é o sistema propício para ocorrer falcatruas - disse o consultor de projetos, na condição do anonimato.

Também é imenso o número de investimentos, fruto de pressões políticas, iniciados sem garantia orçamentária. O diretor-geral demissionário do Dnit, Luiz Antonio Pagot, admite que pelo menos cem obras que começaram a partir de emendas de parlamentares ao Orçamento da União estão paradas, pois o governo não autorizou a liberação total do dinheiro.

Deputados, senadores e prefeitos colheram dividendos políticos com a promessa dos empreendimentos, mas a população não desfruta dos benefícios. Exemplos são o Anel Viário de Ji-Paraná (RO), orçado em R$28,8 milhões; a construção de ponte sobre o Rio Itajaí-Açu na BR-470, em Santa Catarina (R$38,8 milhões); e a implantação de um trecho da BR-070 na cidade goiana de Aragarças (R$9 milhões).

Embora projete, em média, R$4 bilhões em obras por ano, o Dnit só contrata o equivalente a R$1,8 bilhão, aponta o TCU. Mesmo assim, peca ao fiscalizar a execução de seus recursos limitados. Atualmente, faltam 600 engenheiros no quadro para supervisionar o trabalho de empreiteiras. Com isso, resta ao órgão terceirizar essas funções, nem sempre desempenhadas a contento.

A "falta de atenção" que impera no setor de projetos se estende para outro centro nevrálgico na estrutura do órgão: o monitoramento das licitações no âmbito da Diretoria Executiva, ocupada até semana passada por José Henrique Sadok de Sá, o diretor demitido porque direcionava obras para a empreiteira da mulher.

Relatório da Controladoria Geral da União (CGU), elaborado em 2010, afirma que é "praticamente inviável" a análise adequada de 114 licitações - o volume avaliado pelo órgão em 2009. E que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) só faz aumentar a saturação da comissão de licitações.

Desde terça-feira, O GLOBO solicita entrevista com o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, para ouvi-lo sobre a gestão do Dnit. Mas o ministério informou que ele não poderia atender. A pasta limitou-se a informar que a reestruturação dos Transportes passa também pela gestão de processos do Dnit.

FONTE: O GLOBO

Agência Nacional da Propina

ÉPOCA obteve vídeos, documentos e cheques que revelam como o aparelhamento partidário transformou a Agência Nacional do Petróleo numa central de achaque e extorsão

Diego Escosteguy. Com Murilo Ramos

Às 16h23 do dia 5 de maio de 2008, uma segunda-feira, dois assessores da Agência Nacional do Petróleo (ANP) encaminharam-se discretamente ao escritório da advogada Vanuza Sampaio, no centro do Rio de Janeiro. Os dois, Antonio José Moreira e Daniel Carvalho de Lima, acomodaram-se na sala de reuniões do escritório, tomaram cafezinho e conversaram por alguns minutos sobre amenidades. Ato contínuo, a advogada Vanuza assomou à porta. Vanuza é a advogada com mais volume de processos na ANP; conhece profundamente a agência. Tem como clientes distribuidoras de combustível, postos e empresários do setor de petróleo e gás – todos dependem da ANP para tocar seus negócios. Depender da ANP, conforme investigou ÉPOCA nos últimos dois meses, significa sofrer continuamente o assédio de tipos como Moreira e Daniel. Não são os únicos. Há muitos como eles. Mas, para a turma que transformou a ANP num cartório de extorsão, aquela não era uma segunda-feira tão ordinária. Daquela vez, dois deles foram gravados em vídeo, em pleno expediente subterrâneo. ÉPOCA obteve cópia dessa gravação, que integra uma investigação sigilosa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.

A pedido de ÉPOCA, a autenticidade do vídeo foi atestada pelo perito Ricardo Molina. "A gravação é autêntica e não sofreu nenhuma manipulação", disse Molina. O vídeo tem 53 minutos, três personagens e um repertório espantoso de ilegalidades, abusos e escracho com a coisa pública. São 53 minutos de corrupção exposta em seu sentido mais puro. Não há nenhum vestígio de decoro. O eventual medo de ser pilhado desaparece e cede lugar ao deboche. Não há diálogo em código ou fraseado evasivo. É tudo dito na lata. Esse descaso pode ser explicado pela impunidade com que a longeva máfia dos combustíveis atua no país. Nos últimos anos, a PF e o MP já produziram provas robustas contra expoentes desse grupo. Até o Congresso criou uma CPI para investigar os crimes – que engendrou ainda mais corrupção.

As investigações foram insuficientes para derrubar as estruturas viciadas do bilionário setor de combustíveis, que convive harmonicamente com a ilegalidade. Gasolina adulterada, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro são práticas toleradas com frequência pela ANP, agência que deveria fiscalizar e regular esse rico mercado. Sob a condição de permanecer no anonimato por medo de sofrer retaliações, sobretudo físicas – o submundo do mercado de combustíveis convive com ameaças de morte –, empresários, lobistas, advogados, funcionários da ANP, policiais e políticos aceitaram falar a ÉPOCA. As narrativas não divergem. Todos contaram que as atividades do setor correm praticamente sem fiscalização e que, no vácuo, grupos rivais de funcionários e políticos transformaram a ANP numa central de achaque e extorsão.

A advogada Vanuza sabe bem como ela funciona. Naquele dia ordinário de maio, mal se sentou à mesa, Moreira deu início às tratativas. Tratou primeiro do caso da distribuidora Petromarte, cliente de Vanuza com "problemas" para renovar seu registro na ANP. "Conversei com o Edson (Silva, dirigente do PCdoB, ex-deputado federal e então superintendente da ANP) e ele não tinha muita noção de valores, você entende?", disse Moreira. Ele relatou a conversa que tivera com o superintendente Edson para dar uma solução ao assunto. "Você não quer conversar agora em torno de R$ 40 mil? (...) Você acha razoável?", diz Moreira no vídeo. Moreira prosseguiu, didaticamente: "Aí ele (Edson) me falou que ficaria com 25 (mil reais) e daria 15 (mil reais) para vocês (o próprio Moreira e Daniel)". Mais estarrecedor é o que se segue. Os assessores queriam também que Vanuza agisse em nome deles, numa espécie de terceirização da corrupção. Com a palavra, Moreira:

– Tá na minha mão uma, um processo (...) (empresa) tradicional (...) Chamada Rodonave, de Manaus.

Vanuza intervém:

– Mas por que quer cancelar o registro dela? Empresa antiga...

Moreira titubeia, e Vanuza pergunta:

– Mas é para arrancar dinheiro mesmo?

Moreira gagueja:

– É... É... Não sei se para arrancar dinheiro, é que não conheço o perfil das pessoas.

Ele diz que "burocratas são detestados" e que, por isso, não quer fazer contato direto com os donos da empresa. Vanuza insiste em saber a justificativa criada para ameaçar cassar o registro da empresa. Moreira nem sabe explicar. "Eu encaminhei um processo superficialmente. O assunto nunca foi explorado", diz. Dias depois, a dupla de assessores da ANP entregou a ela os documentos de registro da Rodonave. E disseram: "Vanuza, dá para ganhar dinheiro com esse processo". Moreira e Daniel apresentaram ainda uma lista com três empresas que deveriam ser objeto da investida de Vanuza: Flexpetro, Nova Gasoil e Comos Distribuidora. Todas detinham apenas registro provisório na ANP e haviam pedido o registro definitivo, que demora, em média, 180 dias. A dupla informou a Vanuza que, se as empresas quisessem obter o registro em menos tempo, deveriam pagar R$ 50 mil de propina.

"Quarenta mil reais é razoável?"

Neste trecho, os dois assessores da ANP (Antonio José Moreira e Daniel Carvalho de Lima) dizem à advogada Vanuza Sampaio que a Petromarte, cliente dela, terá de pagar R$ 40 mil de propina para resolver uma pendência na agência – com o aval do então superintendente de abastecimento da ANP, Edson Silva, dirigente do PCdoB

Moreira: Eu conversei com o Edson (superintendente da ANP) e ele não tinha muita noção de valores, você entende? Aí ele falou que era possível, que ia mexer. Mas ele é lento.

Advogada: É baiano.

Moreira: Baiano... Aí ele me falou: "Ó, você não quer conversar agora em torno de 40 mil reais? Você acha razoável? Quanto você acha razoável?". Falei "não sei, Edson, não sei quantificar, não sei valor". E foi a primeira vez que aconteceu alguma coisa. A gente pode estabelecer um bom relacionamento. Aí ele falou isso, que ficaria com 25 (mil reais) e daria 15 (mil reais) pra vocês. Esse é do Rodomarte. É... É do Petromarte.

"É para arrancar dinheiro mesmo?"

Depois de cobrar a propina, os assessores oferecem uma parceria à advogada Vanuza. Querem que ela achaque a empresa Rodonave, objeto de um processo na ANP.

Vanuza se espanta:

"Mas é para arrancar dinheiro mesmo?"

Moreira: Tá na minha mão um processo... O interesse é muito grande. (Empresa) tradicional chamada Rodonave, de Manaus.
Advogada: Mas por que querem cancelar o registro dela? (...) É para arrancar dinheiro?

Moreira: Não sei... não, eu acho que não é para arrancar dinheiro (...) Eu também não queria me indispor, chegar e ligar para a Rodonave... Então, se você tiver interesse, te dou uma orientada.

Lógica Petista

Em seguida, os três põem-se a discutir as diferenças entre os corruptos da agência. Roberto Ardenghy, antecessor de Edson Silva na Superintendência de Abastecimento, é citado como exemplo de negociante voraz. Diz o assessor Moreira: "Ele tinha uma lógica muito à petista. Era muito para ele"

Advogada: Ele (Ardenghy) sempre me travou de uma forma muito inteligente. Só hoje consigo ver o que ele ganhava de um outro lado.

Moreira: (...) Era uma lógica muito à petista. Era muito pra ele e ele avançava também para todos os lados (...) Uma vez eu trouxe um caso, ele queria cobrar muito. Falei "Ardenghy, não é o momento de cobrar muito". Ele falou "não, mas se a gente não cobrar muito (...) Se a gente cobrar pouco, você vê fantasmas todos os dias".

No vídeo, Vanuza reclama que funcionários da ANP assediavam seus clientes, transmitindo-lhes o recado de que, se não mudassem de advogado, perderiam todas as "pendências" que tivessem ou viessem a ter na agência. Esse ataque aos clientes coincidira com a mudança de nomes na ANP, com a chegada de políticos e filiados ao PCdoB. Desde o começo do governo Lula, em 2003, a ANP foi lentamente repartida entre apaniguados do PCdoB. Entraram diretores, como o atual presidente, Haroldo Lima, quadro antigo do partido, integrantes dos comitês estaduais da sigla e comunistas recém-convertidos aos encantos do capitalismo estatal. Quase todos com ficha de filiação ao PCdoB, mas, como se descobriu nos últimos anos, sem competência ou preparo técnico para gerenciar o mercado de petróleo no país. A entrega da agência ao PCdoB representou uma inflexão no submundo dos combustíveis. Com a ascensão do partido, o esquema de corrupção tornou-se orgânico e se ramificou por toda a ANP.

No caso denunciado pela advogada Vanuza, a burocracia da ANP primeiro passou a criar dificuldades para seus clientes. Para deferir pedidos simples, procrastinavam o máximo possível, exigindo documentos previamente entregues pelas empresas, caso da Lubcom. Em outros casos, como a Small Distribuidora, os funcionários da ANP deixaram de receber pedidos e, quando resolviam atender os representantes da empresa, requisitavam documentos desnecessários. Como Vanuza não cedesse às investidas, logo os assessores da ANP começaram a avançar diretamente sobre seus clientes.

Em fevereiro de 2008, sobreveio o bote. Os assessores Daniel e Moreira ligaram para Vanuza, marcaram uma reunião e explicaram que era preciso pagar por qualquer procedimento, mínimo que fosse. Disseram que estavam ali "em nome" de Edson Silva, o superintendente de Abastecimento – talvez o cargo mais poderoso da ANP, cujo ocupante define cotas de venda e compra de combustível, além de deter a prerrogativa de liberar ou cassar registros de distribuidoras e postos. Que qualificação tinha Edson para ser nomeado? Ser um "quadro histórico" do PCdoB. E só. Para se certificar de que os dois de fato falavam em nome do superintendente Edson, Vanuza pediu um encontro com a presença de todos. Dias depois, Vanuza, os dois assessores e Edson Silva tomaram um café nas cercanias da sede da ANP, no centro do Rio. Não se conversou sobre valores, mas Edson, segundo seu relato ao Ministério Público, deixou claro que os assessores detinham autorização para negociar com Vanuza. Agora, eles queriam que Vanuza lhes repassasse metade do lucro – ou dos clientes, encaminhados a um advogado que indicassem. Diante da voracidade, Vanuza entrou em pânico e procurou o MP. Orientada por agentes da PF, topou gravar uma reunião com a turma, de modo a produzir um flagrante. É por isso que, na gravação, a advogada procura estabelecer diferenças entre o grupo do PCdoB e seus antecessores.

Roberto Ardenghy, por exemplo, ocupou o cargo de superintendente de Abastecimento antes do comunista Edson Silva. Ardenghy fora indicado pelo ministro Nelson Jobim, com quem trabalhara na pasta da Justiça, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo documentos em poder do MP e da PF, como contas bancárias e e-mails, Ardenghy usava o cargo para ganhar dinheiro, agindo sozinho. Para se precaver nas conversas com os empresários, ele criara endereços de e-mail do Yahoo, como "mazaropi" ou "daniflores". Orientava seus clientes a depositar dinheiro numa conta do Bradesco, em nome do café e bar Ninense, no centro do Rio. Hoje, Ardenghy é diretor institucional da British Gas no Brasil.

Vanuza, por dever de ofício, naturalmente também conhece Ardenghy. No vídeo, ela elogia sua capacidade de fazer negócios e afirma que ele não "agride direto" como o comunista Edson Silva. O assessor Moreira reserva boas palavras para Ardenghy: "A lógica dele (Ardenghy) era muito à petista. Era muito para ele e ele avançava também por todos os lados". Depois, Moreira ainda faz chiste com o apetite financeiro de Ardenghy. "Eu trouxe um caso para ele e ele queria cobrar muito. Eu falei: "Ardenghy, não é o momento de cobrar muito"." E cai na risada ao relatar a negativa de Ardenghy.

O rumo do papo anima Moreira. Ele relaxa, recosta-se na cadeira e se aproxima da advogada. Confidencia, com uma risada: "Aí o Ardenghy começou a cobrar serviço extra (das empresas). Mensalidade e serviço extra!". Moreira ri. Daniel ri. Todos riem. Moreira se anima, inclina-se novamente na cadeira e, ainda às gargalhadas, imita a voz de Ardenghy: "É que meu pessoal está faminto!". De tão confortável, Moreira pede a Vanuza que troque um cheque de R$ 11 mil, recebido por ele do advogado Cristiano Benzota, cujo principal cliente era Dirceu Antônio de Oliveira, conhecido como Major Dirceu e tido pelas autoridades como o maior adulterador de combustíveis do país. "Não posso depositar isso na minha conta", diz Moreira. Desde que o PCdoB entrou na ANP, as empresas do Major Dirceu, antes cassadas pela fiscalização da agência, voltaram a operar.

No meio da reunião, os três também comentam a prosperidade de Victor Martins, ex-diretor da ANP e irmão de Franklin Martins, ministro da Comunicação Social no governo Lula. Meses depois dessa conversa, descobriu-se que Victor era dono de uma consultoria que prestava serviço a municípios interessados em ganhar mais na partilha de royalties relacionados à produção de petróleo – precisamente a área da ANP que ele coordenava. "O que não pode (na ANP) é mau-caráter. Aquele Victor Martins, irmão do Franklin Martins, é desagregador, cheio de desconfiança", diz Moreira. O assessor Daniel confirma em seguida: "Ele é muito conflitante, briga muito". "A mulher dele é que está rica", afirma Vanuza.

Ela entregou o vídeo ao Ministério Público Federal no dia 16 de maio de 2008. Na ocasião, depôs sobre esses fatos ao procurador da República Carlos Aguiar. Também apresentou documentos que corroboram suas palavras, como ofícios trocados entre seu escritório e funcionários da ANP, números de telefone, endereços, cheques, e-mails, codinomes. Seu depoimento se assemelha ao dos empresários ouvidos por ÉPOCA. Esses relatos demonstram que a grande arma dos corruptos da ANP reside no poder da agência em carimbar qualquer etapa do processo de produção e distribuição de combustíveis. Cada cota, cada registro e cada fiscalização constituem uma oportunidade para negociatas. "É inescapável pagar", diz um dos maiores empresários do setor, cujo negócio depende continuamente dos caríssimos carimbos da ANP.

O ex-superintendente da ANP Roberto Ardenghy e o advogado Cristiano Benzota não responderam aos recados deixados pela reportagem de ÉPOCA. Procurados por e-mail, a assessoria da ANP, Moreira, Daniel e o assessor da presidência, Edson Silva, não haviam, até o fechamento desta edição, respondido às questões enviadas.

As primeiras agências reguladoras no país foram criadas na metade dos anos 1990, a partir da privatização dos setores de telefonia e energia. No mundo ideal, os principais objetivos das agências são: garantir o cumprimento das regras de mercado, incentivar os investimentos e fiscalizar as empresas que prestam serviços públicos para garantir serviços de qualidade aos cidadãos. Inspiradas no modelo americano, elas deveriam gozar de autonomia de decisão e financeira. No mundo real é diferente. A interferência política na condução desses órgãos e a escassez de recursos prejudicam sua atuação.

No início do governo do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não gostava de ouvir falar nas agências, por considerá-las uma herança maldita do governo de Fernando Henrique Cardoso. Com o passar do tempo, o PT enxergou nas dezenas de vagas disponíveis nelas uma forma de acomodar políticos da base aliada (leia o quadro abaixo). Passou a loteá-las sem levar em conta a premissa de manter técnicos de primeira linha a sua frente. Um exemplo claro é Haroldo Lima, o presidente da ANP. Político do PCdoB, Lima cometeu gafes inesquecíveis. Uma delas foi divulgar, num seminário, informações estratégicas sobre campos de petróleo, alimentando a especulação. "Isso não é um problema meu. É um problema da Bolsa de Valores", afirmou.

Atualmente, o órgão mais representativo desse fatiamento político é a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Seu presidente, Bernardo Figueiredo, foi indicado pelo PT. O diretor Mário Rodrigues foi apadrinhado pelo deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP). O diretor Ivo Borges contou com o apoio do senador Gim Argello (PTB-DF). Há, ainda, um representante do PMDB, o diretor Jorge Macedo Bastos.

Se a indicação política pode ser perniciosa, a indicação de empresas reguladas também merece ser vista com cautela. O atual presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Maurício Ceschin, é oriundo de operadoras de planos de saúde. Sua indicação foi contestada por servidores públicos, receosos de que Ceschin pudesse favorecer ou deixar de fiscalizar devidamente as empresas reguladas. Por meio de sua assessoria de imprensa, Ceschin afirmou que há dez anos não trabalha diretamente para empresas reguladas pela ANS.

Quem ousou contestar a realidade de funcionamento das agências saiu chamuscado. Ex-presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman, um técnico, foi repreendido pelo governo quando disse que deveria haver uma redução nos valores da taxa de fiscalização, tributo cobrado do consumidor e não usado inteiramente para financiar as atividades da agência. Também desagradou ao Planalto quando, em 2008, apontou riscos reais de novo apagão elétrico, comportamento interpretado como uma insubordinação política.

Os critérios de escolha dos diretores, apesar de mudanças perceptíveis, ainda são precários. Formalmente só é exigido do candidato que tenha nível superior e reputação ilibada. Na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Agências de Regulação, José Luiz Lins dos Santos, deveria exigir-se do candidato conhecimento notório sobre o setor regulado. "É uma forma de garantir um profissional qualificado para importante função", afirma. Há sete anos tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei para definir atribuições, poderes e limites das agências reguladoras. É a falta de vontade do governo em tratar o assunto como merece que gera casos escandalosos como a ANP.

 FONTE: REVISTA ÉPOCA

Dilma e seus desafios:: Merval Pereira

Os problemas atuais da presidente Dilma têm a ver com a natureza do mandato que ela recebeu das urnas em 2010, que é baseado na continuidade, e, além disso, de ter sido eleita conjuntamente com uma Câmara de Deputados em que os micropartidos (PRB, PSC, PTC, PMN, PHS, PTdoB, PRP, PRTB e PSL) e os partidos clientelistas (PTB, PP e PR) cresceram consideravelmente em relação a 2006-2010.

Assim o cientista político da Fundação Getulio Vargas do Rio Octavio Amorim Neto resume nossa atual situação política.

Referindo-se a um recente trabalho de Fabiano Santos, Mariana Borges e Marcelo Ribeiro, publicado no portal do Núcleo de Estudos do Congresso, do Iesp-Uerj, Amorim Neto ressalta que na legislatura de 2006-2010 esses partidos tinham, aproximadamente, 20% das cadeiras da Câmara e, hoje, têm 27%.

O crescimento desses partidos, sobretudo dos clientelistas, compõe o quadro de dificuldades políticas da presidente, acredita.

A característica do mandato também está sendo desafiada. "Trata-se de um mandato para dar continuidade às políticas de Lula. Porém, o crescimento de 2010 foi uma consequência típica de um ciclo econômico-eleitoral", destaca Octavio Amorim Neto, lembrando que, em anos de sucessão política, o gasto público tende a aumentar; o desemprego, a diminuir; e o PIB, a crescer.

A utilização de políticas monetárias, fiscais e cambiais com claros objetivos político-eleitorais gera os chamados "Ciclos Políticos de Negócios" (CPNs), cuja principal característica é a redução do desemprego em períodos pré-eleitorais, com o objetivo de proporcionar um ambiente positivo capaz de influenciar o resultado eleitoral.

O economista Marcelo Néri, também da Fundação Getulio Vargas do Rio, um estudioso do assunto, ressalta que a literatura de ciclo político de negócios explora essa relação usando o eleitor mediano, que é quem decide as eleições, como alvo-principal de estratégicas econômicas oportunistas.

O cientista político Octavio Amorim Neto traduz assim o problema: "O ano seguinte ao da eleição é a hora de ajustar as contas públicas e de debelar, por meio da elevação da taxa de juros, a inflação gerada pelo crescimento acima do normal do ano anterior, o que leva à queda da taxa de crescimento do PIB."

A própria presidente Dilma admitiu implicitamente esse fenômeno quando, na sexta-feira, declarou que o combate à inflação não se dará em detrimento do crescimento econômico, insinuando que o trabalho de trazer a inflação para dentro da meta pode ficar até mesmo para 2013.

A necessidade desse ajuste, porém, não foi comunicada nem ao eleitorado nem à aliança governativa, o que cria embaraços para a ação governamental. "Os deputados e senadores que integram a base de apoio do governo certamente reconhecem privadamente que o país precisa de um ajuste. Porém, fazer um ajuste é um sério problema político, pois implica impor perdas a determinados setores da economia, da sociedade e da classe política".

O problema fica pior ainda, analisa Amorim Neto, quando não se tem um mandato para se fazer o ajuste. "De qualquer modo, o ajuste há de ser feito. Caso contrário, a economia poderá entrar em crise, tudo o que o governo não deseja. Esta é a sinuca de bico em que se encontra o governo Dilma."

Ou seja, a presidente tem que liderar uma coalizão tão ampla e complexa quanto à de Lula, mas sem contar com a folga fiscal da qual o ex-presidente tanto se beneficiou e que foi tão útil para manter a sua base de apoio político e eleger Dilma.

"O desencontro entre a natureza da coalizão de Dilma, constituída também por alguns partidos clientelistas que dependem pesadamente de recursos públicos, e o imperativo de se fazer um ajuste econômico sem um mandato eleitoral para tanto são a principal fonte dos conflitos que a presidente está enfrentando", diz ele, que não atribui as dificuldades a uma crise do presidencialismo de coalizão.

Octavio Amorim Neto acha que a presidente Dilma tem um espaço limitado de ação: "Em termos de ajuste econômico e de enfrentamentos com os partidos que resistem aos seus esforços de saneamento da máquina pública, ela só irá até o ponto em que a sua maioria legislativa e o seu apoio popular majoritário não se virem ameaçados."

Mas as dificuldades também não são inerentes à presidente Dilma Rousseff: "Qualquer chefe de governo, por mais experiente e capaz que fosse, estaria numa situação difícil e delicada se tivesse que lidar com os atuais problemas de Dilma", avalia Amorim Neto.

Para ele, a aliança de Dilma tem partidos programáticos e fisiológicos, como é da tradição brasileira. "Nenhum presidente dos nossos dois regimes democráticos (1946-1964 e 1985-presente) conseguiu escapar dessa condição."

Uma coisa que se poderia fazer para que a política fosse menos fisiológica, no seu ponto de vista, seria reduzir radicalmente os milhares de cargos em comissão à disposição do Poder Executivo, passando a serem eles ocupados preponderantemente por funcionários de carreira.

"Trata-se de profissionalizar mais ainda a administração pública, de modo a tirar o ar que respiram os partidos fisiológicos", aconselha Octavio Amorim Neto.

FONTE: O GLOBO

Vícios na origem:: Dora Kramer

São tantas e tão variadas as controvérsias envolvendo o PSD antes mesmo de oficializado seu ato inaugural, que a ausência de definição ideológica acaba sendo o menor dos questionamentos suscitados pelo partido a ser criado sob inspiração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

Até quatro meses atrás era a novidade da estação, destinada a abrigar os insatisfeitos de variadas legendas, uma nova força de apoio ao governo Dilma Rousseff que arrasaria quarteirões oposicionistas depois de depositar a última pá de cal sobre os escombros do DEM.

Entraria bem na fotografia da cena parlamentar, fazendo e acontecendo já na eleição municipal de 2012.

Pode ser que o PSD consiga resolver nos próximos dois meses - quando se encerra o prazo para a obtenção do registro na Justiça Eleitoral a tempo de disputar prefeituras no ano que vem - os problemas que enfrenta com fraudes e denúncias de uso da máquina pública na coleta das assinaturas de apoio e apresentar as 490 mil necessárias perfeitamente legalizadas.

Ainda assim, não se livrará facilmente da imagem de um partido que surge no cenário político marcado pelos vícios de sempre. Nesse sentido, já nasce velho.

Foi seu próprio criador quem definiu a obra como algo insípido, insosso e inodoro - "nem de direita, nem de esquerda nem de centro". Traduzindo: não pretende a representação de um pensamento. Busca juntar pessoas daqui e dali, de preferência já detentoras de mandatos eletivos, para funcionar como um facilitador de acomodações regionais.

Isso fica evidente no método de arregimentação de lideranças, a partir das conveniências de caciques locais: senadores, deputados, governadores, que necessitem de um rearranjo no equilíbrio de forças, pouco importando se representem o que há de mais retrógrado na política.

Um exemplo emblemático é o processo de formação do PSD no Maranhão. O acerto com o clã Sarney foi feito nos seguintes termos: a governadora Roseana Sarney oferece alguns tantos deputados federais e estaduais para integrar a legenda e, em troca, Kassab garante que o partido não abra espaço para adversários da família no Estado.

Recapitulando as práticas: fraudes na coleta em assinaturas detectadas em cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Amazonas), suspeita de uso da máquina pública, ausência de identidade programática, arregimentação cartorial de lideranças, acolhimento de adesões sem olhar de quem.

Não bastasse, o PSD institucionaliza o troca-troca partidário, ao arrepio da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a fidelidade devida ao partido por parte do eleito.

Em seu estatuto, o partido oferece a garantia de que nunca exigirá na Justiça a devolução do mandato de parlamentares que porventura venham a sair do PSD.
Uma mão na roda. E a lei? Ora, a lei...

No paralelo. É de se perguntar com que autoridade o ex-presidente Luiz Inácio da Silva diz que os demitidos do Ministério dos Transportes poderão voltar a seus cargos se "provarem" ser inocentes.

Lula faz média com os partidos atingidos (PR e PT), sem atinar para a inconsequência da declaração. Primeiro, porque não é dele (ou não deveria ser) a prerrogativa de decidir sobre nomeações e demissões. Segundo, não havendo inquérito policial - e por enquanto não há - não existe como comprovar culpas ou inocências.

A sem-cerimônia de Lula com os ritos do poder formal já se evidenciou algumas vezes desde que deixou a Presidência. Seja atuando como interlocutor da base aliada na crise Palocci, ou visitando obras que não teve tempo para inaugurar quando presidente.

Lula se declara um "ajudante" de Dilma e, assim, tenta não imprimir a suas ações um caráter de usurpação e obter junto à opinião pública salvo-conduto para circular como a sombra oficial da presidente.

Não só não pretende "desencarnar", como vai ocupando o espaço privilegiado de um "shadow president".

À falta de uma oposição com consistência, unidade e senso de direção para cumprir esse papel.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Vitória pela metade :: Eliane Cantanhêde

Segundo a revista "The Economist", o lulismo venceu o chavismo, que está em "declínio terminal". Apesar disso, Lula desertou de ideias, discursos e batalhas que o PT nasceu e cresceu combatendo. E, assim, ele perdeu uma outra guerra -pela ética. Dilma resgatou a responsabilidade.

A posse do esquerdista Ollanta Humala na Presidência do Peru, na próxima quinta, é mais um dado do isolamento do "chavismo", que encantou parte da América do Sul na década passada e entra em declínio justamente quando o venezuelano Hugo Chávez enfrenta uma nova frente, desta vez pela vida.

Humala se lançou candidato como chavista, mas já na campanha deu uma guinada para o lulismo. Quem assume não é o Humala anti-imperialista e anticapitalista. Vem aí o Humala moderado, determinado a aprofundar a inclusão social mas também a garantir a estabilidade econômica e a atrair investimentos privados. A ver.

É assim que a Venezuela vai se tornando uma ilha. A direita recupera espaços e a velha esquerda se acomoda e cede ao pragmatismo na região. Quando olharem em volta, Rafael Correa, do Equador, e Evo Morales, da Bolívia, vão descobrir que estão à deriva.

O projeto político e econômico de Lula venceu, sim, o de Chávez. Mas Lula usou o pretexto da governabilidade para se aproximar perigosamente, até alegremente, de oligarquias agonizantes, de conhecidos corruptos e das elites corruptoras. Empurrou a sujeira, como a dos Transportes, para a sucessora.

Tão diferentes, um democrático, outro autoritário, o lulismo e o chavismo se fundiram na complacência com desvios, comprovando que o discurso é um e, no poder, a prática é outra. Ambos se renderam à cultura de corrupção que se alastrou pelas Américas desde suas origens e não perdoou o Brasil.

Que a economia dê forças a Dilma para fazer o que Lula não teve coragem, ou vontade, de fazer.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Temos ou não temos presidente?:: Ferreira Gullar

Algo insistia em dizer que a intuição tinha fundamento, ou seja, o Brasil não tinha mesmo presidente

Como não pretendo enunciar verdades indiscutíveis acerca de questões políticas -nem de quaisquer outras-, dou-me o direito de especular livremente, atendendo apenas a minhas intuições. E intuição -sabe-se como é- nasce não se sabe bem como e chega aonde menos se espera.

Tudo isso é para dizer que, outro dia, não sei por quê, fui surpreendido por este pensamento: "O Brasil não tem presidente".

Espantei-me com a suposta descoberta, que, embora destituída de comprovação objetiva, chegava-me com a certeza de uma verdade.

"Mas como?", indaguei a mim mesmo. "E a Dilma Rousseff, não é a presidente do Brasil?" A resposta objetiva foi que sim, o Brasil tem presidente, que, aliás, é precisamente uma mulher, que se chama Dilma Rousseff.

E donde veio, então, essa ideia estapafúrdia de que o Brasil não tem presidente? Vai ver -pensei- é porque, como não votei nela, estou, inconscientemente, negando a sua presença no governo.

Bem pode ser isso. E por alguns momentos achei que era, mas a intuição de que o país não tinha presidente voltou e descartou a hipótese de que se tratava de mero despeito meu.

Algo, dentro de mim, insistia em dizer que aquela intuição tinha fundamento, ou seja, o Brasil não tinha mesmo presidente.

Passei então a refletir sobre essa hipótese, já que a intuição, se não é verdade consumada, pode ser o começo de uma revelação. Noutras palavras, não é coisa de se jogar fora. Por isso, em vez de descartá-la, decidi examiná-la, descobrir em que, afinal de contas, ela se baseava.

Esse foi o meu propósito, mas, como se sabe, intuição não nos oferece dados objetivos, do contrário não seria intuição, já seria conclusão.

Ainda assim, a alternativa era ou buscar descobrir qual fundamento tinha aquilo ou simplesmente deixá-lo de lado, ignorá-lo.

Só que isso não era tão fácil, pois se tratava de uma intuição surpreendente, que envolvia a questão do poder no país.

Já imaginou quais as consequências de concluir que a Presidência da República, ainda que oficialmente ocupada, de fato está vaga? Essa reflexão, por si só, bastou para me fazer mergulhar de vez na indagação da instigante hipótese.

Decidi fixar-me nos dados objetivos relacionados com o assunto. Ali estava, diante de meus olhos, a figura de Dilma Rousseff com a faixa presidencial cruzando-lhe o busto, logo após receber de Lula o cargo supremo da nação: era de fato presidente do Brasil.

Mas não só isso: os meses se passaram e ela veio exercendo as funções presidenciais, seja assinando decretos, recebendo representantes dos outros poderes, recepcionando chefes de Estado de outras nações e, mais que isso, tomando decisões de caráter internacional, até mesmo contrárias à orientação que imprimira à nossa política externa o presidente anterior.

E, como se não bastasse, escreveu uma carta reconhecendo os méritos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, coisa impensável num líder petista. Como então dizer que não temos presidente?

E aí me detive: pois é, como afirmar tal coisa? Em que se apoia, então, a intuição que me levou a semelhante questionamento? Indaguei e fiquei esperando pela resposta que eu próprio deveria dar.

E foi então que a resposta me veio, por voz outra, que falou pela minha... Antes, porém, me surgiu num espanto esta constatação: "Ninguém tem dúvida de que Obama é presidente dos Estados Unidos, mas e Medvedev, ele é mesmo presidente da Rússia? Restam sérias dúvidas...".

E, logo, a outra minha voz falou: "Sim, administrativamente, temos presidente. Ela assina papéis, toma decisões. Mas, como não foi propriamente por identificar-se com ela que o povo a elegeu -já que não tem uma história construída no corpo a corpo com o eleitor nas ruas-, o seu poder é constitucional, mas meramente formal. O que não quer dizer que fará mau governo. Mas que parece substituir alguém, parece. É como se ocupasse, provisoriamente, o lugar do verdadeiro presidente, que não se sabe quem é. Ou sabe?".

E fico na mesma: ela não interveio no Ministério dos Transportes? Interveio, sim. Não obstante, continuo a achar, sem explicação lógica, que não temos presidente. Ela administra, mas não preside. É isso. Deve ser... Bom, deixa pra lá.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO/ILUSTRADA

A política da queda de braço:: Marcos Nobre

Neste ensaio, o jeito Dilma de atuar (que não é o de Lula): em lugar de contornar os vetos encastelados no sistema político, ela os confronta

"Aqui vem a parte in-crí-vel. Quando você comete os erros de dentro, os erros perdem seu significado. Os erros deixam de ser erros. Os erros, as cabeçadas na parede, se transformam em virtudes políticas, em contingências políticas, em presença política, em pontos midiáticos a seu favor" (Azucena Esquivel Plata, deputada pelo PRI mexicano no romance 2666, de Roberto Bolaño).

Lula anda preocupado com a maneira de Dilma fazer política. Teme que ela fique isolada, apesar da ampla base de sustentação do governo. Acha que, mais cedo ou mais tarde, Dilma vai receber o troco por medidas de saneamento como as realizadas no Ministério dos Transportes. E não apenas do PR.

O fato é que Dilma faz política de um jeito diferente de Lula: não contorna os muitos e vários vetos encastelados no sistema político, ela os confronta.

Até a queda de Palocci, os dois estilos se misturavam. Quer dizer, Dilma ia para o confronto e Palocci procurava traduzir da maneira mais jeitosa possível para o sistema político o estilo impositivo da presidente. Depois de Palocci, Dilma não tem mais esse tradutor e intérprete.

E Lula já não tem mais um representante cravado no coração do governo. Tem agora apenas uma espécie de informante privilegiado, que é seu fiel escudeiro Gilberto Carvalho.

O que Dilma está fazendo é administrar a sua maneira o principal elemento de continuidade entre seu governo e o de Lula, que se poderia chamar de "pacto do crescimento". Lula montou um amplíssimo pacto fundado em três elementos fundamentais: crescimento econômico em torno de 4% ao ano, em média; inflação sob controle, ainda que em um patamar elevado para padrões internacionais; compensações sociais, com destaque para aumentos reais do salário mínimo. Além disso, Dilma tem de entregar as obras de infraestrutura necessárias à realização da Copa de 2014, bem como as demais obras do PAC.

O pacto tem de ser preservado, mas Dilma não pode mantê-lo nos mesmos patamares generosos em que foi celebrado no governo Lula. O cenário da economia mundial é instável e ameaçador. E, do ponto de vista interno, há limitações de várias ordens que exigem que o pacto seja revisto para baixo.

A lógica específica do governo Dilma está na maneira impositiva, antinegociação, pela qual realiza esse necessário ajuste para baixo do pacto do crescimento, transformando todo embate em uma queda de braço. Em um ambiente político em que não há de fato oposição e "todo mundo" quer aderir, Dilma usa o "excesso de adesão" para fazer com que os pactuadores aceitem posições mais modestas no grande acordo firmado por Lula.

Até o momento, essa política da queda de braço tem sido interpretada simplesmente em termos de "avanços" e "recuos" do governo, em termos de "vitórias" ou "derrotas" da presidente. Mas não é esse o seu sentido político profundo.

Na verdade, a presidente está se apresentando à sociedade como alguém que, de dentro, luta permanentemente contra um sistema político descolado da sociedade, voltado para os próprios interesses. Esse é o lugar que Dilma encontrou para se apresentar à sociedade e para se comunicar com ela.

Quando entende que não tem condições de se impor, mostra que foi obrigada a ceder em nome da governabilidade. Procura transformar cada "derrota" em uma "vitória moral". Coisa que talvez explique, aliás, o apoio um tanto inesperado que Dilma tem encontrado na chamada classe média tradicional, sempre pronta a atirar a primeira pedra contra as mazelas históricas da política nacional.

Dilma mobiliza e canaliza a seu favor a legítima ojeriza da sociedade à desfaçatez do sistema político. Como se ela própria não estivesse enfiada até o pescoço nesse mesmo sistema político que "combate de dentro". Com isso projeta uma imagem de uma presidente que "não se mistura à baixaria", que se mantém "a salvo da contaminação".

À sua maneira, é o que também faz, por exemplo, Marina Silva, do lado "de fora" da política oficial. Marina tem dito que torce por Dilma. E disse que entende a presidente porque passou a vida toda lutando de dentro do sistema, mesmo sabendo que seria derrotada a maior parte do tempo. É uma maneira de tirar casquinha da tática de "não contaminação" da presidente.

Dilma não negocia; ela perde ou ganha, vence ou capitula. Para ser mais preciso: Dilma compra briga sobre todas as questões, mas, se for necessário, aceita perder em temas que não sejam vitais à manutenção do pacto de que é a fiadora e pelo qual foi eleita.

De modo que há mesmo um certo efeito diversionista em comprar todas as brigas, em não deixar passar nada. Afinal, a presidente se mostrou disposta a demitir todos os ministros do PMDB por causa da votação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados. Um tema certamente importante, mas nem de longe entre os que são vitais à manutenção do pacto do crescimento. O que não se percebeu nesse "exagero" e nessa "derrota" da presidente é que, na lógica da "não contaminação", sua atuação lhe deu um crédito internacional que ela poderá sacar, por exemplo, na conferência sobre desenvolvimento sustentável, a Rio+20, que acontecerá no próximo ano.

O outro objetivo da política da queda de braço é tentar ampliar o raio do "cordão sanitário" dentro do governo. Desde o período FHC, passando pelo governo Lula, há um conjunto de ministérios que são preservados do peemedebismo. Os exemplos clássicos são Educação, Saúde e a área econômica. O que Dilma fez foi usar a tática da queda de braço para tentar esticar o cordão sanitário até o Ministério dos Transportes. Porque, ao contrário do governo anterior, esse ministério é agora parte vital do pacto pela qual a presidente foi eleita. Estão em sua órbita as obras de infraestrutura para a Copa e, de maneira mais ampla, as obras do próprio PAC.

Ocorre que, com a intervenção no Ministério dos Transportes, a tática da queda de braço esgotou o eventual efeito surpresa que possa ter tido. O sistema político, tendo compreendido a regra do jogo, passará a chantagear nas questões de vida ou morte. Testes importantes virão, por exemplo, na simples eventualidade de irem a votação itens como a Emenda Constitucional 29 (que aumenta os recursos para a saúde), ou a PEC 300 (que estabelece um piso para salários de policiais militares e bombeiros em todo o País). Também terá grande repercussão orçamentária a decisão em torno da distribuição dos royalties do petróleo.

Além disso, é mesmo de se perguntar por quanto tempo é possível sustentar esse clima de permanente tensão produzido pelo modus operandi da presidente. Situação agravada adicionalmente pelo já mencionado panorama instável da economia mundial e de uma taxa de inflação que tem se mostrado vigorosamente resistente às variadas medidas de contenção adotadas até agora.

Na lógica da queda de braço, os políticos e a política em geral saem em bloco como vilões, posição que não será aceita passivamente durante quatro anos. Principalmente em anos eleitorais, como será o caso de 2012. E, do outro lado, a presidente dá mostras de estar decidida a levar esse enfrentamento até o limite do insuportável para se assegurar de que os elementos fundamentais do pacto do crescimento estejam sob controle.

De modo que todo o problema para o governo passa a ser então o de garantir que, até o horizonte político do primeiro semestre de 2012, a inflação dê mostras de estar sob controle sem que haja prejuízo demasiado ao crescimento econômico. Essa é a tarefa do que poderia ser chamada de a primeira etapa do governo Dilma. Que não por acaso coincide com a diretriz de que nem todo o ministério anunciado no início do governo será mantido a partir do segundo ano de mandato.

Ao longo dessa primeira etapa, a presidente não dá mostras de que abrirá mão da política da queda de braço. Mas é razoável supor que, se essa primeira etapa for bem-sucedida, haverá uma reacomodação das forças políticas e uma reconfiguração do governo. Só que é cedo para dizer mais do que isso.

Ainda assim, esse quadro geral já é suficiente para explicar, por exemplo, por que o governo Dilma não tem uma "agenda positiva" própria. Mais ainda, ajuda a entender como seu governo se insere em um projeto mais amplo de manter o PT na liderança da coalizão por pelo menos os próximos 12 anos, de maneira a completar os 20 anos de poder preconizados por Lula poucos meses após deixar a Presidência.

Desse ponto de vista, o mandato da presidente em seu conjunto representa um governo de transição. Tem de conseguir administrar o pacto de crescimento de maneira satisfatória até a próxima eleição presidencial. Se conseguir isso, disputa a reeleição com grandes chances. Só em um hipotético segundo mandato é que poderia surgir uma real "agenda positiva", propriamente dilmista.

Do ponto de vista desse projeto de poder da coalizão, o governo Dilma é a passagem pelo "deserto" que levará ao "paraíso" representado pela expectativa de riqueza a ser gerada pelo crescimento econômico contínuo e pela exploração da camada pré-sal. O específico da primeira etapa do governo Dilma é a tática escolhida para realizar essa tarefa, uma tática de confrontação permanente e interessada com o peemedebismo que o sustenta.

A tática da queda de braço é nova. Mas, tal como a tática de Lula de contornar vetos, a de Dilma não muda a estrutura fundamental da política brasileira. Pelo contrário, mantém o peemedebismo do sistema político atuante e unido para fazer face à confrontação permanente proposta pela presidente.

De modo que, do ponto de vista da democracia que se está construindo, o fundamental não é conjeturar sobre as chances de uma tática como a da queda de braço ser ou não bem-sucedida. Isso pode ajudar a explicar o funcionamento da política hoje, mas não altera fundamentalmente sua lógica.

Nos últimos 16 anos, o País realizou duas pequenas revoluções, uma econômica, outra social. Conseguiu fazer isso deixando intocado o peemedebismo de seu sistema político. Hoje, entretanto, qualquer novo avanço democrático depende de uma pequena revolução política. Como em toda democracia realmente viva, o que importa de fato é conseguir sair do pântano político em que estamos metidos puxando pelos próprios cabelos.

Marcos Nobre é professor de filosofia política da UNICAMP e pesquisador do CEBRAP, onde coordena o núcleo direito e democracia. Autor de Curso livre de teoria crítica (Papirus editora)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO/ALIÁS

As fantasias teleféricas do Planalto:: Elio Gaspari

Dra. Dilma inaugura serviços inexistentes e seu governo toca com fanfarra programas que estiveram parados

Aqui vai um teste para medir a qualidade do ceticismo das pessoas. Nos últimos dias, a patuleia recebeu dois anúncios. Num, soube que, desde segunda-feira, o teleférico do Morro do Alemão passou a funcionar das 7h às 12h. Noutro, aprendeu que os contratos de obras do programa Minha Casa, Minha Vida, na sua segunda fase, serão retomados nas próximas semanas e permitirão a entrega de 300 mil chaves até dezembro. Quem não desconfiou de nada vive num perigoso estágio de credulidade.

O teleférico do Alemão, com 3,5 km, custou R$ 210 milhões e beneficiará 30 mil pessoas. É uma joia do PAC e foi inaugurado pela doutora Dilma no último dia 7, acompanhada pelo governador Sérgio Cabral e pelo prefeito Eduardo Paes.

Houve inauguração, mas não havia serviço. Depois da festa, ele passou a funcionar das 9h às 11h e das 14h às 16h. Desde segunda-feira, nem isso, só das 7h às 12h.

Do jeito que está, não atende a quem trabalha.

A presidente da República, o governador do Rio de Janeiro e seu prefeito participaram de uma cerimônia de fancaria sabendo que, em novembro, poderiam inaugurar o serviço que fingiram entregar à população.

No segundo caso, o governo anunciou que o Minha Casa, Minha Vida, na sua segunda fase, voltará a contratar obras. Voltará, por quê? Porque neste ano as contratações pararam.

O programa foi outra joia da campanha eleitoral de Dilma, a "mãe do PAC". Até o final de 2010, havia a promessa de construção de 1 milhão de imóveis. Entregaram 350 mil. Durante a campanha, a doutora prometeu entregar 2 milhões de casas até 2014. Passaram-se seis meses e há na Caixa Econômica projetos para a construção de 200 mil residências. O governo anuncia que entregará 300 mil casas até dezembro. A ver.

Tanto os horários do teleférico como o suspiro do Minha Casa, Minha Vida podem ser explicados. Um está em fase de teste. O outro ajustou-se a novos valores e métodos. A encrenca não está aí, mas na marquetagem da fantasia. A mágica ofende primeiro quem acredita no governo. Quanto mais o sujeito crê, mais é feito de bobo. Numa segunda etapa, dá-se o pior: o governo acredita não só que a choldra é tola, mas se convence das próprias mentiras. Basta perguntar aos 24 ministros da doutora quantos acham que há um serviço de teleférico no Alemão.

PAGOT ANOTOU

É comum que notícias aterrorizantes desse tipo circulem por Brasília sempre que estoura um escândalo, e em geral elas são falsas. De qualquer forma, fica o registro de que há gente com medo do que se vem chamando de "a caderneta do Pagot". Teria nomes, datas e cifras.

OS VENCEDORES

A crise do império de Rupert Murdoch já produziu dois vencedores: o "New York Times" e o "Financial Times". Os dois jornais serão os beneficiários diretos da avacalhação do venerando "The Wall Street Journal", cujo declínio começou logo depois que Murdoch o comprou, em 2007. Um dos rivais ficará aliviado da concorrência no mercado americano. O outro, inglês, herdará o que sobrou do prestígio do "Wall Street Journal" no meio financeiro.

PERIGO

O marqueteiro Duda Mendonça informa que trabalha de graça na campanha pela autonomia das regiões de Carajás e Tapajós. Quando trabalhava a dinheiro para o PT (por dentro e por fora) deu no que deu, imagine-se agora que não cobra.

DEMÓFOBOS

O PSDB paulista e o PSD da capital farão da saúde suas bandeiras eleitorais. Se não o fizerem, seus adversários o farão. A rede de Gilberto Kassab tem uma espera de oito meses para uma ultrassonografia, e a Secretaria de Saúde diz que a culpa é da choldra, pois marca exames e não comparece. O tucano Geraldo Alckmin quer vender aos planos de saúde 25% da capacidade dos hospitais públicos gerenciados por organizações sociais. O superintendente do Hospital das Clínicas, Marcos Fumio Koyama, já defendeu para a repórter Laura Capriglione a destinação de 12% dos atendimentos para os planos privados.

CHOQUE

Os marajás do sistema elétrico estão com as barbas de molho. Pela lei da gravidade, as crises que começam na infraestrutura rodoviária migram para o setor elétrico.

BUEIROS

A cúpula do PR nega que tenha saído de seus hierarcas a afirmação de que Dilma Rousseff está "brincando com fogo". Fica combinado assim.

De qualquer forma, o comissariado petista no Congresso será obrigado a trabalhar mais. Será insuficiente a tática da ameaça, do gosto do líder Paulo Teixeira, que detesta ouvir falar em mensalão.

Com a ajuda da oposição e da bancada volante do PTB, os chamuscados do PR (41 deputados e sete senadores) poderão colocar bueiros explosivos no caminho da maioria governista. Dois exemplos:

1) Basta que o PT descuide das presenças em reuniões da Comissão de Fiscalização e Controle para que seja surpreendido por constrangedoras convocações de ministros. Com jeito de quem não quer nada, a comissão poderá chamar o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, para explicar a alta dos juros.

2) Em agosto, o Congresso deverá apreciar o veto de Lula ao projeto de partilha dos royalties do pré-sal. Votação secreta, fará a alegria dos descontentes.

Nos dois casos a rebeldia dará até mesmo alguma popularidade aos dissidentes.

Sejam quais forem os interesses do surto de autonomia de um pedaço da bancada do governo, o PT deverá lidar com ele apresentando seus argumentos à opinião pública.

No grito ou na costura com os métodos utilizados no Dnit, o comissariado arriscará surpresas e derrotas.

DILMA, PATRIOTA, LORCA E VICTOR JARA

Dilma Rousseff e o chanceler Antonio Patriota estão entre as pessoas que lembram com tristeza o episódio da Guerra Civil Espanhola em que os franquistas fuzilaram o poeta Federico García Lorca. Ele tinha 38 anos. Ou ainda a execução do cantor chileno Victor Jara, em 1973, no Estádio Nacional de Santiago, depois do golpe do general Pinochet. Nos dois casos, a diplomacia brasileira ficou do lado dos assassinos.

Nenhum dos dois acreditaria se Madame Sesostris, uma famosa vidente, lhes dissesse que o destino poderia lhes reservar o mesmo papel. O governo brasileiro dá um discreto apoio ao ditador sírio Bashar al Assad que, em quatro meses de repressão, matou cerca de 1.500 pessoas.

Os manifestantes sírios cantam um hino que, numa tradução livre, chama-se "Pede pra Sair, Basher". O autor da canção seria Ibrahim Qashoush, cujo corpo, degolado, foi achado num rio no início do mês. O repórter Anthony Shadid ressalva que, como muitas histórias vindas da Síria, não se pode garantir que o morto seja o da "andorinha da Revolução".

No dia 20, o vice-ministro sírio Fayssal Mikdad passou por Brasília, esteve com Patriota e permitiu-se o seguinte relato:

"O ministro Patriota expressou como seu país aprecia as reformas do presidente Assad, indicando que o diálogo político é a melhor forma para resolver os problemas".

FONTE: O GLOBO