domingo, 17 de maio de 2015

Opinião do dia – Chico de Oliveira

Ninguém sabe. É como olhar dentro de uma chaleira. Há vários pontos de ebulição. Há uma ebulição geral na sociedade. Mas o Brasil vai melhorando, incluindo mais gente. É a forma do capitalismo se renovar. Ninguém pense em reformas profundas. As reformas são dadas pelo crescimento econômico e pelo crescimento da população. Pela alfabetização. Essas são as reformas que movem a sociedade. Eu, como um velho socialista – mais velho do que socialista–, não vejo revolução à vista. O Brasil vai engatar, vai crescer. É impossível conter 200 milhões de pessoas, cada uma querendo o melhor para si. Esse egoísmo capitalista é positivo. O socialismo é algo para além.

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Francisco de Oliveira, sociólogo, fundador do PT e do Psol, em entrevista na Folha de S. Paulo, 17 de maio de 2015.

Lava-Jato: Sabotagem ou negligência

• Grampos, intrigas e troca de acusações ameaçam a Operação Lava-Jato no momento em que as investigações se aproximam do ex-presidente Lula e da campanha da presidente Dilma Rousseff.

Rodrigo Rangel e Hugo Marques - Revista Veja

Um exército de advogados dos maiores e mais conceituados escritórios do país esquadrinha há mais de um ano os processos da Operação Lava-Jato em busca de algo que possa ser usado na Justiça para tentar questionar a validade das investigações sobre o maior escândalo de corrupção da história do país. É a única chance que os advogados têm de livrar da punição exemplar seus clientes, empreiteiros, políticos e funcionários públicos corruptos, que desviaram mais de 6 bilhões de reais dos cofres da Petrobras. É também a última esperança de proteger a identidade dos mentores e principais beneficiários do esquema que usou o dinheiro dos brasileiros para enriquecer e comprar o poder. Até hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitaram todas as incursões nessa direção.

Na semana passada, o empresário Ricardo Pessoa, apontado como o chefe do clube das empreiteiras envolvidas, assinou um acordo de delação premiada, confessou sua participação no crime e se comprometeu a contar o que sabe — e o que ele sabe implica no caso o ex-presidente Lula, a campanha da presidente Dilma e alguns de seus principais assessores. A colaboração de Pessoa levará os policiais e os procuradores à derradeira fase da investigação, ao iluminar o caminho completo trilhado pelo dinheiro roubado e permitir que se rastreie com precisão a cadeia de comando. De onde menos se esperaria, surge agora uma incursão que pretende pôr tudo isso a perder.

Com o conhecimento do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o comando da Polícia Federal em Brasília está investigando sigilosamente os delegados e agentes envolvidos na Operação Lava-Jato. VEJA teve acesso a informações de uma sindicância aberta pela Corregedoria da PF e conversou com policiais que acompanham e participam da apuração. É preocupante. Segundo os corregedores, o procedimento foi instaurado para apurar "ilegalidades" praticadas pelos colegas do Paraná, onde estão centralizadas as investigações do escândalo da Petrobras. Que "ilegalidades" seriam essas? Os federais de Brasília investigam os paranaenses por supostamente terem instalado escutas para captar clandestinamente conversas de presos e dos próprios policiais. Uma dessas escutas foi descoberta na cela do doleiro Alberto Youssef, uma das principais testemunhas do esquema de corrupção. Em abril do ano passado, o doleiro encontrou um transmissor de voz escondido sobre o forro do teto de sua cela. Os corregedores apuram denúncias de que os delegados da Lava-Jato teriam colocado o aparelho para obter provas por meio de métodos ilegais. Parece grave — e é —, principalmente pelo que aparenta estar na gênese da investigação. "Isso vai provocar a anulação de toda a Operação Lava-Jato", diz, sob a condição de anonimato, um delegado ligado ao caso. "A situação vai ficar feia. Vai aparecer mais coisa", advertiu em entrevista na tarde da última quarta-feira.

Na quarta-feira à noite, perto das 20 horas, dois policiais encontraram — por acaso — um novo aparelho de escuta na sede da superintendência do Paraná, dessa vez escondido na luz de emergência do fumódromo usado pelos agentes da Lava-Jato. Na mesma quarta-feira, só que no fim da manhã, o ministro da Justiça tinha uma audiência marcada com o delegado José Alberto Iegas, até março deste ano o chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Federal (DIP). Formalmente, o assunto registrado na agenda era "um projeto do ministério para a região de Foz do Iguaçu". O delegado foi atendido por Marivaldo Pereira, o número 2 da pasta. O ministro não pôde participar da reunião devido a um compromisso externo. Perguntado, o delegado confirmou que conversou sobre um projeto do ministério na região da Tríplice Fronteira e também sobre a investigação da corregedoria. Ainda nessa quarta-feira, ele também esteve com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, para tratar dos mesmos assuntos. À noite, a nova escuta foi encontrada por acaso, embora em Brasília já houvesse gente sabendo que iria "aparecer mais coisa".

O delegado Alberto Iegas tem tudo e nada a ver com a investigação da Corregedoria da PF. Embora não participe formalmente do caso, ele é amigo, parceiro e o fiador da principal testemunha do caso, o agente que denunciou a existência das escutas. Dalmey Fernando Werlang, até semanas atrás, integrava o núcleo da Operação Lava-Jato. De repente, ele rompeu com o grupo e passou a acusá-lo de ilegalidades.

Dalmey é um especialista em operações de inteligência, e a peça-chave de uma história que envolve traição, espionagem e suspeitas de corrupção policial — convergindo para uma ação paralela que, declaradamente, tenta minar a Lava-Jato. Dalmey prestou um depoimento em 4 de maio passado acusando os delegados da Lava-Jato de terem mandado plantar a escuta na cela do doleiro Alberto Youssef. O agente afirma que foi ele próprio quem instalou o aparelho, clandestinamente, por ordem dos delegados da Lava-Jato. Às declarações de Dalmey se soma um segundo depoimento, prestado pelo delegado Mário Fanton, também oriundo da Lava-Jato. Por ordem do diretor-geral da PF, os testemunhos do agente e do delegado deram origem a uma investigação interna. A partir dos depoimentos da dupla, a Corregedoria-Geral da Polícia Federal, responsável por apurar desvios cometidos por integrantes da corporação, abriu um inquérito e, na semana passada, dois delegados foram enviados para investigar a conduta dos colegas que estão no comando da Lava-Jato. Por ordem de Brasília, computadores da superintendência foram lacrados e apreendidos pelos delegados da corregedoria, que também foram orientados a tomar o depoimento de todos os policiais que atuam na Lava-Jato. O objetivo é comprovar que a operação, como já se tentou falar muitas vezes, estaria repleta de irregularidades.

A corregedoria investiga também a "suspeita" de que o resultado de uma sindicância feita pelos policiais do Paraná para tentar apurar as responsabilidades pela espionagem na cela de Alberto Youssef teria sido forjado para proteger os envolvidos. E explicita mais um exagero: a sindicância teria sido forjada com o aval do juiz Sergio Moro, que conduz os processos da Lava-Jato. "O Moro chancelou uma sindicância irregular", disse a VEJA um delegado que trabalha no caso. No comando da PF em Brasília, chegou a ser discutido o afastamento imediato do superintendente de Curitiba e dos delegados encarregados da Lava-Jato. Temendo a repercussão política da medida, porém, optou-se por aguardar o resultado do trabalho da corregedoria. Oficialmente, o discurso é outro. Leandro Daiello, o diretor-geral da PF, afirmou a VEJA que não há "razões legais, processuais ou administrativas" para o afastamento dos delegados da Lava-Jato.

O caso ganha contornos ainda mais intrigantes quando se vai ouvir os policiais paranaenses. Descobre-se, em Curitiba, que lá existe uma investigação interna para apurar a venda de informações. No ano passado, a força-tarefa que investiga o escândalo da Petrobras desconfiou que detalhes reservados do caso estavam sendo repassados aos investigados. Um inquérito examina essas suspeitas, que vão de vazamentos da operação a venda e a produção de dossiês contra os investigadores da Lava-Jato. Há nomes de empreiteiras, advogados e policiais que fariam parte desse esquema. Um delegado e um agente, cujo nome é mantido em segredo, já foram apontados como suspeitos. Os federais do Paraná não têm dúvidas. As ações representam um conjunto de interesses que convergem para o mesmo ponto: a tentativa de comprometer a Operação Lava-Jato. O grupo investigado é, de acordo com a apuração, movido por diferentes interesses. Alguns de seus integrantes estariam empenhados em coletar indícios de irregularidades na Lava-Jato para negociar essas informações com os investigados, outros seriam movidos por interesses políticos ou por mera disputa de poder, e outros ainda — os mais ardilosos — enxergam a oportunidade de salvar da cadeia os amigos, os aliados políticos ou parceiros.

A prova de que há algo realmente muito estranho é que existe um relatório do próprio agente Dalmey que desmente o agente Dalmey. Em maio do ano passado, um mês após a descoberta da escuta na cela de Youssef, o policial garantiu que o aparelho encontrado estava na carceragem havia anos e que já nem tinha mais condições de funcionar. Fora colocado lá por ordem judicial, quando estava preso o traficante Fernandinho Beira-Mar — e depois desativado. Sobre Alberto legas não pairam suspeitas de negociação de informações, mas ele é apontado, por exemplo, como amigo do ex-deputado petista André Vargas, hoje preso, e também é próximo de outros personagens envolvidos nas negociações de dossiês. Além disso, estaria movido pela disputa de poder: ele é desafeto dos atuais chefes da Polícia Federal em Curitiba e teria interesse, portanto, em derrubar o comando da superintendência — e, por tabela, os delegados encarregados da Lava-Jato. "Sempre tive uma carreira ilibada, sem nenhuma mácula, e qualquer suspeita contra mim me deixa indignado", defende-se o delegado Iegas.

Em privado, delegados próximos da cúpula da Polícia Federal admitem que o objetivo da "operação paralela" é carimbar a Lava-Jato com suspeitas de irregularidades — o que, fatalmente, abriria caminho para questionamentos judiciais sobre a operação e poderia resultar, em última análise, em sua anulação. Para o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso, ainda que se comprove a suspeita de que teria havido interceptação ilegal na Lava-Jato, isso não seria suficiente para desqualificar toda a operação. "Se essa prova paralela não representa o início da investigação, então ela é declarada nula, sem prejudicar as demais provas", diz o ex-ministro. Para o delegado aposentado Jorge Pontes, ex-diretor da Interpol, o jogo está claro: "A minha suspeita é que haja um grupo de pessoas já cooptadas para tentar minar e comprometer a Operação Lava-Jato. Neste momento em que a sociedade brasileira tem uma expectativa histórica de que o país deixe de ser vítima de corrupção institucionalizada, isso aí é uma tentativa da corrupção institucionalizada de criar no seio da polícia uma contenda que tem a intenção de jogar alguma dúvida sobre essa investigação".

Com reportagem de Alexandre Hisayasu

"Eu sei de umas coisas..."

• Lula diz que o ministro-chefe da Casa Civil não pode ficar posando de ético. O que será que ele sabe?

Daniel Pereira – Revista Veja

O ex-presidente Lula nunca gostou de Aloizio Mercadante. Em sua caminhada ao poder e no comando do governo, estabeleceu com ele uma relação meramente utilitária. Lula mandava, e Mercadante obedecia, na esperança de receber do chefe a nomeação para o cargo de ministro da Fazenda, o que nunca ocorreu. Com a posse de Dilma Rousseff, Lula percebeu que a fidelidade de Mercadante não era a ele, mas à caneta presidencial. Os dois, então, começaram a duelar nos bastidores. O ex-presidente acusa o atual ministro-chefe da Casa Civil de ter sequestrado o governo Dilma e de trabalhar diariamente para ser o candidato do PT ao Planalto em 2018. Além disso, com o avanço das investigações sobre o petrolão, Lula passou a responsabilizar Mercadante pela suposta falta de empenho do governo para anular a Operação Lava-Jato e pela tese de que a roubalheira na Petrobras é um problema da gestão do ex-presidente. Essas queixas são recorrentes. Na semana passada, no entanto, foram acrescidas de uma ameaça.

Em almoço na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Lula deixou claro que já tem adversários de sobra e não precisa de mais um. "Renan, avise para o Mercadante que, se eu quisesse ferrar com ele, já teria feito isso antes. Ele que não venha dar uma de ético para cima de mim. Eu sei de umas coisas...", disse o ex-presidente. Em 2006, um grupo de petistas tentou comprar um dossiê falso contra o tucano José Serra, que disputava com Mercadante o governo de São Paulo. Apesar de um homem de confiança de Mercadante figurar entre os protagonistas da operação, apelidados de aloprados por Lula, o ministro sempre negou participação no caso. A origem do dinheiro que compraria o papelório fajuto jamais foi descoberta. À mesa com Renan, de volta aos próprios problemas, Lula afirmou que ficou surpreso ao saber que seu amigo Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, declarou ter doado recursos clandestinamente à sua campanha de 2006. Como de costume, alegou não saber de nada e ter determinado a subalternos que apurem o caso.

Também participaram do convescote os senadores Edison Lobão (PMDB-MA) e Delcídio do Amaral (PT-MS), líder do governo no Senado. Entre goies de cachaça mineira, todos demonstraram preocupação com os rumos da Lava-Jato. Acusado de receber propina quando era ministro de Minas e Energia, Lobão disse que sempre conversou com os empresários em seu gabinete na companhia de testemunhas. Nada falou dos encontros em ambientes informais. Delcídio, que não é investigado formalmente nesse caso, admitiu ter recebido doações de empresas do petrolão, "mas tudo dentro da lei". Já Renan ecoou o cordão dos inocentes e, mostrando-se indignado, anunciou que não permitirá a recondução de Rodrigo Janot ao cargo de procurador-geral da República.

A circunstância...

• ...do homem Luiz Fachin na sabatina do Senado, na semana passada, foi diferente das que formaram suas convicções radicais. Ele parecia candidato a uma vaga não no Supremo, mas na Santíssima Trindade.

Adriano Ceolin – Revista Veja

"Subscrevi, em determinados momentos, manifestos, textos e artigos na área da terra, da família e do Judiciário. Fui duro e intenso, especialmente na questão fundiária, somos sempre nós e a nossa circunstância." Na essência, essa declaração de Luiz Edson Fachin resume bem as doze horas de seu depoimento, na terça-feira passada, perante a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Atenção para a última frase. Ela é mais uma das incontáveis e incompletas adaptações da afirmação de José Ortega y Gasset, filósofo que, na primeira metade do século passado, viu as circunstâncias de sua Espanha natal mudar radicalmente de monarquia para república e desta para ditadura. "To soy yo y mi circunstancia y si no la salvo a ella no me salvo yo. "

Como sempre se faz, Fachin, na CCJ, usou apenas a primeira parte da frase, uma saída clássica para justificar súbitas e surpreendentes mudanças de posição sobre questões relevantes. A segunda parte da frase é muito mais reveladora da condição humana. O que o filósofo quis dizer é simplesmente que, diante de um momento crucial que requer uma solução, a pessoa deve dá-la, pois, só assim, salvando a situação, ela também se salvará. Em bom português, "na hora, vire-se como for possível, salve a própria pele". Dá para entender por que essa segunda parte da frase de Ortega y Gasset nunca é citada. Salvar-se a qualquer custo de uma circunstância adversa não enobrece a pessoa.

O indicado de Dilma Rousseff se salvou na CCJ com 20 votos a favor e 7 contra. Tendo menosprezado em diversas ocasiões o direito à propriedade, diante dos senadores na CCJ disse: "Está assentado no texto constitucional o direito de propriedade como fundamental. Eis, portanto, limite à atuação do juiz: a letra imperativa da Constituição". Tendo militado em favor da presidente que o indicou e de seu partido, o PT, disse que, se chegar ao STF, não terá dificuldade "em julgar qualquer partido político". Salvou-se de suas incursões acadêmicas em temas ligados à poligamia, ao dizer que defende "a estrutura da família com seus princípios fundamentais". Só não escapou mesmo quando tentou responder se era "progressista". Nem podia, pois o termo no Brasil, adulterado em sua essência, é usado como sinônimo de "esquerdista". Fachin disse que se alinha com "as pessoas que querem o progresso do país (...) mas preservando interesses privados". Nesse ponto falou o Fachin de circunstâncias anteriores, para quem os "interesses privados" (sendo o mais fundamental deles o direito à propriedade) são obstáculos ao progresso do Brasil. Espera-se que, se aprovado em plenário, ele como magistrado faça o que prometeu: "(...) tomar decisões, ter estatura acima de minhas eventuais convicções".

Nesta terça-feira, 19, Fachin precisa ser aprovado pelo voto de, no mínimo, 41 dos 81 senadores. A circunstância do doutor, então, será menos filosófica. Uma questão levantada pelo gabinete do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que deixou de ser levada à CCJ por falta de tempo, merecerá a atenção do plenário. Ferraço argumenta que Fachin descumpriu a lei que rege o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, pois, em 15 de dezembro de 2011, foi ao STF defender como advogado os interesses do Paraguai contra a União. Como professor da Universidade Federal do Paraná, portanto um servidor federal, Fachin não poderia advogar para outro país contra o seu próprio, o Brasil.

O artigo 117 da Lei n- 8112/1990 proíbe servidor federal de "aceitar comissão, emprego ou pensão de Estado estrangeiro". Fachin representou o governo paraguaio em uma reclamação da hidrelétrica Itaipu Binacional — cujo comando é dividido entre Brasil e Paraguai — contra a Justiça Federal do Paraná. A companhia agiu para que quatro ações civis públicas contra ela deixassem de tramitar na Justiça do Paraná e passassem a tramitar no STF. Fachin fez uma sustentação oral na Suprema Corte, saiu-se vitorioso e foi até cumprimentado pelo diretor-geral de Itaipu, Jorge Samek, como registra o boletim informativo da empresa:

"O diretor-geral brasileiro, Jorge Samek, associou-se na manifestação de satisfação, felicitando o advogado da República do Paraguai". Fachin e Samek são amigos, relação que também não foi esmiuçada na sabatina da CCJ, mas que poderia explicar por que o postulante à vaga no STF nunca disputou uma licitação para advogar para Itaipu.

A Carta ao Leitor desta edição de VEJA registra que a "CCJ cumpriu seu dever" e lembra que a responsabilidade pela aprovação de Fachin recai sobre o plenário, onde os senadores terão uma ótima ocasião para saber se a leveza de alma com que ele abjurou de suas crenças perante a CCJ denota pragmatismo, o que é aceitável, ou oportunismo, o que é detestável. A advocacia para um país estrangeiro é um item a mais de interesse para o plenário.

Lava Jato – Empreiteiro envolve a campanha de Dilma

O empreiteiro, a gráfica fantasma e a campanha de Dilma

• Ao aderir à delação premiada, Ricardo Pessoa, dono da UTC, leva a presidente para o centro da Lava Jato. Aos investigadores, o empreiteiro indicou que parte dos R$ 23 milhões pagos à VTPB Serviços Gráficos teve origem no Petrolão

Claudio Dantas Sequeira – Revista IstoÉ

No final da manhã da quarta-feira 13, o executivo Ricardo Pessoa, dono da construtora UTC, firmou com o Ministério Público Federal um acordo de delação premiada. Contrariou as expectativas de caciques políticos que comemoraram sua libertação há duas semanas e resolveu colaborar voluntariamente com a investigação sobre o núcleo político do Petrolão, no inquérito da Operação Lava Jato. Longe do juiz Sérgio Moro, o empresário apontado como o chefe do "clube do bilhão" explicou ao procurador-geral Rodrigo Janot os motivos que o levaram a calar-se enquanto esteve preso em Curitiba e a falar agora que está livre. Disse que se sente grato ao ministro-relator do caso no STF, Teori Zavaski, que aprovou seu "habeas corpus", e espera agora ajudar a Procuradoria a encontrar a "peça" que falta no quebra-cabeça do esquema que drenou bilhões da Petrobras. As revelações de Pessoa colocam a campanha eleitoral da presidente Dilma Rousseff no centro das investigações da Operação Lava Jato. "Não vou poupar ninguém", disse o empreiteiro. Ao contrário dos demais delatores, Pessoa busca abrigo no STF e não na primeira instância da Justiça. Assim, sente-se à vontade para descrever como se relacionou com políticos de foro privilegiado e com as campanhas eleitorais, inclusive a de 2014.

No acordo de delação firmado com o Ministério Público, Pessoa prometeu devolver R$ 55 milhões desviados de contratos com a estatal e apontar o caminho para que a Justiça recupere ao menos "três vezes" esse valor em propinas entregues a partidos e políticos. Uma das pistas reveladas por Pessoa atinge diretamente a campanha de Dilma e sua contabilidade. Aos procuradores, o dono da UTC teria indicado que parte dos R$ 26,8 milhões que o PT pagou a VTPB Serviços Gráficos e Mídia Exterior teve origem no Petrolão. Só a campanha de Dilma injetou na VTPB quase R$ 23 milhões, dinheiro que daria para imprimir 368 milhões de santinhos do "tipo cartão", modelo descrito nas notas fiscais anexadas à prestação de contas. O montante é duas vezes e meia o total de eleitores habilitados no País. Denunciada pela mídia como uma "gráfica fantasma", a VTPB também recebeu R$ 3,5 milhões das campanhas do deputado federal Arlindo Chinaglia (PT) e do governador da Bahia, Rui Costa (PT).

Dilma, Chinaglia e Costa foram todos beneficiários de doações oficiais da UTC. Do total de R$ 15 milhões que a empresa doou a diferentes candidatos em 2014, metade foi parar na campanha de Dilma. O governador eleito da Bahia obteve R$ 1,5 milhão e o deputado federal levou mais R$ 150 mil. Chinaglia é uma das testemunhas de defesa arroladas por Ricardo Pessoa no inquérito da Lava-Jato, assim como o ex-governador da Bahia e atual ministro da Defesa, Jaques Wagner, principal apoiador da eleição de Costa. Os procuradores já sabem que a VTPB funciona num galpão abandonado no bairro da Casa Verde, em São Paulo. A empresa foi aberta com a designação de "banca de jornais e revistas" e só ampliou seu objeto social para "impressão de material para uso publicitário" às vésperas do início da segunda campanha de Dilma, no ano passado.

O dono da VTPB é o empresário Beckembauer Rivelino de Alencar Braga. Criador de cavalos de raça, ele diz que a VTPB encomenda de outras gráficas a produção e usa o citado endereço apenas para comprar matéria prima e pagar os encargos. "É de conhecimento público e notório que a empresa VTPB prestou efetivamente todos os serviços para os quais foi contratada, em representação e parceria com empresas do setor, inclusive para outros candidatos e partidos, a exemplo do PSDB e do PMDB, e todo o material de campanha produzido foi devidamente auditado pelos partidos e aprovado pela Justiça Eleitoral", disse o empresário em nota. De fato, a gráfica também prestou serviço a campanhas tucanas, mas os valores são bem inferiores aos pagos pelo PT. Em suas conversas com os procuradores, Pessoa afirmou que a gráfica foi usada para que dinheiro fruto do Petrolão chegasse à campanha petista como se fosse uma doação oficial. Com isso, endossou a tese de investigadores da Lava Jato sobre a possibilidade de o caixa oficial da campanha ter sido ferramenta para lavar dinheiro de corrupção.

A suspeita sobre o uso da VTPB levou o vice-presidente do TSE, o ministro Gilmar Mendes, a oficiar a Procuradoria Geral da República, a Receita Federal, a Secretaria de Fazenda de São Paulo e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Em seu despacho, Gilmar alegou "indícios de irregularidades" nas contas da "gráfica fantasma". A iniciativa, que agora terá o apoio do Ministério Público, servirá para rastrear a origem do dinheiro e seu destino final, saber se a UTC bancou diretamente os custos de impressão dos santinhos ou se o dinheiro passou pela conta do PT, e se os serviços foram realmente prestados. Em suas delações, Pessoa detalha a participação do ex-tesoureiro de Dilma e atual ministro Edinho Silva no esquema. Silva tem negado qualquer irregularidade. Segundo ele, as contas da campanha de Dilma foram aprovadas por unanimidade no TSE. "Jamais mantive qualquer contato com a Petrobras. Fui um tesoureiro de campanha como todos os demais, procurando empresários", diz. No Tribunal Superior Eleitoral, as revelações de Pessoa provocaram indignação. Além de Gilmar Mendes, outros ministros ouvidos por ISTOÉ na última semana trataram o tema como "gravíssimo". "Um tribunal superior não pode ser usado para regularizar dinheiro sujo", disse um dos ministros na tarde da quinta-feira 14.

Além da VTPB, há suspeitas sobre outra prestadora de serviço da campanha petista, a Focal Confecção e Comunicação Visual, que recebeu R$ 24 milhões para montagem de palanques e carreatas. Técnicos do TSE apontaram indícios de irregularidades em notas fiscais emitidas pela empresa, que tem como um de seus sócios um motorista. Em 2005, a Focal foi indicada pelo publicitário Marcos Valério como uma das destinatárias de recursos do esquema do mensalão. Além da campanha de Dilma, a Focal também prestou supostos serviços para a campanha fracassada da ex-ministra Gleisi Hoffmann ao governo do Paraná.

O uso de dinheiro desviado da Petrobras para financiar campanhas políticas será justamente um dos focos principais da delação de Pessoa. Na conversa da semana passada, o dono da UTC arrolou cinco parlamentares em supostos pagamentos de subornos, entre eles o senador Edison Lobão (PMDB-MA). Quando ministro de Minas e Energia, Lobão teria recebido R$ 1 milhão de Pessoa para que não criasse empecilhos à obra da usina nuclear de Angra 3. Segundo informações preliminares da delação de Pessoa, o dinheiro teria sido usado na campanha da ex-governadora do Maranhão Roseana Sarney. Em sua delação à PGR, Pessoa deve confirmar ainda a origem dos R$ 500 mil doados para a campanha do ex-deputado federal Renan Calheiros Filho (PMDB), eleito governador de Alagoas. Renanzinho é filho do presidente do Senado, Renan Calheiros, que já é alvo de inquérito no STF. "Antecipei ao ministro Teori Zavask que coloco à disposição do Supremo meus sigilos bancários e fiscais, pois nada tenho a temer", disse Renan na quinta-feira 14.

Além de indicar os beneficiários finais do Petrolão, o Ministério Público acredita que Pessoa possa contribuir também nas investigações sobre infraestrutura elétrica, ferroviária e aeroviária.

A mãe de todas as delações

• Ricardo Pessôa é o primeiro dono de empreiteira a confessar crimes na Lava Jato. A colaboração dele jogará gasolina política no petrolão

Pedro Marcondes de Moura – Revista Época

Cercado por delegados federais e procuradores, zeladores do patrimônio público, o empreiteiro Ricardo Pessôa chorou. Não conteve a emoção ao ouvir elogios à capacidade e à qualidade de suas empresas, UTC e Constran. O empresário estava numa reunião na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília, na quarta-feira da semana passada. A observação veio de um procurador, em tom de reprimenda, como quem diz "precisava mesmo ter participado disso?"

Nas investigações da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, Pessôa aparece com papel de destaque no organograma do petrolão, o esquema de cobrança de propina de construtoras e desvio da Petrobras. É apontado como coordenador do "clube das empreiteiras". Coordenava, pelo lado das construtoras, a definição de qual companhia ou consórcio do cartel venceria cada uma das licitações da Petrobras. Pagava propina também a diretores da estatal, operadores do esquema e políticos. Por isso, estava naquela sala acompanhado de cinco advogados, ao menos dois delegados federais e oito procuradores. Entre eles, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Assinava um acordo de delação premiada. No mesmo dia, começou a contar o que sabe, em troca de redução de pena e um provável direito de permanecer em liberdade. Foram cerca de cinco horas na primeira sessão de revelações. Comprometeu-se também a pagar uma multa de cerca de R$ 50 milhões. O acordo ainda precisa ser homologado pelo ministro Teori Zavascki, relator do petrolão no Supremo Tribunal Federal.

A delação de Pessôa jogará gasolina política no petrolão. Desde que a Operação Lava Jato chegou às principais empreiteiras do país, ele é visto como um delator com potencial explosivo. Suas revelações preocupam o Palácio do Planalto e as cúpulas do Congresso Nacional, do PT e do PMDB. Pessôa não é apenas alguém que corrompeu autoridades. Conviveu com elas. Tinha trânsito fácil nos principais gabinetes de Brasília. Recebia e era recebido, com afagos, por políticos de diferentes escalões interessados em recursos para campanhas e até em suas análises sobre o setor de obras públicas. A posição de líder no cartel também faz com que conheça com detalhes práticas irregulares de suas concorrentes. Antes de Lula, a UTC de Pessôa não era nada. Com Lula, virou um colosso.

Ficou claro, na quarta-feira e durante as negociações com os procuradores, o potencial da delação de Pessôa. O empreiteiro ofereceu informações que, caso comprovadas, mostrarão que o petrolão chegou também a outras estatais federais e ainda mais perto do Palácio do Planalto. Mas o empreiteiro promete mais do que confirmar parte das denúncias já investigadas.

De acordo com fontes que participam da organização da delação de Pessôa, o empresário afirmou que a UTC e outras empresas investigadas na Lava Jato atuaram em cartel nas obras da usina nuclear de Angra 3, da estatal Eletronuclear. Em contrapartida, desembolsaram propina a integrantes da bancada do PMDB do Senado. Disse também que contribuiu para o caixa dois da campanha à reeleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006. Uma declaração que, se comprovada, estabelecerá relação direta do esquema com Lula e mostrará que o PT insistiu no uso de dinheiro ilegal em campanhas, mesmo depois de descoberto o mensalão. Pessôa afirmou ter doado recursos para a última campanha da presidente Dilma Rousseff, em 2014, de modo oficial, por temer eventuais retaliações em contratos. No período, a Operação Lava Jato já estava deflagrada. Disse também ter pagado cerca de R$ 2,4 milhões em dívidas de campanha do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), em 2012. Os pagamentos ocorreram, na versão de Pessôa, a pedido do ex-tesoureiro do partido João Vaccari. O PT e Vaccari negam qualquer irregularidade.

Desde o ano passado, Pessôa negociava a delação premiada. Esteve por vezes próximo de um acordo com os procuradores do Paraná. Mas as conversas empacavam. Ele temia as consequências pessoais e empresariais de confessar a culpa. Segundo integrantes das negociações, parecia acreditar que não ficaria preso. Negava-se a compreender que a situação se desenhava para passar vários anos encarcerado, como ocorreu com a ex-presidente do Banco Rural Kátia Rabello, no mensalão. Acabou ultrapassado, na fila da delação, pelo diretor presidente da empreiteira Camargo Corrêa, Dalton Avancini, e pelo vice-presidente, Eduardo Leite. Foi quando mudou de estratégia. As tratativas com a Procuradoria-Geral da República, em Brasília, começaram há dois meses, antes mesmo de ele ser solto, por decisão do Supremo. Pessôa se comprometeu a fazer a delação, mesmo que fosse solto. Cumpriu a palavra. Sentindo-se abandonado por Lula, de quem se diz amigo, e pela Odebrecht, a quem diz ter ajudado no cartel, Pessôa, movido por vingança e cálculo, se convenceu de que a colaboração era sua melhor alternativa. Foram menos de dez reuniões até a assinatura do acordo na quarta-feira.

A delação de Ricardo Pessôa pode levar outros empreiteiros e integrantes do petrolão para a fila de delação. Eles sabem que, com os novos depoimentos, as acusações devem se tornar mais contundentes. Além disso, no mercado da delação, os benefícios são proporcionais à quantidade de informações novas. A cada acordo celebrado, o capital dos demais acusados se reduz. Até mesmo a doleira Nelma Kodama, já sentenciada a 18 anos de prisão, disse na semana passada que gostaria de colaborar com a Justiça. Nelma deixou isso claro durante uma sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito da Petrobras, na terça-feira, em Curitiba. Em diversos momentos, ela divertiu os deputados. Em um dos momentos teatrais de seu depoimento, demonstrou onde guardava € 200 mil quando foi presa deixando o Brasil. De pé, explicou que o bolinho de dinheiro nem era tão volumoso e estava no bolso de trás da calça jeans, e não na calcinha, como dito na ocasião da apreensão. Arrancou risos dos parlamentares novamente ao cantar "Amada amante", de Roberto Carlos, para dizer que não teve só um caso com o doleiro Alberto Youssef. Viveu, segundo ela, ""maritalmente com ele do ano de 2000 a 2009". Só parou a canção ao ser repreendida pelo presidente da CPI, deputado Hugo Motta (PMDB-PB): "Senhora Nelma, nós não estamos em um teatro". Já Luiz Argôlo, ex-deputado federal preso na Operação Lava Jato, prestou depoimento segurando um terço. Em atitude de pregador, declarou aos ex-colegas: Os humilhados, um dia, serão exaltados. Isso é bíblico". Na quinta-feira, Argolo e os também ex-parlamentares presos André Vargas e Pedro Corrêa foram denunciados pelo Ministério Público Federal, junto com outras dez pessoas. Começa a 11ª fase da Operação Lava Jato. Não será a última.

O maior inimigo do governo Dilma

• Sentindo- se traído pelo Planalto, isolado no PMDB e acossado pelo Ministério Público, o presidente do Senado, Renan Calheiros, parte para o ataque e opera silenciosamente para barrar a nomeação de Luiz Fachin ao Supremo nesta semana

Diogo Escosteguy e Leandro Loyola – Revista Época

No início da semana passada, o presidente do Senado, Renan Calheiros, do PMDB, conversava em seu gabinete com outros senadores. Naquele momento, Renan tratava de uma pendência sobre a recente aprovação da PEC da Bengala, que estende dos 70 aos 75 anos a idade-limite para aposentadoria de ministros do Supremo Tribunal Federal e de outros Tribunais Superiores. Renan tratava de responder ao Supremo sobre uma dúvida absurda, criada por uma declaração dele mesmo, de que os atuais ministros não precisarão passar aos 70 anos por uma nova sabatina para permanecer no cargo. Renan aproveitou a deixa para tratar com os senadores do assunto do momento, a indicação do advogado Luiz Fachin a uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal. Se não fosse essa PEC, teríamos mais meia dúzia de Fachins aqui nos próximos anos", disse, em referência à indicação feita pela presidente Dilma Rousseff.

Renan deixou claro aos colegas que é contrário à indicação de Fachin a ministro do Supremo. Com certo cuidado, trabalha para impor a Dilma uma derrota que não acomete um presidente da República há 120 anos. Na votação marcada para a terça-feira, Fachin corre o risco de ser o primeiro indicado a ministro do Supremo rejeitado pelo Senado desde 1894. Naquele ano, na infância da República, o Senado rejeitou cinco indicados pelo marechal Floriano Peixoto em um período de poucos meses. Floriano era um presidente em um mandato atribulado, acossado pela Revolta da Armada e que decretou estado de sítio em partes do país. O Brasil de Dilma está muito longe daquele de Floriano, mas o clima adverso daquele Senado com Floriano é semelhante ao do Senado de hoje com Dilma. A derrota agora seria ainda pior. Com a aprovação da PEC da Bengala, a vaga destinada a Fachin pode ser a última chance de Dilma fazer um ministro do Supremo.

Nos últimos dias, Renan chamou alguns senadores para conversas reservadas sobre Fachin. Eduardo Amorim, do PSC, Wilder Morais e Davi Alcolumbre, do DEM, e Marcelo Crivella, do PRB, estiveram em seu gabinete. Ouviram argumentos sobre a indicação de Fachin ser ruim, por ser a última chance nos próximos anos de o Senado ter voz para influenciar na indicação de um ministro do Supremo. Será assim porque o próprio Renan ajudou a acelerar a tramitação da PEC da Bengala. Os senadores sabem que Renan faz campanha pela rejeição ao nome de Fachin. Entenderam que, se seguirem por esse caminho, terão mais espaço político dentro do Senado.

Nas duas últimas semanas, Fachin caminhou pelo Senado acompanhado da mulher, para quebrar resistências de senadores e parecer simpático. Muitos, no entanto, enxergam Fachin como apenas uma oportunidade. Fachin será submetido ao escrutínio em um Senado comandado por um presidente de olho em uma oportunidade de desgastar o governo - e com força e um contexto a seu favor para isso. Ao contrário da maioria dos candidatos anteriores ao Supremo, Fachin é identificado com o PT, em um momento em que o partido é visto como símbolo da corrupção e definha em sua mais grave crise. Sua indicação foi feita por uma Dilma Rousseff aprovada por apenas 13% da população — e há um vídeo no qual Fachin discursa em um palanque em defesa da candidatura de Dilma a presidente em 2010.

A militância petista, a princípio, não seria um problema. Fachin é um jurista reconhecido. Advogado do PT durante anos, jovem e inexperiente, José Antonio Dias Toffoli tornou-se ministro em 2009. Entretanto, Toffoli foi indicado por um Lula aprovado por mais de 70% dos brasileiros, por um governo forte no Congresso, em momento favorável - exatamente a base sólida de apoio que falta a Fachin. Mostra dessa resistência, na semana passada, pela primeira vez na história recente, um candidato foi inquirido com seriedade pelos senadores. Fachin foi ouvido na Comissão de Constituição e Justiça do Senado por 11 horas, a mais longa sessão da história recente. No ambiente da cordialidade brasiliense, sabatinas duras e longas só acontecem quando há algo errado nas engrenagens que regem as relações.

Esse algo errado está no tempo e nas condições políticas. Há meses, Renan e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, têm imposto obstáculos difíceis para a presidente Dilma Rousseff. A má relação de Dilma com o Congresso, que resulta na paralisia de seu governo, já fez o ex-presidente Lula assumir o papel de gestor das crises de Dilma. Há dois meses, Lula conversou com senadores do PMDB. Na semana passada, voltou à carga. O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral, acertou um almoço de Lula com Renan na residência oficial da presidência do Senado. Lula mostrou-se abatido na conversa, devido ao atual estado de imobilismo do governo, Renan não perdeu a chance de fustigar. "Eu poderia ser o interlocutor do governo no Parlamento", disse. Renan repete a frase com certa frequência. Renan passa a todos a impressão de sentir-se escanteado pelo governo. Seu raciocínio é que, como Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara com a ajuda da oposição, contra o PT, e atua sistematicamente contra o governo, ele deveria receber alguma preferência de Dilma por sua relação anterior. Não é o que acontece. Com sua falta de tato político, Dilma trata Renan da mesma forma que trata Cunha ou qualquer outro: com frieza, distância e falta de diálogo. "E ela ainda tenta me jogar contra o Michel" diz Renan a aliados.

Renan reclama da falta de ajuda do governo ao Estado de Alagoas, governado por seu filho. Reclama da escolha do vice-presidente, Michel Temer, como articulador político. "O Michel só trata de cargos", afirma. No final do ano passado, a cúpula do PMDB participou de uma confraternização com Dilma no Palácio da Alvorada. "Você será ministro do Turismo assim que essa questão esteja resolvida", disse Dilma na ocasião ao deputado Henrique Eduardo Alves, em referência à Operação Lava Jato. Renan sabia do acordo. Enquanto Alves esperava, o ministre? era Vinícius Lages, um técnico indicado por Renan. Em pelo menos duas ocasiões, Renan perguntou ao vice-presidente, Michel Temer: "E o negócio do Henrique? Quando sai?". Em março chegou a hora da nomeação. Renan, então, mudou o jogo. Resistiu e atrasou a nomeação de Henrique por semanas, como se Dilma estivesse quebrando um acordo com ele.

Renan é um político acostumado a apanhar, mas que também gosta de bater, embora sempre em silêncio. Aprendeu a apanhar em 2007, quando teve de deixar a presidência do Senado após sucessivas acusações de corrupção. Manteve o cargo, ganhou um inquérito no Supremo (relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski) e acumulou mágoas com quem o atacou — ou deixou de defendê-lo. Vingou-se dos desafetos sem estrépito. Tornou--se, cada vez mais, um político que age muito, fala pouco e cumpre tudo. Concentrou poder até a medida em que fosse suficiente para, mesmo com as acusações pretéritas, voltar à presidência do Senado.

Esse Renan, o Renan que Brasília acreditava conhecer e aprendera a temer, sumiu desde que Dilma se reelegeu — e Paulo Roberto Costa começou a falar. Aos poucos, Dilma o isolou dentro do governo. Além da confusão com Vinícius Lages, apeou Sérgio Machado, amigo de Renan, da presidência da Transpetro, uma das maiores subsidiárias da Petrobras. (Machado foi acusado de cobrar propina no petrolão.) Em seguida, Dilma nomeou o senador Eduardo Braga para o Ministério de Minas e Energia. Braga é do PMDB, mas se opõe a Renan. A presidente ainda pediu a Renan que acolhesse a indicação da senadora Kátia Abreu, também do PMDB, como uma apadrinhada dele para o Ministério da Agricultura - Kátia Abreu foi escolhida porque se aproximou de Dilma. Ao mesmo tempo, Paulo Roberto Costa implicou Renan no petrolão. Nada tira do senador a convicção de que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o acusou no Supremo agindo a mando de Dilma,

O presidente do Senado se enfureceu. Passou a agir contra o governo - e a falar contra o governo. Não importa qual seja o assunto. Renan recusou-se a receber uma Medida Provisória que aumentava impostos sobre a folha de pagamentos. Adiou a votação das Medidas Provisórias do ajuste fiscal, com alterações que reduzem benefícios difíceis de sustentar, mas concedidos pelo governo quando ignorava as finanças em frangalhos em busca da reeleição. Na semana passada, Renan prometeu votar a mudança no fator previdenciário, aprovada pela Câmara, uma matéria que causa arrepios no governo e um rombo nas contas públicas. Ao se contrapor a Dilma, ele escapa da fúria das ruas, direcionada a ela. "Agora ele não está com a rua contra ele", diz um senador.

A Constituição diz que a indicação ao Supremo é uma prerrogativa do presidente da República, a ser examinada pelo Senado. Mas, no mundo dos acordos, a escolha de um ministro do Supremo é essencialmente uma união da capacidade técnica, capacidade política e acomodação de interesses. Desde a saída de Joaquim Barbosa, há nove meses, uma dúzia de candidatos se pôs em uma campanha exacerbada pela lentidão de Dilma. A princípio, Renan simpatizava com a candidatura de Heleno Torres, advogado tributarista. Torres chegou longe na escalada, a ponto de conversar com a presidente Dilma Rousseff. Na reta final, sobraram Torres, Fachin e mais dois candidatos. O presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, também tentou influenciar na decisão. Dilma esperou Lewandowski voltar de uma viagem à China e, ao ouvi-lo, ficou entre Torres e Fachin. Mas Dilma não gostou de saber que Torres deixou vazar que conversara com ela. Dilma escolheu Fachin.

Renan não gostou do resultado. Por isso, abraçou com força o resultado de um trabalho que começou há meses, para reduzir o poder de Dilma. No final de fevereiro, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, promoveu um jantar em sua residência oficial para a cúpula do Judiciário. Foi a gênese da aprovação da PEC da Bengala. Entre; os ministros do Supremo estava Gilmar Mendes, além de quatro ministros do Superior Tribunal de Justiça e todos os líderes partidários, com exceção do PT, PCdoB e PDT. A conversa só terminou à lh30 da madrugada. O adiamento da aposentadoria foi bem recebido. A proposta passou na Câmara, empurrada por Cunha. No Senado, Renan furou a fila para promulgá-la com rapidez. Ambos agradaram ao Tribunal que poderá julgá-los no caso da Lava Jato.

Renan tem a vantagem tática da surpresa. Como presidente, é dele a prerrogativa de botar em votação o nome de Fachin no plenário. Sabe-se que isso acontecerá nesta terça-feira, mas cabe a Renan determinar o momento exato. Ele pode manobrar em poucos minutos, apoiado por suas forças, para derrubar Fachin quando houver mais senadores leais a sua causa. Basta ter paciência, concentração aos movimentos dos senadores e tirocínio para saber o instante exato de apertar o gatilho – no caso, o botão do microfone. É um expediente comum na Câmara e no Senado. Em minutos (às vezes, segundos) aprova-se ou derruba-se um projeto. Funciona especialmente bem com governos cujas lideranças no Congresso sejam desatentas ou incompetentes. São presas fáceis. No caso do governo Dilma, acontece toda semana, nos mais variados tipos de votação em plenário nas duas Casas. Aloizio Mercadante, o articula dor de Dilma, sabe disso. Tenta agir com discrição para anular Renan.

A caça desta terça-feira confere uma particular vantagem tática a Renan. A votação será secreta. Na política o anonimato é o refúgio da deslealdade - e dos compromissos que não podem conhecer a luz do dia. Um senador que tenha se comprometido, até mesmo publicamente, a favor de Fachin pode facilmente trair a palavra numa sessão secreta. Articulações silenciosas e discretas, como a
que Renan e seu aliado, o senador Fernando Collor, conduzem para sacrificar Fachin, têm mais chances de prosperar quando seus partícipes podem mentir impunemente sobre o que fizeram. É verdade por outro lado, que o contrário pode acontecer. Mas por que senadores que se comprometeram com Renan e a oposição votariam a favor de Fachin? Em tese, é possível, na prática, improvável. Trair um governo com 13% de aprovação é um esporte corriqueiro no Senado, sem maiores consequências. Trair Renan — e um Renan que preside o Senado - é um ato de estupidez política. Ele não perdoa.

Se Renan triunfar, dificilmente terá novos inimigos. Dilma e Temer continuarão precisando negociar com ele. Lewandowski não deixará de manter boas relações com Renan. Os demais ministros do Supremo também não ficarão amuados - a não ser que haja grande demora na indicação de um novo nome. Renan raciocina que, se vencer, terá enviado um recado claríssimo a quem quer que se candidate à vaga após Fachin. Mesmo que o possível novo nome ao Supremo não seja indicado por Renan, esse novo nome sabe - ou logo saberá — que, se quiser passar pelo Senado, terá de se vergar ao presidente do Senado. Renan quer ouvir do indicado que ele* Renan, terá um amigo no Supremo. Coisa que , frise-se, Fachin não topou.

Caso Renan fracasse, a derrota consumirá um enorme capital político dele. Será uma demonstração de fraqueza que ele nunca conheceu. Renan perderá a confiança de aliados - muitos deles já preocupados com o ímpeto do presidente do Senado em impor toda e qualquer derrota possível a Dilma. Ele pode não ganhar inimigos e certamente prosseguirá em sua cruzada contra o PT- mas ficará menor. E ficará menor precisamente quando não pode ficar menor: no pouco tempo que calcula, ainda lhe resta antes que o procurador-geral da República Rodrigo Janot ofereça denúncias ao Supremo em ao menos, um dos três inquéritos contra ele no petrolão. Já há evidências consistentes contra Renan em duas das três investigações da PGR. Na semana passada os sigilos de Renan foram quebrados. Ele precisa caçar enquanto ainda não é caçado.

Os tiros de Janot não tardarão - ele também aposta sua sobrevivência nisso. O primeiro mandato de Janot acaba em setembro. Se Dilma decidir reconduzi--lo ganhará a opinião pública e perderá o Congresso — ao menos num primeiro momento. A não ser que Janot já tenha disparado denúncias contra Renan e Eduardo Cunha. O presidente da Câmara que assumiu a defesa do Congresso contra Janot, irá para a oposição aberta ao governo do PT se Janot for indicado novamente. Janot como Fachin, precisa ser aprovado no Senado. Nesse cenário a recondução de Janot dependerá da delicada correlação de forças em setembro, entre Dilma, Renan e Eduardo Cunha. Se Renan e Eduardo Cunha mantiverem-se fortes até lá, e Dilma suficientemente fraca e alvejada pelos tiros do petrolão, Janot será barrado.

Planalto aposta em enfraquecimento de Renan para sua pauta avançar no Senado

• Com o objetivo de evitar novas derrotas na votação das medidas provisórias do ajuste fiscal e aprovar a indicação de Luiz Fachin ao Supremo, governo oferta cargos e faz esforço concentrado a fim de atrair o apoio de senadores e isolar o presidente da Casa

Tânia Monteiro, Ricardo Brito, Isadora Peron - O Estado de S. Paulo

O governo decidiu transferir para o Senado a negociação dos cargos de segundo e terceiro escalões e a transferência de verbas federais para os Estados dos senadores como forma de vencer suas votações prioritárias até agora: as medidas provisórias do ajuste fiscal e a indicação de Luiz Fachin para o Supremo Tribunal Federal.

Para o Palácio do Planalto, com essa estratégia será possível derrotar o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que se tornou neste segundo mandato um dos principais críticos da presidente Dilma Rousseff. Para o peemedebista, a semana servirá para testar sua força na Casa com a possibilidade de impor duas derrotas à petista.

Na terça-feira, o nome de Fachin será submetido à chancela dos senadores, em votação secreta. Também entra na pauta do Senado a primeira medida provisória do pacote de ajuste fiscal do governo, a 665, que restringe direitos trabalhistas, como o seguro-desemprego.

Para derrotar o governo, porém, Renan vai precisar do apoio de seus pares, que apontam que ele está cada vez mais isolado. A avaliação entre os senadores é de que ele perdeu força política na Casa. Teve de enfrentar na eleição pela presidência um adversário do próprio PMDB e, apesar de ter vencido, não obteve votação expressiva. Posteriormente, virou alvo de três inquéritos no Supremo por suspeita de envolvimento na Operação Lava Jato, inclusive tendo contra si pedidos de quebra de sigilos bancário e fiscal.

Renan tem enfrentado divergências até com antigos aliados no PMDB. Na sabatina do indicado ao STF na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), peemedebistas como Romero Jucá (RR), Jader Barbalho (PA) e Garibaldi Alves Filho (RN) elogiaram Fachin em público.

O governo considera que o enfraquecimento de Renan pode auxiliar no embate desta semana. Para a aprovação do nome de Fachin, segundo estimativa interna mais recente, o Planalto espera chegar a 51 votos, 10 a mais do que o mínimo necessário. Na votação da MP 665, o otimismo do governo é grande.

No entanto, o Planalto também avalia que Renan, apesar do enfraquecimento, ainda detém a força do cargo e o poder de pautar o que quiser na Casa. Em razão disso, pretende manter e até ampliar os acenos feitos nos últimos dias ao peemedebista. Considera importante evitar melindrá-lo.

Foi dentro dessa perspectiva que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com Renan na quinta-feira em Brasília e Dilma o convidou para irem no mesmo avião ao enterro do senador Luiz Henrique (PMDB-SC), na segunda-feira em Joinville (SC).

Considerado um dos principais aliados no Congresso no primeiro mandato de Dilma, Renan se distanciou do Planalto por duas razões: ele avalia que o Executivo agiu para incluí-lo na lista de investigados na Lava Jato; e que perdeu apadrinhados de peso na estrutura federal, como Vinícius Lages, substituído pelo ex-deputado Henrique Eduardo Alves no Ministério do Turismo, e Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.

Negociações. Para evitar resistências no Congresso, Dilma determinou à Secretaria-Geral da Presidência e ao Ministério da Previdência que comecem a estudar alternativas ao fator previdenciário. O governo entende que, para evitar desconfianças, precisa ter uma opção para ser apresentada aos parlamentares antes do eventual veto da presidente.

O vice-presidente e articulador político do governo, Michel Temer, e o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, vão, nos próximos dias, direcionar o balcão de negociações para o Senado, após a tramitação das duas medidas provisórias do ajuste na Câmara.

Serão de imediato cerca de 100 cargos a serem preenchidos entre deputados e senadores. Alguns já foram consolidados, como a presidência do Banco do Nordeste ao líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE). O posto será ocupado por Marcos Holanda. Também já houve a sinalização ao presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), de que a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), ficará com um indicado seu. O desafio agora é atender a outras bancadas e intermediar os interesses de parlamentares do mesmo partido.

Campanha de Fachin rompe com tradição

• Advogado escolhido por Dilma deixou de lado discrição dos antecessores em esforço para vencer resistências no Senado

• Indicado ao STF buscou apoio de líderes religiosos e mobilizou amigos e redes sociais para assediar senadores

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O advogado Luiz Fachin rompeu com a cartilha de silêncio e discrição seguida por juristas que concorreram antes dele a uma vaga na mais alta corte do país, o STF (Supremo Tribunal Federal).

Não há relato de outro indicado que tenha feito vídeos e criado um site para defender sua nomeação, nem que tenha buscado contato com líderes religiosos para desmentir boatos sobre sua trajetória.

Escolhido pela presidente Dilma Rousseff após mais de oito meses de indefinição, Fachin foi sabatinado pelos senadores por 11 horas na semana passada. O plenário do Senado deve votar sua indicação na próxima terça (19).

Outros ministros buscaram assessores para se preparar para a sabatina, mas nunca alguém mobilizou uma equipe tão grande como agora.

Carmem Lúcia, em 2006, e Luís Roberto Barroso, em 2013, contaram com a ajuda informal do jornalista Irineu Tamanini para lidar com a mídia entre a indicação e a nomeação. O serviço era basicamente mantê-los longe de entrevistas. Ambos foram orientados a só receber jornalistas após a posse.

Quem atua no meio enumera regras ao indicado, como nunca se deixar ser chamado de ministro antes da nomeação, não conceder entrevistas antes da posse e mostrar respeito por ritos e protocolos.

Além de senadores, Fachin esteve com com líderes religiosos. Falou com d. Sérgio da Rocha, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, e igrejas evangélicas. O pastor Silas Malafaia, que o acusou de ser defensor da poligamia, disse numa rede social ter sido procurado por ele. Pessoas próximas contam que o advogado, ao lado da mulher, a desembargadora Rosana Amara Girardi, também visitou os bispos Robson e Lúcia Rodovalho, da Sara Nossa Terra.

Fachin contratou em abril uma assessoria, a F7 Comunicação, do jornalista Samuel Figueiredo. Pouco depois, sua família recrutou um escritório para monitorar menções ao seu nome nas redes sociais. E um designer para fazer o site pró-Fachin.

Associou o trabalho da F7 à consultoria do jornalista Gustavo Krieger, um dos responsáveis pela comunicação da campanha presidencial de Aécio Neves (PSDB), em 2014.

Segundo Figueiredo, o escritório da família de Fachin pagou. Especulações sobre o custo da equipe apontaram cifras próximas de centenas de milhares de reais. "Até gostaria de ganhar quanto dizem, mas os valores não são esses", diz Figueiredo. Uma pessoa com acesso à equipe disse que o custo da campanha deve ficar em menos de R$ 100 mil.

Figueiredo já havia trabalhado para Luiz Fux, o primeiro nomeado por Dilma, em 2011. Mas a situação não se compara, diz: "O cenário político hoje é um pouco mais conturbado". No momento, Dilma enfrenta seu maior desgaste político.

'Fachinês'
Só para a sabatina --a mais longa em 20 anos--, foram dez horas de treinamento. Os assessores disseram a Fachin para ser didático, paciente, respeitoso e polido. E pediram para evitar o "fachinês", apelido ao hábito de usar termos empolados ou conhecidos só no universo jurídico.

Houve uma campanha para mobilizar amigos e aliados na internet e nos contatos com senadores. O empenho foi registrado por Antonio Anastasia (PSDB-MG). Na sabatina, ele disse que recebeu inúmeras mensagens do meio jurídico pedindo apoio a Fachin.

No dia da arguição, a equipe que monitora as redes contou 110 mil citações a Fachin. Segundo o estudo, um número superior aos registrados por Dilma e Aécio no dia de lançamento de suas candidaturas presidenciais, em 2014.

Para especialistas em gestão de imagem, a maratona de Fachin pode lhe deixar uma herança incômoda, ainda que ele tenha sucesso no final: a de um ministro considerado frágil pela quantidade de ajuda que precisou buscar.

Na linha de frente, os fiéis escudeiros de Eduardo Cunha

• Deputados viabilizam projetos e defendem parlamentar na CPI

Cristiane Jungblut / Evandro Éboli – O Globo

BRASÍLIA — O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tem fiéis escudeiros na Câmara, dentro e fora de seu partido. São parlamentares que atuam em várias linhas de frente, seja defendendo Cunha de acusações na Operação Lava-Jato ou viabilizando aprovação de projetos de interesse do presidente, como a proposta da diminuição de ministérios e da redução da idade penal. Os “Homens de Cunha” estão em postos-chave, como presidências da CPI da Petrobras, Hugo Motta (PMDB-PB); da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Arthur Lira (PP-AL); e da Comissão Especial da Maioridade Penal, André Moura (PSC-SE).

Líder sindical e envolvido em algumas das cenas mais inusitadas da Câmara nesta legislatura — a soltura de ratos na CPI da Petrobras e o voo de dólares falsos sobre a bancada do PT durante a votação do ajuste fiscal — o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, é pau para toda obra à serviço de Cunha. Atuou com vigor na aprovação do projeto da terceirização, como queria Cunha, e faz a defesa do presidente na CPI.

Na última terça-feira, Paulinho foi o único a ter permissão de entrar na Presidência do Senado, no encontro a portas fechadas do presidente Renan Calheiros com Cunha. O parlamentar diz que conversa todos os dias com Cunha. Naquele dia mesmo, os dois haviam se encontrado na residência oficial da Câmara, por volta do meio-dia. À tarde, Paulinho e a Força Sindical organizaram um barulhento protesto no Salão Verde, após ter conseguido autorização da presidência para colocar seus manifestantes para dentro do plenário.

— Converso com ele todos os dias. Se ele não está aqui, vou à residência — disse Paulinho.

No partido, Cunha conseguiu eleger Leonardo Picciani (RJ), para líder do PMDB na Câmara. Mas a disputa criou fissuras com importantes aliados, como Danilo Forte (PMDB-CE) e Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que perdeu a disputa para líder por um voto para Picciani. Vieira se reaproximou de Cunha e eles se juntaram no objetivo de confrontar o Palácio do Planalto. Assegura que os laços com o presidente permanecem fortes.

— Se eu ligo e ele não pode atender, ele me liga imediatamente ou manda mensagem. Mas nunca deixa de atender — contou Lúcio Vieira.

Na CPI da Petrobras — Cunha é investigado pelo STF nesse inquérito — o presidente escalou seu time de apoiadores. Celso Pansera (PMDB-RJ), parlamentar de primeiro mandato, é desse grupo. É defensor de Cunha, diz acreditar na sua inocência e rebate as críticas ao presidente:

— Conheço Eduardo Cunha pessoalmente desde 2013, quando me filiei ao partido. Trabalhei para sua eleição à presidente da Câmara. Estou na CPI mas ele nunca me fez qualquer pedido. Minha sensação é de que ele não tem qualquer envolvimento (no caso da Lava-Jato).

Defesa contundente
O líder Leonardo Picciani segue à risca o script de Cunha, a ponto de repetir suas expressões cotidianas. Suas orientações à bancada são discutidas com o presidente da Câmara, que tem dito que o partido vive um de seus melhores momentos.

Cunha se elegeu presidente da Câmara e deu espaços para seus aliados. Hugo Motta preside a CPI da Petrobras e, com frequência, irrita os petistas na condução dos trabalhos. Enfrentar o PT tem sido rotina também para Cunha. Motta já foi acusado pelo PT de fazer vazamentos seletivos de informações que chegam à comissão, fato negado pelo comandante da CPI.

O deputado André Fufuca (PEN-MA) é um alidado de primeira hora. Integrou a comissão que em março foi ao Hospital Sirio-Libanês, em São Paulo, para checar se Cid Gomes, então ministro da Educação e algoz de Cunha, estava de fato com problemas de saúde. Graças a esse papel, Fufuca ganhou a relatoria da CPI das Órteses e Próteses, missão que sempre dá visibilidade no Congresso. O governo havia indicado Jorge Solla (PT-BA) para a relatoria, mas ele foi preterido.

André Moura (PSC-SE) talvez seja o mais polivalente da tropa de choque. Ele trabalhou arduamente pela admissibilidade da proposta de redução da idade penal, defendida por Cunha, e conquistou a presidência da comissão que vai discuti-la. Na CCJ relatou a proposta de emenda constitucional, de autoria do próprio Cunha, que prevê a redução dos ministérios de 38 para 20. Na CPI da Petrobras, Moura foi um dos mais enfáticos defensores de Cunha, quando o presidente prestou seu depoimento, no início de março:

— Vossa Excelência (Cunha) veio aqui colocar verdadeiramente os pingos nos is. Ficou claro que Vossa Excelência foi escolhido, com todas as letras, para ser investigado. As acusações são muito frágeis. Se trata de uma tentativa de intimidá-lo pelas ações que tem feito, pautando matérias que não são de interesse do Planalto. E quem fará a reparação por ter colocado Vossa Excelência nessa berlinda? O Ministério Público? O senhor Janot? Vossa Excelência não perde, de maneira alguma, a autoridade para presidir essa Casa.

Só duas siglas aliadas deram mais de 80% dos votos ao governo

• Mapas de votação das medidas do pacote de ajuste fiscal expõem fragilidade da base de apoio do Planalto

• PT e PRB oferecem apoio mais sólido; menos da metade das bancadas do PP e PTB vota com o governo

Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Aprovadas em meio a duas derrotas na Câmara dos Deputados, as duas medidas provisórias do ajuste fiscal de Dilma Rousseff tiveram o apoio robusto, acima de 80%, de apenas duas legendas da base governista, o PT e o PRB.

Levando em consideração os dez principais partidos da coalizão que apoia Dilma e as quatro principais votações das MPs, que restringem benefícios trabalhistas e previdenciários, elas tiveram apenas 62% dos votos possíveis.

Puxando a fila dos infiéis, o PDT do ministro do Trabalho, Manoel Dias, não deu nenhum voto a favor do governo. Apesar de ter uma bancada pequena, de 19 deputados, a repercussão alimentou pressões para que a presidente Dilma demita o ministro.

A permanência de Manoel Dias está condicionada à próxima votação do ajuste, a que revê a política de desoneração da folha de pagamento de setores da economia, prevista para quarta-feira (20). Desta vez há uma promessa de apoio da sigla, que já foi a morada de Dilma Rousseff antes de ela ingressar no PT.

O PMDB do vice-presidente Michel Temer, hoje o articulador político do governo, deu às medidas 73% dos votos que poderia ter dado. PC do B, PROS, PR e PSD apresentaram taxas de fidelidade próximas da casa dos 60%.

O PP do ministro da Integração Nacional, Gilberto Occhi, e o PTB do ministro do Desenvolvimento, Armando Monteiro, exibiram uma taxa de fidelidade inferior a 40%, o que exigiu uma operação do governo para destravar demandas reprimidas, as principais delas relativas a cargos.

Cargos
O líder da bancada do PP, deputado Eduardo da Fonte (PE), diz que a insatisfação está relacionada com a falta de diálogo sobre as medidas e reclama que o Planalto tenha resolvido acertar só agora a distribuição de cargos, transmitindo à sociedade a impressão de que os votos são condicionados aos cargos.

No PTB, a questão dos cargos se alia ao fato de que parte da bancada negocia uma fusão com o DEM, sigla que apoiou o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e hoje assume viés oposicionista explícito.

Apesar da aprovação das duas medidas, que agora estão no Senado, o governo assistiu a derrotas, como a passagem da emenda que afrouxou as regras criadas para inibir aposentadorias precoces e conter a expansão das despesas da Previdência Social.

"Mesmo que haja questionamentos específicos a esse ou aquele ponto, há sinais evidentes de que a base está se recompondo", afirmou o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE). Ele diz que há agora sintonia com a coordenação política do Planalto, chefiada por Temer.

Eleito em fevereiro para a presidência da Câmara, derrotando o governo e o PT, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) avalia que o Palácio do Planalto ainda não conseguiu consolidar a sua base.

"Não tenho dúvida de que, com o vice-presidente Michel Temer, houve melhora. Como estava, não tinha articulação, estava totalmente desarticulada. Mas acho que o governo ainda não está com uma base consolidada", afirmou o deputado.

Peemedebista faz investida contra governo

• Segundo relatos, Renan Calheiros (PMDB-AL) tem conversado com senadores da base e da oposição para pedir votos contra Fachin

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tem investido nos últimos dias em uma operação pública e privada para tentar arregimentar senadores com o objetivo de derrotar no plenário da Casa a indicação do jurista Luiz Edson Fachin ao Supremo Tribunal Federal e as medidas provisórias do ajuste fiscal.

Segundo relatos, Renan tem conversado com senadores da base e da oposição para pedir votos contra Fachin. Nas conversas, ele defende a derrubada da indicação da presidente Dilma Rousseff como forma de mostrar independência em relação ao Executivo. Alega também que o governo deveria apresentar outro nome. A assessoria de Renan nega que ele esteja atuando contra a indicação.

Queixa. Contudo, senadores têm se queixado da atitude contraditória de Renan e não demonstram, em conversas privadas, querer ajudá-lo a derrotar o Planalto. Ao mesmo tempo em que atua para derrubar o nome de Dilma, o peemedebista retirou a prerrogativa de os atuais senadores sabatinarem, até o final do mandato da petista, em 2018, 18 ministros de tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União ao atuar a favor da aprovação pela Câmara da PEC da Bengala. A emenda constitucional, promulgada no dia 6, elevou de 70 para 75 anos a aposentadoria compulsória dessas autoridades.

Nesse caso, o presidente do Senado ainda teve de recuar de uma ação anunciada por ele mesmo no dia da promulgação: a de que os magistrados teriam de passar por uma nova sabatina aos 70 anos. Pressionado por ministros do STF, Renan voltou atrás nas declarações.

Arrocho do governo deixa construção civil em crise

Construção deve ter pior ano desde 2003

• No primeiro trimestre, 50 mil vagas formais de trabalho foram fechadas; mais demissões são esperadas

• Para executivo do setor, recuperação dependerá de fim do ajuste do governo e da melhora do crédito e da confiança

Eduardo Cucolo, Isabel Versiani – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A construção civil enfrenta seu pior momento em mais de dez anos, depois de um período de crescimento acelerado, em que foi beneficiada pela expansão do crédito e da renda e por programas de investimento do governo.

A alta dos juros, aliada a uma retração dos gastos públicos, abalou a demanda por imóveis e empreendimentos de infraestrutura. Nos últimos meses, o quadro foi agravado pela fuga de recursos da poupança, principal fonte de financiamento para moradia.

Neste ano, o PIB do setor vai encolher 5,5%, no pior desempenho desde 2003, projeta Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção da FGV/Ibre. Segundo a economista, a retração, se confirmada, vai gerar uma queda de 0,3 ponto percentual do PIB nacional.

"Com o fim do ciclo de crescimento que teve seu auge em 2012, já haveria um ciclo de ajustes. Com o cenário econômico mais complicado, esse ajuste pode se prolongar."

Se há pouco mais de um ano a construção civil era vista como um símbolo dos gargalos de crescimento do Brasil, dada a escassez de mão de obra especializada no setor, hoje é um dos setores que lideram as demissões no país.

Nos primeiros três meses do ano, as construtoras cortaram 50 mil vagas formais de trabalho. Em 12 meses, foram 250 mil postos fechados.

No primeiro trimestre, os empréstimos com dinheiro da poupança tiveram a primeira queda para o período desde 2002. A Caixa, maior agente financeiro na área, elevou o percentual de entrada para obtenção desses empréstimos e colocou os clientes interessados numa fila de espera.

Os juros subiram de 7% para 9% anuais nos últimos dois anos. O valor dos imóveis, que aumentar acima de inflação entre 2006 e 2011, apresentou rentabilidade abaixo do índice de preços ao consumidor nos 12 meses até fevereiro.

Retomada
Economistas e construtoras não preveem crescimento das contratações até o fim do ano. A avaliação é que o mercado vai seguir em dificuldade enquanto durar a fase mais austera do ajuste fiscal e monetário do governo.

Depois, é esperada uma retomada dos financiamentos, em ritmo menor que o verificado entre o fim do governo Lula e o início do de Dilma.

"Chegamos ao fundo do poço, mas a tendência é de uma retomada na sequência", diz José Carlos Martins, presidente da Cbic (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), destacando a importância de o governo definir o quanto antes investimentos que pretende fazer no Minha Casa, Minha Vida e também regras para as novas concessões.

O diretor-executivo da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Renato Ventura, diz que a recuperação vai depender do fim do ajuste promovido pelo governo e da melhora nas condições de crédito e na confiança do consumidor.

"Em algum momento esse ciclo vai se reverter. A demografia do país faz com que seja necessário construir mais imóveis. Tem gente que acha que será no segundo semestre e gente que acha que vai demorar um pouco mais."

Para Octavio de Lazari Junior, presidente da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança), o setor não pode ter taxas de crescimento acima de 30% ao ano, com se verificou até 2012.

Uma expansão entre 5% e 10% nesse crédito é algo saudável e suficiente para atender à demanda por imóveis.

Os executivos defendem a adoção de medidas emergenciais, como a liberação de parte do dinheiro da poupança retido no BC (compulsório) e o uso do FGTS para imóveis acima do limite de R$ 190 mil, neste momento mais difícil.

Enquanto isso, esperam mais demissões e redução da oferta de crédito e de imóveis. Descartam, no entanto, uma crise de queda de preços, quebra de empresas ou estouro de inadimplência.

Crise e Lava Jato levam bancos a reservar R$ 6,9 bi para cobrir calotes

• Do fim de 2014 ao início deste ano, quando a situação econômica ficou crítica e os investigadores apertaram o cerco às empreiteiras, Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e BTG Pactual elevaram as provisões para devedores duvidosos em 23%

Josette Goulart - O Estado de S. Paulo

Os grandes bancos aumentaram em R$ 6,9 bilhões suas reservas contra calotes de setembro do ano passado a março deste ano. Este valor representa 23% mais do que o registrado no período de setembro de 2013 a março de 2014 e reflete uma piora na carteira de crédito por causa da crise econômica e da Operação Lava Jato. A investigação policial levou à reclassificação de risco de muitas empresas envolvidas na operação ou de companhias ligadas ao setor de óleo e gás.

Segundo análise da agência de classificação de risco FitchRatings, as provisões dos bancos vão aumentar na média 30% até o fim do ano e apenas um terço das reservas será por causa da Lava Jato. Uma parte menor será efeito da crise em setores como açúcar e álcool. O maior impacto, segundo a diretora da Fitch, Esin Celasun, virá do varejo, de provisões a serem feitas para calotes de pessoas físicas e pequenas e médias empresas, afetadas por alta dos juros e desemprego. “Os resultados dos bancos já mostram um aumento do provisionamento e da inadimplência”, disse Esin.

Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual e Itaú tiveram despesas com provisões para devedores duvidosos – nome técnico da movimentação das reservas para calotes – de R$ 29,7 bilhões entre o último trimestre de 2014 e o primeiro trimestre deste ano. Foi neste período que a Lava Jato atingiu com mais intensidade as empresas e a crise econômica se agravou.

Este valor foi quase um quarto maior do que o mesmo período dos anos anteriores e marcou uma aceleração expressiva em relação a outros trimestres, quando as despesas cresciam na faixa de 10% a 15%, quase no mesmo ritmo do crédito.

As despesas com provisões são feitas por causa de atrasos registrados pelos bancos e pela expectativa de calotes futuros. “A percepção de que o risco aumentou é nítida em todo o mercado financeiro”, diz Edson Arisa, sócio da empresa de auditoria PwC. “A dúvida é se o varejo vai acentuar ou não esse risco.”

No total da carteira de crédito, as despesas com as provisões representam um porcentual pequeno. Mas cada real a mais registrado nesta conta afeta o lucro dos bancos. Quando essa conta sobe muito acima do avanço da carteira de crédito, os bancos apertam as condições de financiamento e as empresas começam a ter mais dificuldades para obter empréstimos e pagam mais caro por eles.

Grandes empresas. Nas divulgações de resultados do primeiro trimestre, bancos como Itaú e Bradesco informaram que fizeram reforços de provisões de grupos econômicos que estão na carteira de grandes empresas. As provisões do Itaú cresceram quase 30%, e nos últimos dois trimestres as despesas ultrapassaram R$ 11 bilhões. Já as do Bradesco cresceram cerca de 17%. De acordo com Cláudio Gallina, da Fitch, os dois bancos são os que têm melhores colchões de reserva para calotes. A Caixa é que trabalha mais no limite, mas o banco ainda não divulgou resultados neste ano.

O Banco do Brasil tem uma situação confortável, segundo a Fitch e aproveitou resultados mais promissores para elevar em 25% as provisões. Segundo os executivos do banco, a elevação não foi apenas por causa de grandes empresas, atingindo também o varejo. Já no BTG o salto foi de 73%, chegando em dois trimestres a R$ 434 milhões. No caso do banco de André Esteves, o crédito problemático era da Eneva, empresa de energia que pertencia ao grupo de Eike Batista e foi comprada pelos alemães da E.ON. A Eneva entrou em recuperação judicial no ano passado.

Empreiteiras. Boa parte do reforço de provisões dos bancos reflete o grande número de recuperações judiciais pedidas à Justiça no início de ano por empresas ligadas à Lava Jato. Empreiteiras como Alumini, OAS e Galvão Engenharia, além do grupo Schahin, que atua na operação de navios sondas da Petrobrás, registraram mais de R$ 15 bilhões em dívidas a serem renegociadas.

Dos grandes bancos privados de capital aberto, o único que registrou uma queda das despesas com provisões foi o Santander. No primeiro trimestre, um dos motivos foi o fato de o banco ter vendido R$ 1 bilhão de sua carteira de créditos com atrasos, o que se refletiu na conta final. Alguns analistas que acompanham a instituição, porém, dizem que nos próximos trimestres essas despesas devem voltar a registrar aumento.

Levy repete ameaça de elevar impostos

• Ministro reforça recado ao Congresso ao falar de mudança nas aposentadorias

Juraci Perboni* - O Globo

FLORIANÓPOLIS - O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, voltou a alertar que as mudanças nas regras da aposentadoria, aprovadas na Câmara dos Deputados nesta semana, levarão o governo a aumentar impostos, caso entrem em vigor. Em visita a Florianópolis neste sábado, Levy afirmou que a criação de novos custos funciona, na prática, como uma "contratação de novos impostos". A flexibilização do fator previdenciário — que permitirá que mais pessoas se aposentem mais cedo e ganhando mais — deve gerar um impacto de R$ 40,6 bilhões nas contas públicas em dez anos, segundo especialistas.

— É muito claro que a alternativa seria aumentar impostos. Toda a vez que se cria um gasto novo obviamente, está se contratando novos impostos. Por isso, é muito importante na hora que as coisas são votadas que não se esteja criando novos gastos, porque isso vai implicar em novos impostos — explicou, destacando que o Ministério da Previdência ainda está calculando o impacto que a mudança teria.

Levy e outros ministros se reúnem neste domingo com a presidente Dilma Rousseff para definir o contingenciamento do Orçamento deste ano. Sem citar valores, o titular da Fazenda afirmou que o objetivo do governo é reduzir gastos com pessoal e despesas de custeio ao nível de 2013.

Para uma plateia de empresários e políticos, Joaquim Levy tocou em assuntos delicados, principalmente para o setor produtivo. Sobre o fim da desoneração da folha de pagamento, cujas alíquotas subirão de 1% para 2,5% e de 2% para 4,5%, o ministro disse que manter a renúncia fiscal, estimada em R$ 25 bilhões, "não é sustentável". Mas disse que o governo buscará amenizar a carga tributária, com mudanças no ICMS e PIS/Cofins:

— Vamos diminuir a complexidade desses impostos. Essa discussão sobre PIS/Cofins será com o setor privado e com o Congresso Nacional, o que se quer fazer e gerar um crédito financeiro.

Diante do cenário recessivo, Levy disse que governo vai tentar acelerar o processo de concessões de rodovias, portos e aeroportos, baseado no modelo considerado bem-sucedido que foi feito na Ponte Rio-Niterói e nos aeroportos para a Copa do Mundo.

Para ele, parte do esforço para relançar a economia brasileira no caminho do crescimento está no "realinhamento de preços", principalmente no setor elétrico. Os reajustes das tarifas de energia causam impacto no bolso do consumidor, mas, para Levy, são importantes para reequilibrar a economia.

— Esse realinhamento de preços é fundamental para a economia funcionar bem.

*Especial para O GLOBO

Especialista teme um 'apagão de empregos' e queda maior na renda

• Alta do desemprego vai prejudicar a negociação salarial e o rendimento vai cair, também corroído pela inflação

Cleide Silva, Tiago Décimo - O Estado de S. Paulo

O professor da Faculdade de Economia da USP, José Pastore, teme que o País, depois de ter vivenciado o apagão de mão de obra em 2010 e 2011, com empresas tendo dificuldade em encontrar trabalhadores em áreas como engenharia e construção civil, enfrente agora um apagão de empregos.

“O emprego está encolhendo rapidamente e não vejo sinais de reversão”, diz Pastore. “Quando temos uma taxa de desemprego elevada e crescente, e um tempo médio de 12 meses para se conseguir um novo emprego, é muito sério e preocupante.” Ele acredita que a taxa de desemprego da Pnad encerre o ano próxima a 9% e só aposta num alívio no mercado de trabalho a partir de meados de 2016, “se o ajuste fiscal der certo”.

Pastore vê como mais preocupante a indústria da transformação, duplamente complicada por estar perdendo empregos e pessoal qualificado. Outro setor em apuros é o da construção civil, há até pouco tempo carente de mão de obra. No primeiro trimestre, segundo dados da Pnad, foram cortadas 132 mil vagas nessa área. Além da redução do ritmo de obras residenciais, o setor enfrenta paradeira por causa da Operação Lava Jato.

Autônomo em reformas em geral é como se define o ex-operário da construção civil Renasci Cunha, de 44 anos, de Salvador (BA). Sem trabalho fixo desde o início do ano, tem se dedicado a fazer bicos e a participar de cursos gratuitos dados por sindicatos e empresas do setor.

Para ele, o maior problema é que a desaceleração da economia brasileira tem feito com que mesmo os bicos não sejam frequentes, e administrar as contas está mais difícil. “A gente tem de cortar tudo”, diz ele, cujo rendimento caiu à metade.

O pedreiro Cassio Lima, de 27 anos, demitido no início do ano de uma empresa que prestava serviços para indústrias do Polo Industrial de Camaçari, também apelou para os bicos para complementar a renda obtida pela mulher, por meio do Bolsa Família. O casal tem dois filhos, de 3 e 6 anos. “Quando não consigo trabalho, passo uns dias na casa da minha mãe – em Teofilândia, 200 quilômetros de Salvador –, para economizar”, afirma. “A gente torce para essa fase (de retração da economia) passar logo.”

No pior primeiro trimestre registrado no mercado de trabalho na Bahia nos últimos dez anos, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Caged), o Estado teve fechados 10,9 mil postos, 7,6 mil deles na construção civil.

Renda. O economista Fábio Romão, da LCA Consultores, prevê que a taxa de desemprego da Pnad irá a 7,8% este ano, ante 6,8% em 2014. Em março, ressalta ele, está em 7,9% por questões de sazonalidade.

A alta no desemprego vai prejudicar ainda mais o poder de barganha dos trabalhadores em negociações salariais. Associada à aceleração da inflação, haverá uma perda significativa da renda, que já está em curso.

Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, envolvendo seis regiões metropolitanas, a massa de renda real caiu 3,8% em março, o pior resultado mensal desde o início de 2004. “A deterioração está sendo muito rápida”, diz Romão. Em fevereiro, a renda havia caído 1,5%, mas de março de 2013 a janeiro deste ano os saldos eram positivos.

Cláudio Dedecca, professor do Instituto de Economia da Unicamp, ressalta que, ao contrário da década passada, a inflação atual está penalizando a população de baixa renda, pois pega alimentos, tarifas públicas e bens industriais. Ele prevê queda de 5% na renda real este ano, puxada também pelo baixo reajuste do salário mínimo.

Já o desemprego, em sua opinião, não será generalizado, a não ser em segmentos específicos, como o automotivo, que passará por uma reestruturação independente da crise. Dedecca não vê riscos de um apagão na mão de obra. “Nesse momento não cabe nem otimismo nem pessimismo, mas não creio que chegaremos à situações como a crise do início dos anos 80, quando 1 em cada 4 trabalhadores da indústria perdeu o emprego.”