Jeanette Hofmann, professora da Universidade Livre de Berlim, especializou-se em política da internet
Guilherme Evelin / O Estado de S.Paulo / Aliás
O campo de estudos da cientista política Jeanette Hofmann, professora da Universidade Livre de Berlim, é a sociologia da tecnologia. Nela, especializou-se em política da internet. No Instituto Weizenbaum para a Sociedade em Rede, um órgão financiado pelo governo alemão para estudar as implicações da revolução digital, Hoffman lidera as pesquisas sobre democracia e digitalização, tema de uma série de conferências que ela deu no Brasil. Na mesma semana em que Hoffman foi entrevistada pelo Estado, milhares de manifestantes, convocados pelas redes sociais, saíram às ruas em defesa do governo Jair Bolsonaro.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
• As redes sociais são uma das causas da crise das democracias representativas no mundo?
A política começou a se transformar muito antes de termos as mídias sociais. Ao menos, na Europa, é óbvio que as democracias representativas começaram a perder seu apelo dos anos 1970 em diante. Com a guinada dos partidos ao centro, as eleições se tornaram, cada vez menos, uma questão de que em partido você vota, porque o resultado é sempre o mesmo, não importa quem ganhe. Ao mesmo tempo, houve uma grande transferência de poder dos governos para o mercado e do Parlamento para os burocratas do Poder Executivo, com a agenda neoliberal que privatizou muitos setores da infraestrutura. Então, os eleitores se perguntam: por que votar? Com isso, os partidos deixaram de atrair membros e se tornaram muito instáveis. Hoje, eles crescem, implodem e desaparecem. As redes sociais não são a causa da mudança, mas um meio para tentar alternativas.
• Líderes populistas ou autoritários usam melhor as redes sociais do que lideranças democráticas?
Esse é um paradoxo. Enquanto a imprensa funcionava como uma espécie de guardião do que você via ou era informado sobre o mundo, as redes de extrema-direita eram completamente excluídas da esfera pública. Com a internet, esses movimentos tiveram a chance de organizar a própria visibilidade – e eles foram muito rápidos e astutos em usar as redes sociais para seus propósitos, muito melhor do que os partidos tradicionais que permaneceram numa zona de conforto, acreditando que existiriam para sempre. Esses partidos são muito bons em compensar o relativo pouco apoio com que contam na sociedade. Na Europa, em muitos países, o apoio a eles está em torno de 10, 15% da população, mas eles se tornaram mais visíveis graças à propaganda. E é muito interessante apontar que a imprensa tradicional, em muitos casos, os ajuda. Eles fazem campanhas da forma mais ultrajante possível para chamar a atenção da imprensa, que acaba lhes dando visibilidade.
• Como as redes sociais podem ser usadas para fortalecer a democracia?
As mídias sociais são um recurso para a experimentação. A democracia tradicionalmente foca no direito ao voto. Mas isso não convence mais as pessoas. Nossas constituições não descrevem mais a democracia como a praticamos no dia de hoje. Votar é um dos modos de exercemos nossos direitos, mas não é a coisa mais importante nas democracias contemporâneas. As gerações mais jovens usam as mídias sociais para experimentar novas formas de se organizar, formar redes, protestar, chamar a atenção. Essas novas formas são muito voláteis. Alguns movimentos sociais podem durar um verão ou um ano. E desaparecem. Não têm meios de se estabilizar em suas organizações, mas, ainda assim, são politicamente ativos – e é importante que a próxima geração não seja apolítica.
• As sociedades vão ter de acostumar à volatilidade como a nova realidade das democracias?
Há sempre alternativas no uso das tecnologias. Nós temos que ter consciência das opções e descrevê-las de forma que as pessoas possam tomar decisões e não delegar essas decisões ao mercado ou para engenheiros. A democracia também não é uma coisa estática. Nossa interpretação de democracia hoje é completamente diferente da concepção dos anos 1960 e 70, em que nós a associávamos à ideia de autodeterminação coletiva. Hoje nós interpretamos democracia muito mais como o direito à liberdade individual de uma pessoa decidir o que quer fazer com a sua vida. A democracia, portanto, está mudando, e nós temos de ter consciência de que ela pode ser diferente. Acredito que nós vamos passar por um longo período de mudanças institucionais. Elas não matarão a democracia, mas ela vai mudar. Nós teremos que passar por esse processo de volatilidade e instabilidade, que se vê hoje na Europa, nos Estados Unidos, no Brasil. Não há como fazer regulações para evitar ou paralisar isso.
• Há alguma forma de controlar a difusão de “fake news” nas redes sociais?
Acho perigosa a ideia de regulação. O termo “fake news” sugere que esse seja um fenômeno novo. Mas claro que ele não é. Na Europa, existem tabloides especializados em produzir “fake news” sobre a aristocracia e seus bebês e divórcios – e essa cultura longamente estabelecida é considerada tolerável. Mas, agora com a internet e o crescimento dos partidos de direita, nós começamos a ficar com medo. Mas meu medo maior é o que os partidos democráticos se unam aos partidos de extrema-direita para ficar a favor de restrições à nossa liberdade de expressão. Quem estará na posição de dizer o que está certo e o que está errado? Nós queremos realmente que uma organização fique responsável por decidir isso?
• É melhor deixar tudo livre como está?
Não diria dessa forma. Há umas poucas áreas em que a regulação seria bem-vinda. Com a internet, como se mostrou no referendo pelo Brexit, no Reino Unido, há muitas formas de fazer uma campanha política de modo que ninguém a veja – por meio dos “dark ads” (anúncios invisíveis nas redes sociais, dirigidos a públicos ultrasegmentados). Nós precisamos de uma discussão pública e maior transparência no financiamento dos partidos e movimentos políticos