Com a alta da inflação, indústria e varejo estão em queda de braço. Sem acordo, supermercados chegam a tirar produtos das prateleiras. Após alta de 15,8% em 12 meses, o pão francês subirá 5%, e massas até 10%, dizem fabricantes
Varejo sob pressão
Indústria tenta reajustes de até 20%. Na briga, supermercados tiram marcas das gôndolas
Roberta Scrivano
SÃO PAULO e RIO - A alta da inflação nos últimos meses já provoca uma queda de braço entre indústria e varejo. As negociações entre os fornecedores - determinados a repassar o aumento de custos acumulados nos últimos dois anos - e as redes varejistas estão cada vez mais acirradas. Segundo fontes do setor, BRF, Nestlé e Unilever propuseram correções entre 10% e 20% às grandes redes de supermercados. No caso da BRF, os reajustes na tabela de preços dos produtos congelados da marca Sadia chegariam a 15%. Na Nestlé, o aumento seria de 10%, na média. Já a Unilever teria apresentado reajustes mais tímidos, de 5%, e apenas no sabão em pó. Procuradas, apenas a Nestlé se manifestou e informou que o reajuste "não foi no patamar de 10%".
A inflação subiu 0,55% em abril e, nos últimos 12 meses, acumula alta de 6,49%, informou ontem o IBGE. Pressionada pela alta nos custos, a indústria tenta repassar os reajustes para o varejo. Em alguns casos, a falta de acordo já tem provocado a falta temporária de marcas líderes, caso de papel higiênico, produtos de limpeza e laticínios.
- Se faltam marcas importantes, é porque a briga está intensa. A pressão inflacionária, agora, virá dos industrializados - disse um executivo, que não quis se identificar.
O vice-presidente comercial da rede de supermercados Zonal Sul, Pietrangelo Leta, confirma pedidos de reajuste de mais de 10% por alguns grandes fabricantes, mas diz que não adotou a estratégia de deixar de comprar algumas marcas:
- Inflação ninguém gosta. Aumentam os preços, as vendas caem. Estamos trabalhando para evitar que os aumentos cheguem ao consumidor: compramos em maior quantidade, reduzimos os prazos de pagamento ou pagamos à vista e aumentamos as importações.
Segundo ele, os importados, que há três anos representavam 8,5% dos negócios da rede, hoje têm peso de 12%. Dos cerca de 8.300 diferentes itens vendidos nas lojas, 1.300 vêm de fora do país.
Nicolas Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), diz que os industriais vinham segurando os repasses da alta de custos desde 2011. Mas, ao perceberem que a economia não retomaria a velocidade esperada neste ano, iniciaram os reajustes represados.
- Se o produtor ficar muito tempo sem repassar os seus aumentos de custo e a economia girar a uma velocidade menor, chega ao seu limite. Nessa situação, ele propõe uma alta mais forte, de até 20%, em uma só tacada. O varejo não aceita e, para pressionar, deixa de comprar o produto por algum tempo - explicou Tingas.
No rio, reajuste de funcionários
O presidente da Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Aylton Fornari, destaca que a alta dos preços dos produtos coincide, no Rio, com a negociação salarial dos funcionários do setor.
- O aumento que chega, infelizmente, a gente tem que repassar, não há alternativa. Na cidade do Rio estamos no mês de negociação salarial, que aumenta nossos custos. Se não fecharmos o acordo salarial em maio, será em junho, mas com efeitos retroativos a 1º de maio - diz.
O embate na definição dos preços entre fabricantes e supermercados ganha força em momentos de atividade econômica fraca, destaca Nelson Barrizzelli, consultor de varejo e professor da USP.
Os donos das grandes marcas são os que negociam de forma mais intensa, sobretudo se comparados aos produtores de alimentos in natura . A explicação é simples: o consumidor quer aqueles produtos nas gôndolas. Além disso, Nuno Fouto, do Programa de Administração de Varejo da Fundação Instituto de Administração (Provar-Fia), lembra que essas grandes marcas, quase todas multinacionais, têm equipes treinadas para a negociação.
- É uma queda de braço pesada. De um lado estão os donos das marcas que têm de estar nas gôndolas. Do outro, estão os que compram os maiores volumes.
Um executivo do setor de supermercados destaca que em alguns casos a concentração do mercado torna quase impossível para o varejo mudar de fornecedores. Ele citou como o exemplo o mercado de carnes, onde há alguns anos havia oito a dez grandes fabricantes. Hoje, são só dois grupos de peso no setor.
A inflação já afeta os resultados de grandes empresas do setor de consumo. A fabricante de bebidas Ambev, a empresa de cosméticos Natura e a gigante de carnes BRF acusaram esse cenário no primeiro trimestre, quando tiveram receitas, margens e lucros menores que o esperado.
- Estamos preocupados que o mercado interno está com grande dificuldade de absorver volumes. Tenho preocupação com o consumidor se perdurarem estes níveis de inflação alta - disse José Antônio do Prado Fay, diretor-presidente da BRF, na divulgação do balanço da empresa a analistas.
Procuradas, as associações da indústria alimentícia (Abia), de produtos de limpeza (Abipla), e de supermercados (Abras e Apas), não se pronunciaram.
Fonte: O Globo