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Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
quinta-feira, 3 de julho de 2008
QUERIA A LUA
Clóvis Rossi
Clóvis Rossi
PARIS - O título de hoje é roubado de Pietro Ingrao, veteraníssimo comunista italiano (93 anos), ex-presidente da Câmara dos Deputados. Seu livro "Pedía la Luna" está sendo lançado agora na Espanha, depois de ter saído na Itália.
Explica o título o próprio Ingrao, em entrevista publicada sábado por Babélia, o suplemento cultural do jornal "El País": "Na minha terra [Lenola, região do Lázio], nas grandes noites estreladas de verão e primavera, dá a impressão de que se pode pegar a Lua, quando sai entre as montanhas. Quando pequeno, queria pegá-la, como contei em um livro."
"Uma noite, na hora de ir para a cama, não queria fazer pipi, como fazia sempre, e minha mãe, um pouco desesperada, chamou meu pai, que me disse, brincando: O que você quer de presente para fazer pipi? Olhando pela janela na direção do vale e das montanhas, vi a Lua brilhando sugestivamente e lhe disse: Quero a Lua".
"Assim, a Lua se converteu em símbolo de algo muito bonito que não se consegue agarrar."Ingrao cresceu e escolheu uma nova Lua para perseguir: o comunismo como "símbolo de algo muito bonito". Pode-se odiar a sua escolha, que ele, aliás, admite ter sido um fracasso.
Mas não dá para negar que o mundo moderno tornou-se esquivo demais à busca da Lua, qualquer Lua.
Há muita gente, suponho, que tem lá suas "luas" individuais ou coletivas. O time de futebol da Espanha que acaba de ganhar a Eurocopa, após 44 anos, assumiu um slogan mercadológico e provou que "impossible is nothing".
O que quero dizer é que no mundo político -e, por extensão, na administração de países, cidades, Estados, regiões-, já não se vê ninguém querendo agarrar a Lua. Na melhor das hipóteses, administram o possível, nada mais. Talvez, se quisessem a Lua, iriam algo além do possível.
Talvez.
DEU EM O GLOBO
A VERDADEIRA INJUSTIÇA
Merval Pereira
Merval Pereira
Vivemos no Brasil tempos de indefinição de valores, de redução da política e desmoralização do Congresso como instituição, situação que gera um mal-estar difuso que não permite ter-se esperança de mudança dentro das atuais regras do jogo eleitoral. As coligações partidárias não respeitam programas nem se baseiam em propostas, o que conta é o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Nos Estados Unidos, como a propaganda política é paga a preços de mercado, não tem subsídios. Cada candidato, ou os movimentos da sociedade civil que os apóiam, tem que pagar por seu tempo de propaganda, o que exige a arrecadação de um montante imenso de dinheiro para o financiamento da campanha, mesmo que se use o financiamento público.
O virtual candidato democrata Barack Obama, por exemplo, abriu mão de usar o dinheiro público porque tem condições de bancar sua campanha com a doação de seus eleitores. Há estimativas de que conseguirá arrecadar nessa segunda parte da campanha eleitoral até U$500 milhões. Por isso, lá, ter maior arrecadação e poder fazer mais propaganda de seu programa é sinal de força política, de grande apoio entre os eleitores.
No Brasil, com o acesso gratuito garantido a todos os partidos que apresentem candidatos, o tempo de televisão virou um ativo político nas coligações, mas também um fator de desorganização partidária, de redução dos acordos políticos a um toma lá alguns minutos, me dá cá alguns cargos na futura administração.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ao se colocar contra a divulgação das listas com os nomes dos candidatos que respondem a processos, embora queira evitar injustiças, está pondo mais um obstáculo num processo que se desenvolve há anos dentro da Justiça Eleitoral para evitar que o mandato parlamentar seja utilizado como proteção a criminosos ou trampolim para novas falcatruas.
Com essa situação se agravando, surgiu como uma esperança de renovação do quadro político a decisão dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) de vetar a candidatura de pessoas que respondam a processos, mesmo os que não tenham tido o caso julgado em última instância, como determina a Lei das Inelegibilidades.
A chegada à presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do ministro do Supremo, Carlos Ayres Britto, defensor dessa tese, fez supor que finalmente aquele tribunal superior adotaria o procedimento que, a muito custo, o presidente do TRE do Rio de Janeiro, Roberto Wider, havia conseguido disseminar entre seus colegas juízes eleitorais.
No primeiro embate, porém, prevaleceu a antiga tese de que a vida pregressa do candidato não poderia ser motivo para rejeição de candidaturas. Embora tenha sido uma decisão administrativa, que não tem poder de imposição, é previsível que no julgamento de casos concretos o TSE seguirá essa mesma norma.
Uma alternativa na tentativa de manter a opinião pública informada sobre os candidatos que respondem a processo foi encontrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que decidiu colocar em seu site na internet a informação sobre todos os processos a que candidatos respondem, em cada estado da federação.
O presidente da AMB, Mozart Valadares, não desistiu de divulgar as listas dos candidatos com "ficha suja", mesmo depois que o presidente do Supremo, ministro Gilmar Mendes, fez declaração pública enfática contra essa decisão, classificando-a como "populismo judicial". Para evitar injustiças, perigo levantado pelo presidente do Supremo, a AMB resolveu que não divulgará qualquer processo, mas apenas aqueles relacionados ao exercício do mandato parlamentar que não se refiram à expressão de opinião.
Todos os atuais parlamentares, e os que já foram, terão relacionados os processos em que estão envolvidos devido à sua condição de representante público, seja desvios de verbas, contas rejeitadas, qualquer processo criminal. Não está esclarecido se os candidatos de primeira vez serão também relacionados a eventuais processos que respondam.
O ministro Gilmar Mendes chamou a atenção para o fato de que é muito fácil montar um processo contra um adversário político para inviabilizá-lo. Esse seria um dos perigos de se cometer uma injustiça com a divulgação de listas como essas.
Em primeiro lugar, não deveria ser tão fácil assim "armar" um processo contra alguém, e é o caso de perguntar por que os responsáveis pelo sistema judicial brasileiro não fazem uma legislação que impeça tal prática. Por outro lado, as "armações" poderão ser denunciadas pelos atingidos.
O que o presidente da AMB, Mozart Valadares, contesta é a proibição de divulgação de informações públicas sobre os candidatos, alegando que esse é um direito de informação dos eleitores que precisa ser incentivado.
A divulgação das listas será um reforço à decisão dos TREs de continuar rejeitando o registro de pessoas que respondem a processo, criando-se um ambiente hostil a esses, inclusive nos partidos políticos. É previsível que pessoas nessa situação comecem a encontrar uma acolhida menos amigável nos partidos políticos, a exemplo do que já acontece nos Democratas, que decidiu oficialmente não aceitar candidatos que respondam a determinados tipos de processos.
Enquanto não existe uma lei determinando os limites dessa exclusão, caberá a cada partido, e a cada órgão que resolva divulgar as listas, determinar que tipos de crime merecem o veto, ou merecem ser revelados. De qualquer maneira, criar um clima hostil ao recebimento de candidaturas que não passem no crivo da moralidade e da probidade administrativa já é um passo para dificultar-lhes o acesso a um mandato parlamentar que os protegeria de responder por seus processos. Isso, sim, uma verdadeira injustiça.
DEU EM O GLOBO
O REAL, DE FH A LULA
Carlos Alberto Sardenberg
Carlos Alberto Sardenberg
Pode parecer inoportuno celebrar os 14 anos do Real quando todos aqui estão inquietos com a inflação. Mas mesmo o teor dessa inquietação justifica a comemoração.
A inflação está passando dos 4,5% do ano passado (medida pelo IPCA) para algo entre 6% e 6,5%, conforme a expectativa dominante hoje. Essa alta de dois pontos, em apenas um ano, é um problema dos grandes. Mais ainda quando se lembra que a inflação de 2006 foi de comportadíssimos 3,1%.
Mas o contexto faz toda a diferença. Na era pré-Real, a estabilidade já havia sido conquistada pelos países emergentes mais importantes. Apenas o Brasil vivia com inflação alta e crônica.
Hoje, entre os quatro emergentes mais importantes - Brasil, Rússia, Índia e China, o grupo BRIC - a menor inflação é a brasileira, rodando na casa dos 5,5% anuais. A Rússia está em torno dos 15%, a China e a Índia, um pouco abaixo dos 8%.
Além disso, a inflação é hoje uma questão mundial, atingindo também os países desenvolvidos, onde a alta de preços tolerada é de 2% ao ano. Nos EUA, os índices cheios apontam inflação anual acima dos 4%. Na Zona do Euro, 3,7%. Na Inglaterra, 3,3%, a maior em muitos anos.
Mas, se a questão é mundial, a natureza da atual crise inflacionária é bem diferente daquela vivida nos anos 70 e 80. Naquela época, houve vários episódios de hiperinflação nos países emergentes. Nos desenvolvidos, a alta de preços chegou aos 15%.
Hoje, aqui no Brasil, estamos lidando com uma inflação anual de 6%, algo que, antes do Real, o país chegava a fazer em uma semana, e sem nenhum esforço.
Resumo da ópera: a inflação atual ocorre em um país com estabilidade macroeconômica e cuja política econômica detém os instrumentos para combater a tempo a alta de preços.
O principal é o Banco Central, independente na prática e que opera, com sucesso, o regime de metas de inflação, introduzido em 1999 no FHC-2 e reforçado no governo Lula. Eis um sinal de estabilidade: da equipe econômica de Lula, o único titular que está lá desde o primeiro dia é Henrique Meirelles, presidente do BC.
Mais ainda: o atual ciclo de alta de juros é o terceiro promovido pelo BC de Lula.
Nos dois anteriores, conseguiu trazer a inflação para a meta central, de 4,5%.
O movimento dos juros nos últimos cinco anos e meio mostra o caminho da estabilidade. O BC de Lula aumentou a taxa básica de juros em sua primeira reunião, em janeiro de 2003, para 25,5%. Seguiu puxando até 26,5%, o pico da atual gestão. O primeiro ciclo de baixa iniciou-se em julho de 2003 e durou nove meses. Em abril de 2004, a taxa chegou a 16%.
Voltou a subir em setembro daquele ano, numa situação parecida com a atual. Atividade econômica muito aquecida (o PIB de 2004 subiria 5,7%, recorde do governo Lula), com a capacidade de produção insuficiente, gerando inflação.
Em maio de 2005, o BC colocou a taxa de juros em 19,75% e aí estacionou por quatro meses. Em setembro, começou um longo processo de redução, que durou exatos dois anos. Em setembro de 2007, a taxa chegou a 11,25%, o nível mais baixo da era Lula. Voltou a subir em abril deste ano e, segundo a expectativa de mercado, deve chegar a 14,25% antes de dezembro.
Verifica-se que, a cada movimento de alta, o pico é menor. E o vale, mais baixo. Continuando assim, a inflação atual cede em algum momento entre o final deste ano e o início do próximo, quando o BC iniciaria mais um ciclo de redução de juros.
Mas a estabilidade macroeconômica do Real tem ainda outras duas pernas. A primeira está no controle das contas públicas (superávit primário para alcançar a meta de redução do endividamento), tudo obtido com a Lei de Responsabilidade Fiscal, os acordos que equacionaram as dívidas de estados e municípios e a privatização dos bancos estaduais perdulários. A segunda perna é o câmbio flutuante, introduzido em janeiro de 1999.
Foi um mérito do presidente Lula ter mantido esse conjunto e avançado na construção da estabilidade, especialmente com a compra de dólares que levou as reservas a US$200 bilhões e resolveu a questão da dívida externa.
Uma pena que não tenha aproveitado o momento excepcional para avançar na estabilização, com a contenção do gasto público e a eliminação da vulnerabilidade representada pela dívida interna.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
A CULPA É DOS OUTROS
Rolf Kuntz*
O presidente Lula garante: há gente torcendo pela inflação "para ter um discursinho para atacar o governo". Essa gente, segundo ele, há três anos não tem assunto para criticar o governo.
Rolf Kuntz*
O presidente Lula garante: há gente torcendo pela inflação "para ter um discursinho para atacar o governo". Essa gente, segundo ele, há três anos não tem assunto para criticar o governo.
"Quem torce para este País não dar certo simplesmente vai quebrar a cara. Se não fosse presidente da República, ia dizer quebrar outra coisa." Podia ter dito. Isso não faria muita diferença e não tornaria menos patético o palavrório presidencial. O discurso é velho, tem sido muito usado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não foi inventado por ele e não revela muita criatividade.
A seqüência das afirmações é típica. Primeiro, alguém se alegra porque alguma coisa vai mal e isso representa munição para usar contra o governo. Depois, há um deslizamento, uma espécie de contrabando conceitual: o adversário do governo é inimigo da Pátria. Pode ser o Brasil. Pode ser outro país. Foi assim no tempo dos militares, na época do "ame-o ou deixe-o". Foi assim no nazismo e em regimes autoritários de vários matizes. O padrão se repete com o governo petista.
O discurso de Lula fica a um passo de atribuir a esses adversários, inimigos do Brasil, a responsabilidade pela inflação crescente. Ele não completa a seqüência, mas não renuncia a uma insinuação: "Se tem alguém especulando com a expectativa inflacionária..."O governo está aí para enfrentar o perigo e salvar o Brasil, assegura o presidente.
Não diz como agirá, mas promete não permitir o retorno da inflação. De onde vêm as pressões?
Quando se trata de esclarecer esse ponto, ele se limita, por enquanto, a pôr a culpa nos de fora - além, naturalmente, de plantar aquela insinuação contra inimigos internos nunca nomeados com suficiente clareza.Alguém mostrou a Lula, recentemente, uma informação jornalística sobre especulação com alimentos, petróleo e outros produtos básicos.
Ele somou os dados e montou um discurso confuso, mas convincente para um certo tipo de auditório, misturando a crise imobiliária, as perdas bancárias no mundo rico, a atuação do banco central americano (o Federal Reserve, Fed) e as ações e omissões das autoridades americanas e européias.
Usou esse material na reunião de cúpula do Mercosul, na cidade argentina de Tucumán, e no lançamento do plano de safra, em Curitiba. Sobrou pancada também para o Fundo Monetário Internacional (FMI) e para outras instituições multilaterais: acusou-as de minimizar os problemas e de poupar de críticas os países mais poderosos.
Além disso, há uma tentativa, segundo Lula, de jogar a culpa nas economias emergentes produtoras de alimentos e de combustíveis. Já houve teorias conspiratórias bem melhores, mas essa pode servir muito bem ao público disposto a levar a sério o palavrório de Lula.
Esse público não deve estar muito interessado nos fatos. Em outubro do ano passado, na assembléia anual do FMI e do Banco Mundial (Bird), a maior parte dos debates e pronunciamentos tratou da crise imobiliária e bancária e dos aumentos de preços de alimentos, de petróleo e de outros produtos básicos. Economistas do FMI chamaram a atenção não só para os fundamentos do mercado, mas também para a especulação no setor de commodities, convertidas em ativos financeiros.
Em maio, ao depor no Congresso americano, Michael Masters, diretor de um fundo de hedge, apenas detalhou informações correntes sobre a onda especulativa nas bolsas de mercadorias.Na reunião de outubro, o presidente do Bird, Robert Zoellick, dedicou a maior parte de seus pronunciamentos à situação dos países pobres importadores de comida.
Anunciou ações de emergência e lançou uma convocação aos governos - incluído o brasileiro - em condições de socorrer as populações mais necessitadas. O novo diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, defendeu ações imediatas de ajuda aos países pobres importadores de alimentos.
Esse tipo de ação, segundo Strauss-Kahn, seria perfeitamente compatível com as normas de trabalho do Fundo, porque a crise produz, entre outras conseqüências, problemas de balanço de pagamentos. Nesta semana, a instituição divulgou estudos sobre os danos causados aos países mais pobres pelo encarecimento da comida e do petróleo. O FMI já iniciou programas de auxílio.
E o governo brasileiro?
Por enquanto, Lula e seus ministros se limitam a discursar contra a inflação e a proclamar um aperto fiscal inexistente. Na prática, a despesa do governo continua abrindo espaço às pressões inflacionárias. A única ação efetiva contra o surto de inflação, no Brasil, continua sendo a política de juros do Banco Central. O resto é conversa.
*Rolf Kuntz é jornalista
DEU EM O GLOBO
INGRID LIVRE!
Míriam Leitão
O tempo amanheceu fechado ontem em Bogotá. De tarde, o sol abriu como se até o clima comemorasse a grande notícia: Ingrid Betancourt, enfim, livre! Alvaro Uribe fica muito forte depois disso. Ele libertou, a seu modo, o principal trunfo dos terroristas. Hoje o presidente da Colômbia já tem 84% de popularidade, mas, se usar isso como munição pelo terceiro mandato, terá se igualado ao seu inimigo: Hugo Chávez.
Míriam Leitão
O tempo amanheceu fechado ontem em Bogotá. De tarde, o sol abriu como se até o clima comemorasse a grande notícia: Ingrid Betancourt, enfim, livre! Alvaro Uribe fica muito forte depois disso. Ele libertou, a seu modo, o principal trunfo dos terroristas. Hoje o presidente da Colômbia já tem 84% de popularidade, mas, se usar isso como munição pelo terceiro mandato, terá se igualado ao seu inimigo: Hugo Chávez.
À tarde, quando o sol abriu, o quadro político se desanuviou também. "A paz na Colômbia é possível", disse a ex-senadora, na sua primeira mensagem ao país. Mas ainda há um enorme caminho até a paz. Existem milhares de outros seqüestrados nas mãos dos terroristas das Farc, do Exército de Libertação Nacional e dos Paramilitares. Os Para são milícias que surgiram inicialmente para combater os terroristas, mas que depois passaram a se dedicar também ao tráfico de drogas.
Uribe foi criticado por não negociar, por não atender às exigências das Farc. As críticas vieram da família de Ingrid, do presidente da França e, obviamente, do presidente Chávez, que garantia ter outro caminho para libertá-la, mas Uribe decidiu manter seu plano e seu estilo. A operação foi arriscada: infiltrar no secretariado das Farc e preparar o resgate sem mortos. Quando o ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, anunciou que os reféns estavam "voando, livres, sãos e salvos", a Colômbia parou, o mundo parou um breve momento que fosse só para comemorar a extraordinária notícia, pela qual tantos sonharam tanto tempo. Um pouco antes, dentro do helicóptero, segundo relatou Ingrid, eles ouviram as palavras mágicas: "Somos o Exército Nacional. Vocês estão livres!"
É uma vitória da causa humanitária, e da família de Ingrid, que nunca desistiu. "Ganhamos uma batalha pela liberdade", afirmou Lorenzo, o filho, ao lado da irmã Melanie. O presidente Nicolas Sarkozi também se disse vitorioso e agradeceu a ajuda: de Chávez, Uribe, Argentina, Espanha e Suíça. "Todos os que nos ajudaram em algum momento." Seu discurso foi construído como se tivesse sido o processo de negociação, e não a operação de inteligência militar, o responsável pela libertação. Uma operação que não provocou baixas, e que Ingrid definiu, com veemência, em duas línguas, como "perfeita".
As Farc estão enfrentando seu pior momento em 44 anos de luta. Perderam recentemente o maior comandante, Manuel Marulanda, o Tirofijo. Perderam o secretário Raúl Reyes. Perderam as informações comprometedoras, que estavam no computador de Reyes e que mostram a ligação entre os terroristas e alguns governos vizinhos. E estão perdendo gente diariamente. As deserções já chegam a dois mil terroristas que aceitaram as propostas feitas pelo governo da Colômbia de indulto e reinserção na vida civil do país.
Uribe tem muito a comemorar, mas também tem problemas. Na área política, os constrangimentos causados pelas acusações de que deputados da sua base têm ligações com os paramilitares, igualmente fora-da-lei. Trinta dos deputados já estão presos pelas fortes evidências de que foram financiados pelos Para. Ao todo, 60 deputados são acusados de serem da bancada dos paramilitares. Outro problema de Uribe é o "Caso Yidis", a deputada que confessou ter recebido dinheiro para votar a favor da reeleição dele. Hoje ela está presa. Para ter um terceiro mandato, Uribe tem que passar por esse Congresso desmoralizado e enfrentar o único poder que tem alguma independência: a Justiça.
Apesar da vitória militar sobre os terroristas, o presidente colombiano não tem avançado sobre outro grande inimigo: o tráfico de drogas. A ONU informou que a área de plantio de drogas tem se ampliado na Colômbia. Na economia também, Uribe começa a ter reveses: a inflação já está em 7% no ano, o forte ritmo de crescimento está se reduzindo, em parte, pela crise na economia americana; maior mercado do país.
Um artigo publicado no jornal "El Nuevo Herald", de autoria de Andrés Oppenheimer, afirma que a maioria dos analistas políticos da Colômbia acredita que Uribe, sim, quer um terceiro mandato.
Uma das provas disso é o fato de seu partido já ter começado a reunir os dois milhões de assinaturas para fazer um referendo e "o partido de Uribe jamais tomaria uma decisão dessas sem a luz verde do presidente". O texto vai além e afirma que "se Uribe mudar a Constituição para voltar a concorrer, estará enfraquecendo as instituições colombianas e perderá toda sua autoridade moral para criticar presidentes autoritários como Chávez". É exatamente isto: não haverá diferença entre ele e Chávez se tentar essa manobra continuísta.
O cientista político Felipe Botero, ouvido ontem pela Débora Thomé, em Bogotá, ressaltou que as Farc estão com baixíssima popularidade na Colômbia e que o presidente hoje poderá amanhecer com 90% de aprovação. Uribe está sendo visto como o pacificador da Colômbia.
Foi uma longa noite na vida de Ingrid Betancourt. Uma militante verde, numa época em que ambientalistas ainda eram chamados de "ecochatos", que queria apenas aproveitar a campanha eleitoral para promover idéias do seu partido, "Oxigênio Verde". Acabou sendo o maior trunfo, a maior moeda de troca, de um truculento grupo terrorista. Só ela sabe o que viveu. Mas viveu para ver que se tornou um símbolo da liberdade nos quatro cantos do mundo. Viveu para hoje de manhã reencontrar os filhos.
NELSON MANDELA DE SAIAS
Eliane Cantanhêde
Eliane Cantanhêde
BRASÍLIA - Coincidências existem? Nem sempre. Ou quase nunca. Ninguém nos EUA havia entendido muito bem a ida de John McCain para a Colômbia em plena campanha eleitoral americana. E agora ninguém no Brasil (e provavelmente no resto do mundo) entende por que ele estava no país justamente no dia em que Ingrid Betancourt foi libertada de um cativeiro de mais de seis anos, junto com três americanos do Departamento de Defesa.
Será mesmo pura coincidência?
McCain é republicano, como o presidente George W. Bush. O presidente da Colômbia, Alvaro Uribe, é o maior aliado, politico, econômico e sobretudo militar dos EUA em toda a América do Sul. E as operações de inteligência que libertaram os reféns foram, como de resto são todas as demais, combinadas entre Bogotá e Washington.
Como detalhe: McCain está atrás do democrata Barack Obama nas pesquisas da eleição norte-americana, precisa de "mágicas". E muito mais do que mero detalhe: Uribe foi eleito quando Ingrid Betancourt era candidata e acabou seqüestrada pelas Farc, já foi reeleito e está todo alvoroçado para introduzir de fato o terceiro mandato consecutivo no continente.
Se a libertação de Clara Rojas e de Consuelo Gonzalez em janeiro foi uma super-vitória do venezuelano Hugo Chávez, a de Ingrid Betancourt fica na conta de Uribe, com um enorme saldo político e eleitoral num momento chave da Colômbia e dos EUA.
Mas, de outro lado, Uribe passa a conviver com um belo e provocante fantasma contra o continuismo: a própria Ingrid, que surge do cativeiro como um Nelson Mandela de saias. Ela já deixou claro que quer ser candidata.
O resto da história ainda precisa ser muito bem contado, na base do quem, como, onde e, principalmente, por que. E, afinal, que raios McCain estava realmente fazendo na Colômbia?
DEU NO VALOR ECONÔMICO
SERRA NÃO NADARÁ NUM MAR DE ROSAS
Maria Inês Nassif
Há algo mais do que um simples racha entre PSDB e DEM no ar poluído da capital paulista. A candidatura à reeleição do prefeito Geraldo Kassab (DEM) é um ingrediente novo num cenário onde há 15 anos três partidos - o PSDB, o PT e o PP (ou seja qual for o nome do partido do ex-prefeito Paulo Maluf) - monopolizam as atenções do eleitor. Kassab interrompe o que tem sido uma gradativa e natural transferência para o PSDB dos votos mais à direita, historicamente destinados a Maluf, ao entrar diretamente na disputa por esse eleitorado; e o candidato tucano, Geraldo Alckmin, além de deixar de ser o caminho natural para o eleitor malufista, tem dificuldades de acesso ao eleitorado mais à esquerda e ao voto de periferia, que teria de disputar com Marta Suplicy (PT).
Em 2004, PSDB e DEM estavam juntos, com o hoje governador José Serra (PSDB) na cabeça de chapa e Kassab na vice. Serra, com um perfil mais à esquerda do que o DEM e com um eleitorado forte ao centro, conseguiu com a aliança também agregar votos à direita e vencer as eleições. Em outubro próximo, DEM e PSDB não apenas serão concorrentes, mas terão candidatos com um perfil ideológico muito semelhante.
Em 2000, quando era vice-governador e candidatou-se a prefeito, Alckmin conseguiu ser o maior beneficiário do esvaziamento do eleitorado malufista. Maluf foi seriamente atingido pelo catastrófico mandato de seu apadrinhado, Celso Pitta (1996-2000). Segundo estudo de Fernando Limongi e Lara Mesquita, 27% dos eleitores que votaram em Maluf em 1996 transferiram seu votos para o PSDB na eleição seguinte ("Disputa por votos malufistas deve marcar eleições à prefeitura de São Paulo", Cristiane Agostine, Valor, 29/10/2007). A partir de então, a polarização entre PT e Maluf na capital paulista cedeu espaço ao PSDB. Em 2000, Marta Suplicy obteve 38,01% dos votos no primeiro turno, e o então PPB de Paulo Maluf, com 17,35%, foi para o segundo turno com uma distância de apenas 0,14 pontos percentuais sobre o PSDB. Nas eleições de 2004, vencidas, enfim, pelo tucano José Serra, o PSDB teve 43,56% no primeiro turno, contra 35,82% de Marta Suplicy. Maluf veio em distante terceiro lugar, com 11,92% dos votos.
A soma dos votos da classe alta e a manutenção de parcela do eleitorado ex-malufista, de classe média conservadora (que deu acesso dos tucanos à periferia de São Paulo), pode ter sido determinante para a vitória de Serra. Foi determinante, contudo, não ter ninguém concorrendo em sua faixa de eleitorado e conseguir avançar sobre os votos conservadores. O hoje governador conseguiu votos à direita sem ter uma firme rejeição do eleitorado de centro-esquerda, onde disputava votos com o PT.
Alckmin e Kassab disputam mesmo voto
Essas eleições concentram candidatos à direita na capital paulista - Kassab, Alckmin e o próprio Maluf, que nas pesquisas ainda exibe 8% das intenções de voto. Os votos conservadores estão rachados e qualquer dos dois candidatos depende de polarizar com a petista Marta Suplicy para ter chances de ir ao segundo turno. Ser uma alternativa viável à petista arregimenta votos à direita, que tende a exercer o voto útil contra o candidato de esquerda.
Se Alckmin conseguir isso, ainda terá de superar suas dificuldades de acesso aos votos de periferia. Aí o PT tem superioridade porque foi o alvo preferencial da administração petista, ainda na memória recente; e porque tem beneficiários dos programas sociais do governo Lula. No segundo turno das eleições de 2002, quando disputaram a Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra, a diferença de votos dados aos dois na cidade foi mínima - 48,94% para o tucano e 51% para o petista, o que representou escassos 167 mil votos. Na Zona Leste, Serra levou uma surra de Lula: em Sapopemba, Itaim Paulista e Guaianazes, o presidente obteve 60% dos votos. Kassab, candidato à reeleição, retomou programas do governo de Marta e governou para a classe média - isso lhe dá possibilidade maior de acesso ao eleitor pobre e pode atrair os eleitores ricos, onde os tucanos exercem a hegemonia.
Marta ainda pode crescer na periferia. Lá, é mais forte a atuação de movimentos sociais, que tendem a exercer o seu voto útil no PT; os programas sociais do governo federal são em maior número; e parcela do petismo local compete ativamente com a política de clientela liberada do malufismo.
Com o PT com preferência consolidada na população pobre e o PSDB na população rica, os votos da classe média conservadora, malufista ou ex-malufista, são fundamentais para qualquer candidato que dispute com Marta. É difícil, nessa circunstância, imaginar que durante toda a campanha as relações entre Kassab e Alckmin serão cordiais - na verdade, eles estarão competindo fundamentalmente um com o outro, junto ao mesmo eleitorado, para disputar o segundo turno. Alckmin, que fez da sua candidatura a maior pedra no sapato do governador José Serra - cuja aliança em torno da reeleição de Kassab consolidaria, por si, o apoio à sua candidatura em 2010 - pode ser um complicador maior ainda, quando a disputa eleitoral exigir um ataque frontal ao candidato do DEM. A vida de Serra não vai ser um mar de rosas.
Maria Inês Nassif
Há algo mais do que um simples racha entre PSDB e DEM no ar poluído da capital paulista. A candidatura à reeleição do prefeito Geraldo Kassab (DEM) é um ingrediente novo num cenário onde há 15 anos três partidos - o PSDB, o PT e o PP (ou seja qual for o nome do partido do ex-prefeito Paulo Maluf) - monopolizam as atenções do eleitor. Kassab interrompe o que tem sido uma gradativa e natural transferência para o PSDB dos votos mais à direita, historicamente destinados a Maluf, ao entrar diretamente na disputa por esse eleitorado; e o candidato tucano, Geraldo Alckmin, além de deixar de ser o caminho natural para o eleitor malufista, tem dificuldades de acesso ao eleitorado mais à esquerda e ao voto de periferia, que teria de disputar com Marta Suplicy (PT).
Em 2004, PSDB e DEM estavam juntos, com o hoje governador José Serra (PSDB) na cabeça de chapa e Kassab na vice. Serra, com um perfil mais à esquerda do que o DEM e com um eleitorado forte ao centro, conseguiu com a aliança também agregar votos à direita e vencer as eleições. Em outubro próximo, DEM e PSDB não apenas serão concorrentes, mas terão candidatos com um perfil ideológico muito semelhante.
Em 2000, quando era vice-governador e candidatou-se a prefeito, Alckmin conseguiu ser o maior beneficiário do esvaziamento do eleitorado malufista. Maluf foi seriamente atingido pelo catastrófico mandato de seu apadrinhado, Celso Pitta (1996-2000). Segundo estudo de Fernando Limongi e Lara Mesquita, 27% dos eleitores que votaram em Maluf em 1996 transferiram seu votos para o PSDB na eleição seguinte ("Disputa por votos malufistas deve marcar eleições à prefeitura de São Paulo", Cristiane Agostine, Valor, 29/10/2007). A partir de então, a polarização entre PT e Maluf na capital paulista cedeu espaço ao PSDB. Em 2000, Marta Suplicy obteve 38,01% dos votos no primeiro turno, e o então PPB de Paulo Maluf, com 17,35%, foi para o segundo turno com uma distância de apenas 0,14 pontos percentuais sobre o PSDB. Nas eleições de 2004, vencidas, enfim, pelo tucano José Serra, o PSDB teve 43,56% no primeiro turno, contra 35,82% de Marta Suplicy. Maluf veio em distante terceiro lugar, com 11,92% dos votos.
A soma dos votos da classe alta e a manutenção de parcela do eleitorado ex-malufista, de classe média conservadora (que deu acesso dos tucanos à periferia de São Paulo), pode ter sido determinante para a vitória de Serra. Foi determinante, contudo, não ter ninguém concorrendo em sua faixa de eleitorado e conseguir avançar sobre os votos conservadores. O hoje governador conseguiu votos à direita sem ter uma firme rejeição do eleitorado de centro-esquerda, onde disputava votos com o PT.
Alckmin e Kassab disputam mesmo voto
Essas eleições concentram candidatos à direita na capital paulista - Kassab, Alckmin e o próprio Maluf, que nas pesquisas ainda exibe 8% das intenções de voto. Os votos conservadores estão rachados e qualquer dos dois candidatos depende de polarizar com a petista Marta Suplicy para ter chances de ir ao segundo turno. Ser uma alternativa viável à petista arregimenta votos à direita, que tende a exercer o voto útil contra o candidato de esquerda.
Se Alckmin conseguir isso, ainda terá de superar suas dificuldades de acesso aos votos de periferia. Aí o PT tem superioridade porque foi o alvo preferencial da administração petista, ainda na memória recente; e porque tem beneficiários dos programas sociais do governo Lula. No segundo turno das eleições de 2002, quando disputaram a Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Serra, a diferença de votos dados aos dois na cidade foi mínima - 48,94% para o tucano e 51% para o petista, o que representou escassos 167 mil votos. Na Zona Leste, Serra levou uma surra de Lula: em Sapopemba, Itaim Paulista e Guaianazes, o presidente obteve 60% dos votos. Kassab, candidato à reeleição, retomou programas do governo de Marta e governou para a classe média - isso lhe dá possibilidade maior de acesso ao eleitor pobre e pode atrair os eleitores ricos, onde os tucanos exercem a hegemonia.
Marta ainda pode crescer na periferia. Lá, é mais forte a atuação de movimentos sociais, que tendem a exercer o seu voto útil no PT; os programas sociais do governo federal são em maior número; e parcela do petismo local compete ativamente com a política de clientela liberada do malufismo.
Com o PT com preferência consolidada na população pobre e o PSDB na população rica, os votos da classe média conservadora, malufista ou ex-malufista, são fundamentais para qualquer candidato que dispute com Marta. É difícil, nessa circunstância, imaginar que durante toda a campanha as relações entre Kassab e Alckmin serão cordiais - na verdade, eles estarão competindo fundamentalmente um com o outro, junto ao mesmo eleitorado, para disputar o segundo turno. Alckmin, que fez da sua candidatura a maior pedra no sapato do governador José Serra - cuja aliança em torno da reeleição de Kassab consolidaria, por si, o apoio à sua candidatura em 2010 - pode ser um complicador maior ainda, quando a disputa eleitoral exigir um ataque frontal ao candidato do DEM. A vida de Serra não vai ser um mar de rosas.
Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras
IMPERFEIÇÕES DEMOCRÁTICAS
Germano Rigotto
Germano Rigotto
O senso comum costuma perceber a democracia apenas em sua dimensão filosófica, o que se traduz na aceitação da dignidade da pessoa humana, da prevalência do bem comum, das liberdades individuais e públicas, do pluralismo e dos direitos naturais. Certamente, grande parte da sociedade e dos políticos incorpora esses preceitos.
Entretanto, democracia não se resume apenas a isso. Ela agrega também uma importante dimensão formal ou estrutural, na qual se encaixam o sistema eleitoral, os partidos, a regra do jogo político, o equilíbrio entre os poderes de Estado, dentre outros aspectos. A primeira dimensão, então, diz respeito à exigência de ideais elevados; a segunda, à necessidade de um ordenamento jurídico e de uma prática pública que transformem em realidade tais propósitos.
Ocorre que a democracia, assim como diz um ditado popular, não vive só de boas intenções. Ora, mesmo os mais retos desígnios perdem força dentro de um sistema eleitoral incoerente e injusto. E este, por sua vez, também perde significação quando faz emergir mandatários despidos das virtudes morais que a sociedade tanto preza. Portanto, a democracia, para merecer esse nome, exige essas duas simultâneas condições: ideais elevados e uma prática que estimule sua concretização no mundo dos fatos.
O mais difícil já foi conquistado pelo Brasil: temos, hoje, a majoritária adesão social e política ao ideário democrático. Todavia, em relação ao segundo passo - o da estruturação da democracia - ainda estamos em débito. Não é preciso ser especialista para notar que a esclerose institucional brasileira tem reduzido a vitalidade do tecido orgânico do Estado. Nosso sistema transforma os mandatos numa máquina de reeleição, mantém os eleitos distantes dos eleitores e vice-versa, não coaduna maioria parlamentar com governo, incita crises institucionais, dá margem ao fisiologismo, ao clientelismo e à corrupção e tende a aparelhar o Estado.
Bartolomeu de Gusmão, quando fazia suas experiências com balões, ia soltando, uma a uma, as amarras que os prendiam ao chão. Removida a última, o balão subia e iniciava sua trajetória rumo aos céus. O Brasil, depois do período ditatorial, soltou diversas de suas amarras. Muitas delas, porém, ainda continuam com um nó bem firme, atravancando o progresso da nação.
Removê-las exige coragem, espírito público e disposição para reorganizar o sistema político nacional. E, aí sim, nosso país poderá ir ainda mais além, tão longe quanto os balões de Gusmão.
*Ex-governador do Rio Grande do Sul
ESPECIAL PARA O BLOG
A INFLAÇÃO E O EXCESSO DE GASTOS DO GOVERNO
Jarbas de Holanda
Ainda sem afetar os altos índices de confiança no presidente, de 68%, e de aprovação do governo, 58%, o salto do sentimento de medo do conjunto da sociedade a respeito do crescimento da inflação – de 51% em março, para 65% agora, registrado na pesquisa do Ibope para a CNI divulgada anteontem, deve estar constituindo a principal preocupação de Lula às vésperas do início das campanhas para os pleitos municipais. E a pesquisa aponta outro indicador certamente agravante da preocupação – no julgamento do papel do governo diante do processo inflacionário, as taxas de aprovação, 51%, e desaprovação, 43%, inverteram-se em três meses, respectivamente, para as de 41% e 53%.
Jarbas de Holanda
Ainda sem afetar os altos índices de confiança no presidente, de 68%, e de aprovação do governo, 58%, o salto do sentimento de medo do conjunto da sociedade a respeito do crescimento da inflação – de 51% em março, para 65% agora, registrado na pesquisa do Ibope para a CNI divulgada anteontem, deve estar constituindo a principal preocupação de Lula às vésperas do início das campanhas para os pleitos municipais. E a pesquisa aponta outro indicador certamente agravante da preocupação – no julgamento do papel do governo diante do processo inflacionário, as taxas de aprovação, 51%, e desaprovação, 43%, inverteram-se em três meses, respectivamente, para as de 41% e 53%.
Quanto à percepção de Lula sobre a influência do aumento de preços na avaliação do governo e nos resultados eleitorais, foi mais uma vez evidenciada na entrevista de seu assessor e confidente mais próximo, Gilberto Carvalho, numa entrevista à Veja desta semana: o reconhecimento de que 90% da popularidade do presidente estão ligados ao desempenho da economia – centralmente à inflação baixa – e apenas 10% ao seu carisma pessoal. E é também essa percepção – já afirmada por ele ao escolher a dupla Antonio Palocci e Henrique Meirelles no primeiro mandato, e mantida até hoje com a preservação do segundo, de par com autonomia do BC – que tem representado um dos traços distintos entre o governo de Lula e o de Hugo Chávez, na Venezuela, ou o dos Kirchners, na Argentina.
Mas agora os efeitos combinados de fatores externos, que quase todos os ministros tratam de absolutizar, e dos internos (entre os quais a escalada de gastos públicos e de despesas da máquina governamental) que praticamente só o BC aponta e busca enfrentar, ademais das outras implicações econômicas e sociais que têm , disparam aumentos generalizados de preços, com repercussão maior nas classes de baixa renda. E com um potencial de erodir a popularidade do presidente, bem como de frustrar seu plano de grande vitória do lulismo nas eleições municipais, que deve levá-lo, enfim, a aplicar as reiteradas propostas que lhe veem sendo feitas por conselheiros informais (Delfim Netto, Antonio Palocci, Beluzzo) de uma efetiva contenção dos gastos públicos em geral e em particular das chamadas despesas correntes, turbinadas por inchaço da máquina, aumentos reais dos salários de várias categorias do funcionalismo e do Bolsa Família e por outras benesses eleitoreiras.
2010 em SP e BH e fragmentação partidária no Rio
Concluído o processo de formalização de alianças para o pleito municipal de outubro, as capitais paulista e mineira terão disputas condicionadas pelos principais projetos voltados à sucessão do governo federal. Nas duas composições feitas em torno dos projetos dos governadores José Serra e Aécio Neves, e em São Paulo também em torno da meta do presidente Lula de eleger como sucessor um candidato petista de sua indicação. O que não ocorreu no Rio, onde nem os projetos do PSDB e do lulismo e tampouco os de afirmação do DEM e do PMDB, articulados ou contrapostos, conseguiram prevalecer no alinhamento político-partidário. O prefeito César Maia, dos democratas, não viabilizou a aliança inicial buscada com o PMDB em torno da candidatura de Solange Amaral. Os peemedebistas, sob a nova liderança do governador Sérgio Cabral, cancelaram a composição tecida por Lula em torno de um candidato do PT e relançaram Eduardo Paes. O líder nas pesquisas, Marcelo Crivella, do PRB, começou a debilitar-se com os efeitos das mortes de três jovens do Morro da Providência, vinculadas a seu projeto “Cimento Social”. E a esquerda está dividida entre várias candidaturas – de Jandira Feglali, do PC do B, de Alessandro Molon, do PT, de Paulo Ramos, do PDT, e de Chico Alencar, do PSOL, além do que parte dela poderá votar em Fernando Gabeira, da coligação PSDB, PV, PPS.
Em São Paulo, Lula forçou a adesão do chamado bloquinho, PC do B, PSB, PDT, à candidatura de Marta Suplicy, viabilizando um palanque de esquerda no qual jogará seu forte peso político. José Serra, após a grande tacada da atração do PMDB de Orestes Quércia para a candidatura de Gilberto Kassab, do DEM (tendo em vista a construção de aliança para 2010), foi compelido – pelas pesquisas e pela maioria do PSDB – a dar apoio formal a Geraldo Alckmin, mas vai evidenciando que segue todo empenhado numa vitória do primeiro, só devendo caminhar de fato para respaldar o antecessor no governo estadual se for ele o adversário de Marta no segundo turno. Já em Belo Horizonte, o tucano Aécio Neves, mesmo com o sacrifício da presença formal do PSDB na aliança PSB-PT para a eleição de seu ex-secretário Márcio Lacerda, terá o comando da campanha deste. Com cuja provável vitória procurará afirmar a alternativa que propõe de uma candidatura presidencial situada além da confrontação com o presidente Lula e em possível aliança com partidos da base governista como o PMDB e o PSB.
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