sábado, 12 de julho de 2008

O QUE PENSA A MÍDIA
EDITORIAIS DOS PRINCIPAIS JORNAIS DO BRASIL
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DEU NO JORNAL DO BRASIL / IDÉIAS & LIVROS


SOCIEDADES EMBANANADAS
Leandro Konder


Pode não ser um termo muito científico, mas, para simplificar as idéias que vou expor, posso dizer que estamos vivendo numa sociedade embananada.

Não me refiro aqui à sociedade brasileira em sua singularidade, mas penso no modelo que nos está sendo imposto pelos países tidos como bem sucedidos.

Começando pelo problema das lideranças mundiais. Quais os nomes que marcaram as campanhas eleitorais nas últimas décadas? Lula, Collor, Fernando Henrique, Margaret Thatcher, Sarkozy, Boris Ieltsin, Bush, Vladimir Putin, Berlusconi. Não se pode dizer que a lista seja predominantemente animadora.

Uma pergunta se impõe: a chamada sociedade de massas de consumo dirigido tende a provocar uma mediocrização das lideranças? E uma relativização cínica dos valores éticos?

As coisas são interligadas. Tropeçamos, então, numa outra questão: podemos lutar por uma transformação econômica, política e cultural realmente significativa da nossa sociedade, forçando as desigualdades antidemocráticas a recuar e eventualmente até mesmo a desaparecer?

A direita está voltando a falar clara e francamente, dizendo que a pregação democrática da igualdade é demagógica. Essa sinceridade facilita o diálogo. Mas, ao traduzir os princípios teóricos em iniciativas práticas, os indivíduos mandam os escrúpulos às favas e repetem velhos macetes autoritários.

A sociedade de massas de consumo dirigido é a mediadora de uma aliança entre os produtores e difusores de produtos culturais, de um lado e, de outro, as forças que controlam o Estado. Tudo se organiza em função do mercado; tudo tende a se transformar em mercadoria.

O pensamento conceitual não tem como resistir e dá sinais de se engessar, de se petrificar. Cresce, inevitavelmente, o interesse pelas chamadas ciências paranormais.

Na França, terra da racionalidade iluminista, uma pesquisa revelou que 42% dos cidadãos franceses acreditam em telepatia; 36% acreditam em astrologia; e 33% acreditam em extraterrestres.

É evidente que seria absurdo combater essas crenças. Em geral, elas recuperam formas muito antigas de sabedoria marginalizada, que, no entanto, não perderam toda a sua riqueza significativa.

Os teóricos mais amplamente admirados, nas condições atuais, não são filósofos e não se propõem a fazer história. São escritores, cujas imagens críticas, sugestivas, relançam aspirações de algumas culturas da antiguidade.

Como integrar sujeitos individuais autônomos a uma comunidade forte? Como fortalecer na consciência das pessoas a capacidade de elas superarem sua finitude e aprenderem a viver com sabedoria a hora da morte?

No plano das aspirações, nós não avançamos muito, em comparação com os gregos, os egípcios, os chineses, os antigos judeus. A capacidade de acreditar profundamente em algumas coisas, ao contrário do que se pensa, não é histérica, não gera nenhum fanatismo. Para se desenvolver, contudo, é preciso nos desembananarmos.

O embananamento não é, com certeza, uma categoria científica ou filosófica. Quando examinamos, porém, o que está acontecendo com os Estados modernos, verificamos que, apesar das diferenças de problemas que eles enfrentam, esses Estados não têm contribuído suficientemente para uma sociedade justa. Os de cima anunciam vigorosas reformas, porém fracassam. E a violência aumenta.

Os Estados Unidos não correspondem exatamente ao que Thomas Jefferson pensava que viria depois dele. A relação entre liberais e democratas, na França, não conseguiu combinar na ação as idéias de Voltaire e Rousseau. A experiência da Rússia, depois de decretar o arquivamento do legado de Lênin, tenta superar sua crise ressuscitando (em vão) os discursos patrióticos de orgulho pelo passado glorioso.

Todos os eventuais governantes fazem o elogio das instituições em que trabalham, mas reclamam delas. Declaram seu respeito pelo quadro institucional vigente, mas não deixam de traí-lo. Dão ao povo o exemplo de violência retoricamente negada e, no entanto, praticada na clandestinidade.

Os anarquistas, acostumados às derrotas políticas na luta contra o Estado, estão rindo à toa.

DEU NO JORNAL DO BRASIL


O VOTO COM RAIVA
Villas-Bôas Corrêa

A campanha para eleições municipais de prefeitos e vereadores começou morna em quase todos os Estados, mas com índices expressivos da preferência por candidatos de perfil popular.

Salta aos olhos que o eleitor está cada vez mais desligado da atividade política, que se desenvolve longe do seu interesse. Uma grossa camada escura de decepções forra a cuca do dono do título eleitoral, esquecido na gaveta e utilizado para cumprir a obrigação que azeda uma fatia do domingo.

Pois está na hora de uma revisão crítica, de mudar de atitude e de tática e partir para uma reação que não exige mais do que uma sumária avaliação das causas da abulia. E, com um mínimo de informação pelos jornais, revistas, emissoras de rádio e de redes de TV virar pelo avesso o sofisticado alheamento pela raiva santa. Está na hora de votar despejando todo lixo que entope as coronárias e pode provocar um enfarte.

Não é tão difícil selecionar entre as centenas de espertalhões e velhacos que pedem o seu voto, a meia dúzia com ficha limpa e uma biografia de resistência ao descalabro moral que respinga nos três poderes.

Vamos a alguns exemplos, catados entre os mais recentes, sem que deva ser esquecida a safra de escândalos de um dos piores congressos da história deste país. Do mensalão, que ora reaparece com novos e picantes detalhes, ao caixa dois para o financiamento de campanhas. Da compra de ambulâncias superfaturadas; dos cartões corporativos utilizados pela turma de cima para compras de bijuterias, pagamento de refeições com vinhos caros, aluguel de automóveis de luxo com motorista.

Se o sangue começa a ferver nas veias, vamos adiante. Os abusos no Executivo e no Judiciário reclamam corretivo. A gastança de bilhões no desperdício com o inchaço da burocracia, escorre do Palácio do Planalto para o obeso ministério com mais de três dezenas de ministros e secretários. A toga não fica atrás com o luxo dos seus palácios, os altos vencimentos dos graúdos e as regalias dos privilegiados.

Mas é no Legislativo que o escândalo campeia com a desfaçatez de uma prática consagrada.

No espaço de uma geração, as câmaras de exemplar modéstia, com meia dúzia de servidores e os vereadores eleitos entre os líderes naturais da cidade para prestar um dever da cidadania, sem ganhar um centavo, passaram a disputar o campeonato dos abusos e irregularidades.

No excelente levantamento dos pesquisadores do site Transparência Brasil, publicado na edição do JB do dia 9, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, que já foi conhecida como Gaiola de Ouro, credencia-se a disputar o campeonato dos absurdos. Cada um dos 51 vereadores custa aos cofres da prefeitura, R$ 5,9 milhões em cada mandato, mais de R$ 900 mil do que o colega de São Paulo e o dobro da de Belo Horizonte. É longa a lista de irregularidades: 20 assessores para cada vereador, com suspeita de que os salários, que chegam a R$ 70 mil mensais, são rateados com o representante do povo carioca.

O Senado e a Câmara dos Deputados estão rateando vagas com titulares eleitos sem um único voto. O senador carrega na garupa o suplente, que ou é um parente próximo ou o financiador da campanha. Eleito, divide o exercício do mandato com o parceiro.

E na Câmara, com a convocação de suplentes já chegamos ao requinte de deputados eleitos sem voto.

Desde a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, que as dificuldades para acomodação em um canteiro de obras, desapertou com a solução das mordomias, que virou uma praga, a erva-daninha que se infiltra pelas brechas dos três poderes.

Nos tempos modestos do Senado no Monroe e da Câmara dos Deputados no Palácio Tiradentes, os senadores e deputados moravam no Rio com a família. Como todo mundo, menos em Brasília. A descoberta da mina de ouro das regalias, vantagens, mutretas mudou hábitos e costumes para a extravagância de milionários.

Às custas da Viúva, o parlamentar passa fins de semana na sua base eleitoral, com passagens pagas e R$ 15 mil da verba indenizatória para despesas. Gabinetes privativos, com servidores e verba para contratar assessores.

Paro aqui, no fim do espaço. Voltarei muitas vezes ao assunto até convencer o eleitor a votar com a raiva santa da indignação.

DEU EM O GLOBO


O EFEITO PF
Zuenir Ventura


Mesmo considerando os questionamentos que estão sendo feitos, insinuando excessos por um lado e favorecimentos por outro, há mais o que elogiar do que criticar na operação Satiagraha (quanto à operação Toque de Midas, não sei). De maneira geral, a Polícia Federal tem acertado mais do que errado. Em primeiro lugar, que outra instituição conseguiu no país a mesma credibilidade? Certamente não a PM, a Polícia Civil ou o Judiciário. Que força policial passa quatro anos investigando um caso? Não sei se há muitos servidores públicos em qualquer lugar do mundo capazes de recusar uma propina de US$1 milhão, como fez o delegado Victor Hugo, que teria de viver incontáveis vidas para ganhar o equivalente ao que lhe foi oferecido.

Mais preocupados com os efeitos colaterais do que com os principais, alguns denunciam os abusos formais e um certo exibicionismo da corporação, e isso deve ser combatido mesmo. Mas quem dera que esses fossem, por exemplo, os excessos das polícias militares. Um erro não justifica o outro, mas expor o ex-prefeito Celso Pitta de pijama na hora de ser preso ou algemar o banqueiro Daniel Dantas é evidentemente menos grave do que matar uma criança de três anos no Rio ou executar dois jovens rendidos em São Paulo, para citar apenas dois episódios recentes.

A PF está "espetacularizando" as operações, levando a mídia para acompanhar as prisões, acusam outros, e curiosamente escolhem para dizer isso em frente às câmeras, protagonizando entrevistas espetaculares. A chamada "sociedade de espetáculo" é o lugar ideal também para a suprema espetacularização de egos. Como diria Lula, nunca na nossa história juízes se manifestaram fora dos autos tanto quanto nestes últimos tempos. Presos algemados é uma prática antiga no Brasil. A novidade são os protestos e a indignação contra as imagens de agora (consta que até o presidente se irritou com elas). O que choca e causa indignação em autoridades do Judiciário e do Legislativo não são provavelmente as algemas, mas o seu uso indevido em pessoas de colarinho branco. Não combina. No Brasil, elas foram feitas para gente de pescoço preto. Democratizar o seu uso sem levar em conta a divisão de classes é uma subversão.

À PF o país vai ficar devendo também uma reação edificante da Justiça, conhecida pela morosidade de seus procedimentos. A celeridade com que o presidente do STF trabalhou esta semana, avançando pela noite para conceder um polêmico habeas corpus, foi extraordinária. Só não deve ter surpreendido o beneficiado, o banqueiro Daniel Dantas. Este nunca pareceu temer o que se passaria nessa alta instância. Medo mesmo, ele confessou à repórter Consuelo Dieguez, da revista "Piauí", só da Polícia Federal. Por essa afirmação e pelo gesto de recusa do delegado Vítor Hugo, a PF já mereceria respeito e admiração.

DEU NA FOLHA DE S. PAULO


GATILHOS EM LIBERDADE
Ruy Castro


RIO DE JANEIRO - Há duas semanas, na França, durante uma exibição militar pública num regimento de pára-quedistas da Infantaria em Carcasson, no sudoeste do país, um soldado carregou sua metralhadora com balas de verdade, em vez de munição apropriada. Disparou como era exigido e feriu 17 espectadores, entre os quais crianças, colegas de farda e seus parentes, alguns com gravidade.

O soldado foi preso no ato. O presidente Nicolas Sarkozy nem piscou: no mesmo dia, tomou um avião e voou para o local, para mostrar por que foi eleito. E, no dia seguinte, o chefe do Estado-Maior do Exército -um cargo quase de ministro, com pelo menos dez figurões na cadeia de comando entre ele e o soldado- demitiu-se. Se um soldado era capaz de tamanha negligência, a culpa era de todos que tinham permitido sua presença ali.

No Rio, domingo passado, um menino de três anos foi fuzilado dentro de um carro na Tijuca por dois policiais militares, na presença da mãe e do irmão menor, sob a suspeita de que o carro contivesse criminosos. O menino morreu. Os policiais serão presos, demitidos e talvez condenados por homicídio doloso, para servir de exemplo. Nenhuma autoridade superior se demitiu.

O carro estava parado e ninguém dentro dele reagiu quando o tiroteio começou. Mesmo assim, este continuou e houve tempo para impor 17 perfurações no carro. Há uma cultura entre nossos policiais de que o negócio é atirar primeiro e perguntar depois. Se esses gatilhos em liberdade forem a regra, alguém de cima precisa assumir a responsabilidade.

E, se não forem, é porque o comando não existe e qualquer soldado dispara contra quem e quanto quiser. Também neste caso, antes de exemplar os pés-de-chinelo, seus comandantes deveriam aparecer e assumir, no caso, sua irresponsabilidade.
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DEU NA FOLHA DE S. PAULO


ESPETÁCULO SEM PEDAGOGIA
Clóvis Rossi


OSAKA - Se já é difícil acompanhar, no Brasil, o prende-solta-prende de Daniel Dantas e demais famosos atingidos pela Operação Satiagraha, imagine do outro lado do mundo, com 12 horas de diferença horária (12 horas a mais aqui).


Escrevo à noite (aqui), mas de manhã (aí) e, portanto, há um dia inteiro para que o banqueiro e seus companheiros sejam soltos ou presos, dependendo da situação em que amanheceram aí.


Essa diferença horária torna até engraçada a chiadeira de leitores que ora atacam a Justiça, ora a Polícia Federal, quando uma prende e a outra solta Dantas (ou vice-versa), porque, quando é minha hora de ler a chiadeira, ela já foi atropelada pela prisão ou pela liberação do indigitado. À chamada "espetacularização" das ações da Polícia Federal corresponde a, digamos, "aceleração" da Justiça, ainda mais que Dantas não tem direito a foro especial que lhe permitiria recorrer diretamente ao Supremo.


Bem feitas as contas, tudo no Brasil tende ao espetáculo, o que não é necessariamente ruim. Ruim mesmo é o fato de que o espetáculo termina nele mesmo, sem produzir efeitos pedagógicos.


No caso específico de Daniel Dantas, por exemplo, passou completamente batido o fato de que ele foi beneficiado por uma flagrante ilegalidade autorizada -e até estimulada pelo governo federal. Refiro-me à venda da BrT (Brasil Telecom) para a Oi (antiga Telemar).


Foi feita contra a lei, mas na certeza de que a lei seria modificada.Dantas, diz a Folha, receberá mais de US$ 1 bilhão pelo negócio ilegal. Dessa bolada, já faturou R$ 139 milhões, devidamente transferidos (também ilegalmente) para o exterior.


Para o meu gosto, "espetáculo" mesmo seria, primeiro, o governo ser o principal guardião da lei, vetando e não estimulando negócios ilegais; segundo, pegar o dinheiro de volta. É mais pedagógico.