Mexicano não pretende ser um contraponto ao brasileiro, mas divergências em temas como multilateralismo e meio ambiente já ficaram claras; analistas, no entanto, não apostam em protagonismo externo de AMLO
Henrique Gomes Batista | O Globo
WASHINGTON - As diferenças ideológicas entre Jair Bolsonaro e Andrés Manuel López Obrador deverão chegar à política externa, e a América Latina viverá uma fase de dois polos: um liderado pelo México, onde o esquerdista Obrador assumiu a Presidência neste mês para um mandato de seis anos, e outro pelo Brasil, que empossa o novo presidente em 16 dias. Especialistas afirmam que isso já é sentido, com os dois políticos definindo estratégias de política externa inversas em temas como multilateralismo, meio ambiente e direitos sociais.
— Não queremos ser contraponto a ninguém, nem aos Estados Unidos de Donald Trump ou ao Brasil de Bolsonaro. Vamos seguir nossas linhas, de defender os direitos humanos, o multilateralismo e a autodeterminação dos povos. Se isso for contrário ao que outros países defendem, é uma consequência, não é a nossa intenção — afirmou ao GLOBO Jesús Ramírez Cuevas, porta-voz de AMLO, como o presidente mexicano é conhecido por suas iniciais.
As diferenças ficaram visíveis na posse de Obrador, que teve a presença do venezuelano Nicolás Maduro e do cubano Miguel Díaz-Canel, dois dirigentes de regimes ditatoriais que Bolsonaro indicou que pretende combater, a ponto de fazer críticas que levaram Havana a suspender sua participação no Mais Médicos, no qual trabalhavam 8.300 cubanos.
ACORDO SOBRE MIGRAÇÃO
O futuro chanceler, Ernesto Araújo, anunciou que o Brasil sairá do recém-aprovado pacto global sobre migração e põe em dúvida a permanência do Brasil no Acordo de Paris sobre o clima. Enquanto isso, Obrador não só assinou o pacto como se dispõe a conceder mais vistos de residência a imigrantes que fogem da pobreza e da violência no chamado Triângulo Norte da América Central (El Salvador, Honduras e Guatemala), enquanto propõe mais investimentos dos Estados Unidos na economia desses países, em um movimento visto como propositivo.
— Vemos uma inversão das estratégias tradicionais: o México agora buscando ser um ator multilateral, entrando nos grandes debates globais, como a imigração, e o Brasil se isolando, abandonando palcos internacionais e buscando uma aproximação estreita com os EUA—afirma Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). — Até então, o Brasil era um grande defensor do multilateralismo e o México tinha sua política externa voltada para o vizinho do Norte.
Ex-embaixador americano no Brasil, o professor Melvyn Levitsky, da Universidade de Michigan, pondera que tanto Obrador quanto Bolsonaro se elegeram prometendo ruptura, e que nos dois casos o sucesso da política externa depende de vitórias internas. Os desafios, nesse caso, são semelhantes: violência, baixo crescimento econômico, corrupção. Obrador conta com um Congresso em que seu partido, o Morena (Movimento de Regeneração Nacional), tem maioria, enquanto Bolsonaro deverá enfrentar maior resistência parlamentar a sua política econômica liberal.
— De qualquer maneira, o discurso externo de López Obrador é mais condizente com a ordem internacional, por ser a favor do multilateralismo, dos direitos humanos e das soluções negociadas. Bolsonaro, com sua tentativa de copiar os passos de Trump, pode colocar o Brasil em uma sombra diplomática —disse Levitsky.