sábado, 26 de maio de 2018

Por que parou

Porque os caminhoneiros fizeram chantagem com o País Porque o governo foi incompetente ao demorar para agir Porque o Congresso optou pelo oportunismo eleitoral. Porque o Brasil é dependente das rodovias e dos caminhões. Porque os governadores foram omissos

- O Estado de S. Paulo.

Uma sequência de queixas ignoradas pelo governo, um acordo costurado de última hora e a radicalização chantagista de uma categoria pararam o Brasil. Desde outubro de 2017, o setor de transportes tem chamado a atenção do Planalto, mas o governo deixou o tema de lado. Quando a negociação foi iniciada, o movimento já era maior que os líderes. Assim, mesmo depois de o governo ceder aos grevistas, vários grupos insistiram em bloquear estradas e tornaram o País refém de seus pleitos. No Planalto, a avaliação é de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) falhou ao não prever o alcance do movimento.

Quando anunciou, na noite de quinta-feira, um acordo com lideranças dos caminhoneiros, em greve desde segunda-feira, o governo imaginava ter conseguido desmobilizar o movimento. Sexta-feira seria um dia de estradas sendo desbloqueadas e o abastecimento começando a se regularizar. Mas não foi o que se viu. Pela manhã, o número de pontos de bloqueio chegou a crescer. Com uma liderança muito difusa, o que se ouvia dos caminhoneiros parados nas estradas era que o acordo fechado com o governo não servia.

O quadro de caos que começou a se formar no início da semana se agravou. Em todo o País, postos de gasolina fecharam, por absoluta falta de combustível. Sem conseguir rodar, ônibus ficaram nas garagens. Sem insumos, fábricas fecharam. Medicamentos e alimentos começam a faltar em farmácias e supermercados. Hospitais chegaram a cancelar cirurgias.

Acuado, o governo resolveu apelar às forças de segurança, que incluem Forças Armadas e a polícia, para desbloquear estradas. “Comunico que acionei as forças federais de segurança para desbloquear as estradas e solicito que os governadores façam o mesmo. Não vamos permitir que população fique sem itens de primeira necessidade, que consumidores fiquem sem produto, que hospitais não funcionem”, afirmou o presidente Michel Temer, em pronunciamento. “Governo teve coragem de dialogar e terá coragem agora de exercer sua autoridade diante do povo.”

Liberação. Depois do anúncio feito pelo governo, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), a principal entidade contrária ao acordo com o governo federal, pediu aos motoristas que liberem as rodovias interditadas. “Preocupada com a segurança dos caminhoneiros envolvidos, a Abcam vem publicamente pedir que retirem as interdições nas rodovias”, disse, em nota distribuída à imprensa. A entidade sugeriu, porém, que continuem as manifestações de forma pacífica, sem obstrução das vias.

Mesmo com a convocação das forças de segurança, ministros admitiram que a diminuição dos bloqueios será lenta e deve continuar nos próximos dias. Dados da Polícia Federal apontavam, ontem à noite, que o País chegou a ter nos últimos dias até 938 interrupções em estradas. Dessas, 419 foram liberadas desde a quinta-feira e restavam 519. Todas as interdições de rodovias são parciais.

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, disse que, após acordo firmado entre o governo e entidades, a paralisação já havia atingido “seus objetivos e foi exitosa”. “O governo negociou, mas governo não pode fugir da responsabilidade que tem de garantir o abastecimento para os brasileiros”, declarou.

Governo investiga participação de empresas em movimento

Ministro da Segurança vê ‘claros indícios’ de que donos das empresas mobilizaram funcionários para realizar a greve

Tânia Monteiro, Eduardo Rodrigues, Julia Lindner e Lorenna Todrigues | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse ontem que o governo possui “claros indícios” de que houve prática de locaute na paralisação dos caminhoneiros, o que é proibido por lei. Segundo Jungmann, o governo tem uma relação com nomes de 20 empresários que foram chamados a depor pela Polícia Federal por suspeita de contribuir, incentivar ou orientar a realização da greve de seus funcionários.

Locaute (termo que vem do inglês lock out) é o que acontece quando os patrões de um determinado setor se recusam a ceder aos trabalhadores os instrumentos para que eles desenvolvam seu trabalho, impedindo-os de exercer a atividade. Ou seja, agindo em razão dos próprios interesses, e não das reivindicações dos trabalhadores.

Ele ressaltou que locaute é crime e que a Polícia Federal está investigando “quem está tirando proveito (da greve) com fins econômicos”. “A PF está investigando casos de patrões que estão explorando o sofrimento da população.”

‘Contexto’. Nos bastidores, fontes do governo consideram que há todo um “contexto” de locaute porque o movimento, que, no passado já ocorreu em proporções menores, agora veio com uma força desproporcional, após impasse entre patrões e empregados, caminhoneiros e donos de empresa, em relação a negociações trabalhistas. A tese do governo é de que, como não conseguiram chegar a um acordo, os caminhoneiros avisaram que iam parar porque não estavam concordando com preços recebidos, por causa da alta do combustível, e os empresários teriam dado apoio.

A possibilidade de locaute começou a ser pensada na terçafeira, quando a paralisação ganhou dimensão nacional. O quadro foi agravado, e muito, a partir da quarta-feira.

Além da PF, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também abriu investigação contra entidades representantes de transportadores de carga e caminhoneiros para apurar infrações à ordem econômica decorrente da greve de caminhoneiros. Entre as infrações que serão investigadas estão a prática de locaute, conduta orquestrada e recusa na venda de bens ou prestação de serviços.

Outro aspecto que o Cade está monitorando é se há indícios de cartel no aumento de preço dos combustíveis, que ocorreu logo depois do início da greve dos caminhoneiros.

Jungmann disse que, se ficar comprovada a prática de locaute, os empresários poderão ser presos e multados. Os funcionários também podem ser enquadrados, nesses casos, por associação criminosa.

Mesmo se ficar comprovado que houve locaute, Jungmann garantiu que o acordo do governo com as entidades que representam os caminhoneiros pelo fim da greve, formalizado ontem, está mantido. “O governo reconhece a justiça dessas reivindicações, tanto que as atendeu. Se houver comprovação de locaute, e temos claros indícios de que houve, os empresários que se utilizaram desse movimento cometeram delitos e vão pagar por isso”, declarou.

Paralização continua após acordo e governo mobiliza Forças Armadas

Governo publica decreto que autoriza uso de Forças Armadas para desobstruir vias

Talita Fernandes , Laís Alegretti e Daniel Carvalho | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O governo publicou em edição extra do Diário Oficial da União o decreto que autoriza o uso das Forças Armadas para desobstruir estradas que enfrentam atos de paralisação dos caminhoneiros.

Pelo texto, a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) passa a valer nesta nesta-feira (25) e se estende até o dia 4 de junho.

As ações poderão ser feitas em rodovias federais, estaduais, municipais ou distritais. A coordenação é de competência do Ministério da Defesa em conjunto com a pasta da Segurança Pública.

As Forças Armadas poderão remover ou conduzir veículos que estejam obstruindo via pública, escoltar veículos que estejam prestando serviços essenciais ou que estejam transportando produtos essenciais. A atuação fica autorizada ainda para proteção de infraestrutura considerada crítica.

Junto ao decreto assinado pelo presidente Michel Temer, o DOU extra traz uma portaria do Ministério de Segurança Pública que autoriza o uso da Força Nacional nas ruas.

As medidas foram anunciadas no início da tarde por Temer, empronunciamento feito à nação.

O governo formou um gabinete de crise para monitorar os desdobramentos dos protestos de caminhoneiros que provocam uma crise de abastecimento no país.

A decisão em usar Forças Armadas para desbloquear as rodovias ocorre depois de os caminhoneiros não terem cumprido acordo firmado com o Executivo, que suspendia os atos em 15 dias em troca de ações que diminuem o preço do diesel.

Os protestos tiveram início na segunda-feira (21) e preocupam o Palácio do Planalto diante da falta de produtos e serviços. No fim de semana, quatro reuniões estão programadas para o monitoramento das ações. O governo aposta em uma desmobilização a medida em que representantes de associações começam a pedir que as atividades dos caminhoneiros voltem ao normal.

Escassez de estoque aumenta preços de legumes e frutas

Quilo da batata na Ceasa vai de R$ 1 a R$ 17 na semana

Comerciantes na Ceagesp relatam que quilo da batata 10 vezes mais caro

Sheila Vieira | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Em uma semana, o preço do quilo da batata na Ceagesp passou de R$ 1,61 para R$ 17,50. Os legumes e as frutas são os alimentos cujos preços mais foram afetados pela greve dos caminhoneiros.

O maior entreposto atacadista de alimentos da América Latina teve uma sexta-feira (25) de poucas vendas abertas, escassez de produtos e muitas incertezas sobre o reabastecimento das mercadorias.

A Ceagesp parou de divulgar a cotação oficial dos produtos na quinta-feira (24), esperando a normalização do comércio.

A Folha apurou os preços diretamente com os comerciantes presentes no local.

O normalmente popular corredor das batatas estava com quase nenhum movimento por volta das 14h.

"Eu costumava vender 200 sacos por dia, hoje vendi apenas 30", afirmou o vendedor Ademar Moraes.

Entre os vendedores, a cotação da batata ficou por volta de R$ 17,50 por quilo, mas um deles, que preferiu não se identificar, disse à Folha que estava pedindo R$ 500 pela caixa, equivalente a R$ 25 por quilo.

Comerciante de batatas e cebolas, Marcos Reis disse que a falta de mercadorias está afastando os clientes da Ceagesp. "Nem o pessoal da feira vem mais", lamentou.

Além de enfrentarem dificuldades para venderem seus estoques por preços maiores, os comerciantes também temem a iminente falta de mercadorias na próxima semana.

"Se continuar assim, na segunda-feira eu não tenho mais nada para oferecer para os meus clientes", contou Reis.

A chegada e partida de feirantes e outros compradores com mãos vazias foi cena recorrente no entreposto.

Sidinei Tavares dos Santos, um dos principais vendedores de legumes da Ceagesp, diz que seu estoque deve durar até a segunda-feira (28).

"Os clientes me ligam e eu falo que nem adianta vir para cá, porque é uma viagem perdida. Falo o que eu tenho e o que não tenho, paciência", comentou o comerciante.

Em seu espaço no Ceagesp, a caixa com 20kg de tomates custava entre R$70 e R$80.

Saúde é atingida, e supermercados preveem impacto por até dez dias

- Folha de S. Paulo

Cirurgias em hospitais e serviços de hemodiálise são prejudicados no país; aeroportos cancelaram voos

Postos de combustível fechados; expectativa de falta de alguns produtos em supermercados por até dez dias; suspensão de voos em aeroportos por falta de abastecimento dos aviões; cancelamento de cirurgias eletivas em hospitais e até mesmo de serviços de hemodiálise.

O 5º dia de paralisação dos caminhoneiros agravou as cenas de desabastecimento, com ampliação do leque de serviços prejudicados no país.

Em São Paulo, não havia álcool nem gasolina comum de manhã, e a gasolina aditivada se esgotaria ao longo do dia.

Em Brasília, houve fila de pedestres em um posto devido à decisão do estabelecimento de vender os litros que sobravam em galões e garrafas — com no máximo cinco litros para cada consumidor.

Em cidades de fronteira, como Foz do Iguaçu (PR), motoristas foram abastecer no país vizinho — Paraguai. Fiscais da Receita Federal apreenderam 900 litros de gasolina em galões na divisa —por considerar ter havido contrabando.

Segundo a Fecombustíveis (entidade que representa os donos de postos), mais de 90% dos postos em estados como Rio, Bahia, Distrito Federal e Espírito Santo já não tinham mais nenhum estoque à tarde.

A prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro (PSDB), disse que a capital do estado foi a primeira a “sofrer total desabastecimento de combustível”.

Em Itapevi (Grande São Paulo), a prefeitura decretou que os postos poderiam vender diesel somente para veículos que atendam à área da saúde — como as ambulâncias.

A falta de alimentos em supermercados — especialmente frutas, legumes, verduras, carnes e leites — já se estendia também ao cardápio de restaurantes. O McDonald’s afirmou ser provável a falta de alguns produtos no cardápio de algumas unidades da rede.

A Associação Brasileira de Supermercados avaliava que pode levar até dez dias para normalização do abastecimento depois do fim da paralisação, dependendo da região. Nos aeroportos, além do de Brasília, outros dez administrados pela Infraero estavam sem combustível, incluindo Recife, Maceió e Goiânia.

Os aeroportos de Cumbica e Congonhas ainda recebiam voos. A Infraero não podia assegurar operações em Congonhas no final de semana. Houve 64 voos cancelados até às 19h em aeroportos da Infraero. Em Brasília, sob gestão privada, foram 48 no total.

A travessia de balsas entre São Sebastião e Ilhabela, no litoral norte de SP, estava com número de embarcações reduzidas para economizar diesel.

Grevistas ignoram acordo, e militares são convocados

STF autoriza uso da força, mas à noite ainda havia 519 pontos de bloqueio de rodovias

Liderança do movimento pede que caminhoneiros liberem as estradas, enquanto a PF investiga a participação de empresários na paralisação. Palácio do Planalto agora negocia com os estados uma redução do ICMS sobre o diesel

Depois de anunciar um acordo com os caminhoneiros na quinta, que na prática não surtiu efeito na greve da categoria, o governo federal convocou as Forças Armadas para intervir nas estradas e editou um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o país. Ante a iminência da atuação dos militares, a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), principal porta-voz do movimento, pediu que os grevistas liberassem as rodovias. O STF autorizou o uso da força e a aplicação de multas de R$ 100 mil por hora às entidades envolvidas no bloqueio. À noite, manifestantes ainda faziam bloqueios parciais em 519 pontos do país. A Fazenda negocia com os estados redução no peso do ICMS sobre o diesel, que, somada a outras medidas, pode gerar alívio de R$ 0,35 por litro. A Polícia Federal investiga a participação de empresários na paralisação. editorial ‘Greve de caminhoneiros sequestrou a sociedade’

Exército contra bloqueios

Após grevistas ignorarem trégua prevista em acordo, governo recorre às Forças Armadas

Cristiane Jungblut, Geralda Doca, Eliane Oliveira, Elisa Martins, Fábio Teixeira e Juliana Castro | O Globo

-BRASÍLIA, SEROPÉDICA E SÃO PAULO- Um dia depois de um acordo no qual o governo atendeu a uma extensa pauta de reivindicações dos caminhoneiros, permaneciam no país os mesmos sinais de caos, com grave desabastecimento por causa do bloqueio de rodovias. Diante disso, o presidente Michel Temer recorreu às Forças Armadas para retomar a ordem. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, anunciou a edição de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em todo o território nacional para auxiliar na liberação das rodovias bloqueadas.

A medida vale até 4 de junho. O decreto atendeu a pedido do comando do Exército, que queria segurança para atuar. A partir dele, as forças de segurança podem efetuar as ações, como, por exemplo, dirigir um caminhão e tirá-lo da estrada. O desbloqueio das rodovias no Rio de Janeiro será mais rápido do que nas demais unidades da federação, afirmou uma fonte do Palácio do Planalto. Isso porque o estado já está sob intervenção federal desde fevereiro. A Força Nacional já está no Rio e não são necessárias medidas burocráticas para esse fim.

Rio entra em estágio de atenção por causa da greve

Já a prefeitura de São Paulo decretou estado de emergência após protestos na cidade

- O Globo

-RIO E SÃO PAULO- A cidade do Rio de Janeiro entrou em estágio de atenção, às 16h30 de ontem, devido aos impactos dos bloqueios em rodovias de acesso ao Rio no funcionamento dos serviços de infraestrutura urbana, em especial, na área de transportes, segundo o Centro de Operações da Prefeitura do Rio (COR).

De acordo com o órgão, com a manutenção da greve dos caminhoneiros, o desabastecimento de combustível já afeta drasticamente a mobilidade no município. O estágio de atenção é o segundo nível em uma escala de três e significa que um ou mais incidentes impactam, no mínimo, uma região, provocando alguns reflexos.

Militares das Forças Armadas chegaram à refinaria Reduc, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde alguns caminhoneiros protestaram ontem. Por volta das 15h, um comboio com carros e motocicletas chegou pela Rodovia Washington Luís.

Enquanto isso, o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, decretou estado de emergência na capital paulista em razão dos protestos dos caminhoneiros e das vans escolares na cidade. Com o decreto, a Prefeitura poderá apreender bens, como combustível, que esteja estocado em postos. A medida também permite aquisição sem dependência de empenho orçamentário.

Desde o início da manhã de ontem, a cidade de São Paulo convive com protestos. Além disso, caminhoneiros persistem com os bloqueios em algumas das rodovias que ligam a cidade ao interior e ao litoral do estado. Outra medida tomada é a criação de um comitê de crise para avaliar as medidas necessárias.

PF vai chamar 20 empresários para depor, diz Jungmann

Inquérito é para apurar se houve participação de patrões em bloqueios

Jailton Carvalho, Eliane de Oliveira, Roberta Scrivano e Elisa Martins | O Globo

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O governo vai investigar irregularidades durante a paralisação dos caminhoneiros, que provocou grave crise de desabastecimento em todo o país. Ontem, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, determinou a abertura de inquérito, pela Polícia Federal, para apurar se houve prática ilegal de locaute — quando as empresas impedem os empregados de trabalhar para atender a interesses próprios. Segundo Jungmann, uma das preocupações é que as empresas responsáveis pelas paralisações tenham mantido ou ampliado suas margens de lucro. O ministro disse que cerca de 20 empresários serão chamados para depor.

Caso as investigações comprovem o locaute, há penas de reclusão e multas. Pode ser comprovado o atentado contra a segurança do serviço de utilidade pública, que prevê de um a cinco anos de prisão, e o atentado contra a liberdade do trabalho, que pode dar até um ano de prisão.

— Enquanto a greve é um direito constitucional do trabalhador, para buscar melhores condições, o locaute é uma ilegalidade — disse Jungmann.

Farpas, gafes e um oceano de críticas

Planalto e base aliada batem de frente, irmã da primeira-dama posta foto de carro com tanque cheio e internautas se unem nas críticas ao governo.

Jogo de empurra

Caos provocado por bloqueio de estradas leva a embate entre Planalto e Congresso

Bruno Góes, Cristiane Jungblut, Eliane Oliveira, Geralda Doca, Karla Gamba e Maria Lima | O Globo

-BRASÍLIA- A crise dos caminhoneiros fez com que o governo e a própria base aliada do Planalto no Congresso entrassem em choque. Ontem, o ministro Carlos Marun, da Secretaria de Governo, afirmou que a atuação de parlamentares no episódio foi um “jogo para a plateia, inconsequente”. Já o presidente da Câmara e pré-candidato do DEM ao Planalto, Rodrigo Maia, rebateu no mesmo tom, dizendo que o emprego de militares contra os grevistas foi a “resposta de um governo fraco” à crise. Enquanto isso, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), se esquivou de responsabilidade, disse que o problema é do Executivo e condenou a política de preços da Petrobras.

A troca de farpas entre as cúpulas do Palácio do Planalto e do Congresso coincide com o avanço da agenda eleitoral. Na mesma semana em que o presidente Michel Temer lançou a pré-candidatura de Henrique Meirelles à sucessão presidencial pelo MDB, a greve dos caminhoneiros provocou uma disputa pelos holofotes entre os políticos que alimentou ainda mais o caos país afora.

No centro do embate entre Executivo e Legislativo está a aprovação, liderada por Rodrigo Maia, do projeto que zera a alíquota de PIS/Cofins incidente sobre o óleo diesel. O anúncio deu novo impulso à greve dos caminhoneiros, que condicionaram o fim dos bloqueios nas estradas à votação da matéria no Congresso. Após a aprovação simbólica, restou ao Planalto atacar o caráter eleitoreiro da votação.

— Houve um jogo para a plateia, inconsequente. Se fez um cálculo errado, um assessor de alto nível, a princípio .... Ontem me disseram que é um excelente consultor... Bom, imagina os ruins, então, se um excelente consultor fez um erro de cálculo de R$ 9 bilhões em uma conta de mais e menos. Foi um péssimo momento do parlamento brasileiro, especialmente da Câmara — disse Marun, em entrevista à GloboNews.

Foi um assessor de Rodrigo Maia que realizou o cálculo do impacto da redução da alíquota do PIS-Cofins do combustível, ignorando um rombo de quase R$ 9 bilhões. Diante da constatação do erro, Maia, que tinha se apressado para liderar a resposta aos caminhoneiros, culpou o Executivo ao lembrar que “foi irresponsabilidade do governo aumentar o PIS/ Cofins de R$ 0,29 pra 0,46 no diesel”. E devolveu os ataques de Marun ao criticar o uso das Forças Armadas contra a greve.

— Não foi a melhor reação (o uso das Forças Armadas). Resposta de um governo fraco. Acho que o Exército é desnecessário. Infelizmente, as palavras do presidente estão tendo pouca credibilidade entre as pessoas que estão se manifestando. A utilização das Forças Armadas não parece o passo correto neste momento. Os manifestantes estão dialogando. Temos que tomar cuidado — disse o presidente da Câmara ao GLOBO.

Já o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), fez questão de tentar tirar do Legislativo o ônus pelo agravamento da crise.

— Essa crise não é do Congresso. Vocês querem o tempo todo trazer essa crise para dentro do Congresso. Quem define preços de Petrobras é o Executivo. Cabe ao Executivo mudar a política de preços da Petrobras. E no meu entendimento ela está equivocada — reagiu o senador.

*Marco Aurélio Nogueira: Aquilo que une e divide

O Estado de S.Paulo

Aumentou a percepção de que a dispersão pesa como ameaça real sobre todos os candidatos

Iniciativa coordenada por Fernando Henrique Cardoso, Aloysio Nunes (PSDB-SP), Cristovam Buarque (PPS-DF) e Marcus Pestana (PSDB-MG) começou a divulgar o manifesto Por um polo democrático e reformista, para defender a urgente “união política de todos os segmentos democráticos e reformistas” nas eleições. É uma notícia para ser comemorada.

Outros partidos podem seguir caminho parecido, certos de que há um “centro” a ser conquistado. Enquanto Rodrigo Maia e Henrique Meirelles procuram o “centrão” em busca de apoio, a esquerda mais próxima do PT oscila entre levar a candidatura de Lula até o fim ou reforçar uma frente em torno de Ciro Gomes.

Aumentou a percepção de que a dispersão pesa como ameaça real sobre todos os candidatos.

O centro é ladeado por uma esquerda (mais igualitarista) e por uma direita (mais vinculada à ordem que à liberdade), mas há mais de uma esquerda e mais de uma direita. O centro, portanto, mesmo que deseje ser um fator de equilíbrio e serenidade, tende a pender para um desses lados. Não existe em termos puros.

Para a resolução do enigma faltam ideias. Cabeças batem sem que surja uma saída viável, que consiga agregar mais do que desunir. Por isso o manifesto pela criação de um “polo democrático e reformista” pode cumprir um relevante papel. Ele se apoia numa necessidade real e num conjunto de proposições que sugerem um desenho de país.

Cristovam Buarque: Encontro pelo Brasil

- O Globo

Caminhamos para o radicalismo nostálgico

Com intenção de não dividir o bloco dos que defendem alternativas “democráticas politicamente”, “progressistas socialmente” e “responsáveis economicamente”, o PPS decidiu não ter candidato próprio a presidente da República nesta eleição. Apesar de contar com nomes como Raul Jungmann, Rubens Bueno e Roberto Freire, entre outros, o partido preferiu iniciar diálogo com candidatos de outros partidos, no sentido de construir um programa de governo capaz de dar coesão e rumo ao país. Lamentavelmente, isso não aconteceu.

O PPS ficou sem candidato, os representantes daquele bloco se dividiram, e nenhum deles decola eleitoralmente. A poucos meses do pleito, o processo acena para um segundo turno entre “reacionários socialmente”, “irresponsáveis economicamente” ou “antidemocráticos politicamente”. Caminhamos para o radicalismo nostálgico, seja do autoritarismo, seja do populismo, tendo que optar entre a catástrofe e o desastre.

Demétrio Magnoli: Aparente divisão do PT reflete estratégia de Lula, que tem candidato

- Folha de S. Paulo

Pleito de 2018, nos estertores da Nova República, deve ser lido à luz da eleição de 1989, a primeira da redemocratização

A narrativa convencional diz que o PT está dividido. De um lado, o próprio Lula, a direção partidária (Gleisi Hoffmann) e a maioria da bancada parlamentar federal insistem na candidatura de Lula. De outro, barões (Jaques Wagner, Haddad) e governadores do partido (Fernando Pimentel, Rui Costa, Camilo Santana) inclinam-se por um acordo com Ciro Gomes.

De fato, porém, a aparente divisão reflete uma estratégia definida por Lula. O nome do candidato de Lula é Ciro. A duplicidade não passa de uma operação tática.

Desde o impeachment, o PT converteu o duplo discurso em modo de vida. Há um discurso “para dentro”, destinado à militância e às bases da esquerda, que se exprime pela linha da resistência ao “golpe do impeachment”. Há, paralelamente, um discurso “para fora”, que se exprime pela política de alianças eleitorais com os “partidos golpistas”(MDB, PP et caterva).

O radicalismo verbal pagou dividendos: a elevação do lulista Boulos a candidato do PSOL enreda a esquerda dissidente na teia petista. A "realpolitik" também: o pacto “Minas para o PT, Pernambuco para o PSB” restabelece uma ponte rompida pela coligação entre Eduardo Campos e Marina Silva.

Fernando Gabeira: A falta que um governo faz

- O Globo

O Brasil mostrou-se vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível

A crise que paralisa o país neste ano eleitoral é um estímulo para que as pessoas compreendam a falta que um governo faz num país.

O governo tinha condições de prever a paralisação. Possui recursos para a inteligência e, sobretudo, tinha uma posição privilegiada para entender a evolução da crise: desde julho do ano passado estava negociando com os caminhoneiros.

Portanto, falhou nesse quesito. Sua saída seria ter um plano para permitir que, apesar da greve, o país funcionasse no essencial. Mas nunca se aprovou uma estratégia de defesa nacional, apesar de o projeto ter uma década de existência.

O Brasil foi pego de calças na mão. Mostrou-se um país vulnerável. Um plano elementar de defesa garantiria com escolta armada a saída dos caminhões com combustível. Isso aconteceu em Curitiba e, parcialmente, deu certo para manter o transporte urbano em ação, aliviando o peso dos que se deslocam para trabalhar.

O Brasil poderia estar menos dependente da gasolina. Mas congelou o projeto que impulsiona os biocombustíveis. Seduzidos pelas descobertas do pré-sal, acorrentamos nosso destino ao combustível fóssil.

Hélio Schwartsman: Simplesmente complexo

- Folha de S. Paulo

Não nos pusemos em uma posição de fragilidade a troco de nada

Bastou os caminhoneiros pararem por alguns dias para a sociedade ver-se à beira do colapso.

Combustíveis foram o primeiro item a desaparecer, mas produtos perecíveis também sumiram de algumas prateleiras. Serviços essenciais como transporte público, coleta de lixo, policiamento foram reduzidos. E, como é difícil fazer a imaginação parar de trabalhar, logo projetamos situações em que a falta de insumos paralisaria hospitais, termelétricas, o abastecimento de água etc. Prolongue a greve por alguns dias e retornamos à Idade da Pedra.

Como nos tornamos tão vulneráveis? A resposta é simples: complexidade. Há poucas coisas mais complexas do que o funcionamento de uma economia que conecta em redes cada vez mais interdependentes milhões de agentes que atuam de forma autônoma. A ação estratégica de um único indivíduo —um erro de operação em Itaipu, por exemplo— pode parar o país inteiro.

Não nos pusemos nessa posição de fragilidade a troco de nada. A complexidade tem uma face mais positiva que aparece no desenvolvimento tecnológico e na produtividade. As interdependências que nos tornam reféns do imponderável também fazem com que avanços, mesmo que incrementais, tenham impacto positivo exponencial.

A rapidez do computador para fazer contas permite a criação de programas mais sofisticados, que ajudam a produzir componentes mais eficientes, que melhoram a performance dos computadores, que... Ao final do processo, produzimos mais utilizando cada vez menos recursos, o que é a definição de prosperidade.

Essa dupla natureza da complexidade fez com que surgissem nos últimos anos tanto profetas do caos, como o matemático John Casti, que preveem o colapso global, quanto médiuns da abundância, a exemplo de Ray Kurzweil e Peter Diamandis, que apostam que estamos próximos do nirvana tecnológico. O mais intrigante é que as duas correntes antagônicas podem estar certas.

Merval Pereira: Decisão atrasada, mas acertada

- O Globo

Em casos como esse, o governo reprime e depois negocia. O governo Temer deu, afinal, as condições legais para a intervenção das Forças Armadas na greve dos caminhoneiros, permitindo inclusive a chamada “requisição de bens", isto é, que os caminhões sejam tomados para garantir o abastecimento. Está começando a ser desmontado o bloqueio das estradas, em situação ainda caótica, mas o governo deveria ter feito essa intervenção antes de qualquer acordo. Teria dado uma demonstração de força e garantido uma perspectiva de solução.

Fazer agora com os ânimos exaltados é muito perigoso, embora o bom senso pareça estar prevalecendo nos primeiros momentos. Nesses casos, o governo reprime e depois negocia, mas antes é preciso demonstrar que tem força para impedir os bloqueios ilegais. Sem isso, é pedir para sofrer mais pressão.

O acordo com o governo não funcionou por duas razões: os caminhoneiros reunidos no Palácio do Planalto não eram completamente representativos da classe, e a Câmara, depois da trapalhada nas contas do deputado Rodrigo Maia, aprovou o fim do tributo PIS/ Confins sobre o frete, e os caminhoneiros colocaram a condição para acabar com a greve, impossível de ser atendida, de aprovação pelo Senado da medida.

Com os ânimos exaltados, a entrada das Forças Armadas no conflito é uma medida temerária, depois de um acordo fracassado. Nas greves anteriores houve negociação, no governo Dilma, por exemplo, uma das greves durou 12 dias. No governo Fernando Henrique, ela acabou em três, quatro dias, depois de o presidente anunciar que desbloquearia as estradas, se necessário, com a ajuda das Forças Armadas.

Julianna Sofia: Mancadas em série

- Folha de S. Paulo

Governo Temer avança no programa 'credibilidade zero'

Num prazo inferior a dez dias, o átimo de credibilidade que restava à gestão de Michel Temer se desvaneceu. Foram sequenciais os escorregões dos presidentes Ilan Goldfajn (Banco Central) e Pedro Parente (Petrobras), os remanescentes com confiabilidade no alto escalão governista —desprovido de peso desde a largada, há dois anos.

O BC errou na comunicação sobre o rumo da política monetária e pegou o mercado de calça curta. Ilan e companhia emitiram sinais que levaram 70% da banca financeira a acreditar que a taxa básica de jurosseria reduzida na reunião do Copom da semana passada. A queda não veio devido à escalada do dólar.

Apesar de a decisão ser vista como acertada por muitos analistas, o ruído na comunicação deixou arranhões na imagem do BC de Ilan. Ele foi obrigado a vir a público explicar o que alguns chamaram de barbeiragem e atribuiu o erro a uma tentativa do Banco Central de mudar sua forma de dialogar com o mercado. A ideia é adotar uma abordagem similar à dos BCs modernos, em que a sinalização é condicional.

Míriam Leitão: A realidade do acordo

- O Globo

Governo terá que subsidiar importação de diesel. Não será fácil o governo cumprir na área econômica o que prometeu para tentar controlar a greve do transporte de carga. O Brasil não é autossuficiente em diesel, isso significa que ele passará a subsidiar um produto que é importado e que pode ser trazido ao país pela Petrobras ou outras empresas. Não se pode saber antes o custo desse subsídio. Ainda não está claro de onde sairá o dinheiro.

O governo anunciava como vitória o fato de que havia uma redução de 45% dos bloqueios nas estradas. Mas o Brasil ainda vive uma situação crítica, com hospitais com carências, supermercados sem produtos, pessoas cancelando seus planos de viagem, combustíveis em falta até em alguns aeroportos, como disse o general Etchegoyen. Os ministros que deram entrevista ontem à noite admitiram que a situação ainda não está resolvida, tanto que o grupo da “sala da situação” passará o fim de semana reunido.

Uma das dificuldades do acordo que o governo assinou é o fato de que outros importadores podem trazer o diesel. Afinal, a importação é livre. E aí, o governo compensaria também outras empresas? É o que pergunta o especialista em energia Adriano Pires.

— O governo também vai subsidiar o importador? Se não subsidiar, faltará óleo diesel. A partir de hoje, o estímulo a importação caiu, porque o produto será vendido internamente a um preço mais baixo do que no mercado internacional. Se a Petrobras tiver que importar diesel, ou ela vai ficar com o prejuízo ou o governo irá subsidiar a sua importação. E isso terá que ser estendido às demais empresas do setor. Ficou tudo mais confuso e desorganizado — afirmou.

Adriana Fernandes: Solução ‘pé no chão’

- O Estado de S.Paulo

Para Eduardo Guardia, comparação com subsídios do governo Dilma é absurda

Depois de uma semana inteira de negociações, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, está convencido de que fechou a melhor alternativa fiscal para reduzir as oscilações do preço do diesel. Entre reduzir o PIS/Cofins do diesel e pagar à Petrobrás pelo custo da queda dos preços na refinaria, a segunda opção, na sua avaliação, foi a mais acertada. É um programa emergencial para lidar com uma situação de crise. O foco, repete, foi dar previsibilidade aos preços.

Por outro lado, a redução do PIS/Cofins, que não são tributos regulatórios, obrigaria o governo a elevar a alíquota de outro imposto para compensar a perda de arrecadação, alerta Guardia em conversa com a coluna. É que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exige essa compensação de receitas. Seria uma mudança permanente, diz o ministro, que traria um custo fiscal muito maior para as contas públicas e a população. Diante da gravidade da crise de abastecimento com a greve dos caminhoneiros, Guardia avalia que era preciso dar uma solução rápida e que fosse ao mesmo tempo fiscalmente responsável. Não haveria tempo suficiente para sentar à mesa e discutir mudanças na estrutura dos tributos federais e estaduais que incidem sobre os combustíveis e que têm forte peso nos preços desses produtos.

O programa de subsídio dos preços do diesel, ao contrário, será emergencial e temporário, com recursos limitados de R$ 4,9 bilhões até dezembro. Tem prazo para acabar e valor total definido no Orçamento. A partir de 2019, será uma decisão do próximo presidente da República eleito mantê-lo ou não. Não haverá passivos porque o subsídio será calculado mensalmente e isso não interfere na política de reajuste preços da Petrobrás, uma decisão já tomada pelo governo e definitiva. “É uma solução pé no chão, fiscalmente responsável e absolutamente transparente”, diz Guardia.

Ruy Fabiano: Os extremos que se tocam

- Blog do Noblat | Veja

A quem interessam essas pautas, que podem sintonizar com a fragilidade emocional da população?

A paralisação dos caminhoneiros não é um fato isolado que sacode um ambiente de normalidade institucional. É, ao contrário, a gota d’água que faz transbordar um copo já há muito cheio.

Não apenas a política de preços de combustíveis – que, desde junho passado, já produziu 121 reajustes no custo do diesel – vai mal. Tudo no país vai mal: educação, saúde e, sobretudo, segurança.

Esse desconcerto geral, em meio a um quadro social que contabiliza mais de 14 milhões de desempregados e mais de 61 mil homicídios anuais, convive há quatro anos com o noticiário da Lava Jato, que tem levado elite e baixo clero da política ao banco dos réus.

A decomposição do establishment institucional inclui o presidente da república, seus principais ministros e a cúpula do Judiciário. Há dias, o STF concedeu habeas corpus e repôs em circulação onze criminosos do narcotráfico, ligados à cúpula do PCC.

Daí a solidariedade imediata da sociedade aos caminhoneiros, ela própria atingida pelas consequências do movimento, com crise de abastecimento e de mobilidade urbana, que propiciou ao país sentir, por alguns dias, o que os venezuelanos vêm sentindo há alguns anos.

O (justo) motivo da paralisação – a insuportável política de ajuste de preços dos combustíveis – deu margem ao contágio político, pondo em cena toda uma agenda, que inclui pedidos de renúncia do presidente da república e de intervenção militar.

Ricardo Noblat: Diga não à direita brucutu e à esquerda burra

Blog do Noblat | Veja

O que sucederá à marcha da insensatez

Tem alguma coisa muito errada quando você vê Rodrigo Maia e Guilherme Boulos do mesmo lado, Jair Bolsonaro e a Central Única dos Trabalhadores, generais golpistas de pijama e trabalhadores escravos que dirigem caminhões por 12, 15 horas diárias em troca de um a três salários mínimos quando têm sorte.

Pois ontem foi assim, o quarto dia da greve geral de patrões e empregados do sistema de transporte de carga que paralisou o país. O simples ato de encher um tanque de gasolina virou uma gincana disputada por quem tivesse necessidade ou tempo de sobra para gastar. Voar na hora marcada? Coisa para abençoados.

Comprar batata a preço justo? Aonde? Tomar ônibus ou metrô abarrotados como de costume? Havia mais gente empilhada dentro quando havia ônibus, e mais gente ainda dentro do metrô que dispensa gasolina, álcool e diesel para se locomover. E o WhattsApp estava entupido de mensagens alarmantes.

Arnaldo Jardim: A crise dos combustíveis

O debate desta semana na Câmara dos Deputados, e no Brasil todo, foi o preço dos combustíveis e o movimento de paralisação dos caminhoneiros. De um lado, temos a Petrobras, que mudou sua política de reajuste de preços porque a anterior estava equivocada. A estatal era usada por motivos políticos e, muitas vezes, para conter a inflação e garantir votos nas eleições.

A empresa perdia e toda a sociedade também era prejudicada com isso. Então passou-se a praticar o reajuste diário de preços, seguindo o mercado internacional, baseado na cotação do dólar e no preço do petróleo no mundo. Mas é preciso que este reajuste seja feito com parcimônia e cuidado.

O que estamos defendendo é que os valores não sejam reajustados diariamente, mas em prazos maiores para garantir mais previsibilidade nos preços e, consequentemente, nos contratos de frete para o transporte de bens e mercadorias pelo Brasil.

Uma das principais questões levantadas pelos caminhoneiros é justamente a imprevisibilidade dos gastos que terão em sua viagem. Aquele que chega a viajar cinco dias para transportar a carga parte pagando um preço no diesel. Este valor, reajustado diariamente, vai subindo ao longo do trajeto e impede que possa ser feito um cálculo antecipado da despesa com abastecimento.

Desde que a Petrobras mudou sua política de ajuste de preços, em 3 de julho do ano passado, as flutuações do câmbio impactam no preço da gasolina e do óleo diesel. A variação no dólar perante o real impacta no preço do petróleo repassado à refinaria. Depois, ainda há as distribuidoras e só então os postos de abastecimento.

Greve de caminhoneiros sequestrou a sociedade: Editorial | O Globo

Movimento poderia ter sido previsto pelo governo, para agir antes dos bloqueios, e se tornou imprescindível convocar as forças federais

Entre o início da semana, quando piquetes começaram a agir na estradas, e o pronunciamento do presidente Temer, na tarde de ontem, comunicando a convocação de forças federais para barrar o movimento de caminhoneiros e restabelecer o direito constitucional de ir e vir, houve uma sucessão de fatos sugestivos.

Ficou evidente, por exemplo, o erro de avaliação do governo sobre o alcance da paralisação; deputados e senadores, por sua vez, se mostraram desconectados da realidade, a ponto de o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB), tomar o avião para o Ceará, seu estado, na quinta-feira, dia da clássica revoada de parlamentares de volta para casa. Mas, enquanto isso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), talvez estimulado pela condição de pré-candidato presidencial, apressou-se a mobilizar a Casa para aprovar, quarta-feira, a redução a zero da alíquota do PIS-Cofins sobre o diesel e a reoneração da folha de salários de vários setores para compensar a perda de arrecadação.

Eunício foi chamado de volta, para o Senado aprovar as medidas, o que terminou não acontecendo, com o acordo a que chegaram governo e supostos representantes dos caminhoneiros, na noite de quinta. Em vão, porque os caminhões continuaram parados nas estradas.

Com uma dependência excessiva do transporte rodoviário, o pais é refém de grupos e corporações que atuam no setor. Não é a primeira vez que acontece, mas agora a situação começou a ultrapassar limites perigosos.

A capitulação do Planalto diante dos caminhoneiros, em um momento de aguda fraqueza política, foi sacramentada por um pedido de trégua lastreado em diversas concessões: a Petrobras já havia anunciado um corte de 10% no preço do diesel durante 15 dias, na quinta-feira, estendido para um mês; eliminação da Cide sobre o combustível etc. Muitas reivindicações dos caminhoneiros foram atendidas.

Irresponsabilidade generalizada: Editorial | O Estado de S. Paulo

No quinto dia da greve dos caminhoneiros autônomos, que levou o caos a todo o País, o presidente Michel Temer finalmente autorizou o uso das forças militares federais para liberar rodovias bloqueadas pelos manifestantes. Já não era sem tempo.

Nenhuma reivindicação é justa o bastante para legitimar a absurda agressão cometida pelos caminhoneiros contra todos os brasileiros, cujo cotidiano foi severamente afetado pela paralisação. Mais grave ainda é o fato de que a greve continuou a despeito dos esforços do governo federal e da Petrobrás para atender, naquilo que lhes competia e era possível, às demandas dos grevistas, numa espantosa demonstração de irresponsabilidade, que deve encontrar do poder público uma resposta à altura.

Ao anunciar o plano de segurança para desbloquear as estradas, com ajuda dos Estados, o presidente Temer disse que o governo não vai permitir “que a população fique sem os gêneros de primeira necessidade, que os hospitais fiquem sem insumos para salvar vidas e crianças fiquem sem escolas”. Segundo Temer, “quem bloqueia estradas de maneira radical será responsabilizado”. A Advocacia-Geral da União acionou o Supremo Tribunal Federal para que a greve seja considerada ilegal, inclusive com pagamento de multa e cassação de licença.

Tudo isso deveria ter sido feito muito antes, quando ficou claro que o movimento traria imensos transtornos em todo o País. Nesse sentido, o governo demonstrou lentidão excessiva para reagir à greve, permitindo que o movimento ganhasse força, a ponto de julgar-se em condições de chantagear toda a sociedade e de ignorar o acordo para encerrar o protesto. A propósito, é o caso de questionar onde estava a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que não detectou a possibilidade de deflagração de um movimento dessa magnitude, cuja dimensão representa ameaça evidente à segurança nacional – com aeroportos fechados, carros da polícia sem combustível, desabastecimento generalizado e possibilidade concreta de tumultos em todo o País. É justamente para prevenir tais situações que a Abin existe.

Reação tardia: Editorial | Folha de S. Paulo

Após ceder a demandas de caminhoneiros, governo decide usar forças de segurança contra abusos

O governo rendeu-se de imediato à chantagem do desabastecimentodas cidades, até que fosse tarde demais. Nos termos de sua capitulação quase incondicional, prometeu entregar fundos do Tesouro Nacional aos vitoriosos caminhoneiros e empresas de transporte de carga. Não bastou.

Mantido o tumulto em todo o Brasil, o presidente Michel Temer (MDB) decidiu nesta sexta-feira (25) recorrer a forças policiais e militares, que há muito deveriam estar em operação preventiva.

Manifestantes que impedem o direito de ir e vir e ameaçam o bem-estar da população, privando-a de combustíveis e outros bens essenciais, conseguiram impor ao Planalto —e a um Congresso acovardado e oportunista— concessões orçamentárias que demandariam, no mínimo, análise mais detida.

No afã de conter a paralisação conduzida pelos motoristas, o governose comprometeu a, entre muitas outras medidas, interromper a política de correções diárias do preço do óleo diesel, compensando as perdas da Petrobras com dinheiro do contribuinte.

Tamanha generosidade, irrefletida e insustentável, apenas encorajou a desfaçatez dos grevistas, que mantiveram o país alarmado com suas táticas abusivas.

Governos estaduais e municipais tiveram de tomar atitudes diante das ameaças aos serviços públicos. O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), decretou estado de emergência na cidade; providência similar se viu em Pernambuco.

Governadores cobram e PT leva a Lula ‘plano B’

Partido vai mostrar ao ex-presidente, preso em Curitiba, 4 cenários com nomes para vice; sigla provoca líder a rever pré-candidatura

Ricardo Galhardo | O Estado de S. Paulo

O PT vai encaminhar ao expresidente Luiz Inácio Lula da Silva proposta dos governadores petistas de abrir negociações para a escolha do vice na chapa do partido para a disputa presidencial. Na prática, isso é interpretado por setores da sigla como a primeira vez o PT vai provocar Lula, condenado e preso na Operação Lava Jato, a se manifestar sobre a possibilidade de ser substituído na eleição do dia 7 de outubro.

Duas semanas atrás a corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil (CNB), da qual Lula faz parte, tentou barrar o debate quanto à escolha do vice por entender que isso desencadearia novas especulações sobre um “plano B”.

Segundo fontes que participaram da reunião entre a direção petista e os governadores do partido, quarta-feira, em Brasília, ao menos dois dos quatro cenários em estudo no PT apontam a indicação de possíveis planos B para a vice.

O principal deles é a indicação de um petista. Os nomes cogitados são os do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, os ex-ministros Jaques Wagner e Celso Amorim e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Qualquer um destes nomes poderia substituir Lula caso o petista seja barrado pela Justiça.

O segundo cenário é a escolha de Ciro Gomes, candidato a presidente pelo PDT. No caso de Ciro vale a mesma lógica. Se Lula for barrado, o pedetista viraria candidato a vice. Esta hipótese esbarra em Ciro que não abre mão de encabeçar a chapa.

Alckmin busca palanques alternativos nos Estados

Eleição. PSDB desiste de candidaturas próprias em disputas locais ou fecha apoio a nomes competitivos de outras siglas para tentar fortalecer suporte regional ao presidenciável tucano

Pedro Venceslau | O Estado de S. Paulo.

Estagnado nas pesquisas de intenção de voto, o ex-governador Geraldo Alckmin busca palanques regionais fortes em outros partidos para compensar a falta de candidatos tucanos competitivos nos Estados. A cúpula do PSDB teme que o pré-candidato à Presidência da República fique isolado em colégios eleitorais importantes. No mapa das articulações locais, o partido desistiu de lançar nomes próprios a governador em Estados que foram governados por tucanos até abril desse ano, como o Paraná e o Pará.

Em um ato político realizado ontem em Salvador o deputado federal João Gualberto anunciou que abriu mão de sua précandidatura a governador pelo PSDB para apoiar o ex-prefeito de Feira de Santana José Ronaldo (DEM) – aliado do prefeito da capital baiana, ACM Neto.

O acordo foi fechado em uma reunião de Alckmin com líderes do DEM na quarta-feira em Brasília na qual ficou acertado que sigla vai apoiar o ex-governador, independente do cenário nacional. O acerto garantiu a Alckmin estrutura e apoio político em um Estado que soma mais de 10 milhões de eleitores.

“É importante para uma candidatura presidencial ter capilaridade nos Estados, com o apoio de vereadores e prefeitos. Quem mobiliza essa rede é o candidato a governador. Temos que contar com uma tropa de choque que defenda a nossa bandeira no botequim”, disse o deputado federal Marcus Pestana (MG), secretário-geral do PSDB.

Rio. O Estado que mais mobiliza hoje a atenção dos tucanos é o Rio de Janeiro. O PSDB não tem um nome competitivo no terceiro maior colégio eleitoral do País, com mais de 12 milhões de eleitores. O plano original local era lançar na disputa pelo governo o ex-prefeito de Resende, Noel de Carvalho. Mas por interferência da executiva nacional, o diretório fluminense entrou na lista de candidaturas que foram sacrificadas. “Estamos com pontes abertas com o Eduardo Paes (DEM), Índio da Costa (PSD) e Rubens César Fernandes (PPS)”, disse ao Estado o deputado Otávio Leite, presidente do PSDB-RJ.

Segundo ele, aliança estadual depende do acordo nacional costurado por Alckmin com as três legendas. “O Rio é o Estado onde a eleição está mais aberta. Está tudo confuso”, afirmou.

Para tentar polarizar com Bolsonaro, Ciro quer focar segurança e redes sociais

Sem Lula, pedetista busca consolidação na esquerda com discurso de combate ao crime com respeito a direitos humano

Gustavo Uribe | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA- Em uma estratégia de polarização do debate presidencial, o pré-candidato do PDT ao Planalto, Ciro Gomes, investirá até agosto nos dois principais trunfos eleitorais de seu adversário do PSL, o deputado federal Jair Bolsonaro (RJ): a bandeira da segurança pública e a capilaridade nas redes sociais.

A avaliação da equipe de campanha é de que a formatação de um discurso contrário ao do capitão da reserva no que são considerados seus pontos fortes pode consolidar o pedetista no campo da esquerda e o legitimar como um nome capaz de enfrentar o presidenciável de direita em um eventual segundo turno.

No cenário da pesquisa Datafolha realizada no mês passado que não inclui candidato do PT ou Michel Temer (MDB), Ciro pontua com 9% das intenções de voto, contra 17% de Bolsonaro e 16% de Marina Silva (Rede) —o levantamento inclui Joaquim Barbosa (PSB), com 9%, que ainda não havia desistido de concorrer.

A ideia do grupo de Ciro é também tentar atrair eleitores que passaram a cogitar um apoio ao militar tanto em busca de um nome que passe a imagem de autoridade como pela possibilidade de o ex-presidente Lula, preso desde abril, não participar da disputa eleitoral.

Para evitar que Bolsonaro monopolize o tema da segurança pública, Ciro tem formulado um conjunto de propostas com a colaboração de pensadores dos assuntos, como o antropólogo Luiz Eduardo Soares e o filósofo Roberto Mangabeira Unger.

Um dos autores de "Elite da Tropa", livro que deu origem ao filme "Tropa de Elite", Soares, que já foi secretário nacional de Segurança Pública, tem dado contribuições a todos os candidatos da esquerda e prega uma política de combate à violência que não seja dissociada da defesa dos direitos humanos.

Eleição presidencial será teste para sistema político, dizem especialistas

Em debate na Folha, acusações de corrupção e pessimismo na economia são apontados como desafios

Ricardo Balthazar | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A eleição presidencial deste ano será um teste de resistência para o sistema político brasileiro, na avaliação de um grupo de especialistas reunidos pela Folha para um debate na noite de quinta (24)

Sua sobrevivência dependerá da capacidade dos principais partidos de oferecer respostas convincentes aos anseios da população num ambiente marcado pelo pessimismo dos eleitores e pelo descrédito dos políticos, eles disseram.

O evento reuniu os cientistas políticos Fábio Wanderley Reis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Abrucio e Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino.

“Há um desejo de ruptura, e quem souber expressar a indignação que os eleitores estão sentindo terá vantagem”, afirmou Paulino. “Mas a dificuldade para convencer as pessoas é muito maior hoje.”

Segundo a pesquisa mais recente do Datafolha, concluída em abril, 67% dos eleitores dizem não ter candidato quando instados pelos entrevistadores a revelar espontaneamente suas preferências.

Quando apresentados a cenários que excluem ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba e deve ser impedido pela Justiça de disputar a eleição, até 28% dos eleitores disseram não ter em quem votar.

“O eleitor não tem esperança nesse sistema e isso é preocupante”, disse Abrucio. “O país está em frangalhos e o próximo presidente não governará se não responder a isso.”

Pereira observou que os dois candidatos que lideram a corrida na ausência de Lula --o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e a ex-senadora Marina Silva (Rede)-- não têm nenhuma das vantagens que garantiram a vitória em eleições presidenciais anteriores, como partidos fortes e enraizados e apoio de outras siglas.

"Se os mecanismos tradicionais ainda funcionam, esses dois candidatos vão desidratar", disse Pereira, sugerindo que isso abriria caminho para políticos como o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), que apareceram empatados em segundo lugar na pesquisa de abril do Datafolha.

Carminho e Chico Buarque - Falando de Amor

Manoel de Barros: O menino que carregava água na peneira

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e
sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo
que catar espinhos na água.
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces
de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio, do que do cheio.
Falava que vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito,
porque gostava de carregar água na peneira.
Com o tempo descobriu que
escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça,
monge ou mendigo ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!