STF abre novo inquérito sobre presidente da Câmara
• Corte vai investigar contas de Eduardo Cunha na Suíça
Por Carolina Brígido e Jailton de Carvalho - O Globo
BRASÍLIA - O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou nesta quinta-feira a abertura de novo inquérito contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A pedido do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o parlamentar será investigado por manter contas bancárias secretas na Suíça com dinheiro desviado da Petrobras. O caso chegou na quarta-feira à noite ao gabinete de Zavascki, relator da Lava-Jato no tribunal.
O Ministério Público Federal quer investigar se Cunha cometeu outros crimes, como sonegação fiscal e evasão de divisas. O peemedebista não declarou a existência das contas à Receita Federal e à Justiça Federal.
Segundo investigações de procuradores suíços, as contas de Cunha e da mulher dele, a jornalista Cláudia Cruz, receberam mais de R$ 22 milhões nos últimos anos. Desse total, aproximadamente R$ 5,3 milhões teriam sido obtidos com propina paga pelo lobista João Augusto Henriques em retribuição à venda de parte de um campo de petróleo da Companie Beninoise des Hidrocabures Sarl, no Benin, para a Petrobras. A suposta fraude já está sendo investigada na Operação Lava-Jato.
Cunha já responde a outro inquérito no STF em decorrência da Lava-Jato. Ele foi denunciado pelo procurador-geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Janot fez o pedido de abertura do segundo inquérito para apurar o suposto envolvimento do presidente da Câmara com fraudes na Petrobras a partir de um relatório do Ministério Público da Suíça. Segundo o documento, Cunha e sua mulher têm quatro contas no Julius Baer, na Suíça, em nome de off-shores sediadas em paraísos fiscais. O relatório dos suíços põe por terra declaração de Cunha que, em depoimento à CPI da Petrobras, disse que não tinha contas bancárias na Suíça.
O PGR enviou ao STF cópia de todo o material que veio das investigações da Suíça. Além de Cunha, o pedido de abertura de inquérito também abrange a mulher dele e a filha Danielle Dytz da Cunha Doctorovich.
Cunha comenta pedido
Antes de o pedido do PGR ser aceito pelo Supremo, Cunha disse ver como uma “solução” se o Supremo Tribunal Federal (STF) acatar a demanda do Ministério Público. Para Cunha, se isso acontecer, ele poderá ter acesso ao conteúdo das denúncias de que é alvo para melhor se defender.
– Prefiro que tenha alguma coisa às claras para que eu possa ter acesso. Na medida em que se pede instauração de inquérito, a gente vai ter acesso e vai se defender. Não vejo isso como um problema, pelo contrário, vejo como uma solução. É bom que tenha um instrumento para que a gente possa ter ciência e poder se defender – afirmou o peemedebista, alegando que ainda não foi notificado e que seu advogado irá tomar providências.
Os procuradores suíços suspeitam que Cunha usou as contas para receber dinheiro de propina. Rastreamento de parte da movimentação financeira do presidente da Câmara indica que uma das contas, a Orion, recebeu cinco depósitos no valor total de R$ 5,3 milhões do lobista João Augusto Henriques. Os depósitos foram feitos entre maio e junho de 2011. A série de depósitos começou menos de um mês depois da venda de 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo da Companie Beninoise para a Petrobras, negociado intermediado por João Henriques.
O lobista está preso desde o mês passado em Curitiba. Em depoimento da Polícia Federal, João Henriques disse que fez os depósitos da Orion a pedido do lobista Felipe Diniz, filho do ex-deputado Fernando Diniz (PMDB-MG), já falecido, um dos principais aliados de Cunha. Os depósitos seriam uma retribuição a pessoas que ajudaram na concretização do negócio com informações privilegiadas. Só mais tarde ele teria descoberto que a conta era do presidente da Câmara.
Contas em nome de off-shores
Pelo relatório dos suíços, a Petrobras depositou US$ 34,5 milhões numa conta do empresário Idalecio Oliveira em 3 de maio 2011, suposto dono da Beninoise e sócio de João Henriques na transação com a estatal brasileira. Em 30 de maio, ou seja, menos de um mês depois, João Henriques usou uma conta da off-shore Acona no BSI para começar a série de pagamentos a Cunha. Ele teria feito os pagamentos com parte de US$ 10 milhões que recebeu de Idalécio em 5 de maio de 2011, ou seja, dois depois do desembolso da Petrobras para a Beninoise.
Pelo rastreamento dos suíços, antes de chegar a conta da Acona, o dinheiro teria passado ainda por uma segunda conta de Idalecio em nome da Lusitânia Petroleum, no BSI. Para os suíços, movimentação do dinheiro em várias contas em nomes de off-shores seria uma clara tentativa de camuflar a origem dos recursos. O relatório do Ministério Público suíço mostra ainda que as contas de Cunha e da mulher dele receberam mais de R$ 22 milhões nos últimos anos.
As quatro contas de Cunha estão em nomes das off-shores Orion SP (conta 4548.1602), Netherton Investments Ltd (conta 4548.6752), Triumph SP (conta 4546.6857) e Kopek (conta 4547.8512). As off-shores teriam sede nas Ilhas Cayman e Cingapura, entre outros paraísos fiscais. O presidente da Câmara não declarou as contas à Receita Federal e à Justiça Eleitoral. No primeiro semestre, em depoimento gravado, Cunha disse à CPI da Petrobras que não tinha contas bancárias, além daquelas informadas ao Fisco.
Parte do dinheiro da conta da Kopek, que está em nome de Cláudia, foi usado para pagar despesas com dois cartões de crédito internacional, um American Express e outro Corner Card, no valor de U$ 841.731,14 ou RS$ 3,2 milhões, entre 2008 e o início deste ano. Só entre 5 de maio do ano passado até 2 de abril deste ano, o Corner Card foi cobriu gastos da ordem de R$ 601 mil. A Kopek foi usada até para pagar US$ 59,7 mil a IMG Academies, academia de Nick Bollettieri, na Flórida. Bollettieiri é professor de grandes campões de tênis.
Duas das quatro contas de Cunha e da mulher, a Netherton e a Kopek, estão bloqueadas com saldo de aproximadamente US$ 2.593.616,93, o equivalente a quase R$ 10 milhões.Outras duas, a Orion e a Triumph, foram encerradas ano passado, logo depois do início da Operação Lava Jato, conforme revelou o GLOBO na última sexta-feira. As contas Netherton e Kopek foram congeladas em abril do ano passado a partir de uma investigação sobre suposto envolvimento de Cunha com corrupção e lavagem de dinheiro.
Delação
O presidente da Câmara já é alvo de uma outra investigação em tramitação no STF. Em agosto, Janot denunciou Cunha por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele é acusado de receber do lobista Júlio Camargo US$ 5 milhões para facilitar a contratação de dois navios-sondas da Samsung Heavy Industries para Petrobras, um negócio de US$ 1,2 bilhão. Em depoimento ao Ministério Público Federal, Camargo disse que pagou US$ 40 milhões em suborno.
Outros dois acusados de cobrar propina para facilitar a contratação dos navios da Samsung são o lobista Fernando Soares, o Baiano, e o ex-diretor da área de Internacional da Petrobras. Os dois já foram condenados pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba. Baiano foi condenado a 16 anos e um mês de prisão. Cerveró recebeu 12 anos e 3 meses de cadeia. O caso de Cunha será julgado pelo STF. Caberá ao relator do caso, ministro Teori Zavascki, decidir se acolhe a denúncia de Janot.
O procurador-geral pede ainda que o presidente da Câmara e os demais acusados de receber suborno devolvam US$ 80 milhões aos cofres públicos. São US$ 40 milhões relativos a propina e mais US$ 40 milhões a título de reparação do dinheiro desviado da Petrobras.