sábado, 22 de agosto de 2015

Opinião do dia - Roberto Freire

As oposições, por sua vez, devem compreender o recado das ruas e se conectar aos anseios da parcela majoritária da população brasileira, que clama pelo fim do governo Dilma. As forças políticas que se opõem democraticamente ao PT têm de estar preparadas para o impeachment da presidente da República, um processo inexorável em função de reiteradas ilegalidades cometidas, entre as quais as “pedaladas fiscais” que configuram um escandaloso crime de responsabilidade. Além disso, há uma série de irregularidades verificadas nas contas da campanha da então candidata Dilma Rousseff em 2014, o que pode levar à sua cassação por crime eleitoral. A situação é tão grave que até alguns petistas já veem o fim antecipado do atual governo como algo positivo para o próprio PT, que poderia se reconstruir.
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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS. – ‘O recado das ruas e o papel das oposições’, Brasília, 21 de agosto de 2015.

Insatisfeito com ações de Dilma, Temer se afasta

• Desgaste aumentou depois de apelo do vice para ‘alguém’ unir o país

• Decisão de deixar a articulação política foi precipitada pelo comportamento da presidente, que assumiu atribuições da função

O vice-presidente Michel Temer decidiu deixar a articulação política do governo. O desgaste da relação com a presidente Dilma está por trás da decisão. Há quatro meses acumulando as funções de vice e de articulador, Temer incomodou a presidente e ministros do PT ao declarar, há duas semanas, que “alguém” precisava unir o país. Desde então, Dilma passou a mediar conflitos com aliados e a conversar com empresários. Temer vem se sentindo desautorizado com a mudança de conduta da petista. “Ele foi muito maltratado”, sintetizou o ex-ministro Moreira Franco (PMDB).

Em rota de colisão

• Após perceber que Dilma esvaziou suas atribuições, Temer deixará articulação política do governo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Sem ambiente para continuar na articulação política do governo, o vice-presidente Michel Temer prepara sua saída da função, depois de passar a ser desautorizado e perceber que a presidente Dilma Rousseff tomou para si o controle das negociações. O clima entre Temer e Dilma é de estranhamento desde que, no auge da crise política, há duas semanas, o vice declarou que “alguém” precisava unir o país. Ministros petistas consideraram que o peemedebista estava conspirando contra a presidente para assumir seu mandato.

Apesar das explicações de Temer, que afirma que seu objetivo foi apenas pedir responsabilidade à Câmara, Dilma passou a esvaziar o papel do vice na articulação política e a tentar ocupar seu espaço. O pretexto para que Temer deixe o cargo sem que dê conotação de crise é que ele já entregou o que prometeu: a aprovação dos projetos do ajuste fiscal no Congresso. O último projeto, que aumenta impostos de empresas, foi aprovado quarta pelo Senado.

— O ajuste acabou, a missão acabou, e a confiança acabou — resume um peemedebista da cúpula do partido e próximo de Temer.

Ao colunista do GLOBO Ilimar Franco, que noticiou ontem a saída de Temer da articulação, o ex-ministro Moreira Franco disse que a decisão foi tomada pelo próprio vice:

— A decisão foi dele. Não sei. Falo sinceramente. Ele foi muito maltratado. O cristal foi quebrado — disse Moreira.

Ontem, Temer teve encontro reservado com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), em seu escritório de São Paulo, a pedido de Cunha. O assunto conversado ficou em segredo. Cunha e Temer confirmaram o encontro, mas não quiseram fazer comentários. O escritório tem servido de quartel-general do PMDB e da Vice-Presidência.

Depois do mal-estar gerado com a declaração de seu vice, Dilma pediu que os ministros petistas também entrassem na articulação política para ocupar o espaço sob o comando de Temer e do ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), também do PMDB. O passo seguinte foi deixar de prestigiar Temer e assumir para si, por exemplo, a tarefa de resolver conflitos entre aliados por cargos federais e conversar com empresários.

Pessoas próximas a Temer afirmam que a repercussão positiva, principalmente entre o empresariado, do alerta sobre a gravidade da crise feito pelo vice provocou uma “ciumeira” em Dilma e nos ministros petistas.

“Até feijoada do Maluf”
A partir daí, tudo virou motivo de incômodo de parte a parte. Temer não gostou, por exemplo, de Dilma ter ido ao almoço de aniversário do ministro Gilberto Kassab (Cidades), que reuniu deputados do PSD na quarta-feira. A presidente não costuma ir a esse tipo de confraternização. Tanto que Kassab foi avisado de que Dilma compareceria com apenas 40 minutos de antecedência.

— Daqui a pouco ela vai até a feijoada do (Paulo) Maluf — ironizou pessoa próxima ao vice.

No mesmo dia, pela manhã, Temer reuniu no Jaburu 44 empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O grupo defendia índices lineares de aumento dos impostos, em vez de beneficiar só poucos setores. O vice afirmou que, se conseguissem acordo no Congresso, o governo não se oporia. Mas Joaquim Levy (Fazenda) desautorizou o acerto feito por Temer.

Os ministros petistas não confiam em Temer nem em Padilha, e querem afastá-los da articulação política, mas receiam que isso signifique, na prática, um desembarque do PMDB. Assim, adotam o discurso de que o vice passaria a cuidar da “macropolítica”, deixando o varejo das negociações de cargos federais e liberação de emendas.

No último dia 3, Temer ficou melindrado por Dilma não ter feito nenhuma deferência a ele em jantar com líderes da Câmara e do Senado, além de presidentes de partidos. Dilma costumava elogiá-lo nessas ocasiões e agradecer por seu trabalho na articulação política. O vice ficou irritado com insinuações de petistas de que estava gestando um golpe contra Dilma.

Representantes do Judiciário convidados para jantar no Alvorada no último dia 11 afirmaram que Dilma deixou transparecer distanciamento em relação a Temer. Alguns convidados ficaram com a impressão de falta de entrosamento entre os dois. No Congresso, a avaliação é a mesma. Os parlamentares acham que Temer está “sem brilho” na função de articulador.

Um aliado do vice diz que a quebra de confiança é mútua, e que Temer está “psicologicamente fora da articulação”. Quando o vice sairá formalmente do cargo, ainda não se sabe. Temer já falou internamente que isso se dará em setembro. No entanto, em decorrência da denúncia do Ministério Público contra Eduardo Cunha, vem sendo aconselhado a esperar um pouco mais.

Sua saída levará automaticamente a reposicionamento do PMDB no Congresso. As bancadas de Câmara e Senado foram fiéis a Temer na votação do ajuste fiscal, mas, desde a reeleição, sistematicamente, dão dor de cabeça a Dilma. Em novembro, está marcado congresso nacional do PMDB, e Cunha vem defendendo que o partido decida por saída formal do governo. (Colaboraram Cristiane Jungblut e Julianna Granjeia)

Temer deixará a articulação política

Por Andrea Jubé - Valor Econômico

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer devolve a articulação política do governo no fim do mês, ampliando o isolamento político da presidente Dilma Rousseff. Por meio de interlocutores, Temer avisou o Palácio do Planalto que "o cristal trincado, agora quebrou", sobre sua relação com o governo.

O desembarque de Temer e a denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no âmbito da Lava-Jato, acirram a crise. Isso porque a avaliação interna no Planalto é que Cunha intensificará a artilharia contra a presidente, o governo e o PT, enquanto o afastamento do vice-presidente implica a debandada do PMDB do governo. Apesar de uma minoria dissidente, as bancadas pemedebistas, especialmente no Senado, têm mostrado fidelidade ao governo nas votações. A expectativa de governistas é que a contundência das denúncias contra Cunha o fragilizem adiante, mas ninguém acredita que ele perca fôlego, automaticamente, no cargo.

Nos últimos dias, aumentou a pressão no PMDB para que Temer deixe a articulação, antes um movimento restrito a uma minoria. Um dos motivos é o reiterado descumprimento por ministros petistas dos acordos firmados pelo vice com a base aliada.

Outro motivo remonta ao "cristal trincado". A relação de Temer com o Planalto esmoreceu depois que ele fez um apelo pela reunificação nacional. Em uma entrevista coletiva, o vice declarou que era preciso "alguém" capaz de reunificar o país. Mas a leitura de auxiliares presidenciais foi de que Temer teria se colocado como alternativa a Dilma. Fizeram chegar ao vice o aviso de que "o cristal trincou" sobre a relação de confiança dele com Dilma e o governo.

Mas um dirigente do PMDB rebate: "se para eles o cristal trincou, para o Michel quebrou de vez". Questionado se é possível reverter este sentimento, o pemedebista, um dos mais próximos ao vice, reforça: "nunca vi soldar cristal quebrado". Do time dos que defendem a saída de Temer, este pemedebista afirma que o vice "já dedicou tempo demais a isso".

A oportunidade para Temer devolver o cargo surge no fim de agosto, quando dois de seus principais auxiliares deixam os postos: Mozart Vianna, que monitora as votações no Congresso Nacional, e seu braço-direito na articulação, o ministro da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, que volta a se dedicar exclusivamente à pasta. Padilha avisou que voltaria a se ocupar exclusivamente dos aeroportos em entrevista exclusiva ao Valor, há um mês.

Um interlocutor de Temer afirma que o vice vivencia um dilema entre o senso de responsabilidade com o governo num momento de crise aguda e o respeito à sua biografia. Nos últimos 15 dias, em mais de uma circunstância, Temer mostrou indignação com a insinuação de que fez um gesto para atropelar Dilma.

Em conversa reservada com a presidente, colocou o cargo à disposição. Em reunião da coordenação política num domingo no Palácio da Alvorada, Temer disse que não era homem "de agir à sorrelfa", ou seja, sorrateiramente.

Dias depois, no café da manhã no Palácio do Jaburu da cúpula do PMDB com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Temer bateu com as mãos sobre a mesa e afirmou que não retirava nenhuma palavra de seu apelo à unificação nacional. Naquele encontro, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) havia elogiado a fala de Temer, mas ressalvado que o termo "alguém" suscitava dúvidas.

A mágoa de Temer fez soar o alarme entre os petistas, que se movimentam para dissuadi-lo. Os ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, da Defesa, Jaques Wagner, e da Secretaria de Comunicação Social, Edinho Silva, conversaram com ele nos últimos dias. Mas não há aceno concreto do governo, por enquanto, quanto à remoção dos obstáculos impostos, na maior parte das vezes pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda no cumprimento dos acordos firmados pelo vice. Sem isso, com o "cristal quebrado" e sob pressão do PMDB, Temer desembarca.

Pessimismo sobre crise política predomina entre empresários

Por Daniel Rittner - Valor Econômico

BRASÍLIA - Dilma Rousseff e Angela Merkel esperavam tirar férias de 24 horas das crises que vivem no Brasil e na União Europeia, respectivamente, mas as crises foram um dos pratos mais saboreados no almoço em homenagem à chanceler alemã. Auxiliares diretos de Merkel repetiam o termo "louco" ao falar sobre o primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, que havia anunciado sua renúncia horas antes. "Na economia, o pior já passou. Politicamente, o pior ainda pode estar por vir. Tomara que as urnas o levem para casa para evitar esse desastre", afirmava, com franqueza nada diplomática, uma funcionária do gabinete da chanceler.

À espera do almoço, arriscando-se com mini-acarajés e caipirinhas servidos como aperitivo, empresários brasileiros eram taxativos em dizer que é cedo demais para decretar o fim da crise política no Brasil. Mas a presidente não respirou um pouco de uns dias para cá? "O problema é que não há mais conciliação possível entre governo e oposição", lamentou um peso-pesado do PIB, apontando a dificuldade de uma agenda comum. "O preconceito e a ideologia, de lado a lado, são muitos fortes", acrescentava o empresário, argumentando que ficaram muitas feridas abertas com as eleições do ano passado.

Esse mesmo interlocutor fazia uma leitura dos últimos movimentos da iniciativa privada, que saiu em defesa da governabilidade e contra um impeachment, por "pura sobrevivência": um processo de destituição de Dilma levaria seis meses, novas eleições demorariam mais seis meses, e a recessão só se aprofundaria. Ninguém quer isso, quem sabe o Congresso Nacional cria juízo e desiste das pautas-bombas, mas 2016 será mais um ano perdido na economia e poderá ser considerado positivo se Joaquim Levy finalmente conseguir o ajuste que almejava fazer em 2015, embora ele já não seja o mesmo ministro forte e salvador da pátria dos primeiros 90 dias de segundo mandato. Eram esses os comentários que aguardavam a chegada de Dilma ao Palácio do Itamaraty.

A avaliação consensual era de que a presidente ganhou fôlego, tem bem menos chances de cair, mas não consegue se desvencilhar do ambiente negativo e poderá levar o governo na corda bamba ao longo dos próximos três anos. Qualquer fator novo da Lava-Jato ou do PMDB pode causar mais instabilidade. "Em vez de aproveitar a realidade para mudar de pensamento, tem gente que aproveita o pensamento para mudar a realidade", dizia um empresário, ilustrando a dificuldade de Dilma em admitir seus erros.

Intrigada com as manchetes negativas e com os protestos de domingo passado, a auxiliar de Merkel tinha interesse em juntar mais relatos do Brasil. Ouvindo atentamente um resumo da polarização que se vive no país, respondia balançando a cabeça e com uma frase: "Isso é muito triste". Havia grande curiosidade dos alemães em saber quais as reais possibilidades de retomada do crescimento em 2016 ou mais adiante, se há risco de insolvência, se a China tem ganhado espaço na economia brasileira ou se suas recentes promessas de investimento não passam de um conto. E havia também uma afirmação taxativa: "Apesar da crise, vocês não são vistos na Alemanha como a Argentina ou como a Venezuela. Fiquem tranquilos".

Sob pressão do PMDB, Temer deixará posto de articulador

• Vice-presidente quer se afastar de negociação de cargos e verbas com partidos aliados, o que preocupa o Planalto

Temer decide deixar articulação política

• Vice-presidente quer se afastar de negociação de cargos e verbas com partidos aliados, o que preocupa o Planalto

• Peemedebista sofre pressões do partido para sair e diz a aliados estar farto de disputas com ministros petistas

Mônica Bergamo, Andréia Sadi, Natuza Nery, Valdo Cruz – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer (PMDB) decidiu deixar a articulação política do governo com o Congresso, afastando-se da negociação de cargos e verbas com os partidos políticos que dão sustentação ao Palácio do Planalto.

"Eu não posso ficar o tempo todo cuidando do cotidiano da política e de articulações específicas", afirmou Temer a um aliado nesta sexta-feira (21). Ele disse que pretende continuar "na articulação macropolítica, das grandes políticas de Estado".

O vice deverá colocar o cargo à disposição da presidente Dilma Rousseff na semana que vem. Será a segunda vez que faz isso neste mês. A primeira foi há duas semanas, quando a presidente pediu que continuasse na função.

Temer tem sido pressionado pelo PMDB a deixar a articulação política e tem revelado cansaço com as disputas com ministros do PT que também têm atuado como articuladores políticos do governo.

Prevendo que encontrará resistência de Dilma novamente, Temer deverá propor sair da linha de frente aos poucos: deixar primeiro a responsabilidade pela distribuição de cargos e verbas para emendas parlamentares, principal foco de tensão com o Congresso e, depois, se afastar por completo das negociações com o Legislativo.

O problema é que a relação do PMDB com o núcleo palaciano se deteriorou e o partido quer desembarcar da articulação de uma vez e entregá-la de volta ao PT. Uma ala também pressiona para que o PMDB vá além e rompa de vez com o governo.

Procurada, a assessoria de Temer disse que o "vice presidente é o único senhor do momento de permanecer ou sair da articulação politica".

Diante da deterioração no relacionamento de Temer com o Planalto, assessores do vice repetiram considerar a missão do chefe "cumprida" na articulação política e que é hora de deixar a função.

A saída do vice acentuará o pessimismo sobre as condições do Planalto de superar a crise política. Temendo interpretações assim, o governo jogará pesado para mantê-lo no posto. "Temos de reverter esta situação para evitar a piora da crise política", disse um assessor de Dilma.

Bombeiro
Temer foi alçado à condição de bombeiro do governo em abril, quando a presidente deu a ele a função de articulador político do Planalto. Mas logo o vice começou a ser pressionado pelos aliados a se afastar da tarefa.

Há duas semanas, Michel Temer assustou o governo ao declarar que "alguém" precisava reunificar o país. A fala foi interpretada como uma tentativa do vice de se colocar como alternativa a Dilma.

Depois desse episódio, o núcleo palaciano e a presidente apostaram em Renan Calheiros (PMDB-AL) como interlocutor no Congresso. Combinado ao movimento, Dilma e seus auxiliares passaram a se reunir com parlamentares sem comunicação prévia a Temer e seus aliados.

A operação irritou a cúpula peemedebista e fez crescer a pressão para Temer deixar a articulação. Os principais defensores do desembarque são os ex-ministros Moreira Franco e Geddel Vieira Lima e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Em conversa com Temer nesta sexta, Cunha fez um apelo para que o próximo congresso do PMDB, marcado para novembro, seja antecipado para que seja discutido o rompimento com o governo.

Temer decide deixar articulação política

• Vice está insatisfeito com tratamento dispensado a ele por Dilma e pelos petistas; data para desembarque da função ainda não esta definida

• Vice-presidente avalia que pode esperar um pouco para que o desembarque não seja visto como mais um fator de instabilidade política, logo após a denúncia contra o presidente da Câmara

Vera Rosa - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O vice-presidente Michel Temer (PMDB) está disposto a deixar o cargo de coordenador político do governo Dilma Rousseff para se aproximar ainda mais dos partidos de oposição à presidente. O movimento seria uma espécie de alvará para que ele possa intensificar o diálogo iniciado nos últimas dias com líderes do PSDB e que tem no horizonte um apoio dos tucanos a uma eventual gestão Temer no Planalto.

A senha para a movimentação de Temer foi a manifestação pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na segunda-feira passada, defendendo a renúncia de Dilma. Entre tucanos e peemedebistas, as posições de FHC foram interpretadas como um freio nas articulações do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que trabalha pela realização de novas eleições presidenciais.

Alas tucanas alinhadas a FHC e ao senador José Serra (SP) acreditam que não há saída para a crise sem a participação de Temer. Ao longa desta semana, emissários do vice conversaram disseram a tucanos que Temer está disposto a fazer um governo de “transição” caso Dilma não termine o mandato.

Outro compromisso a ser assumido pelo vice, nesse cenário sem Dilma, seria o de não ser candidato à reeleição. Em termos práticos, Temer recebe apoio do PSDB para tirar Dilma e, em contrapartida, abre caminho para uma candidatura tucana em 2018. O vice, no entanto, não abre mão de indicar um nome do PMDB para disputar sua eventual sucessão.

A negociação encontra resistências. Aécio tem fortes restrições à possibilidade de Dilma renunciar por avaliar que os tucanos não podem perder o protagonismo no movimento pelo impeachment da presidente e porque sonha em usar seu bom momento nas pesquisas de intenção de voto para presidente numa nova eleição – ele é o primeiro colocado nas mais recentes sondagens.

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que também resiste a qualquer tipo de afastamento da presidente porque planeja ser candidato somente em 2018, passou a avaliar de maneira positiva a possibilidade de um governo Temer porque, nesse arranjo, Alckmin também se manteria no jogo até lá.

Prazo. Temer avalia, no entanto, que pode esperar um pouco para que seu desembarque da articulação política não seja visto como mais um fator de instabilidade política, logo após a denúncia contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado pela Procuradoria-Geral da República de corrupção e lavagem de dinheiro.

Temer conversou com Cunha nesta sexta-feira, 21, em São Paulo. O presidente da Câmara garantiu que não renunciará, mas avisou que passará a defender “com vigor” o rompimento do PMDB com o governo Dilma Rousseff. Não foi surpresa: dias antes de ser denunciado, Cunha já tinha dito a Temer e a líderes do governo que não cairia sozinho.

Aborrecido com “olhares enviesados” de petistas, após fazer um apelo pela reunificação nacional, e pressionado pelo PMDB, partido que comanda, Temer não definiu a data de saída da articulação política, mas já disse a amigos que o trabalho tem “prazo de validade”.

Oficialmente, o argumento do vice é o de que havia se comprometido a fazer a articulação do Planalto com o Congresso até a votação das medidas do ajuste fiscal e o último projeto, que reonera a folha de pagamento das empresas, foi votado na quarta. Braço direito de Temer, o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), também pretende sair da articulação política do governo e se dedicar exclusivamente à sua pasta.

Padilha está insatisfeito por considerar que vem sendo sabotado pelo PT, mas ficou furioso após ter sido desautorizado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nos últimos dias. A crise ocorreu porque Padilha havia prometido a líderes de partidos aliados liberar R$ 500 milhões para pagamento de emendas parlamentares, mas, na última hora, Levy entrou em cena e proibiu o desembolso.

Na quarta-feira à noite, o ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, procurou Temer e Padilha, na tentativa de desfazer o mal-estar. Até agora, ninguém no governo arrisca um palpite sobre o desfecho da crise com o PMDB.

Movimento do vice será um gesto em direção aos tucanos

Alberto Bombiig - O Estado de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer (PMDB) está disposto a deixar o cargo de coordenador político do governo Dilma Rousseff para se aproximar ainda mais dos partidos de oposição à presidente. O movimento seria uma espécie de alvará para que ele possa intensificar o diálogo iniciado nos últimas dias com líderes do PSDB e que tem no horizonte um apoio dos tucanos a uma eventual gestão Temer no Planalto.

A senha para a movimentação de Temer foi a manifestação pública do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), na segunda-feira passada, defendendo a renúncia de Dilma. Entre tucanos e peemedebistas, as posições de FHC foram interpretadas como um freio nas articulações do senador Aécio Neves (PSDB-MG), que trabalha pela realização de novas eleições presidenciais. Alas tucanas alinhadas a FHC e ao senador José Serra (SP) acreditam que não há saída para a crise sem a participação de Temer. Ao longo desta semana, emissários do vice disseram a tucanos que Temer está disposto a fazer um governo de "transição" caso Dilma não termine o mandato.

Outro compromisso a ser assumido pelo vice, nesse cenário sem Dilma, seria o de não ser candidato à reeleição. Em termos práticos, Temer recebe apoio do PSDB para tirar Dilma e, em contrapartida, abre caminho para uma candidatura tucana em 2018. O vice, no entanto, não abre mão de indicar um nome do PMDB para disputar sua eventual sucessão - este é um dos pontos de divergência entre os envolvidos no acordo.

A negociação encontra resistências. Aécio tem fortes restrições à possibilidade de Dilma renunciar por avaliar que os tucanos não podem perder o protagonismo no movimento pelo impeachment da presidente e porque sonha em usar seu bom momento nas pesquisas de intenção de voto numa nova eleição - ele é o primeiro colocado nas mais recentes sondagens.

Gilmar Mendes pede ação contra campanha de Dilma

• Para ministro do TSE e do STF, há indícios de que PT foi beneficiado na eleição pelo petrolão; partido nega

Ministro do TSE pede ação contra campanha de Dilma

• Gilmar Mendes aponta indícios de que dinheiro do petrolão financiou reeleição

• Despacho sugere que procurador-geral abra investigação sobre uso de recursos de origem ilícita na campanha

Andréia Sadi, Márcio Falcão, Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, integrante do Supremo Tribunal Federal e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral, pediu nesta sexta-feira (21) que a Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal investiguem indícios de que recursos desviados da Petrobras ajudaram a financiar a campanha da presidente Dilma Rousseff à reeleição.

Em seu despacho, o ministro citou informações obtidas durante as investigações da Operação Lava Jato sobre a corrupção na Petrobras e as doações registradas na Justiça Eleitoral por empresas investigadas sob suspeita de participação no esquema.

"Há vários indicativos que podem ser obtidos com o cruzamento das informações contidas nestes autos [...] de que o PT foi indiretamente financiado pela sociedade de economia mista federal Petrobras [o que é proibido por lei]. [...] Somado a isso, a conta de campanha da candidata também contabilizou expressiva entrada de valores depositados pelas empresas investigadas", disse Mendes.

Entre os elementos da Operação Lava Jato usados pelo ministro está trecho da delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa em que ele afirma ter doado R$ 7,5 milhões para a campanha de Dilma em 2014 por temer prejuízos em seus negócios na Petrobras se não ajudasse o PT.

Os técnicos do TSE calcularam que empresas sob suspeita de participar do esquema doaram R$ 172 milhões ao PT entre 2010 e 2014. Mendes afirma que parte desses valores foram transferidos pelo partido para os cofres da campanha de Dilma à reeleição.

"Durante a campanha presidencial, além das doações [...] repassadas pelo partido político, a candidata recebeu expressivas doações das empresas investigadas, no valor total de R$ 47,5 milhões", de acordo com o despacho.

Por fim, o ministro também pede investigação sobre despesas da campanha de Dilma que considera suspeitas, entre elas gastos declarados com a gráfica Focal.

Conforme a Folha revelou, a Focal foi a segunda empresa que mais recebeu da campanha de Dilma, apesar de estar registrada, oficialmente, no nome de um motorista da empresa.

"Assim, tenho por imprescindível dar conhecimento às autoridades competentes sobre os indicativos da prática de ilícitos eleitorais e de crimes de ação penal pública", afirma Mendes. Além da Procuradoria-Geral da República e da Polícia Federal, ele pediu que a Corregedoria-Geral Eleitoral tome providências.

As contas da campanha de Dilma à reeleição foram aprovadas no ano passado, mas Gilmar Mendes determinou na ocasião que as autoridades continuassem investigando suspeitas de irregularidades que teriam sido cometidas durante as eleições.

Questionado sobre o pedido, o ministro Edinho Silva, chefe da Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto, que foi tesoureiro da campanha de Dilma em 2014, disse que "todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que, após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade".

Ações
Tramitam atualmente no TSE quatro ações que questionam a prestação de contas da campanha petista à Presidência, todas movidas pelo PSDB, que faz oposição ao governo. Na semana passada, um pedido de vistas do ministro Luiz Fux suspendeu o andamento de um desses processos no TSE.

A decisão foi tomada numa sessão tensa, marcada por provocações entre os ministros do tribunal.

Gilmar Mendes disse que não se pode transformar o país em um "sindicato de ladrões". O ministro apresentou um voto, muitas vezes em tom emotivo, cobrando coragem do tribunal para discutir os processos sobre cassação.

Se comprovadas irregularidades no processo eleitoral, a chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer pode ser cassada. Neste caso, uma nova eleição presidencial pode ser convocada.

Gilmar Mendes pede investigação de campanha de Dilma

• Em relatório encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Federal, o ministro indica 'vários indícios' de que a campanha da petista teria sido financiada por recursos desviados da Petrobrás

Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O ministro Gilmar Mendes, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pediu a investigação de suposta prática de atos ilícitos na campanha que reelegeu a presidente Dilma Rousseff em 2014. Em despacho encaminhado hoje à Procuradoria-Geral da República (PGR) e à Polícia Federal, o ministro indica "potencial relevância criminal" na campanha petista. O ministro pediu ainda que a Corregedoria-Geral da Justiça eleitoral apure se houve descumprimento das leis eleitorais. "Além da violação à legislação eleitoral, há potencial relevância criminal nas condutas", diz o despacho, no qual o ministro sugere que há motivos para que seja aberta uma ação penal pública.

Sobre o descumprimento à legislação eleitoral, Gilmar utiliza informações reveladas pelas investigações da Operação Lava Jato para dizer que a campanha foi supostamente financiada com recursos da Petrobrás. Por ser uma empresa de capital misto (recursos públicos e privados) a petroleira é vedada de financiar campanhas eleitorais. "As doações contabilizadas parecem formar um ciclo que retirava os recursos da estatal, abastecia contas do partido, mesmo fora do período eleitoral, e circulava para as campanhas eleitorais", escreveu o ministro.

Além disso, Gilmar lança suspeita de que houve uso de recursos publicitários para financiamento da campanha, o que é vedado pela legislação. Para tal, o ministro cita delação premiada do lobista Milton Pascowitch, que afirmou a investigadores que parte dos recursos de propina teria sido repassada a pedido do então tesoureiro do PT João Vaccari Neto, hoje preso na Lava Jato, ao site Brasil 247, "simulando contrato de prestação de serviços". "O objetivo seria financiar a propaganda disfarçada do Partido dos Trabalhadores e seus candidatos, além de denegrir a imagem dos partidos e candidatos concorrentes", concluiu o ministro. "Em suma, há indicativos de que o partido recebeu auxílio por meio de sociedade de economia mista e publicidade", resume.

Na semana passada, Gilmar havia determinado ao TSE um levantamento para mostrar doações feitas ao PT por empreiteiras investigadas na Lava Jato. De acordo com o levantamento feito pela Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias, as empresas OAS, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, UTC, Camargo Corrêa, Engevix e Odebrecht doaram ao PT, entre 2010 e 2014, R$ 172 milhões.

O ministro citou ainda informações reveladas pelo empreiteiro Ricardo Pessoa, dono da UTC, em acordo de delação premiada, no qual disse ter repassado R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma.

Fornecedores. Além das inconsistências apontas nas doações, o ministro levanta suspeita sobre o pagamento de fornecedores da campanha. "Não bastasse o suposto recebimento pelo partido e pela candidata de dinheiro de propina em forma de doação eleitoral, há despesas contabilizadas na prestação de contas da candidata de duvidosa consistência", afirmou. "Assim, ao que parece, havia, supostamente, entrada ilegal de recursos públicos e saída de dinheiro da campanha em forma de gastos mascarados."

As contas de campanha da presidente Dilma e do PT foram aprovadas com ressalvas pelo TSE em dezembro de 2014. A aprovação se deu na Corte por unanimidade após os ministros acompanharem o voto do relator, que foi o próprio Gilmar. No despacho ele justificou seu voto pela aprovação alegando que "apenas no ano de 2015, com o aprofundamento das investigações no suposto esquema de corrupção ocorrido na Petrobrás, vieram a público os relatos de utilização de doação de campanha como subterfúgio para pagamento de propina".

Logo após o despacho do ministro, a Secretaria de Comunicação Social do Palácio do Planalto emitiu nota afirmando que: "Todas as contribuições e despesas da campanha de 2014 foram apresentadas ao TSE, que após rigorosa sindicância, aprovou as contas por unanimidade", diz a nota assinada pelo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva, que foi o tesoureiro da campanha de Dilma no ano passado.

O TSE tem hoje quatro ações que contestam a legitimidade da eleição de Dilma Rousseff, todas pedidas pelo PSDB. Essas ações podem gerar, no limite, a cassação da presidente.

Delator da Lava Jato liga operador do PMDB a Renan, Cunha e Temer

• Lobista Júlio Camargo afirma que Fernando Baiano era conhecido 'por representar' o PMDB

Delator fala em relação de operador do PMDB com Renan, Cunha e Temer

• Lava Jato: Júlio Camargo, que acusou presidente da Câmara de exigir propina de US$ 5 milhões, diz que Fernando Baiano era conhecido ‘por representar’ o PMDB

Por Talita Fernandes e Beatriz Bulla – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Em depoimento prestado à Procuradoria-Geral da República (PGR), o lobista Júlio Camargo – que relatou pagamento de propina ao presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – afirmou que o lobista Fernando Soares era conhecido por representar o PMDB, o que incluiria, além de Cunha, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o vice-presidente da República Michel Temer.

“Havia comentários de que Fernando Soares era representante do PMDB, principalmente de Renan, Eduardo Cunha e Michel Temer. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”, consta em relatório dos investigadores sobre o primeiro depoimento prestado por Júlio Camargo à PGR, em março. Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, foi responsável por intermediar pagamento de propina combinada com Júlio Camargo para facilitar um contrato de aquisição de navios-sonda pela Petrobras com a coreana Samsung Heavy Industries Co.

Em outro ponto do depoimento, ao mencionar que o PMDB deu apoio ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, Camargo volta a citar de forma vaga os três nomes e também o nome do empresário José Carlos Bumlai. O relatório da Procuradoria aponta dentro do depoimento de Camargo que Bumlai seria amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Na área interna o depoente negociava diretamente com Paulo Roberto Costa. Fenando Soares – era corrente – que representava o PMDB . Depois o PMDB tambcm ‘entrou para fortalecer’ Paulo Roberto Costa. Ambos então ‘ficaram muito fortes’. Fala-se de Renan Calheiros, Eduardo Cunha, Michel Temer, José Carlos Bumlai (que seria muito amigo do ex-presidente Lula)”, aponta o relatório da PGR sobre o depoimento de Camargo.

Os três depoimentos de Camargo o grupo de trabalho do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, permaneciam em sigilo até hoje, e serviram de fundamento para o oferecimento de denúncia contra o peemedebista por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Renan foi denunciado, mas não cobram sua saída, afirma Cunha

• Acusado de receber propina do petrolão, presidente da Câmara nega intenção de renunciar

• Presidente do Senado foi acusado em 2013 de receber recursos de empreiteira para pagar pensão a uma filha

Andréia Sadi, Alexandre Aragão – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - Denunciado pela Procuradoria-Geral da República, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse à Folha nesta sexta (21) que tem "plenas condições'' de comandar a Casa e comparou a sua situação com a de Renan Calheiros, presidente do Senado (PMDB-AL).

Renan foi acusado em 2013 de falsidade ideológica e suposta prática de peculato e agora também é investigado na Operação Lava Jato.

"Ninguém cobra a saída do Renan. Tem uma denúncia proposta pelo Supremo Tribunal Federal há dois anos e meio e até hoje não foi decidida. E eu acho que ele tem total condição de presidir o Senado'', disse Cunha.

A acusação de 2013 contra Renan trata de suspeitas de que uma empreiteira pagava pensão a uma filha que ele teve fora do casamento com a jornalista Mônica Veloso. O caso tramita até hoje no Supremo sob segredo de Justiça, sem decisão.

Nesta quinta-feira (20), a Procuradoria-Geral da República denunciou ao STF a primeira leva de políticos alvos da Lava Jato. Cunha foi acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, sob a suspeita de ter recebido US$ 5 milhões em propina.

Mesmo denunciado, o peemedebista disse que não renunciará ao cargo de presidente da Câmara. Um grupo de deputados de diferentes partidos, liderados pelo PSOL, fará um manifesto pedindo o seu afastamento.

Nos bastidores, integrantes do governo e o comando do PT também desejam a saída de Cunha, que rompeu com o Planalto em julho, mas acham difícil que ela ocorra imediatamente. Para ministros, o governo passa a rivalizar com um "inimigo enfraquecido", mas ainda muito influente na Câmara.

Cunha disse que o governo pode "perder as esperanças'' de desestabilizá-lo e afirmou que não vai retaliar ''quem quer que seja'', mas alfinetou o governo. ''Quem provavelmente está fazendo esse movimento é quem deve estar preocupado com as consequências da minha atuação."

Questionado se era uma referência ao andamento de um pedido de impeachment, respondeu: ''Não necessariamente''.

'Guerreiro'
Cunha participou nesta sexta de evento na Força Sindical, em São Paulo, onde foi recebido aos gritos de "Cunha, guerreiro do povo brasileiro". "Não há uma única prova contra mim nas páginas da denúncia", afirmou.

O peemedebista disse ser "muito estranho" que a denúncia contra ele tenha saído no mesmo dia em que ocorreram atos em defesa do governo em todo o país.

"É muito estranho que num dia em que tem evento daqueles que recebem dinheiro público, pão com mortadela [...], querem achar que toda essa lama tenha que ir para o colo de alguém que não participou dela", disse, afirmando que houve "truques de comunicação" para atingi-lo. "Graças a Deus a gente não tem pena de morte no Brasil", completou Cunha. "Senão pediriam a minha morte [na denúncia]."

Integrantes da Força Sindical ecoaram o discurso do peemedebista, dizendo que ele é alvo de perseguição do PT e do Planalto. Gritavam: "Ai, ai, ai, agora a Dilma cai" e "Cunha é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo".

Colaborou Márcio Falcão

Lula agora quer Dirceu longe do PT

Para tentar diminuir o estrago ao PT causado pela prisão do ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente Lula quer convencer o petista a se desfiliar do partido.

Lula tenta levar Dirceu a se desfiliar do PT

• Segundo petistas, temor é que Lava-Jato aumente desgaste do partido

- O Globo

BRASÍLIA - O ex-presidente Lula tenta convencer o ex-ministro José Dirceu, preso na Operação LavaJato, a se desfiliar do PT, para tentar diminuir o desgaste do partido e do governo por eventual condenação do petista pela corrupção na Petrobras. Apesar do mal-estar no PT com as acusações de enriquecimento pessoal, Dirceu ainda tem força no partido que ajudou a fundar. O temor de dirigentes petistas é que eventual processo de expulsão de Dirceu seja rejeitado pela Comissão de Ética ou pelo Diretório Nacional, aumentando o desgaste da legenda.

— Se o Zé gosta tanto do PT, por que não ajuda e se desfilia? — disse um petista próximo a Lula.

A operação para tentar convencer Dirceu a se desfiliar é delicada. Há preocupação em não melindrá-lo, já que ele foi o homem forte do primeiro mandato de Lula. Procuradores acusam o ex-ministro de sistematizar a corrupção na Petrobras quando estava no governo, com o objetivo de financiar campanhas eleitorais e enriquecer.

No final do ano passado, o Diretório Nacional do PT aprovou resolução estabelecendo que expulsará filiados que comprovadamente tenham praticado corrupção. No dia seguinte à prisão de Dirceu, o presidente do partido, Rui Falcão, afirmou que as acusações contra ele são de “caráter pessoal”. A Executiva Nacional do PT decidiu não defender Dirceu em nota na qual apontou supostos abusos na Operação Lava-Jato.

Petistas ficaram alarmados com o depoimento em que Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão de Dirceu, afirmou ter recebido mesada de R$ 30 mil do lobista Milton Pascowitch entre 2012 e 2013.

A violência da corrupção

• No livro ‘Rio de Janeiro’, Luiz Eduardo Soares recorda episódios durante a campanha e o primeiro governo de Lula, que chama de ‘primórdio do mensalão’

• “Não sei qual o futuro do PT. Mas o PMDB não está aí? O PT deve se tornar um partido como outros, um que faz o jogo de ocasião”

André Miranda - O Globo

São muitas as violências relatadas em “Rio de Janeiro”, livro que o antropólogo Luiz Eduardo Soares lança na semana que vem, pela editora Companha das Letras. As violências narradas no livro, contudo, ultrapassam o campo da segurança. Ao lado de histórias de abusos policiais e atentados, Soares trata de esquemas de corrupção na Polícia Rodoviária Federal, conchavos nem sempre legais entre partidos e ainda o que o autor chama de “primórdio do mensalão”.

A obra traça um panorama da cidade a partir de histórias coletadas por Soares, inclusive nos períodos em que ocupou os cargos de coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio, entre 1999 e 2000, no governo de Anthony Garotinho; e de secretário nacional de Segurança, de janeiro a outubro de 2003, durante a Presidência de Lula. Da primeira função, ele foi demitido por Garotinho, numa entrevista ao vivo ao “RJ-TV”, dias depois de ter denunciado a existência de uma “banda podre” na polícia fluminense. Da segunda, pediu exoneração após ser acusado de nepotismo por ter contratado mulher e ex-mulher para prestar serviços à Secretaria. Soares foi ainda candidato a vice-governador na chapa de Benedita da Silva em 2002, mas a dupla perdeu a eleição para Rosinha Garotinho. Já nas duas últimas eleições para a Presidência, fez parte da campanha de Marina Silva.

Logo no primeiro capítulo de “Rio de Janeiro”, o antropólogo lembra os dez meses em que trabalhou no governo federal, quando teria recebido denúncias contra a superintendência da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Rio. Ele conta que levou as suspeitas contra um dirigente da PRF para o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mas foi rechaçado por uma revelação: “Ele próprio estava muito chateado e desconfortável, mas, infelizmente, fora impossível impedir a nomeação. José Dirceu já havia negociado com Roberto Jefferson aquela superintendência”, escreveu Soares.

O autor relata, ainda, que recebeu a visita de um homem no segundo semestre de 2002, que fez referência ao bicheiro Carlinhos Cachoeira — o qual se revelaria, em 2005, uma das figuras centrais do escândalo do mensalão. O homem teria dito: “O esquema de arrecadação montado no Rio para a campanha nacional é coisa de amador. Mal rende R$ 300 mil por mês. Essa coisa de bicheiro, maquininha de azar, bingo, isso é mixaria e pode criar dificuldades, o senhor sabe. Dá uma merreca e acaba dando merda”.

No livro, Soares conta que revelou a conversa a dois dirigentes nacionais e deputados do PT, nenhum deles identificado. E que, pouco depois, foi afastado da campanha.

— Eu já havia tornado públicos alguns desses pontos em entrevistas, mas agora resolvi fazer uma narrativa contínua, que permita uma compreensão abrangente — explica Soares.

O antropólogo conta que deixou o PT por conta das críticas sofridas na época, em especial do então presidente do partido, José Genoino.

— Não sei qual o futuro do PT. Mas o PMDB não está aí? O PT deve se tornar um partido como outros, um que faz o jogo de ocasião, que depende da máquina do poder para se reproduzir e que diz o que é necessário para vencer uma eleição — afirma Soares.

País perdeu quase meio milhão de empregos formais este ano

• Só em julho, foram cortados 157.905 postos. Indústria teve mais demissões

Geralda Doca - O Globo

O mercado formal de trabalho cortou em julho 157.905 vagas. Foi o quarto mês consecutivo em que as demissões superaram as contratações e o pior resultado para o período da série do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, iniciada em 1992. No acumulado do ano, foram eliminados 494.386 empregos contra uma geração de 681.493, entre janeiro e julho do ano passado, considerando os dados ajustados.

Nos últimos 12 meses, o país já perdeu 778.731 empregos com carteira assinada, número que poderá ultrapassar um milhão, segundo especialistas, diante da falta de sinais positivos na economia. Segundo o site Trabalho Hoje, a previsão é que o país perca 1,3 milhão de postos de trabalho este ano.

— O quadro se agravou. Embora agosto e setembro sejam meses positivos (quando se geram mais vagas para atender a demanda de fim de ano), não há sinal de reversão no horizonte. A situação deve piorar. Se estávamos descendo a ladeira a 80 quilômetros por hora, agora estamos a cem — disse Rodolfo Torelly, especialista do site.

No mês passado, com exceção da agricultura, houve corte de vagas em todos os setores da economia, principalmente na indústria de transformação, que extinguiu 64.312 vagas, em todos os 12 subsetores incluídos no Caged. No ano, a indústria foi o setor que mais demitiu, com 226.986 desligamentos.

Os segmentos ligados ao ramo automotivo (indústria metalúrgica, mecânica, de materiais de transporte, couro e borracha) registram em julho saldo negativo de 26.436 desligamentos, ligeiramente menor que o registrado no mês anterior: 35.373.

Queda generalizada nos serviços
Na ramo de serviços, com exceção dos subsetores de atendimento médico e odontológico, também houve queda generalizada no emprego. No comércio, foram fechados 34.545 postos e, na construção civil, outros 21.996. Já na agricultura, por razões sazonais, houve a geração líquida de 24.465 postos.

Todas as cinco regiões do país registraram saldos negativos, mas, de acordo com o Caged, o maior número de desligamentos aconteceu em São Paulo, que perdeu 38.109 vagas. O Estado do Rio ficou em segundo lugar, com 19.457 postos fechados, e o Rio Grande do Sul aparece em terceiro lugar, com fechamento de 17.818 vagas.

O emprego formal caiu mais fortemente nas regiões metropolitanas, que perderam 77.152 postos de trabalho. No interior, o resultado foi negativo em 45.766 contratações.

Anteontem, o IBGE mostrou que a taxa de desemprego em julho nas seis principais regiões metropolitanas subiu para 7,5%. No mês anterior estava em 6,9%. Em um ano, o número de desempregados nessas regiões subiu 56%. A pesquisa do IBGE considera também o emprego informal, sem carteira assinada. Foi a maior taxa de desemprego para o mês de julho desde 2009, quando o país sofria os efeitos da crise financeira global.

Agência contratada pelo PT paga R$ 20 mil de salário a criador de Dilma Bolada

• Jeferson Monteiro, o dono da personagem, encabeça lista de pagamentos da Pepper, a agência que faz guerrilha virtual para o partido

Por: Filipe Coutinho - Revista Época

No PT, existem duas Dilmas. Aquela que preside o país, a Rousseff, de que quase nenhum brasileiro gosta nestes idos de 2015. E a outra, a Bolada, que dois milhões de brasileiros curtem nas redes sociais. Como Bolada diz: “Sou a Rainha da Nação, a Diva do Povo, a Soberana das Américas… Sou linda, sou diva, sou Presidenta. SOU DILMA!”. Dilma Bolada, a caricatura que tem toda a simpatia e toda a verve que tanto faltam à presidente, é criação do publicitário Jeferson Monteiro. Ele sempre jurou – J-U-R-O-U – que fazia a personagem por amor. Mas ÉPOCA descobriu que o publicitário recebe um pixuleco de R$ 20 mil mensais do PT para fazer Dilma divar nas redes e zoar sem dó os adversários políticos da presidente e do partido.

As provas estão em documentos enviados por advogados da agência Pepper Interativa ao Superior Tribunal de Justiça. A Pepper é uma espécie de agência parapartidária do PT. É usada para tudo que o partido não pode fazer diretamente em campanhas ou nas redes sociais – como guerrilha digital a favor do governo e contra os assim declarados inimigos da causa. A Pepper trabalhou nas duas campanhas presidenciais de Dilma – Rousseff, não a Bolada – e tem contrato com o PT. Está sendo investigada no STJ na Operação Acrônimo, em que a PF descobriu evidências dum esquema de lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo o governador de Minas, Fernando Pimentel, e operadores do PT. ÉPOCA já mostrou que a dona da Pepper, Danielle Fonteles, é investigada por intermediar pagamentos do BNDES para a mulher do governador Fernando Pimentel, Carolina Oliveira, no período que ele era ministro de Dilma e chefiava o banco. Dani, como é chamada, usou até contas secretas na Suíça para receber dinheiro, enquanto pagava faturas de cartão de crédito da mulher de Pimentel.

No ano passado, ÉPOCA revelou que o criador de Dilma Bolada exigia receber meio milhão de reais da campanha à reeleição da petista. Num ato pouco amoroso, chegou até a tirar a personagem do ar, de modo a pressionar a campanha. Depois mudou de ideia. Quando ÉPOCA revelou o caso, Bolada, ou Jeferson Monteiro, desceu do salto, fez um barraco, reafirmou que a personagem “não estava à venda” - e não recebeu um real do tesoureiro João Vaccari, amigo de Dani. A mesada de R$ 20 mil, intermediada pela Pepper, surgiu logo depois, como “agrado”, nas palavras de um alto dirigente petista. Começou a ser paga neste ano. O dinheiro sai das contas do PT, entra na Pepper e segue para a empresa do publicitário. Nesse caso, não parece haver ilegalidade. Há apenas hipocrisia. É uma relação comercial. Mas a Pepper não quis explicá-la à ÉPOCA.

Jeferson, tampouco. Apesar das evidências, insistiu à reportagem que não recebe do PT para manter o personagem Dilma Bolada. Disse que apenas presta serviços a Pepper. “A Dilma Bolada não está vinculada a nenhuma empresa ou partido. Não está e nem nunca esteve. Como já foi dito exaustivamente, as páginas na internet são independentes e não há nenhuma relação com ninguém para que elas existam ali. O serviço por mim, Jeferson Monteiro, executado está relacionado à comunicação digital e nas redes sociais, análise, produção e estratégia de conteúdo para os clientes da agência”. ÉPOCA pediu um exemplo desses "serviços". Jeferson não quis dar um só exemplo de cliente ou serviço prestado a Pepper. Dois dirigentes do PT e um marqueteiro do partido confirmaram à ÉPOCA que cabe a Pepper, com dinheiro do contrato com a sigla, pagar pelos serviços de Dilma Bolada.

Entre os sites governistas bem pagos, Dilma Bolada tenta ser pelo menos engraçada e popular. Hoje, Jeferson conta com 1.603.243 seguidores no Facebook e 456 mil no Twitter, que se deliciam com as tiradas pagas com dinheiro do PT. “A única preocupação do PSDB e do Aécio hoje é me derrubar da Presidência. Vão trabalhar e aceitem, em 2018 vocês tentam de novo, c...”. Além, claro, de elogios. Quando Dilma brindou com a chanceler alemã Angela Merkel, nesta semana, Jeferson bolou: “Miga, aqui no Brasil a gente brinda com cerveja num copo de boteco mesmo, liga não. Detesto frescura!” ÊTA PRESIDENTA SIMPLES!!!“

Novos documentos obtidos pela reportagem mostram que Danielle, ao se aproximar de petistas, fez fortuna com o dinheiro do PT. Atualmente, a Pepper Interativa tem oito clientes, numa receita mensal na casa de R$ 1,2 milhão. O PT é, de longe, o principal cliente de Danielle. Todo mês o partido paga R$ 530 mil à Pepper, algo como 45% das receitas (declaradas) da empresa. A lista de funcionários da agência, por outro lado, mostra como a operação é lucrativa. Os 61 funcionários da empresa custam por mês R$ 362 mil, uma média de R$ 6 mil por cabeça. O diretor de criação do escritório de Brasília, por exemplo, tem um salário de R$ 11.400. Não é à toa que Dilma Bolada e seus R$ 20 mil mensais são o maior salário da agência do PT. Êta governismo bem pago!

"Há um polo importante de protesto", diz o cientista político José Álvaro Moisés

Por Diego Viana – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

As manifestações de domingo têm sido avaliadas pela quantidade de pessoas que foram às ruas, mas o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo, considera que é muito mais importante a consolidação de um pólo de oposição ativa ao governo federal. Concentrada na classe média, a participação nesses eventos representa a mobilização de uma camada da população capaz de pautar opiniões.

Ao mesmo tempo, e agora com base em pesquisas que conduz na universidade, Moisés manifesta preocupação com a crise generalizada dos partidos brasileiros, incapazes de dialogar com a população e rejeitados por grande número de eleitores.

Valor: Há diferenças entre a manifestação do dia 16 e as do primeiro semestre?

José Álvaro Moisés: As da semana passada deram um foco maior sobre o impeachment, criticando os governos de Dilma e Lula pelo envolvimento do PT com corrupção. O que a manifestação de domingo evidencia é que há um polo muito importante que segue em posição de protesto ativo contra o governo. Uma oposição de natureza diferente daquela que se realiza no Parlamento, mas que permeia segmentos importantes da sociedade. Percorri toda a avenida Paulista no domingo, para observar o tipo de camada social que estava ali. Era a classe média, mas muita gente da baixa classe média. Eu não diria que tinha gente da periferia, mas consolidou-se um polo de oposição ativa muito forte, com diferentes segmentos da classe média. Isso não alivia em nada a situação do Planalto.

Valor: O foco mais claro aumenta a eficácia do movimento?

Moisés: Isso está em disputa. Alguns dados sugerem que houve mais gente se manifestando no dia 16 do que em abril. Outros sugerem que foi menos do que em abril. Mas o peso das manifestações independe do tamanho. Pela terceira vez no primeiro ano de mandato [de Dilma Rousseff], houve grandes manifestações contrárias ao governo, que está em crise também na relação com o Congresso e, em todas as pesquisas de opinião, está em posição extremamente frágil. Não acho que o Planalto se saiu melhor por causa do número menor de pessoas. Vemos a reiteração de uma crítica contundente por um segmento importante do eleitorado. A classe média, além de segmento intermediário entre a base e a cúpula da pirâmide social, é constituída de formadores de opinião.

Valor: A rejeição aos partidos em geral também aparece com força nos dados sobre as manifestações. Sem vínculo partidário, como se canaliza a insatisfação?

Moisés: Os partidos brasileiros vivem seu pior momento desde a redemocratização. O índice de desconfiança está muito alto. Nas pesquisas que conduzo, de 2006 a 2014 o percentual de desconfiança com os partidos supera 80%. Quando perguntamos se a democracia pode funcionar sem os partidos, a resposta positiva saltou de 30% para 45%. É uma coisa grave. E não vejo os líderes partidários enfrentando a questão. Os partidos não estão definindo respostas para a opinião pública, para recuperar a importância que os partidos tiveram na redemocratização. Os eleitores estão distantes dos partidos e os partidos se mantêm distantes dos eleitores.

Valor: Que consequências pode ter a descrença com os partidos?

Moisés: Se os partidos não canalizam a insatisfação, há um hiato importante. Em algumas situações históricas, esses hiatos acabaram servindo a aventuras antidemocráticas. Já tivemos a experiência do caçador de marajás. Aliás, uma das características daquela experiência é que não existia um partido quando Fernando Collor se lançou candidato. Um partido teve que ser montado em seis meses. Circunstâncias dessa natureza podem se prestar a aventuras que muito raramente têm sentido democrático.

Valor: Por que o PSDB, principal partido contrário ao governo, não consegue ser o polo aglutinador da oposição?

Moisés: O PSDB está num percurso errático. Uma hora quer o impeachment, outra hora quer convocar novas eleições, fora das regras constitucionais, outra hora a bancada na Câmara dos Deputados aprova projetos que aumentam os gastos públicos num contexto de ajuste fiscal, contrariando a posição programática. O PSDB não consegue oferecer uma linha clara e isso dispersa a opinião pública. Tenho ouvido muitas dúvidas sobre o papel do PSDB, que teria potencial para constituir-se em polo central das oposições. Tem potencial de apoio eleitoral e tem potencial de presença na Câmara e no Senado, tem potencial de presença em alguns Estados importantes.

Valor: A "Agenda Brasil" traz alguma tranquilidade ao governo?

Moisés: Repetindo o que acontece na história do Brasil, fez-se um acordo de elites. Como demonstram as manifestações, esse acordo está em conflito com uma parte importante da opinião pública. Um tema muito forte das manifestações é a crítica à posição da presidente na campanha eleitoral, quando ela deu uma imagem falsa da situação econômica, como estamos vendo hoje com a inflação e o desemprego. Todo esse cenário foi apresentado de maneira rósea. Ouvi isso de muita gente na manifestação: "Eles mentiram para nós". Mas é inegável que a mudança da conjuntura na última quinzena aliviou a situação de Dilma.

Marco Aurélio Nogueira - O ciclo imperfeito

- O Estado de S. Paulo

Há um clima de fim de ciclo no País: o dos governos do PT e da “hegemonia” petista na política nacional. Fala-se disso na situação e na oposição e os diferentes partidos parecem convencidos de que o futuro nascerá de um movimento de superação. Gostaria de problematizar a ideia.

É melhor ver o esgotamento do ciclo petista - que é real - como parte do esgotamento de um ciclo maior, que deita raízes na redemocratização e no movimento que culminou na Constituição de 1988. Entre 1995 e os dias atuais, este ciclo ganhou força, produziu resultados importantes, chegou ao apogeu e está agora, ao que tudo indica, conhecendo sua desconstrução.

Tivemos no Brasil, durante esse período, um ciclo social-democrata imperfeito. Seu componente social-democrata associa-se à afirmação progressiva de uma grande democracia de massas, de caráter inclusivo e popular. Mas também à implantação do que se tem hoje no País de “Estado de bem-estar”, com políticas sociais importantes, reconhecimento explícito de direitos e uma orientação oficial largamente favorável à melhoria na distribuição de renda e à redução das desigualdades sociais. Associa-se tanto às políticas de estabilização monetária e responsabilização fiscal dos anos FHC quanto às políticas assistencialistas e de renda dos anos Lula; tanto ao esforço de redimensionamento e racionalização do Estado e da administração pública quanto à busca de novas formas de inserção internacional do País.

Tal ciclo, porém, não conseguiu atingir a “perfeição”, ou seja, tornar-se sustentável. Nem sequer chegou a ganhar plena coerência, a sintonizar seus termos e componentes ou a ser assimilado pela população e pela opinião pública a ponto de se converter em ideia-força, cultura política e convicção cívica.

A imperfeição do ciclo está estampada em algumas de suas características mais relevantes.

Antes de tudo, o ciclo não foi assumido como tal: jamais se fixou, na vida nacional, o reconhecimento explícito de que estávamos a conhecer, de modo tardio, uma “onda” social-democrata. A arena política não foi contagiada por essa ideia. Ora o vetor discursivo predominante se apoiou na tese de que se estava a viver a “continuidade da redemocratização”, ora que se tratava de trazer para o País o ideário “neoliberal” e ora que se iniciava entre nós uma fase de “redenção nacional”. Não se compreendeu que uma social-democracia estava em marcha.

Em decorrência, os partidos políticos e movimentos que protagonizaram o ciclo deixaram de cooperar entre si: optaram por abrir guerras e litígios uns com os outros, investindo energia irracional na disputa eleitoral. Preferiram processar suas diferenças às cegas, ou melhor, privilegiando tão somente a conquista de governos e posições de força no sistema político.
Uma terceira imperfeição deriva deste ponto. Convertidos em máquinas eleitorais, os partidos não se reproduziram de modo adequado, não funcionaram como “escolas de quadros” e não renovaram seus quadros de direção. Transmitiram assim, para o conjunto do Estado, um notável fracasso em termos de formação de lideranças e de oxigenação da elite política.

Soterraram, sem pena nem glória, figuras políticas da estatura de Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Paulo Brossard, Miguel Arraes, Tancredo Neves, Itamar Franco, entre outros, que haviam definido o perfil da elite política que emergiu durante os anos de luta pela democracia. Mesmo lideranças como Fernando Henrique Cardoso e Lula não foram preservadas e engrandecidas da forma devida. A elite política, com isso, perdeu densidade e chega aos dias de hoje reduzida a níveis inimagináveis de ruindade e primitivismo: não há mais estadistas, os líderes nada lideram, o discurso político é tosco e grosseiro, falta cultura aos políticos.

Apoia-se no entrelaçamento destas três “imperfeições” o fator principal da imperfeição social-democrata a que me refiro: seus partidos principais, o PSDB e o PT, mas também parte do PMDB, o PSB, o PPS, o PSol e os movimentos sociais mais fortes, como o MST, nunca conseguiram erguer um projeto claro de sociedade. Jamais responderam à questão de saber quem somos e para onde queremos ir. Em decorrência, não educaram a cidadania, não promoveram reformas estruturais profundas e não construíram uma hegemonia digna do nome, ou seja, uma cultura capaz de cimentar e dar sentido às posições de força que se conquistavam no sistema político e no aparelho de Estado. Houve muita ocupação de espaços e muito uso dos mecanismos estatais, mas poucas ideias e pouca articulação. As próprias políticas públicas mais afeitas à social-democracia - saúde, educação, previdência, renda e trabalho - ficaram soltas, sem se completar.

A globalização, a revolução tecnológica, a conectividade em rede, a individualização foram reconfigurando a sociedade, mas o sistema político permaneceu parado, digerindo suas próprias entranhas.

O resultado disso está exposto à luz do dia: a bola de neve da corrupção, a miséria intelectual da política, uma sociedade civil exasperada e mal estruturada, a demonstração cabal de que cargos e vitórias eleitorais não dão sustentação confiável aos governantes e sobretudo uma estrondosa e profunda separação entre sociedade e Estado. A crise política atual reflete isso, ainda que também possa ser lida pela chave da inoperância presidencial. O povo distanciou-se dos governos, em especial do governo federal, principal peão de um sistema presidencialista. Não convidado, ao longo dos anos, a discutir seriamente a relação com os governos, o povo optou por romper relações com eles.

Deu no que deu. O que virá pela frente é uma incógnita, mas dá para dizer que um novo ciclo já está brotando e que avançará em diálogo com a social-democracia imperfeita do ciclo que hoje se esgota. Isso pode significar que a ideia social-democrata permanecerá a disputar hegemonia na vida nacional. Se conseguirá sucesso nisso é algo a ser respondido mais à frente.

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*Marco Aurélio Nogueira é professor titular e diretor do instituto de políticas públicas e relações internacionais da UNESP

Merval Pereira - Temer se afasta

- O Globo

Saída de Temer marcará afastamento político do PMDB. A saída do vice-presidente Michel Temer da coordenação política do governo, já decidida mas não concretizada, marcará o afastamento político do PMDB do governo petista, cujo enredo tem um final previsível, embora não certo: o impeachment da presidente Dilma Rousseff e a assunção de Temer ao cargo de presidente do país.

Assim como em relação a Eduardo Cunha, contra quem o governo Dilma resolveu disputar a presidência da Câmara, sem nenhuma necessidade ou possibilidade de vitória, também no caso do vice-presidente áulicos petistas anteciparam-se aos fatos e começaram a desestabilizá-lo na tarefa de coordenação política, mesmo quando não havia no horizonte a ideia do impeachment.

A mera disputa política por espaços no poder central fez com que o PMDB se convencesse de que não havia futuro nessa relação com o PT, a não ser que se satisfizesse com o papel secundário que os petistas reservam a seus parceiros políticos, mesmo os do campo da esquerda partidária.

O espírito do mensalão e do petrolão rege a relação do PT com seus aliados, isto é, verbas, ministérios e postos de segundo escalão podem ser divididos, mas não o poder político, que fica restrito aos de casa. Como o PMDB já anunciava a disposição de partir para um voo solo em 2018, a relação seria apenas formal até o final do mandato se não tivesse aparecido no meio do caminho a possibilidade do impeachment, que desestruturou a relação institucional entre os dois partidos.

A desconfiança mútua sobre as intenções do outro parceiro envenenou a convivência, mesmo que o vice-presidente tenha assumido o papel de coordenador político para acalmar a base aliada e suprir deficiências da coordenação petista. Temer nunca conseguiu realizar a contento sua tarefa, e o PMDB passou a jogar junto com a oposição em diversas ocasiões.

Muito também porque as promessas de Temer não eram cumpridas, em grande parte devido a um boicote silencioso dos próprios assessores palacianos, que queriam ver o líder peemedebista pelas costas. O caldo entornou quando Michel Temer, premido pelas circunstâncias daquele momento, proferiu a frase fatídica: “Alguém tem que unir este país”.

A interpretação de que estaria se apresentando como o salvador da pátria prevaleceu, mesmo que Temer tenha tentado se explicar seguidamente, inclusive junto à própria presidente. Tantas foram as explicações que o gesto de Temer passou a ser tratado dentro do Palácio do Planalto, posteriormente, como fraqueza de um traidor que não aguentou a pressão.

A situação do PMDB é interessante, peculiar mesmo na política brasileira. É o partido que tem maior número de vereadores e prefeitos no país, dirige as duas Casas do Congresso, tem o vice-presidente da República e alguns ministros — mas não a lealdade do PT, que não pode governar sem ele, mas o considera indigno de uma aliança política mais densa.

Da mesma maneira, também o PSDB depende do PMDB para ter força no Congresso, e especialmente neste caso específico do impeachment, depende do PMDB para viabilizá-lo — mas receia apoiar um governo peemedebista devido à fama de fisiológico do partido e, sobretudo, por temer que as investigações da Operação Lava-Jato cheguem ao núcleo principal do PMDB, atingindo não apenas os presidentes da Câmara e do Senado, mas diversos ministros de Estado. Um governo peemedebista para substituir a presidente Dilma poderia ficar desmoralizado no curso desse processo, alimentando novas crises políticas.

A realidade política, no entanto, está levando os tucanos a uma aproximação com o PMDB, aceitando o risco político de apoiar um eventual governo Michel Temer. O abandono da coordenação política, dando por encerrada sua missão com a aprovação do pacote de ajuste fiscal do governo, colocará o partido mais solto para as articulações sobre seu futuro político.

A partir do momento em que passou a ser menosprezado como ator político de primeira grandeza, Temer decidiu sair de cena nesse papel de conciliador, e brevemente assumirá o papel de negociador, em busca de uma saída democrática para a crise.

Igor Gielow - Dismaland

- Folha de S. Paulo

O esquisitão Bansky, artista britânico cuja identidade é um mistério, inaugurou na quinta (20) um parque temático chamado Dismaland, uma brincadeira misturando "dismal" (sombrio, deprimente) com Disneylândia, que poderia ser traduzido como "Deprê-lândia".

Lá, em uma praia da costa oeste inglesa, tudo está do avesso. Obras de arte subvertem as Disneys da vida, com a Cinderela morta num acidente de abóbora-carruagem acossada por paparazzi, a Morte no carrinho de bate-bate e por aí vai.

Parece Brasília. A crise política que implodiu o governo tempera de forma algo surrealista a desgraça que se abate sobre a vida real.

A política não tolera o vácuo. A debacle de Eduardo Cunha, cuja real extensão ainda precisa ser comprovada pelos fatos além da torcida, sugere uma Câmara insolvente.

O Planalto, ele mesmo um holograma tentando voltar ao reino da matéria, jogou as fichas no Senado de Renan Calheiros para manter a aparência de governabilidade. Não vai dar certo no médio prazo.

O PSDB mantém suas esperanças no impedimento de Dilma e desenha um pacto com Cunha que poderá custar caro. Quem não gosta do deputado logo fará a analogia com a temática de Goethe, mas só um ingênuo pode acreditar em mocinhos e bandidos na Dismaland do cerrado.

Sobressai na paisagem sombria a figura de Michel Temer, alienado de forma incompreensível por Dilma e seu lugar-tenente, Mercadante.

Este pode ter sido o último erro da dupla. Não foi por acaso que poucos no governo comemoraram a denúncia de Rodrigo Janot contra Cunha: o jogo com o PMDB está perdido em casa, e o desembarque espreita.

Essas linhas estão ora paralelas, ora entrelaçadas. Gilmar Mendes tratou, com seu pedido de investigação sobre o papel do petrolão na campanha de 2014, de catalisar o processo a permitir a confluência delas. A bola está no colo de Janot agora.

Cristovam Buarque - As bombas maiores

• Previdência explodirá em algum momento não muito distante

- O Globo

As pessoas têm a tendência de ver apenas as bombas mais próximas e ignorar aquelas escondidas, que ameaçam o futuro. As bombas do momento são a corrupção que joga estilhaços de vergonha sobre todos os políticos, especialmente dos partidos no governo; e o descrédito de um governo que errou na economia, faltou com a verdade na campanha e descumpriu promessas. Apesar disto, o governo vê apenas as bombas imediatistas que ameaçam o equilíbrio fiscal.

A crise política, econômica e moral que atravessamos parece impedir a percepção das bombas que ameaçam o futuro mais distante. Ficamos presos à bomba da corrupção, da inflação, do descrédito da presidente e dos políticos em geral, não vemos as outras bombas.

A dívida dos estados e municípios já em fase de explosão, mesmo assim ainda é relegada. A explosão de gastos públicos, face às limitações da já imensa carga fiscal, destroçará as contas públicas. Nossos entes federados estão atravessando a linha que separa dificuldades fiscais conjunturais da falência estrutural, com suas consequências sobre os serviços públicos e os salários dos servidores. A Previdência explodirá em algum momento não muito distante, trazendo sacrifícios devastadores sobre a população mais velha do país e penalizando os jovens.

A pobreza — sobretudo depois de ter sido escondida pelo marketing governamental dos últimos anos, afirmando que ela teria sido transformada em classe média porque, endividando-se, consegue comprar alguns equipamentos domésticos — está explodindo na miséria da falta de educação, saúde, segurança, mobilidade. A violência urbana é uma bomba que explode como uma guerra civil de proporções gigantescas, matando quase 60 mil brasileiros por ano.

Nossa má educação e o consequente atraso na ciência e na tecnologia, que nos deixam cada dia mais atrasados em relação ao resto do mundo, são a bomba que impedirá nosso ingresso no mundo do conhecimento que caracteriza a economia e a sociedade.

O endividamento das famílias pode explodir, inviabilizando nosso sistema financeiro aparentemente sólido e sacrificando a vida de nossa população. A incapacidade de gestão que caracteriza o Estado brasileiro dos últimos anos ameaça o crescimento de nossa economia e o bom funcionamento de nossa sociedade. A baixa poupança de nossas famílias, empresas e governo é uma bomba que impede os investimentos necessários à construção de uma infraestrutura eficiente, ao crescimento da economia e ao aumento da produtividade de nossa indústria. O desemprego é uma bomba trágica de grandes proporções. A bomba do consumo de drogas corrói famílias e anula o potencial de dezenas de milhares de jovens.

Mas, a maior das bombas é a despolitização do debate entre grupos políticos sem visão nem propostas, presos às pequenas bombas do presente, sem a percepção das grandes em andamento: o divórcio entre as urnas e as ruas, entre os políticos e o povo, está explodindo no colo da democracia.

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Cristovam Buarque é senador (PDT-DF)

Almir Pazzianotto Pinto - Relatório anual do TST

- O Estado de S. Paulo

O primeiro Relatório Geral elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) que conheço se refere a 1967 e traz informações referentes ao quinquênio 1963-1967. Colocado ao lado do último, alusivo a 2014, provoca sensações opostas: reforça a convicção de que a Justiça do Trabalho é operosa e célere, porém revela que as relações de trabalho estão contaminadas por letal vírus da litigiosidade.

Contratar empregado converteu-se em aventura de alto risco, dominada pela insegurança jurídica responsável pelo fenômeno do “passivo oculto”.

Construí a carreira em sindicatos de trabalhadores. De 1961, quando me inscrevi na OAB, até 1983, ao me afastar da advocacia para assumir a Secretaria do Trabalho do governo Montoro, trabalhei em diversas entidades sindicais, das menores às maiores, dos setores têxtil, metalúrgico, químico-farmacêutico.

Admiro a Justiça do Trabalho, cuja intimidade conheci quando ministro no Tribunal Superior do Trabalho e ao exercer a corregedoria-geral, a vice-presidência e a presidência. Move-me, nesta análise, o desejo de propor caminhos para a redução do avassalador número de demandas, com medidas que, sem afetar os assalariados, revigorem o mercado de trabalho.

O relatório de 1967 nos mostrava a Justiça do Trabalho pequena, mal instalada, integrada por homens de sólida cultura jurídica, a exemplo de Hildebrando Bisaglia, Lima Teixeira, Arnaldo Sussekind, Raimundo Souza Moura.

Em São Paulo, poucas Juntas de Conciliação e Julgamento e reduzido Tribunal Regional do Trabalho (TRT) se espremiam em prédio da Rua Rego Freitas. No Rio de Janeiro - à época capital da República -, o TST, o TRT, e o Ministério do Trabalho conviviam no mesmo edifício. A situação era pior nos demais Estados. A falta de instalações adequadas afetava a imagem e o funcionamento da Justiça, cuja integração ao Poder Judiciário fora determinada na Constituição de 1946.

Segundo o Relatório Geral de 1967, no período de cinco anos a Justiça do Trabalho recebeu, nas Juntas das antigas oito regiões, 1,5 milhão de processos, julgados quase na mesma quantidade. Os tribunais regionais receberam 91 mil e o TST, 45 mil. No total deram entrada, nas três instâncias, 1,669 milhão, sendo julgados 1,604 milhão. Consideradas as condições de desenvolvimento em que o Brasil se achava, os números já eram preocupantes; longe estavam, entretanto, do que hoje nos mostram relatórios anuais divulgados pelo TST.

Limito-me a alguns dados contidos no documento alusivo a 2014, cuja consulta é possível acessando o site do tribunal.

Já não temos oito tribunais regionais, mas 24. São Paulo tem dois e os demais Estados e o Distrito Federal, um cada, com exceção de Acre, Roraima, Amapá e Tocantins. São, no total, 3.027 juízes para as 1.537 Varas do Trabalho distribuídas por 626 municípios, cuja jurisdição abrange todo o território nacional. É de 520 o número de desembargadores e são 27 os ministros do TST. Entre 2006 e 2014 deram entrada no primeiro grau 18.836.889 feitos, ou seja, em média acima de 2 milhões por ano. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro recebem o maior número de processos. No extremo oposto encontramos Acre, Tocantins, e Roraima, com menos de 0,5%.

As matérias mais comuns referem-se a horas extras, aviso prévio, intervalos intra e interjornadas, FGTS, danos morais.

Despertam atenção os valores pagos a reclamantes. Em 2011, R$ 14.758 bilhões; em 2012, R$ 18.632; em 2013, R$ 24.248, em 2014, R$ 16.322, no total, em apenas quatro anos, de quase R$ 74 bilhões.

Não questiono se resultaram de condenações justas ou injustas, equilibradas ou exageradas. De qualquer modo, são quantias vultosas, que reforçam a convicção de que o Brasil, em cenário global caracterizado pela extrema competitividade, é palco de intermináveis conflitos entre empregados e empregadores, um dos muitos responsáveis pelo elevado custo final de produtos e serviços.

No rol de entidades e sociedades com maior número de processos em tramitação encontramos órgãos da administração direta federal, estadual e municipal, estatais, sociedades de economia mista, multinacionais, instituições financeiras, grupos econômicos, médias, pequenas e microempresas, fundações, instituições culturais, recreativas e filantrópicas, sem fins lucrativos, e pessoas físicas, tratados com igual rigor por legislação uniforme e míope, que lhes ignora substantivas diferenças.

Uma das razões está na introdução à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ali se acham as definições de empregado, empregador e grupo econômico. Lá encontramos, também, o princípio do contrato realidade, fundado na falsa ideia de que todo trabalhador adulto é hipossuficiente, vítima de desenvolvimento mental retardado, situação que lhe assegura tutela vitalícia do Estado em assuntos relacionados ao contrato de trabalho. Aos 18 anos torna-se capaz de direitos e obrigações para os atos da vida civil, exceto, porém, no que se refere à condição de empregado.

Independentemente do que se pense, a crise e o desemprego se agravam, alimentados por fatores externos sobre os quais o País não exerce controle, e pela força inercial interna, que preserva arcaica legislação trabalhista e protege a estrutura sindical enraizada na Carta Del Lavoro.

Passam-se décadas e a cansativa rotina vivida por magistrados, servidores e tribunais não garante segurança jurídica às relações entre patrões e empregados. O “passivo oculto”, por exemplo, terror dos empregadores, acaba de ser engordado mediante combinação de julgados do Supremo Tribunal Federal e do TST, que elevou em 36%, com efeito retroativo, o índice de correção monetária.

“No Brasil até o passado é imprevisível.” Os empregadores sabem como é real a frase do ex-ministro Pedro Malan.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho