sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Entrevista | Steven Levitsky: Lula não é comparável a Bolsonaro

Cientista político americano diz que Lula deveria ter feitos acenos a empresariado no 1º turno

Por Alex Ribeiro / Valor Econômico

SÃO PAULO - O professor da Universidade de Harvard Steven Levitsky diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisa fazer acenos à classe média e ao setor privado, com maior detalhamento de sua agenda econômica, para ampliar o apoio no segundo turno das eleições.

“Penso que o Lula foi excessivamente confiante no primeiro turno, presumindo que iria vencer com uma vantagem maior do que ele venceu”, afirma em entrevista ao Valor Levitsky, coautor do livro “Como as Democracias Morrem”, com Daniel Ziblatt, que identificou o novo padrão usado pelos autocratas para subverter os regimes democráticos.

“Sem dúvida, [Lula] precisa de acenos para obter o apoio da classe média e do empresariado de que ele precisa para vencer a eleição e para governar”, afirma. “Ele deveria ter feito todas essas coisas no primeiro turno.”

Já na eleição de 2018 Levistsky disse que Jair Bolsonaro é uma ameaça à democracia e, agora, ele vem sustentando que um novo mandato permitirá ao presidente ganhar o controle sobre instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF). “Acho que a democracia brasileira é robusta para sobreviver a isso que passou”, afirma ele. “Mas, oito anos, não sei. Acho que o Brasil pode perder a democracia.”

Alguns empresários e setores da Faria Lima vêm citando receios de retrocessos na agenda econômica, como o risco da volta do populismo, para não apoiar Lula. Levitsky acha que o petista, caso seja eleito, vai pegar uma situação econômica difícil. Mas, pondera, é “experiente e pragmático” e deverá responder à crise da mesma forma como fez de 2003 a 2010, “com responsabilidade na área macroeconômica”.

Ainda assim, diz, considera “legítimo” que o setor privado tenha desconfiança sobre a futura agenda de Lula, depois da crise ocorrida no governo Dilma Rousseff - por isso a necessidade de dar garantias de responsabilidade macroeconômica para o eleitorado.

Corrupção é outro tema que Lula deveria assumir mais compromissos. “É muito importante, se o PT quiser se manter como um dos mais importantes partidos políticos, fazer uma autocrítica e se renovar, desenvolvendo compromissos públicos e críveis para combater a corrupção”, afirma. “Não os vi fazendo isso.”

Levitsky considera uma “desonestidade” afirmar que Lula se assemelha a Bolsonaro na falta de credenciais democráticas, porque o partido defende a regulação da mídia ou porque o ex-presidente ensaiou deportar um jornalista estrangeiro.

“Não sei como essas pessoas defendem esses argumentos, se você olhar o que aconteceu de 2003 a 2010”, afirma. “Não existe um cientista político na Terra que acha que o Lula é comparável ao Bolsonaro.”

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Fernando Abrucio* - Os dois riscos à democracia brasileira

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O bolsonarismo é a vitória final do modelo escravocrata de país, o qual, infelizmente, é apoiado por mais brasileiros do que gostaríamos de admitir

A democracia brasileira tem dois riscos pela frente. Um é a possibilidade de recondução do presidente Bolsonaro, cujo projeto de poder é claramente autocrático, com a pretensão não só de prolongar sua estadia (ou da família) no Palácio do Planalto por anos, como também de destruir as instituições criadas pela Constituição de 1988. Trata-se de um problema imediato muito grave. Mas há outro perigo mais profundo que não vem sendo comentado, talvez porque tenhamos vergonha como nação de admiti-lo. É crescente o contingente de brasileiros que adotam condutas e visões autoritárias. Esse é o fundo do poço do qual precisamos falar, urgentemente.

Os dois riscos estão interligados uma vez que a ascensão das ideias que alimentam o bolsonarismo é anterior ao fortalecimento político do capitão. Suas origens advêm do debate realizado no referendo do desarmamento, como me lembrou recentemente Ilona Szabó. Nele, já se via um discurso e uma estética antidemocráticas se desenvolvendo, com o jeito do Ovo da Serpente, para lembrar Bergman.

Por mais de uma década até 2018, num processo que envolveu importação de projetos e muitos episódios que já começavam a questionar a institucionalidade democrática presente na Constituição de 1988, foi gerado o monstro autoritário que se consubstanciou na eleição de Bolsonaro à Presidência da República. Seu governo foi corroendo, tal qual os cupins, várias estruturas democráticas do país.

Bolsonaro manietou os órgãos de controle, acabou com quase todos os conselhos de participação social, criou um modelo de orçamento secreto que domestica o Legislativo em troca de um montante escandaloso de recursos que não pode ser completamente conhecido, cortou as bases orçamentárias da autonomia dos estados e municípios, e, não menos importante para uma democracia, destruiu a lógica de direitos que alimentava as políticas públicas, colocando em seu lugar um modelo ampliado de clientelismo, que chantageia a todo momento o eleitorado.

No momento, o estágio do país é o de uma democracia sob chantagem constante do presidente da República. Algumas estruturas seguraram a marcha mais célere para a autocracia, especialmente o Supremo Tribunal Federal, alguns dos governadores, parcela da sociedade civil e da mídia e, não menos importante, a pressão internacional. Com um segundo mandato, Bolsonaro terá muito mais poder para avançar no seu projeto e será mais difícil - embora não impossível - conter a estruturação de uma lógica mais autoritária nas instituições e na dinâmica social do Brasil.

Vera Magalhães - Democracia e Justiça à mercê da polarização

O Globo

Pesquisa mostra apoio inédito ao regime democrático, mas resta saber o que as pessoas entendem por isso

Pesquisa Datafolha mostra que nunca houve apoio tão monolítico à constatação de que, em qualquer circunstância, a democracia é o melhor regime possível. Notícia auspiciosa, não fosse pelo fato, que resta evidente a partir da estridência inaudita que pauta o debate público, de que o conceito de democracia de quem responde a uma pesquisa como essa parece variar de acordo com seu pendor ideológico e, nessa circunstância, se torna bastante fluido.

Basta verificar as reações às recentes decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentando conter a avalanche de desinformação, fake news, agressividade e discurso de ódio que dominou a campanha no segundo turno. A depender de quem seja o candidato atingido ou beneficiado pela decisão, muda completamente a percepção de parcelas do eleitorado a respeito da correção de sua adoção.

É fato que o TSE está muito mais presente na mediação da campanha do que em qualquer tempo. Mas foi dito que seria assim desde que o tribunal cassou o deputado estadual paranaense Fernando Francischini por propagar desinformação a respeito do processo eleitoral.

Todo o ciclo eleitoral foi marcado pela incursão do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados com o claro propósito de desmoralizar o sistema eletrônico de votação, a Justiça Eleitoral e os ministros, tanto do TSE quanto do Supremo Tribunal Federal (STF).

Os propósitos disso são óbvios: com uma Justiça acuada, seria mais fácil usar os mecanismos de difusão de narrativas via redes sociais e aplicativos de mensagem que foram fundamentais para pavimentar a vitória de Bolsonaro em 2018, aperfeiçoados em quatro anos.

O TSE entendeu e se armou para a guerra. O que se vê nesta reta final da disputa é a Justiça entender que o recrudescimento da guerra suja — incluindo também os aliados de Lula que aprenderam a lutar com as mesmas armas, embora de forma ainda menos orgânica e eficiente — poderá alterar o resultado da eleição e, portanto, turvar de alguma maneira o processo democrático.

Luiz Carlos Azedo - Quando o Iluminismo pode ser um fator de crise

Correio Braziliense

A magistratura é uma atividade essencialmente iluminista. Um juiz procura tomar suas decisões à luz da sua consciência e com base na sua interpretação da lei. Há uma espécie de “penso, logo julgo”

Não haveria a moderna civilização ocidental se o Iluminismo não corroesse as entranhas do Antigo Regime até liquidá-lo, nas revoluções Inglesa, Americana e Francesa. Começou como um movimento cultural europeu nos séculos XVII e XVIII, que buscava mudanças políticas, econômicas e sociais. Os iluministas acreditavam no conhecimento e na razão, em detrimento do pensamento religioso. A maioria apostava que o homem chegaria a Deus por meio da razão. O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) definiu-o assim: “O iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma menoridade que estes mesmos se impuseram a si. (…) Sapere aude! (Ouse saber!) Tem coragem para fazer uso da tua própria razão!”

O precursor do iluminismo René Descartes (1596-1650), considerado o pai do racionalismo, no Discurso do Método, preconizava que se questionasse tudo. Os governos absolutistas e a Igreja católica não permitiam questionamentos. Graças ao Iluminismo que pregavam, a racionalidade humana, a ciência e o humanismo acabaram se impondo. As ideias iluministas foram consolidadas por Denis Diderot (1713-1784) na Enciclopédia, com 35 volumes, que continha milhares de artigos e ilustrações de diversos cientistas, filósofos e pesquisadores de campos de conhecimentos distintos, a mais importante exposição do conhecimento humano até então realizada.

Bernardo Mello Franco - Disputa no lamaçal

O Globo

Lula quer fechar igrejas, adotar o comunismo e implantar banheiros unissex nas escolas. As acusações parecem absurdas — e são. Mesmo assim, jogaram a campanha petista na defensiva a poucos dias das urnas.

Na quarta-feira, o ex-presidente cedeu à pressão de aliados e divulgou uma carta aos evangélicos. Usou o documento para rebater fake news e reafirmar seu compromisso com a liberdade religiosa.

Depois de governar o país por oito anos, Lula julgava desnecessário dizer que não representa uma ameaça aos cristãos. Foi convencido do contrário por pesquisas que mostraram os danos causados pelo bombardeio bolsonarista.

De acordo com o Datafolha, Bolsonaro abriu 38 pontos de vantagem entre os eleitores evangélicos, mais sensíveis à sua retórica ultraconservadora. A diferença cresceu sete pontos desde o início do segundo turno, quando o capitão dobrou a aposta na tática da guerra santa.

Reinaldo Azevedo - O futuro dos democratas é a resistência

Folha de S. Paulo

As redes acordaram a múmia reacionária no Brasil e no mundo

Nunca achei, e escrevi isto aqui mais de uma vez, que a eleição seria um passeio. E parecia claro que a realização de um segundo turno daria azo a sortilégios e indignidades. Estão aí, na cara de toda gente. Não viu quem não quis ou quem resolveu dançar o minueto com o desastre de olho em 2026. Aquele 1,57 ponto percentual que faltou a Lula no dia 2 levou o país a olhar para o abismo. E agora o abismo olha para o país. Ainda que Bolsonaro seja derrotado, miasmas do vale-tudo empestarão o futuro.

Inexiste um confronto de opostos simétricos. Essa tese é uma farsa. Também a adesão dos economistas do Real a Lula me diz isso. Outros adversários históricos do PT, que talvez migrem para a oposição no dia seguinte à posse se o ex-presidente vencer, decidiram: "A democracia em primeiro lugar". Afinal, são raras as ditaduras que não proclamam "Deus acima de todos".

Hélio Schwartsman - Instituições funcionaram?

Folha de S. Paulo

Sacada do Ocidente foi romper com a lógica tribal dos clãs para produzir instituições impessoais

As instituições estão funcionando? A pergunta é capciosa. Se Bolsonaro perder a eleição, cenário que me parece mais provável, ainda que não garantido, elas terão de algum modo funcionado. O país e a democracia, afinal, terão sobrevivido a quatro anos de um presidente entrópico, que ameaçou com golpe e fez o que pôde para sabotar os órgãos incumbidos de controlá-lo.

Só que essa não é a história toda. Há também um sentido em que as instituições já não funcionaram, qualquer que seja o desfecho da disputa presidencial. Bolsonaro colocou o Estado brasileiro a serviço de sua reeleição. O uso da máquina pública foi superlativo e despudorado. Somando todas as medidas que tinham por objetivo mantê-lo no Planalto, chegamos às centenas de bilhões de reais. Não penso que o adjetivo "justo" se aplique a um pleito travado sob tais condições.

Bruno Boghossian - Mais igrejas, menos economia

Folha de S. Paulo

Pacote eleitoreiro de benefícios ajuda a desviar atenções da economia para outros temas

Um dos principais estrategistas da candidatura de Jair Bolsonaro, o ministro Ciro Nogueira revelou como o comitê da reeleição encara o segundo turno. "O tema dessa campanha não é economia", disse, em entrevista à Folha. "São os temas propostos por Bolsonaro, defendidos por ele."

Segundo o chefe da Casa Civil, o presidente já teve sucesso em levar a disputa para um terreno mais favorável. A exploração da agenda conservadora e os ataques de Bolsonaro à esquerda ganharam força no eleitorado, diz Nogueira, porque a economia não está "em ruínas".

A avaliação feita pelo ministro mostra como o governo planejou usar a máquina oficial e torrar dinheiro público com o claro objetivo de mudar o foco da corrida. A ideia era criar uma sensação passageira de bem-estar, anabolizada por benefícios temporários, e desviar a atenção do eleitor para falsas polêmicas e tópicos da agenda do presidente.

Vinicius Torres Freire - Bolsonaro e o reajuste do INSS

Folha de S. Paulo

Plano de Guedes pode ser uma briga que afetaria o interesse de metade dos adultos do país

O Ministério da Economia estuda a mudança do método de correção do valor do salário mínimo e, portanto, de benefícios previdenciários do INSS, segundo noticiou esta Folha. O reajuste mínimo não seria mais pela inflação do ano anterior, mas pela expectativa ou meta de inflação.

Antes de mais nada, diga-se que um Jair Bolsonaro reeleito teria de propor emenda à Constituição a fim de fazer a mudança. Se, até o segundo turno, não explicitar que vai fazê-lo, seria um estelionato eleitoral monstruoso.

De resto, mesmo com esse Congresso eleito, entre conservador e reacionário, vai ser difícil passar. Cerca de 37,1 milhões de pessoas recebem benefícios do INSS, com valor médio mensal de R$ 1.522,39 (a maioria, 24 milhões, recebe um salário mínimo, R$ 1.212).

Pode ser uma briga que afetaria o interesse de metade dos adultos do país. Somando aqueles que recebem salário mínimo no emprego, muito mais.

Mariliz Pereira Jorge - A esquerda cirandeira não aprende

Folha de S. Paulo

Se eleição dependesse de famosos, Freixo seria governador e Molon, senador, pelo Rio

Recebi um vídeo lindo, produzido pela Companhia das Letras, em apoio a Lula. Escritores abrem livros e formam a letra L com páginas tão bem escritas. Sou fã de muitos deles, mas me perguntei onde, diabos, estão com a cabeça. O zap da tia Neide inundado de fake news e a esquerda faz produção "good vibes". Calma que piora.

No começo da semana, a deputada eleita Erika Hilton (PSOL-SP) me disse que Simone Tebet está certa ao aconselhar que as pessoas parem de cantar que vai dar "PT". Fato, é preciso conquistar aquele que é mais antibolsonarista do que antipetista. A realidade? Será lançado um novo jingle da música Lula-lá. Mas no clipe, a maioria dos artistas deve abandonar o vermelho e vestir branco. Agora vai.

Eliane Cantanhêde – Ventos, não ventania

O Estado de S. Paulo

Lula mantém sólidos 49%, Bolsonaro oscila, mas não dispara, não despenca e não tem para onde correr

O ex-presidente Lula segue favorito, com sólidos 49% de intenção de votos nas três pesquisas Datafolha do 2.º turno, e os ventos em segmentos importantes ainda não são prenúncio de uma tempestade perfeita contra ele. Esses ventos, porém, empurraram o presidente Jair Bolsonaro para a frente em todas as regiões, exceto o Nordeste, animando a campanha bolsonarista e acendendo sinal amarelo na petista.

Sobram apenas 4% de brancos/nulos e 1% de indecisos, o menor índice já registrado nas eleições. Logo, a margem para Bolsonaro virar o jogo é muito reduzida, aritmeticamente insuficiente, e ele precisa tirar votos de Lula, quebrando a muralha dos 49%.

Claudia Safatle - Cenário para inflação tem riscos

Valor Econômico

Governadores podem produzir mais inflação conforme decisão sobre prejuízos com a redução do ICMS

A inflação, que tendia a encerrar este ano em 9%, despencou para a faixa dos 5%, com a redução de impostos, sobretudo do ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações. Agora, as expectativas são que a variação do IPCA neste ano fique em 5,8%, percentual que cairia para algo em torno de 4,6% no ano que vem e para um número abaixo da meta de 3% em 2024, algo próximo a 2,8%, segundo as expectativas do Relatório Trimestral de Inflação publicado em setembro. Isso, mantendo as taxas de juros de acordo com o relatório Focus, do Banco Central

Esse, porém, é um cenário sujeito a riscos. Vai depender, por exemplo, do que os governadores vão fazer com a perda de cerca de R$ 150 bilhões com a redução do ICMS sobre os preços administrados. Se eles buscarem compensar as receitas perdidas com o aumento da incidência do ICMS sobre outros bens e serviços, o que parece ser uma medida justa, haverá repique da inflação.

Há a possibilidade desse cenário não se concretizar dependendo, também, da decisão do novo governo que sair das urnas em 30 de outubro, sobre o que fará para financiar as despesas já criadas para o próximo ano e que não cabem no teto do gasto. No caso de ser eleito Luiz Inácio Lula da Silva, ele já disse que não pretende manter a lei do teto do gasto, que limita o crescimento anual da despesa à taxa de inflação do exercício anterior.

César Felício - A Igreja Católica está na linha de fogo

Valor Econômico

Polarização política engolfa maior religião do Brasil

Independentemente do desfecho do segundo turno da eleição presidencial, já se configuram algumas derrotas para além do mundo partidário. Se não se pode considerar perdedora uma instituição milenar, no mínimo é possível dizer que a Igreja Católica Apostólica Romana vive no Brasil uma crise de grandes proporções.

De nenhuma maneira é comum - como tem sido nos dois últimos anos e se intensificou este mês - as demonstrações de desconforto da hierarquia do clero de Roma com o que ocorre dentro das sacristias e dos templos.

De dom Odilo Scherer, de São Paulo; a dom Leonardo Steiner, de Manaus, passando por dom Orlando Brandes, de Aparecida; dom Alberto Taveira, de Belém; dom Vicente Ferreira, auxiliar de Belo Horizonte e dom Jaime Spengler, de Porto Alegre; foram muitos os prelados que divulgaram em entrevistas, sermões ou publicações em redes sociais a mesma mensagem: fere o cerne da igreja a quebra da liturgia e da hierarquia que parte dos fiéis promove, ao transpor para dentro do culto a polarização que perpassa a sociedade.

José de Souza Martins - Pesquisas eleitorais e realidade

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O brasileiro que opina nessas questões não é um brasileiro de certezas, mas de incertezas, contradições e dúvidas

O aparente desencontro entre as pesquisas de opinião eleitoral que antecederam as eleições de 2 de outubro e os efetivos resultados das urnas não tem nada a ver com as suspeitas levantadas contra essa modalidade de prognóstico estatístico. Os pesquisadores não calculam só a probabilidade de acerto, mas também o erro amostral. Isto é, a probabilidade de desacerto na representatividade quantitativa das opiniões manifestadas.

A probabilidade de acerto é indicativa da possibilidade de que o candidato com maior número de opções vença a eleição. Mas não é garantia de que isso aconteça. Imprevistos de conscientização lenta, como a violação do sagrado, por Bolsonaro e por bolsonaristas, no Círio de Nazaré e na Basílica de Aparecida, são do tipo que repercutem mesmo na consciência de quem não é católico. É como aquele episódio não esquecido do evangélico que chutou a santa. As determinações da circunstância cambiante e seus imprevistos podem mudar opções.

Flávia Oliveira - Teste do pescoço

O Globo

Tirem os olhos do púlpito, das telas, dos aplicativos de mensagens, das postagens

Na jornada de enfrentamento ao racismo, o primeiro passo costuma ser o Teste do Pescoço. É metodologia tão singela quanto perspicaz, capaz de jogar luz em apagamentos há muito naturalizados. Na prática, ensina a enxergar o que, por ingenuidade, indiferença, manipulação ou má-fé, jamais fora visto. A quem engatinha no letramento racial, experimente, no clube gaúcho onde o cantor, compositor, instrumentista e ator Seu Jorge foi injuriado na semana passada, girar o pescoço e observar a cor de quem se diverte e de quem serve. No residencial de São Paulo de que o comediante Eddy Jr. foi obrigado a se mudar, depois de atacado e ameaçado por dois moradores, mãe e filho, repare o tom de pele de quem oprime e de quem é humilhado por tentar entrar num elevador.

Num shopping em área de renda alta, dê uma olhada nas características étnico-raciais da clientela e dos seguranças, dos profissionais da limpeza, dos manobristas. Num hospital de ricos, verifique o tom de pele dos médicos, dos pacientes e das equipes de apoio. Tire os olhos do para-brisa e olhe para o lado, ao cruzar uma avenida na periferia ou passar por uma esquina do subúrbio ou de uma favela carioca. Qual a cor dos que ali vivem? Reflita sobre que serviços públicos o Estado não lhes oferece. Gire o pescoço e identifique quem são os ricos, quem são os pobres; quem se senta nas cadeiras do poder, quem está fora delas. Sem consultar qualquer estatística, terá uma experiência objetiva de percepção das desigualdades raciais no Brasil.

Pedro Doria - O TSE está sob ataque

O Globo

Na virada do primeiro para o segundo turno, uma máquina descentralizada de desinformação entrou em atividade máxima

Esta eleição presidencial de 2022 é, muito provavelmente, a mais importante desde aquela que, feita no interior do Congresso Nacional e sem o voto popular, elegeu Tancredo Neves para um mandato que, é nossa tragédia nacional, ele não pôde cumprir. Não está em jogo apenas a manutenção do Brasil como democracia liberal. Está em jogo também a possibilidade de reconstruirmos nossa democracia — porque ela está fissurada. E, neste segundo turno, implantou-se o caos informativo.

Neste exato momento, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está sob um nível tal de ataques que já fica clara a estratégia bolsonarista de tentar uma ação golpista em caso de derrota nas urnas. Um pastor evangélico popular, André Valadão, divulgou nas redes para quase 7 milhões de seguidores um vídeo em que se “retratava” afirmando que o ex-presidente Lula não é a favor do aborto. Afirmava que havia recebido intimação com ordens do ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Mentira. Não houve qualquer ordem.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

TSE tem fracassado no combate à desinformação

O Globo

Corte adota medidas de efeito incerto, enquanto comete excessos ao vetar e determinar remoção de conteúdos

Depois de reunião com as principais plataformas digitais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguiu ontem a recomendação do presidente da Corte, ministro Alexandre de Moraes, e determinou “medidas mais duras” para combater a disseminação de fake news no segundo turno. As plataformas terão até duas horas para remover a desinformação (antes, tinham 48). Além disso, foi vedada a propaganda eleitoral paga na internet nos dois dias anteriores e no dia seguinte à eleição. O efeito disso é incerto.

A verdade é que a luta do TSE contra a desinformação se revelou ineficaz e, ao mesmo tempo, tem criado riscos inaceitáveis para a democracia. A ação no tempo analógico da Justiça Eleitoral fracassou reiteradas vezes para deter um inimigo que opera na velocidade digital. Mesmo vetados, continuavam acessíveis nas redes vídeos absurdos associando o candidato Jair Bolsonaro (PL) a canibalismo e seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao crime organizado e ao fechamento de igrejas.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - O tempo passa? Não passa

 

Música | Milton NascimentoI - Carta à República