segunda-feira, 21 de agosto de 2023

Fernando Gabeira - Um golpe fora do lugar

O Globo

Os dados rocambolescos e a incompetência de golpistas não podem ser usados como atenuantes

Na minha idade, é impossível falar de golpe de Estado no Brasil e se desvencilhar da memória. Ouço isso desde garoto. Quando comecei a trabalhar no Rio, conheci um repórter veterano chamado Redento Júnior. Ele cobria a Aeronáutica e estava sempre esperando algo: Aragarças, Jacareacanga, movimentos em que um grupo aterrissava na selva amazônica para derrubar o governo.

Era até um pouco romântico. Vi o capitão Lameirão andando pelas ruas de Juiz de Fora, carregava a memória de rebeliões fracassadas. Em 1961, aos 20 anos, no Rio, acompanhei eletrizado o sequestro do transatlântico Santa Maria pelo capitão português Henrique Galvão e pelo general Humberto Delgado. Era uma ação espetacular contra a ditadura salazarista.

Em 1964, cobri com uma dor no coração o golpe que derrubou Goulart. Entrevistei o general Mourão e me vinguei no primeiro parágrafo da matéria: o comandante da marcha militar contra o Rio sofreu um enfarte depois de andar alguns quilômetros em Copacabana.

Demétrio Magnoli - A cor é política

O Globo

Tribo chique da pureza racial precisa do racismo para prosperar

A cor é política. Só assim entende-se a mudança captada pelo IBGE na declaração de cor/raça entre 2012 e 2022. No curto intervalo, os pretos saltaram de 7,4% para 10,6% dos brasileiros, enquanto a parcela de brancos caiu de 46,3% para 42,8%. As alterações, que parecem refletir o efeito das leis de preferências raciais, não tiveram impacto sobre os autodeclarados pardos: 45,6% em 2012; 45,3% em 2022. É uma prova, entre tantas outras, do fracasso do identitarismo racial.

“Mestiçagem, identidade e liberdade”, o novo livro do antropólogo Antonio Risério, publicado pela TopBooks, esclarece a finalidade das políticas de raça. Não se trata, como alegam seus arautos, de oferecer oportunidades a pessoas em desvantagem, via acesso às universidades ou a empregos públicos. Busca-se, de fato, dissolver a consciência da mestiçagem que sustenta nossa identidade nacional, substituindo-a pela imagem de um país bicolor, dividido entre “brancos” e “negros”.

Marcus André Melo* - Bolsonaro e a morte anunciada

Folha de S. Paulo

As duas faces da corrupção e suas consequências políticas

Em coluna publicada em 2019 afirmei que "a exposição da grande corrupção favoreceu Bolsonaro; a da pequena poderá fraturar sua base". A conjetura mostrou-se acertada. Na atual conjuntura o caso das joias está levando o ex-mandatário a uma bancarrota política inédita.

literatura especializada distingue a petty corruption (corrupção de pequena escala) da grand corruption (de grande escala). A primeira diferencia-se por ser transações singulares, individualizadas, e não institucionalizadas; a segunda por ser institucionalizada, envolvendo burocracias públicas, partidos políticos, estatais, sendo recorrente e de elevado valor.

Referia-me na coluna às rachadinhas e ao papel que a exposição na opinião pública do mensalão e petrolão teve na ascensão de Bolsonaro. O caso teve pelo menos dois desdobramentos institucionais –no Coaf e na Polícia Federal— nos quais teve participação ativa com custos políticos e derrotas no STF. A fratura na base acarretou a defecção dos setores que apoiavam a Lava Jato da coalizão que levou Bolsonaro ao Planalto. Seu símbolo foi a saída de Moro do governo. Ao que se seguiu o rapprochement do governo com o centrão e a marginalização de olavistas e militares.

A pequena corrupção no país é uma das menores da América Latina e similar à média da OCDE. Já no pioneiro Barômetro da Corrupção (2011) a percentagem de brasileiros que declaravam ter pago propina (a policiais, fiscais, provedores de serviço etc.) foi de 4%, baixa comparada aos 12% da Argentina, 21% do Chile e 31% do México. Em 2019, continuou a menor da região (11%).

Camila Rocha* - Bolsonaro e o futuro dos militares

Folha de S. Paulo

Era difícil imaginar que o golpismo militar poderia se tornar novamente uma fonte de preocupação

Para parte expressiva dos brasileiros que cresceram após a redemocratização do país, as Forças Armadas são tidas como sinônimo de ditadura.

No entanto, há 20 anos era difícil imaginar que o golpismo militar poderia se tornar novamente uma fonte de preocupação.

Afinal, os defensores da ditadura pareciam se restringir às comemorações emboloradas do golpe de 1964, manifestações de pequenos grupos neonazistas, e à circulação restrita de uma obra revanchista, publicada após a transição democrática, intitulada "O Livro Negro do Terrorismo no Brasil", mais conhecida como "Orvil", livro de trás para a frente.

Porém, em meio às investigações que se avolumam em torno de Jair Bolsonaro e dos militares que o apoiaram em suas intenções golpistas, os anos 1980 nunca pareceram tão atuais.

Em 1989, na coletânea Democratizing Brazil, a cientista política Maria do Carmo Campello de Souza publicou um texto intitulado: "A Nova República sob a Espada de Dâmocles".

Ana Cristina Rosa - Uma dívida irreparável

Folha de S. Paulo

O Brasil está diante de um déficit gigante no que tange à regularização fundiária e de uma dívida irreparável com a vida

assassinato da ialorixá Bernadete Pacífico, Coordenadora Nacional da Articulação de Quilombos (Conaq) e liderança do Quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, dia 17, expôs a violação de ao menos quatro direitos constitucionais reiteradamente sonegados aos negros no Brasil: vida, liberdade, segurança e propriedade.

execução de Mãe Bernadete um mês após ter se encontrado com a presidente do STF e alertado para os riscos que corria expôs a omissão do Estado. Ou, nas palavras dela (gravadas em vídeo), "o descaso das autoridades, principalmente quando se trata do povo negro (....) É justo? O que nós recebemos é ameaças (....) Vivo assim, eu não posso sair, minha casa toda cercada de câmeras".

Apesar da gravidade da denúncia, nenhum mecanismo foi efetivado para proteger a vida da ialorixá que, ao representar sua ancestralidade e lutar pela titulação das terras habitadas por quilombolas, incomodou e contrariou interesses.

Bruno Carazza* - Votações mostram que Centrão já é governo

Valor Econômico

PP, Republicanos e PL são responsáveis por mais de um quarto dos votos a favor do Executivo na Câmara

Natural de Sertânia, no interior de Pernambuco, Ulysses Lins de Albuquerque exerceu três mandatos de deputado federal entre 1946 e 1959. Da discreta carreira política, pouco ficou de relevante - embora tenha feito o filho, Etelvino Albuquerque, senador e governador.

A grande obra de Lins de Albuquerque talvez seja seu livro de memórias, publicado pela Editora José Olympio em 1957. “Um Sertanejo e o Sertão” é um compilado de lembranças e causos deliciosos que retratam as relações políticas e sociais no Nordeste agrário entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX. Relações ainda presentes no Brasil atual - e que não são exclusivas do sertão nordestino.

Uma das histórias narradas no livro é a do coronel Manuel Inácio, líder político na então vila de Alagoa de Baixo desde a Monarquia. O velho coronel tinha duas características marcantes: a violência com que impunha a ordem na região e sua coerência política. Dizia ele: “Eu não tenho culpa de os governos mudarem, eu é que não mudo!”. E arrematava: “Estou sempre com o governo”.

Sergio Lamucci - A melhor resposta para o cenário externo mais adverso

Valor Econômico

A redução das incertezas fiscais é o melhor caminho caso o ambiente externo se mostre mais complicado

O segundo semestre se mostra mais complicado para a economia brasileira. Enquanto o cenário internacional se tornou menos benigno para países emergentes, com a alta forte dos juros de longo prazo nos EUA e a fraqueza econômica da China, as perspectivas fiscais e políticas domésticas se turvaram um pouco. A piora do ambiente externo, em especial, tem pressionado os preços de ativos brasileiros: o dólar voltou a se aproximar de R$ 5, os juros futuros subiram e a bolsa registrou 13 pregões seguidos de baixa. Não há, ao menos por ora, um quadro de grande pessimismo, mas a maior tranquilidade do fim do primeiro semestre ficou para trás. Para evitar maiores turbulências, o ideal seria o governo dar sinais mais firmes de compromisso com o esforço fiscal. No fim das contas, reduzir as incertezas sobre a situação fiscal do país é o que pode de fato assegurar um ciclo mais longo e sustentado de queda dos juros.

Carlos Pereira* - O escondido sempre pode ser revelado

O Estado de S. Paulo

A democracia brasileira demonstra que não é compatível com comportamentos desviantes

Têm sido cada vez mais comum afirmações de que a imposição de perdas a governantes brasileiros seriam consequência direta de erros por eles cometidos na tentativa de acobertar seus malfeitos. Como se os governantes “criminosos” tivessem sido pegos apenas por suas “limitações cognitivas”.

Essa interpretação, ainda que tentadora, é limitada, pois desconsidera o ambiente institucional em que os atores políticos desviantes estão inseridos.

O Brasil já impôs perdas judiciais e políticas não triviais a vários dos seus governantes, por comportamentos desviantes, independentemente da sua coloração ideológica.

Collor, por exemplo, sofreu impeachment e, recentemente, foi condenado pelo STF; Lula foi condenado em dois processos criminais em três instâncias judiciais por corrupção passiva e lavagem de dinheiro e passou 580 dias preso em regime fechado, até ter suas penas anuladas por questões processuais; Dilma também sofreu impeachment por crimes fiscais e orçamentários.

O que a mídia pensa: Editoriais /Opiniões

Contestar números da violência não tem cabimento

O Globo

‘Padronização’ aventada pelo ministro Rui Costa não passa de maquiagem para evitar embaraço a governo do PT

Não faz sentido a ideia de “padronizar” as estatísticas de violência no país, aventada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, em entrevista à GloboNews. Costa, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se reuniram na semana passada no Palácio da Alvorada para tratar do assunto. A intenção declarada do governo é criar um “marco legal” para o setor e fixar um “parâmetro único” para os dados.

Não se sabe exatamente o que o governo pretende com a tal padronização. Há um evidente embaraço de Costa com os números da Bahia, estado que governou e está sob gestão do PT desde 2007. O anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado no mês passado, mostrou que, dos 50 municípios mais violentos do Brasil com mais de 100 mil habitantes, 12 são baianos.

Poesia | Fernando Pessoa - Contudo, Contudo

 

Música | Beth Carvalho -O mundo é um moinho & As rosas não falam (Cartola)