quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

Bruno Boghossian: Brasília contra Moro e Guedes

- Folha de S. Paulo

Parlamentares resistem a mudanças na lei e cortes propostos pelos novos ministros

O instinto de sobrevivência dos políticos será um obstáculo para os planos das principais estrelas do próximo governo. As propostas de Sergio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) para endurecer as leiscontra o crime de colarinho branco e cortar gastos públicos não costumam fazer sucesso em Brasília.

Não foram poucos os casos em que deputados e senadores tentaram articular a aprovação de uma anistia ao caixa dois, por exemplo. Em novembro, depois da eleição de Jair Bolsonaro, caciques partidários se reuniram para uma última investida, mas o esforço fez água mais uma vez.

É improvável que o novo Congresso se atreva a insistir na ideia, mas também não se deve esperar adesão automática dos parlamentares à agenda de Moro. Movidos pelo espírito de corpo ou por orientações partidárias, os políticos apresentam resistência a medidas que possam colocar o establishment em risco.

Mesmo congressistas alinhados ao governo Bolsonaro manifestam relutância. Alguns deles querem atrelar os planos do novo ministro a propostas que punem juízes e procuradores por abuso de autoridade, além de regras mais rígidas para o cumprimento do teto salarial no Judiciário.

A missão de Paulo Guedes também não é fácil. Deputados e senadores são especialistas em ampliar despesas para direcionar obras e dinheiro para suas bases eleitorais, mas o chefe da equipe econômica passou os últimos meses afiando a faca.

Janio de Freitas: A Folha de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Está claro que o presidente eleito ignora o indispensável sobre solução técnica

Jair Bolsonaro não se conforma em ver na Folha textos que não lhe convêm. Tamanha é a sua consideração pelo jornal que reage com insultos, trata mal gente da casa, adverte que prejudicará a empresa, quando dos seus desagrados. Vê-se que é uma distinção exclusiva, e dessas que não se tem como agradecer nem corresponder. Mas é ainda mais rica a sua reação à importante e bem realizada reportagem de Thais Bilenky, baseada na observação de que, "pela primeira vez na história da República", um presidente se empossará "sem nenhum representante" do Nordeste e do Norte "no primeiro escalão" do novo governo.

Primeiro, o Bolsonaro convencional: "A Folha de S.Paulo continua a fazer um jornalismo sujo e baixo nível". E assim segue, esperando convencer de que fez "escolhas técnicas". O que, mesmo se verdadeiro, não impediria a escolha de técnicos capazes e representativos das regiões que compõem cerca de metade do país.

Desta vez apareceu o segundo Bolsonaro, já sacando uma pretensa resposta técnica do seu governo: "Ainda em janeiro" o governo vai "construir instalação piloto para retirar água salobra do poço, dessalinizar, armazenar e distribuir" no Nordeste. Tudo a jato, porque será no mesmo janeiro a ida do ministro da Ciência e Tecnologia a Israel, ainda para procurar parcerias e a tecnologia necessária.

Está claro que Bolsonaro ignora o indispensável sobre a sua solução técnica. O interesse pela dessalinização vem de longe também no Brasil. A tecnologia não é problema. Suas modalidades são conhecidas aqui, já foram testadas, técnicos para aplicá-las não faltariam. Caso alguma dessas modalidades se mostrasse suportável financeiramente. Nem são as instalações, que custam uma só vez. O custo operacional é muito alto e permanente, em descompasso com as condições socioeconômicas da região.

Vinicius Torres Freire: O Brasil e o resfriado americano

- Folha de S. Paulo

Em caso de crise maior nos EUA, Brasil não tem o que fazer a não ser mais do mesmo

Dólar caro e, por vezes, tumultos grandes na economia americana causam um ligeiro aumento do interesse brasileiro por assuntos internacionais. Ligeiro feito uma brisa e apenas entre certa e mui diminuta elite.

Como a taxa de câmbio anda relativamente estável, ainda é raro ouvir conversa sobre o risco e os possíveis efeitos de uma crise americana.

No entanto, seja como for nos Estados Unidos, a discussão no Brasil em tese não teria como mudar.

Dado o tamanho da nossa desgraça econômica, não temos como reagir ou fazer algo diferente do programa que será inevitável pela próxima meia dúzia de anos, faça chuva ou sol lá fora. Isto é, evitar a explosão da dívida pública e uma inflação descontrolada.

A dúvida é como administrar a divisão de custos do ajuste e lidar politicamente com as insatisfações, maiores caso o caldo da economia internacional entorne.

Não é lá muito difícil que o Brasil cresça 2,5% no ano que vem (neste ano, o crescimento não deve passar de 1,4%).

As condições são aquelas que todo mundo está enfadado de ouvir:

1. Reforma da Previdência, alguma outra contenção de despesa que cresça de modo vegetativo e uma arrumadinha em impostos;

2. Economia dos EUA desacelera sem colapso;

3. Donald Trump não intensifica sua guerra com a China e não provoca outras;

4. O crescimento chinês não baixa de seu novo patamar de 6%.

Crescer 2,5% é nada no Brasil. Ainda ficaríamos longe de recuperar o nível de produção e/ou renda perdida na recessão. Nesse ritmo, o desemprego cairia dos cerca de 12% de agora para 11% apenas em 2020 (sim, daqui a dois anos). Ainda assim, seria um alívio, depois de um par de anos de recessão seguidos de um biênio de quase estagnação, refresco em especial para a metade mais remediada da população.

William Waack: Não temos um .45

- O Estado de S.Paulo

'Lacração' na internet não substitui uma política externa com sólida estratégia

É normal que um novo governo bata bumbo ao mundo dizendo a que veio. Isso se chama “imprimir uma marca à política externa”. A de Jair Bolsonaro assumiu até aqui o risco de esbravejar contra a espuma, dedicando-se menos à substância de situações difíceis. É um óbvio cacoete de quem soube “lacrar” na internet e auferiu grande vitória eleitoral. E que levou realistas cínicos como Henry Kissinger a observar, quando solicitado a falar sobre a relação entre redes sociais e visões estratégicas: “Teria Churchill conseguido enfrentar Hitler depois da derrota da França, através de sua conta no Twitter?”

A “espuma” é a crença (sim, crença) de que uma espécie de “grande internacional” esquerdista, articulada por financiadores através de ONGs, “conquistou” os aparatos burocráticos de instituições multilaterais, além, obviamente, de todos os meios de comunicação.

Nem Gramsci teria sonhado com tamanho bloco histórico. Isto mal explica o notório conflito atual entre o nacionalismo ressurgente em várias regiões e as estruturas multilaterais, e muito menos a ordem internacional dos últimos 70 anos - dominada pelos Estados Unidos - em acelerada decomposição, o que traz atualmente muito mais desorientação do que certezas.

O que a “lacração” digital do novo governo identifica como perigos à soberania brasileira (acordos climáticos ou sobre imigração, por exemplo) é uma clássica confusão entre causas e consequências. A principal causa do que se possa identificar objetivamente como vulnerabilidades, debilidades e fraquezas do “poder nacional” brasileiro (qual mesmo?) está na nossa própria incapacidade de controlar nosso território e estabelecer as bases sólidas de prosperidade, baseada numa economia moderna e aberta. Ninguém está nos impondo coisa alguma que nós mesmos já não tivéssemos nos dedicado a estragar.

Zeina Latif: As curvas da estrada

- O Estado de S.Paulo

Tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil

O ano de 2018 foi decepcionante, e a culpa não foi só do governo. O ano começou enterrando de vez as chances de aprovação da reforma da Previdência, que já era pouco provável. A verdadeira razão não foi a intervenção no Rio de Janeiro, que impede aprovação de matérias constitucionais, mas sim a forte oposição de corporações do setor público e sua imensa capacidade de pressão.

A segunda decepção foi a modesta recuperação da produção e do emprego. O primeiro trimestre frustrou as expectativas, mas não a ponto de sepultar as chances de um bom desempenho da economia ao longo do ano, principalmente considerando a taxa de juros do Banco Central em patamar inédito e a melhora da situação financeira de empresas e consumidores. No entanto, alguns choques afetaram a economia. A greve dos caminhoneiros e a reação equivocada do governo implicaram perdas e custos ao setor produtivo. O difícil quadro internacional também cobrou seu preço. De quebra, ainda que menos importante, o BC interrompeu precocemente o corte da taxa Selic.

A terceira decepção foi a suscetibilidade da sociedade a discursos populistas, algo que parecia estar atenuado. Uma importante evidência foi o apoio à greve dos caminhoneiros, que acabou fortalecendo o movimento. Talvez esse tenha sido o primeiro sinal de possíveis surpresas na eleição.

Finalmente, tivemos uma campanha eleitoral que pouco discutiu os graves problemas do Brasil, principalmente a dos finalistas do primeiro turno; justamente aqueles que deveriam ter maior compromisso em deixar claro os desafios do País. De um lado, a negação dos problemas e dos erros de governos anteriores. De outro, a mensagem equivocada de que com combate à corrupção e vontade política se resolveriam os problemas econômicos. O discurso superficial da campanha aumentou o desafio do próximo presidente.

José Serra: Terra à vista

- O Estado de S.Paulo

Um quadro ainda distante do desejado, mas há uma melhora gradual em curso

A conjuntura econômica brasileira será um fator positivo para o governo federal em 2019. Dois fatores que tradicionalmente criam obstáculos para um bom desempenho nessa área estarão ausentes. Primeiro, não há preços reprimidos – por exemplo, em tarifas – que produziriam pressões inflacionárias. Segundo, o cenário cambial é favorável, com reservas abundantes e déficits pequenos na conta corrente do balanço de pagamentos. Terceiro, a taxa de juros é a mais baixa dos últimos anos e não há pressões para reajustá-la. Os riscos concentram-se na política monetária dos Estados Unidos e, internamente, no desequilíbrio das contas públicas.

A queda do produto interno bruto (PIB) entre 2015 e 2016 foi impressionante: 6,7% no acumulado entre 2015 e 2016 – o pior biênio dos últimos 120 anos! Em 2017 avançamos 1,1% e em 2018, projeta-se alta ao redor de 1,5%, ainda distante do nível pré-crise, mas a trajetória é claramente de recuperação. O desemprego está diminuindo, em setembro ficou na casa dos 12%, embora acima da média dos últimos 20 anos (9,5%).

Note-se que a criação de vagas se concentra no mercado informal e na área do “trabalho por conta própria”. É a realidade do pai de família que perde o emprego formal e entra no comércio de rua ou vai ser motorista de aplicativo. Um quadro ainda distante do desejado e que demandará políticas públicas e decisões de política econômica adequadas. Mesmo assim, é preciso olhar a metade cheia do copo: há uma melhora gradual em curso.

A ociosidade na economia – representada por máquinas e equipamentos parados, plantas industriais com baixa utilização e pessoas desempregadas – é bastante elevada. O nível de utilização da capacidade instalada está em 75,7%, bem abaixo da média dos últimos 20 anos (superior a 80%), o que contribuiu para uma inflação persistentemente baixa e juros menores, e poderá permitir pelo menos 2,5% de crescimento do PIB no ano que vem sem necessidade de investimentos. Numa primeira fase, basta reativar os fatores que estão parados.

A inflação acumulada em 12 meses ficou, em novembro, pelo IPCA, em 4,6%. Nela, a parte relativa a serviços, normalmente mais resistente a diminuir, está em 3%, nível historicamente baixo. A inflação de preços livres está em apenas 2,8%! Não fosse o impacto de quase 10% dos reajustes de preços administrados – afetados pelas altas de combustíveis e do dólar –, o impulso da inflação seria ainda menor. Tanto é assim que para o ano que vem o próprio mercado prevê uma inflação ao redor de 4%.

Merval Pereira: Gente como a gente

- O Globo

Atos de Bolsonaro o mostram como o espelho de Lula, e alimentam essa rivalidade de forma proposital

O governo que assume dentro de seis dias inspira esperança nunca antes neste país registrada em pesquisas, como constata o Datafolha. O otimismo do brasileiro coma economia está em níveis recordes. Segundo o instituto, cresceu de 23% para 65% o índice dos que acham que a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos meses.

Este é também o primeiro governo de direita que assume o país desde 1994, quando nossa versão de social-democracia europeia chegou ao poder com Fernando Henrique Cardoso.

Foram 22 anos de governos de esquerda, responsáveis, para o superministro da economia Paulo Guedes, pelo nosso crescimento econômico medíocre. Anteriormente, houve a experiência malsucedida de Fernando Collor, um populista de direita assim como Bolsonaro, que derrotou a esquerda, assim como Bolsonaro.

O voluntarismo de ambos é característica que, antes como agora, define a maneira de governar e pode levara um isolamento político perigosos e quiser ser sustentado pelo amplo apoio popular que hoje detém.

Jânio Quadros renunciou achando que o povo o levaria de volta ao poder. Lula, com 80% de aprovação quando saiu do governo, pensava que o povo não o deixaria ser preso. Está na cadeia há quase um ano. Collor chamou o povo para defendê-lo nas ruas com as cores verde e amarelo, e foi derrotado por uma avalanche de pessoas de luto pelo país.

Governava através de mensagens em camisetas feitas especialmente para a ocasião. Exibia frases de impacto, como “Drogas, Independência ou Morte”, “Não fale em crise. Trabalhe ”, e amais famosa :“O tempo é o senhor da razão ”, para dizer-se inocente. Conseguiu não ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de provas, muito antes do que os críticos chamam de “a teoria jurídica de Curitiba” entrar em vigor, mas está às voltas novamente com processos de corrupção.

Não havia os novos meios de comunicação que hoje empoderam os representados, o que, porém, pode voltar-se como bumerangue contra o populista da ocasião.

Míriam Leitão: Realismo chegará no primeiro corte

- O Globo

Em fevereiro o próximo governo já será obrigado a bloquear R$ 12 bilhões esperados da privatização da Eletrobras, operação hoje paralisada

Ao fim de fevereiro, quando fizer o primeiro relatório de avaliação bimestral do cumprimento de metas fiscais, o governo terá que bloquear R$ 12 bilhões de receita e despesa. É o dinheiro previsto no Orçamento que viria da privatização da Eletrobras. A venda está paralisada, e sobre ela não há consenso dentro da administração Bolsonaro. O presidente eleito já se manifestou contra, certa vez, mas integrantes da equipe econômica se comportam como se a venda das ações da holding elétrica fosse favas contadas.

Este é apenas um dos vários momentos em que a realidade vai mostrar sua face para os que estão chegando ao poder. Depois dessa transição cheia de ruídos e com uma comunicação confusa, para dizer o mínimo, espera-se que os integrantes do governo Bolsonaro consigam aterrissar. Há alguns que permanecem em órbita, ou vociferando contra problemas inexistentes ou achando que tudo vai acontecer num passe de mágica após a posse.

O governo Bolsonaro poderá contar com várias boas heranças. O realismo orçamentário é uma delas. Esse é o primeiro Orçamento aprovado quase integralmente igual à proposta enviada pelo Executivo. Os congressistas costumavam puxar o crescimento do PIB para inflar a receita e assim abrir espaço para criar novas despesas. Isso obrigava o governo a contingenciar os gastos, logo no início de cada ano. A receita líquida do Orçamento é de R$ 1.299,7 bilhões e a despesa primária é de R$ 1.438,7 bilhões, os mesmos valores da proposta inicial.

Desta vez terá que bloquear o valor referente à venda da Eletrobras que estava prevista desde o projeto da LDO. Houve atrasos no processo de venda pelos mais variados motivos, mas também há visões antagônicas sobre os limites da privatização dentro da nova administração. O próprio presidente eleito disse que não a privatizaria e argumentou que quem vende a galinha do fundo do quintal fica sem os ovos quando precisa. Na equipe econômica prepara-se um plano de privatização, sem qualquer garantia de que isso terá a aprovação do presidente.

Carlos Alberto Sardenberg: Melhorou, mas o velho está por aí

- O Globo

Bolsonaro pega um país mais arrumado. Fica também um Brasil velho, que atrapalha qualquer mudança

A economia claramente melhorou nos dois anos do governo Temer. Foi até surpreendente: a equipe econômica manteve sua integridade e sua capacidade de atuação mesmo depois que o governo foi atolado por denúncias de corrupção.

O país saiu de uma perversa combinação de recessão com juros altos e inflação elevada para um quadro de recuperação do crescimento, juros historicamente baixos, por um largo período, e inflação abaixo da meta. Contas externas em ordem, graças a saldos comerciais e investimentos estrangeiros.

Na verdade, o país voltou ao normal quando comparado com o resto do mundo. No tempo de Dilma, excetuando-se um ou dois, os países estavam em crescimento, com inflação e juros muito baixos.

Pois o Brasil de Dilma era exatamente o contrário: perda de riqueza, PIB em queda, inflação acima dos 10% mesmo com juros nas alturas. Merecia um prêmio Ignobel.

As contas públicas brasileiras continuam em estado de desastre. Nem se pode dizer que melhoraram, mas é certo que deixaram de piorar. Ou seja, antes iam de mal a pior; agora foram de pior a mal.

O déficit público foi reduzido, aprovou-se um teto de gastos —reforma inédita e crucial —, mas o problema estrutural é o mesmo: as despesas previdenciárias e com pessoal consomem parte cada vez maior do orçamento. Acreditem: se não for feita nenhuma reforma, em pouco tempo, algo como quatro ou cinco anos, toda a receita de impostos será destinada a pagar salários, pensões e aposentadorias.

Cristian Klein: País sem heróis

- Valor Econômico

Potencial de crises no governo Bolsonaro não está no gibi

A julgar pela primeira entrevista desde o estouro do escândalo, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, vai dar trabalho para o senador eleito e para a imagem do pai, Jair Bolsonaro, prestes a tomar posse, em cinco dias, como presidente da República. Nem com o sumiço de 20 dias, Queiroz conseguiu apresentar uma versão satisfatória para a movimentação financeira atípica, de R$ 1,2 milhão, apontada pelo relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Numa entrevista ao SBT que foi ao ar ontem à noite, Queiroz quebrou o silêncio, mas as explicações, em vez de aplacar, levantaram mais dúvidas. Demonstrando nervosismo e pouca segurança, o ex-PM lotado no gabinete de Flávio Bolsonaro gaguejou em vários momentos, deixou pontas soltas e contradições. A primeira delas foi ao dizer que não está "fugindo do Ministério Público" e que "quero muito prestar esclarecimento". Em quase três semanas, Queiroz não foi encontrado em casa e faltou duas vezes a depoimentos marcados no MP do Rio. Apesar disso, encontrou-se com Flávio Bolsonaro, que procurou a imprensa para relatar ter ouvido dele uma história "bastante plausível".

É de se duvidar que o MP encontrará plausibilidade na versão. Fabrício credita a seu tino para negócios de revenda de carros o volume de recursos milionário que movimentou em sua conta no período de um ano - algo incompatível com os salários que acumulava como assessor parlamentar e policial militar, os quais estimou em R$ 24 mil. "Sou um cara de negócios, eu faço dinheiro, compro, revendo carro, eu sempre fui assim. Gosto muito de comprar carro em seguradora. Na minha época lá atrás, comprava um carrinho, mandava arrumar, vendia", disse, como se dois anos atrás fosse um tempo distante.

A extrema facilidade em ganhar dinheiro contradiz a necessidade de pegar um empréstimo com Bolsonaro, no valor de R$ 40 mil. A dívida teria sido paga em dez cheques de R$ 4 mil, e não parcialmente com o cheque de R$ 24 mil em nome da futura primeira-dama, Michelle, identificado pelo relatório do Coaf. Os depósitos que recebeu da filha e da esposa - também ex-funcionárias de Flávio - foram atribuídos a seu papel de gestor das contas da família. Sobre os depósitos de outros funcionários lotados no gabinete, Queiroz afirmou que só falará ao MP e procurou negar a suspeita de que sua conta era, na verdade, utilizada para o tradicional esquema das "rachadinha", em que deputados e vereadores se apropriam de parte ou de todo o salário de seus assessores parlamentares. "Não sou laranja, sou homem trabalhador, tenho despesa imensa por mês", disse.

Ricardo Noblat: Queiroz fala, mas não convence

- Blog do Noblat

A que serviu o que ele disse ao SBT

Pouco ou nada acrescentou ao que se sabe a entrevista ao jornal do SBT de Fabrício Queiroz, ex-assessor do deputado Flávio Bolsonaro e amigo de longa data do presidente eleito Jair Bolsonaro, a quem devia dinheiro.

A entrevista serviu a dois objetivos: livrar Queiroz da posição incômoda de desaparecido desde que se descobriu a dinheirama que movimentou em sua conta bancária, e livrar de qualquer suspeita o clã dos Bolsonaro.

“Meu problema é meu problema, não tem a ver com o Flávio Bolsonaro. Não tem a ver com ninguém. Eu vou responder pelos meus atos”, prometeu Queiroz, que logo acrescentou: “Eu sou o problema, não eles”.

Quanto à futura primeira-dama Michelle Bolsonaro, na conta da qual foi depositado um cheque em nome dele no valor de R$ 24 mil, Queiroz a ela se referiu como “uma pessoa pura”.

Foi Bolsonaro, pai, quem disse que “por falta de tempo” para sacá-lo depositou o cheque de Queiroz na conta da sua mulher. Era parte de uma dívida de R$ 40 mil que Queiroz contraíra com ele.

Queiroz reconhece a dívida, mas não a autoria do cheque. Sobre os depósitos mensais em sua conta feitos por pelo menos oito outros funcionários do gabinete de Flávio, Queiroz preferiu nada dizer.

Só dirá quando for ouvido pelo Ministério Público do Rio que o investiga. Queiroz já deixou de depor quatro vezes, não duas. Mas como se trata de um câncer nos intestinos ainda não sabe quando irá depor.

A versão de Queiroz: Editorial | Folha de S. Paulo

Ex-assessor de Flávio Bolsonaro rompe o silêncio depois de 20 dias, mas as explicações para sua movimentação financeira ainda são insatisfatórias

No final da década de 1980, o ilustrador britânico Martin Handford deu início a uma série de livros que se tornou sucesso em diversos países. Nos volumes, voltados para o público infanto-juvenil e intitulados “Onde está Wally?”, o leitor é desafiado a localizar o personagem em ilustrações que reúnem um emaranhado de situações e tipos.

A brincadeira ganhou nas últimas semanas uma versão brasileira. A diferença é que a pergunta se referia ao desaparecimento de uma pessoa real, envolvida num episódio com implicações relevantes para a política nacional.

Trata-se do policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar do deputado estadual e futuro senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente eleito.

Na sexta-feira (21), pela segunda vez, ele deixou de se apresentar para depoimento agendado pelo Ministério Público, com vistas a colher explicações para o fato de ter movimentado em sua conta bancária, ao longo de um ano, R$ 1,2 milhão —quantia aparentemente incompatível com sua renda.

As operações foram identificadas em relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) vinculado a um desdobramento da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro. Entre saques e depósitos em dinheiro, transferências e cheques, Queiroz destinou R$ 24 mil para a futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.

Legislativo critica Judiciário, mas transfere decisões: Editorial | O Globo

Avanço da judicialização e do ativismo dos juízes decorre da omissão dos outros Poderes

São recorrentes as críticas dos políticos à judicialização e ao ativismo judicial. Há razões objetivas, mas, primeiro, é preciso ponderar que o arranjo institucional contempla amplas possibilidades para socorro em juízo, como também permite um modo expansivo, proativo, dos juízes interpretarem a Constituição.

São fenômenos recentes, no debate político nacional, as conotações negativas da judicialização e do ativismo, ou a falta de exercício de autocontenção do Judiciário. A censura tem permeado dois em cada três discursos feitos na Câmara e no Senado.

É salutar a crítica parlamentar a iniciativas como a do Supremo Tribunal Federal quando legitimou a multiplicação de partidos — hoje são 35 com registro oficial, embora não se conheçam 35 ideologias. Da mesma forma, há coerência nos protestos contra a judicialização da saúde.

O óbvio, ululante, evita-se reconhecer: o avanço da judicialização e do ativismo dos juízes decorre da omissão dos outros Poderes.

Distorções do Fundo Partidário: Editorial | O Estado de S. Paulo

Desde 1996, o valor do dinheiro público destinado aos partidos políticos por meio do Fundo Partidário cresceu 460%, mostrou levantamento do Estado. Em 1996, o fundo distribuiu R$ 200 milhões, em valores corrigidos pelo IPCA. Em 2019, R$ 927,7 milhões serão destinados aos partidos políticos. Além de onerar os cofres públicos – consumindo recursos que deveriam ser usados em áreas realmente prioritárias –, o sistema de financiamento dos partidos com dinheiro público produz graves distorções na representação política. Os partidos são entidades privadas e devem ser sustentados com dinheiro privado, por meio de doações de pessoas físicas.

O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, foi criado pela Lei 4.740/1965, durante a ditadura militar, para financiar os custos administrativos das legendas. Ele é abastecido principalmente com dotações orçamentárias, aprovadas pelo Congresso. Assim, quem determina os valores do Fundo Partidário são os próprios beneficiários desses valores, o que ajuda a explicar por que o volume de recursos tem crescido de forma tão acintosa desde a reforma eleitoral de 1995, quando se aprovou a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995).

A existência do Fundo Partidário é um grande equívoco. São os cidadãos que devem voluntariamente financiar a atividade política. O Estado não deve ter esse papel e, quando ele o assume, causa muitos desequilíbrios. Se as atividades partidárias são sustentadas com recursos públicos, a representação política fica distorcida e o eleitor perde o seu necessário protagonismo no processo partidário.

Com dinheiro público alimentando seus caixas, as legendas não têm necessidade de estarem próximas do cidadão, seja para convencê-lo de suas propostas, seja para estimulá-lo a financiar suas causas. O que assegura a continuidade dos partidos deixa de ser a força das suas propostas ou a sua capacidade de entusiasmar pessoas com seus ideais. O decisivo para as legendas passa a ser a provisão de mais verbas no Orçamento do Estado.

Correção dos ativos e ruídos políticos assustam investidores: Editorial | Valor Econômico

O drama dos mercados financeiros americanos às vésperas do Natal, quando tiveram sua pior performance da história na data, é uma avant-première do que pode ocorrer em 2019. O tempo de volatilidade muito baixa, ampla liquidez, juros no chão e recordes sucessivos nas bolsas de valores ficaram para trás. O redirecionamento dos mercados começou em um movimento que exacerba amplitudes. A correção teria de vir em algum momento e ele parece ter chegado.

O atual ciclo de crescimento da economia americana é o mais longo desde a Segunda Guerra. Esses ciclos, a partir daí, desembocaram em igual número de recessões ou de baixo crescimento - sete cada (Valor, ontem). Há consenso do mercado de que o atual ciclo está perto do fim, mas não sobre o que se seguirá. O pânico de dezembro mostrou que parte dos investidores colocou nos preços a perspectiva de uma recessão. Os números da atividade e as projeções do Federal Reserve, no entanto, não indicam isso.

Da posse do presidente Donald Trump até agora, a economia americana cresceu sistematicamente acima de seu potencial - algo em torno de 2% - e roda hoje a uma velocidade de 3,5% e, mesmo após a queda dos mercados acionários, houve valorização de 30% (Gavyn Davies, FT). É natural que, com a dissipação dos efeitos do pacote de redução de impostos, as sucessivas e previsíveis elevações dos juros e encolhimento do balanço do Fed, a economia retorne a seu potencial, isto é, cresça menos. É o que o Federal Reserve previu em sua reunião de dezembro, ao estimar expansão de 3% neste ano, 2,3% no ano que vem e 2% em 2020.

Entrevista / Márcio França: Se o modelo eleito de extremos falhar, vão chamar os políticos

Em suas últimas semanas no governo, Márcio França diz que não descarta se candidatar eleição à Prefeitura de São Paulo em 2020

Gabriela Sá Pessoa e Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Derrotado na eleição, o governador de São Paulo Márcio França, do PSB, deixa o Palácio dos Bandeirantes em alguns dias e pensa em descansar sem deixar de fazer que mais gosta: política.

Na última quinta (20), quando recebeu a Folha em seu gabinete, estava preocupado com os últimos dias para fechar as contas de sua gestão. França diz que entregará o estado a João Doria (PSDB) com cerca de R$ 8 bilhões em caixa —apesar da queda de 1,2% das receitas totais do estado, contando a inflação.

Ele comemorava ter chegado a “uma equação política e jurídica” para desbloquear um fundo do Tribunal de Justiça que vai ajudar a esgotar o estoque de cerca de R$ 20 bilhões de precatórios (dívidas judiciais do estado).

• O acordo das dívidas do estado será o principal legado de sua gestão?

Essa coisa de uma lealdade com a política. Não neguei ser político. Minha lealdade com Alckmin, [o fato de] não declarar apoio que não pudesse por causa desse negócio apertado de Bolsonaro. Gostaria que ficasse essa marca da equação financeira, das contas em dia. E de alguém que dialogou de maneira mais ampla do que todo o mundo estava acostumado.

• Gostaria que algum projeto seu continuasse?

O alistamento civil [de jovens], falei para a equipe de transição. Você olhando assim parece uma coisa militar. Tenho certeza que é a cara desse novo Brasil.

• Na campanha, o sr. disse que o programa era uma alternativa de combate ao crime organizado, pois estrangularia a mão de obra dos criminosos. João Doria quer ter como vitrine de sua gestão uma guerra contra o PCC.  

Eu me baseio na opinião dos policiais. Eles dão a entender que não é o mais efetivo dos métodos. A escolha dele [Doria] por um policial militar [coronel Marcelo Salles] que é o atual comandante da minha polícia e será o dele significa que tem a noção de modular o discurso.

• O PCC vive um momento agudo, com o plano de resgatar Marcola[principal líder da facção].

Essa história do plano de resgate, está onde?

Coral Edgard Moraes - A vida é um carnaval

Carlos Drummond de Andrade: Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.