DEU EM O GLOBOOs últimos dias trouxeram boas notícias para o presidente Lula em ambos os fronts em que atua com disposição inusitada para quem está em fim de mandato.
No front interno, seu esforço acima da lei teve a recompensa de levar pela primeira vez sua candidata à liderança de duas pesquisas eleitorais. Seria a comprovação de que o crime compensa.
No plano externo, o governo brasileiro saiu-se bem de uma empreitada arriscada ao fechar um acordo tripartite com Irã e Turquia sobre enriquecimento de urânio. Os dois assuntos se entrelaçam em ano eleitoral, com a política externa ganhando um destaque nunca anteriormente registrado em campanhas presidenciais.
Este não é um fenômeno apenas brasileiro, mas recorrente no novo mundo multipolar, especialmente em países que surgem como lideranças emergentes.
O fato de que Lula tem sido destacado pelos meios de comunicação internacionais como dos principais líderes mundiais ganha especial relevo na campanha petista, que, paradoxalmente, tenta desqualificar a importância da mídia nacional.
Nem as pesquisas, porém, indicam que a vitória de Dilma Rousseff são favas contadas, nem o acordo resolve o impasse sobre o programa nuclear iraniano.
Os dois fatos, no entanto, demonstram a capacidade operacional de Lula, que se transformou em um respeitável líder de atuação global, mesmo que não tenha chegado a uma solução definitiva como tentam fazer crer o governo brasileiro e os militantes petistas.
O fato de ter alcançado um acordo, mesmo parcial e de efeito altamente questionável, é louvável pela intenção de substituir pela negociação medidas mais drásticas por parte da comunidade internacional.
Mas, para que o acordo fosse eficaz, teria que ser seguido de gestos concretos do Irã, o que não aconteceu até o momento.
Por tudo isso, querer fazer de Lula o novo grande líder mundial é tão precipitado quanto arriscado, pois é possível que o acordo que obteve no Irã se transforme em motivo de chacota, ou de repúdio, internacional.
A vitória da diplomacia, como classificou Lula, pode em poucos dias se transformar na demonstração de que os iranianos conseguiram passar a perna em dois políticos ambiciosos e desejosos de poder (Lula e o primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan), e com isso ganhar tempo para continuar no seu projeto nuclear paralelo.
Desde que não fique posteriormente demonstrado que Brasil e Turquia não foram enganados, mas cúmplices do Irã em mais uma manobra destinada a dificultar as sanções internacionais. Ou que o Brasil aceitou participar de mais uma farsa iraniana para se contrapor aos Estados Unidos no plano internacional.
Das hipóteses que estão nas discussões internacionais, a melhor para o Brasil, e a que considero correta, é a de que tentou sinceramente levar o Irã de volta ao convívio internacional, embora sem sucesso.
Não é preciso nem mesmo pedir uma só razão para que se acredite que o governo de Teerã irá cumprir o mesmo acordo que firmou com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e depois rompeu, em outubro do ano passado.
O fato de o governo do Irã ter anunciado horas após a divulgação do acordo que continuará a enriquecer urânio a 20% sem a fiscalização dos organismos internacionais já demonstra que a disposição de descumprir o espírito do acordo esteve presente desde sempre.
A única razão para a AIEA exigir que o urânio seja enriquecido fora do Irã é impedir que o governo teocrático de Teerã tenha o controle do programa nuclear fora das vistas do resto do mundo.
Se ele anuncia a disposição de continuar a enriquecer o urânio sem a supervisão da AIEA, o resultado do acordo conseguido pelo Brasil é nulo.
O mínimo que poderá acontecer é a AIEA exigir que seja aumentada a quantidade de urânio pouco enriquecido a ser enviada para a Turquia, já que desde o fracassado acordo do ano passado, o Irã continuou a enriquecer urânio, e hoje seu estoque deve estar bem maior do que era naquela ocasião.
Esse acordo internacional, mesmo que apenas simbólico, terá porém efeito na campanha presidencial, alavancando ainda mais a popularidade de Lula e sua capacidade de tentar influir no resultado da eleição a favor da candidatura oficial de Dilma Rousseff.
As lideranças petistas já passaram a cantar as glórias internacionais de Nosso Guia, transformado na retórica governista no novo líder mundial, potencial candidato a Nobel da Paz. Lula, de fato, é um possível vencedor do Nobel, mas se vencer será menos pela política de aproximação com o Irã, e sim como campeão mundial contra a fome, título que ganhou recentemente da ONU.
Aliás, a relação do governo Lula com países que desrespeitam os direitos humanos, como Irã e Cuba, só faz tirar-lhe pontos na cotação internacional.
O Nobel da Paz é anunciado no início de outubro ano passado foi no dia 9 , justamente entre o primeiro turno da eleição presidencial, a 3 de outubro, e um eventual segundo turno, a 31 de outubro.
Mesmo que não seja o vencedor, certamente o programa da candidata oficial tentará tirar proveito do prestígio internacional de Lula.
A liderança nas pesquisas do Vox Populi e do Sensus, na verdade um empate técnico, mesmo se for confirmada pelos dois institutos de opinião mais tradicionais, o Ibope e o Datafolha, chega mais tarde do que estava previsto pelos governistas, e com maiores dificuldades.
O fato de que essa liderança foi conseguida pela primeira vez após esforço pessoal de Lula, que transgrediu a legislação eleitoral em duas ocasiões, no programa do 1ode maio e no do PT, só demonstra a dificuldade da empreitada.
O fato é que este é o melhor momento da campanha da candidata oficial até as convenções de junho, e ajudará a manter os palanques regionais e as coligações para garantir o tempo de televisão.