sábado, 3 de março de 2018

Roberto Freire: Silêncio cúmplice

- Blog do Noblat

O drama humanitário enfrentado pelos venezuelanos, que vêm deixando o seu país em função do desmantelo político, econômico e, principalmente social, é um problema grave no qual o Brasil está cada vez mais envolvido. Basta que se observe o que ocorre no estado de Roraima, sobretudo na capital Boa Vista, destino de algumas dezenas de milhares de refugiados que chegam em busca de uma oportunidade de sobrevivência.

Para que se tenha ideia da dimensão do estrago causado pela ditadura de Nicolás Maduro, dados obtidos pelo portal “800 Notícias” apontam que quase 2 milhões de cidadãos deixaram a Venezuela nos últimos anos. A Colômbia é o principal destino (550 mil), seguida por Equador (280 mil), Panamá (260 mil), Espanha (250 mil), Chile (160 mil), Peru (100 mil), entre outros. Até agora, o Brasil recebeu cerca de 34 mil pessoas vindas daquele país.

Quando se analisa a tragédia venezuelana sob o ponto de vista de quem vive no Brasil, o que chama a atenção é o silêncio conivente de grande parte da nossa assim chamada intelectualidade e de alguns artistas que, aliás, se notabilizam pelo ativismo político. Muitos dos nossos pensadores, além de inúmeros expoentes da cultura brasileira que se manifestaram de forma corajosa contra a ditadura militar de 1964, contribuindo decisivamente com a luta pela liberdade e a reabertura democrática do país, simplesmente silenciam em relação ao horror do regime de Maduro. Tal comportamento dá margem, inclusive, a que se imagine haver um caráter seletivo de indignação – como se houvesse extremo rigor ao se condenar o autoritarismo à direita, mas condescendência quando se trata de uma ditadura à esquerda. Esse duplo padrão moral é inaceitável e inadmissível.

Alberto Aggio: Impasse nas eleições italianas

Revista Será? (PE)

Em meio às nossas turbulências paroquiais, acompanhamos desde o Brasil as eleições para o Parlamento italiano a serem realizadas no próximo domingo, 04 de março. São eleições gerais para a recomposição do Parlamento e indicar um novo governo para o país. Contudo, pelas últimas pesquisas, não é certo que se consiga indicar um novo Primeiro Ministro e formar um novo governo. A divisão em três blocos políticos assume feições irreconciliáveis, impedindo a formação de uma maioria. Isso faz parte da lógica do Parlamentarismo que os italianos conhecem muito bem.

As eleições de domingo não mexem com a Presidência da República, hoje exercida por Sérgio Mattarella. A mudança, se houver, atingirá o Primeiro Ministro, Paolo Gentiloni, que governa com o apoio de uma coalisão que tem no Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, sua maior força.

Apesar dos anos de crise e austeridade, a Itália vem saindo da recessão e a economia vem evidenciando um crescimento significativo para padrões europeus. Dessa forma, é equivocado imaginar que a retomada econômica não tenha sido resultado de programas e ações governamentais, como alguns imaginam. As eleições não se realizam, portanto, em meio a um cenário de fracasso irreversível do governo de turno. E, mesmo com as divisões políticas, com as quais os italianos convivem há décadas, não se pode dizer que a população espera que o melhor é não haver governo algum. Esse é um raciocínio hipócrita e calcado numa visão estereotipada dos italianos de que, em seu momento, Mussolini se aproveitou, ao afirmar que “governar os italianos não era impossível, era inútil”.

Estas eleições se realizam num cenário novo do ponto de vista institucional em razão da nova lei eleitoral que reintroduziu a proporcionalidade no sistema eleitoral. Isso pode dar ensejo a uma alteração no perfil da democracia italiana, que passaria a ser uma “democracia de partidos” e não apenas de líderes, ainda que haja necessariamente uma combinação entre essas duas dimensões. Com essa mudança aumentou a fragmentação partidária e a competição eleitoral, com a necessidade da formação de coalizões relativamente autônomas com vistas à formação do futuro governo.

Cristovam Buarque: Improvisos seculares

- O Globo

Urgência de cuidar do fuzil nos faz desprezar a importância do lápis

Ainda no século XIX, um dos maiores brasileiros de nossa história, Joaquim Nabuco, disse que a Abolição ficaria incompleta se os escravos não recebessem terra para trabalhar, e seus filhos não recebessem escolas para estudar. Não lhe deram atenção. Cem anos depois, outro dos maiores brasileiros da história, Darcy Ribeiro, disse que se o Brasil não construísse escolas naquele momento, teria de construir cadeias no futuro.

Junto com o então governador Leonel Brizola, Darcy iniciou a construção de um sistema estadual de escolas públicas com máxima qualidade: os Cieps. Os governadores seguintes não deram continuidade a esse sistema em horário integral. Em 1990, o ex-presidente Collor tentou levar a ideia para o resto do Brasil com os Ciacs, mas, com o impeachment, a tentativa de federalização foi abortada.

A sociedade brasileira continuou sua marcha de pobreza, violência, desigualdade, ineficiência, improvisando soluções parciais para cada problema. Eleitos e eleitores não percebem que o berço de nossos problemas está na falta de um sistema nacional de educação com máxima qualidade; que o futuro de um povo tem a cara de sua escola no presente (83% dos jovens infratores abandonaram a escola ainda na educação de base). A população vê a ameaça de uma pessoa portando fuzil, mas não vê a esperança em um professor segurando um lápis, um livro, um computador dentro de uma boa escola. No momento, quase todo carioca apoia, e os demais brasileiros invejam, a decisão de federalizar a segurança do Rio de Janeiro, mas nem imaginam que a maior parte se opõe a uma federalização da educação de base. Preferimos continuar nas improvisações seculares: “Abolição”, “República”, “desenvolvimento”, “democracia” e “segurança” sem educação. A urgência de cuidar do fuzil nos faz desprezar a importância do lápis, mas guiar-se apenas pelo desespero com a violência não leva à construção da paz.

Fernando Gabeira: Para além do dinheiro

- O Globo

Suprir salário que não satisfaz com o artifício de uma gambiarra como o auxílio-moradia é um equívoco dos juízes federais

Os juízes federais anunciam uma greve no dia 15 de março. De um modo geral, apoio os magistrados e os procuradores na sua luta contra a corrupção.

Conseguiram avançar muito nesse campo. Muito mais do que nós, que tentamos a mesma tarefa na política e acabamos neutralizados pela aliança transpartidária dos bandidos.

Essa história do auxílio-moradia, no entanto, não é facilmente defensável. O auxíliomoradia é definido para os que não têm casa nos lugares para onde são deslocados.

Conheci juízes em Rondônia que viajam quilômetros, fazem audiências em igrejas e dormem em redes. Um dos meus projetos de programa é viajar com eles e mostrar o que acontece num lugar remoto, quando a Justiça chega e começa a funcionar.

Esta menção é apenas para ressaltar o nível de desprendimento e idealismo que encontro em muitos deles, alguns ameaçados de morte.

Compreendo que o salário não satisfaz, não foi aumentado como se prometeu. No entanto, o caminho de supri-lo com o artifício de uma gambiarra é um equívoco.

A sociedade não aceita a insistência que pode colocar em risco a própria luta contra a corrupção, pois abre uma brecha na valiosa qualidade que é a coerência.

O Brasil vive momentos típicos de nossa cultura avessa à precaução. Discutia-se até aqui a reforma da Previdência, até que a segurança pública caiu na nossa cabeça.

Não tenho dúvidas de que, adiante, a Previdência Social cairá também na nossa cabeça. Nesse momento, certamente não só a Justiça e as próprias Forças Armadas como parte do funcionalismo público serão chamadas a colaborar, adaptando-se ao inevitável esforço nacional.

João Domingos: Muito a mostrar

- O Estado de S.Paulo

A pergunta que fica: conseguirá o candidato do governo vencer a guerra da comunicação?

O candidato do governo à Presidência da República terá o que mostrar na campanha eleitoral: taxas de juros que despencaram, inflação abaixo do piso da meta, País fora da recessão, retomada do emprego, embora de forma ainda tímida, crescimento de 1% do PIB em 2017, depois de dois anos em queda forte, com expectativa de avanço de 3% esse ano, e recuperação da Petrobrás, tanto em valor quanto em credibilidade.

Sem falar na decisão do presidente Michel Temer que levou à intervenção na segurança pública do Rio de Janeiro, apoiada por ampla maioria da população, conforme pesquisas já feitas. Tão apoiada que transformará a questão do combate à criminalidade num dos principais motes da campanha eleitoral.

O PT e os partidos a ele aliados por certo continuarão a dizer que o programa ultraliberal de Temer não poderia ter sido aplicado, pois ele foi eleito na mesma chapa de Dilma Rousseff. E, na campanha, não se falou em nenhum momento que o governo tentaria privatizar boa parte de suas estatais nem que faria uma reforma trabalhista ou o controle dos gastos públicos por intermédio de uma emenda constitucional. São argumentos políticos e continuarão a sê-lo. Porque a realidade os supera. Em menos de dois anos Temer tirou o País do rumo do caos econômico deixado por Dilma Rousseff e o pôs para andar.

Merval Pereira: Cai a blindagem

- Globo

Ao acatar o pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, de incluir o presidente Michel Temer na investigação sobre o suposto pagamento de R$ 10 milhões em propinas da Odebrecht para o PMDB, acertado em um jantar no Palácio Jaburu quando ainda era vice-presidente, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin confirmou uma jurisprudência que havia sido interrompida na gestão de Rodrigo Janot.

Temer fora excluído do inquérito, que inclui os ministros palacianos Moreira Franco e Eliseu Padilha, porque o antecessor de Dodge argumentava que a Constituição proíbe a responsabilização do presidente por crimes cometidos antes do início do mandato.

Dodge é de uma linha diversa, que conta com o apoio de jurisprudência do Supremo segundo a qual o presidente pode ser investigado, mas não denunciado por crimes cometidos fora de seu mandato presidencial.

O ex-ministro Teori Zavascki, relator no Supremo da Lava-Jato na ocasião, concordou com Janot, mas voltou atrás meses depois, admitindo que o entendimento consolidado da Suprema Corte permitiria a abertura de investigação contra a então presidente Dilma Rousseff na Lava-Jato, caso houvesse indícios do envolvimento dela em irregularidades:

Demétrio Magnoli: O marketing acadêmico

- Folha de S. Paulo

Na era Lula, acadêmicos eram militantes partidários. Agora, eles ingressam no ofício de marqueteiros

A campanha presidencial simulada de Lula dissolveu a delgada película que ainda separava o pensamento acadêmico do imperativo partidário. O ácido foi derramado pelo professor da UnB Luis Felipe Miguel, que criou uma disciplina intitulada “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”.

Uma reclamação imprópria do ministro da Educação serviu como pretexto para que dezenas de colegas emulassem o gesto de vandalismo intelectual, ofertando disciplinas idênticas em departamentos da USP, Unicamp, UFBA, Ufam e outras. Na “era Lula”, acostumamo-nos com a redução de acadêmicos a militantes partidários. Agora, assistimos ao ingresso deles no ofício de marqueteiros.

O vaga-lume ativa e desativa a bioluminescência segundo suas necessidades biológicas. O PT acende e apaga o sinal de “golpe” de acordo com as circunstâncias políticas. O luminoso foi ativado para reagrupar a militância, na hora do colapso dilmista, mas desativado pouco depois, quando o PT anunciou a retomada das alianças eleitorais com os partidos “golpistas” (o MDB e as siglas do “centrão”). Hoje, pressiona-se novamente o interruptor para denunciar o veto legal à candidatura de Lula. A ciência política tem algo a dizer sobre as funções desempenhadas pela narrativa do golpe. Já os acadêmicos que a reproduzem, aplicando-lhe um verniz de discurso científico, depredam a instituição na qual trabalham.

Na UFBA, a disciplina decola no golpe do Estado Novo, transita pelo golpe de 1964 e aterrissa no “golpe de 2016”, que abriria uma etapa de “autoritarismo”. As leis de exceção, a proibição de partidos, a cassação de parlamentares, as prisões políticas, a tortura, a censura, a repressão a manifestações —nada disso aparece no “golpe de 2016”, que obedeceu à letra da Constituição e procedeu segundo regras ditadas pelo STF. Por qual motivo, além da fidelidade ao partido, a disciplina não contempla o “golpe de 1992” (ou seja, o processo de impeachment contra Collor)?

Julianna Sofia: Salvaguardas

- Folha de S. Paulo

MP que atenua reforma trabalhista está parada no Congresso

O presidente Michel Temer disse, em artigo na Folha, que a reforma trabalhista deverá acelerar a geração de empregos neste ano e endossou a aposta de analistas de mercado de 3 milhões de novas vagas (formais e informais) em 2018.

As mudanças na embolorada CLT entraram em vigor em novembro. Na ocasião, o emedebista se viu obrigado a editar uma medida provisória para cumprir um acordo feito com o Senado. Para compor com o presidente e o empresariado, os parlamentares daquela Casa se abstiveram do direito constitucional de alterar a reforma trabalhista aprovada pela Câmara. Não trocaram uma vírgula do texto votado —sem muito debate— pelos deputados.

Para não ficar muito feio, senadores governistas aceitaram um mimo do Palácio do Planalto: uma MP para fazer as modificações pleiteadas pelos parlamentares da base. Foram 17 mudanças, entre elas a que determina o afastamento de trabalhadoras grávidas de atividades insalubres.

José Márcio Camargo*: Sindicatos e a contribuição sindical

- O Estado de S.Paulo

Ninguém está obrigado a contribuir, a menos que assim o deseje e manifeste explicitamente

A reforma da legislação trabalhista foi uma das mais importantes reformas implementadas pelo governo do presidente Michel Temer. E o fim da contribuição sindical obrigatória foi uma das principais mudanças.

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), imposta por decreto pela ditadura do Estado Novo no final dos anos 30 e início dos anos 40 do século passado, tinha como um de seus fundamentos a subordinação das organizações representativas de trabalhadores e empresários à vontade do Estado. Para tal, entre outras medidas, criou uma contribuição obrigatória destinada à manutenção destas organizações, paga pelos trabalhadores e pelas empresas.

A expectativa era de que, por serem financiadas por uma contribuição obrigatória, estas organizações teriam pouco ou nenhum incentivo a desenvolver atividades com o objetivo de aumentar o contingente de trabalhadores (e empresas) voluntariamente filiados. Segundo os formuladores da CLT, a necessidade de atrair o apoio voluntário dos trabalhadores (e empresas) exigiria que estas organizações aumentassem sua capacidade de negociar as condições de trabalho e salários diretamente entre si. O risco seria a perda de controle destes movimentos, conflitos e disputas sociais incontroláveis.

Míriam Leitão: Futuro do PIB

- O Globo

Dentro de um ano, o país estará diante de um número melhor do que o 1% que colheu esta semana. O PIB de 2018 deve ficar, segundo as previsões dos economistas, em torno de 3%. Mesmo com o extremo nevoeiro do cenário político, o país deve dar mais alguns passos na recuperação do produto perdido. O consumo vai subir e até o investimento será positivo.

O crescimento de 2017 foi baixo e concentrado na agricultura, e o único fato a comemorar foi o fim da recessão de 2014-2016. Os indicadores foram positivos, mas magros, e não se sentiu a mesma temperatura em toda a economia. Em 2018, o PIB deve ser mais forte e espalhado pelos demais setores. A agricultura, por ter crescido muito no ano passado e batido recorde de produção, deve encolher 3%. Porém, as projeções estão ficando melhores do que as iniciais. Mesmo sendo menor do que a do ano passado, a colheita de grãos deve ter o segundo maior nível da história: 226 milhões de toneladas. Isso terá outros efeitos benéficos na economia, apesar de estatisticamente o setor entrar na conta com um sinal negativo.

Um dos pontos positivos será manter a recuperação do consumo. As famílias vão consumir mais pela soma de vários fatores positivos: a inflação está baixa, está havendo aumento discreto da renda mesmo com o quadro do desemprego. Os dissídios estão conseguindo reajuste acima da inflação. Haverá nova queda do comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas. E, como já foi dito aqui, isso significa um aumento de R$ 100 bilhões liberados para o consumo ou poupança, segundo projeção do BNP Paribas.

Adriana Fernandes: Promessas sem lastro

- O Estado de S.Paulo

Seria um retrocesso o BNDES abrir a guarda para operações insustentáveis

Longe dos holofotes da imprensa, governadores reconheceram, na reunião convocada esta semana pelo presidente Michel Temer para discutir a segurança pública, que não sabem como enfrentar a crise, que é generalizada. Quem participou da reunião ouviu esse diagnóstico preciso.

Mesmo assim, eles saíram do Palácio do Planalto com a palavra empenhada pelo presidente de que receberão R$ 42 bilhões do governo federal para ações de combate à criminalidade. A maior parte desse dinheiro irrigará os governos dos Estados e municípios por meio de uma linha de financiamento generosa do BNDES, de R$ 33,6 bilhões, como anunciou o governo após a reunião. Não colou.

É uma montanha de dinheiro que não passa de mais uma promessa de campanha eleitoral. À essa altura, é difícil imaginar como os gestores públicos conseguiram fazer em tão pouco tempo cálculos tão precisos para chegar a valores robustos da ajuda federal. E isso sem terem a mínima ideia de como será o planejamento estratégico dessas ações. Puro improviso acertado entre Temer e o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, que apesar de estar em campanha declarada à Presidência da República continua no comando do banco de fomento. Sem nenhum constrangimento.

Diante da desconfiança dos políticos em relação à linha bilionária, Rabello disse aos governadores para não se preocuparem que o BNDES não vai exigir garantias da União nos financiamentos. A não ser que o banco estatal mude as suas próprias regras de classificação de risco dos governos regionais, a declaração do presidente não passa de discurso vazio e sem lastro na realidade.

Hélio Schwartsman: Por que Maduro ainda não caiu?

- Folha de S. Paulo

De acordo com alguns modelos da ciência política, isso já deveria ter ocorrido

Os sinais de que o regime chavista fracassou não poderiam ser mais evidentes. Estão presentes em tudo, dos indicadores macroeconômicos em colapso, às prateleiras vazias dos supermercados, e encontram expressão visceral no aumento da desnutrição e na regressão epidemiológica por que passa o país. Quando pais abandonam seus filhos em orfanatos na esperança de que lá sejam alimentados, sabemos que algo deu muito errado.

Por que então a população não se rebelou e pôs o ditador para correr?

De acordo com alguns modelos da ciência política, isso já deveria ter ocorrido. Muitas das autocracias contemporâneas só sobrevivem porque conseguem entregar alguma prosperidade à população, que, num barganha tácita, deixa de questionar a falta de liberdade política ou mesmo a repressão. É o caso da Rússia de Putin, da Turquia de Erdogan e até da China do Partido Comunista. Foi também, durante algum tempo, a situação da Venezuela sob Hugo Chávez.

Ricardo Noblat: Alckmin terá dois palanques em São Paulo

- Blog do Noblat

PSB enterra candidatura de Joaquim Barbosa a presidente

Em 1998, candidato à reeleição, o presidente Fernando Henrique Cardoso contou com dois palanques em São Paulo: um de Mário Covas (PSDB) e o outro de Paulo Maluf (PPB). Maluf derrotou Covas no primeiro turno, e foi por ele derrotado no segundo. Fernando Henrique se reelegeu direto no primeiro turno, batendo Lula.

Este ano, possível candidato do PSDB à sucessão do presidente Michel Temer, Geraldo Alckmin contará também com dois palanques em São Paulo: o do candidato do PSDB ao governo, provavelmente João Dória, e o de Márcio França (PSB), atual vice-governador, que assumirá o seu lugar em abril e será candidato à reeleição.

Em congresso que termina, hoje, em Brasília, o partido de França indicou com clareza que não apoiará oficialmente nenhum candidato à vaga de Temer. Cada seção estadual ficará à vontade para apoiar o candidato que preferir. Morre assim a mal nascida candidatura a presidente pelo PSB do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa

O PSB nos Estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste deverá apoiar Alckmin. O PSB no Norte e do Nordeste, o candidato do PT, seja Lula ou qualquer outro. O partido disputará 10 governos estaduais com candidatos próprios. Sua direção acha que, hoje, teria chances de eleger cinco ou sete dos 10. A posição final do PSB só será anunciada em junho.

Zuenir Ventura: Desarmar os espíritos

- O Globo

Há preconceito na reserva com que alguns encaram uma medida indispensável como a intervenção na segurança, mas essa resistência é fruto de dolorosas sequelas

Certas atitudes e declarações infelizes lançaram dúvidas a propósito da atual intervenção na segurança do Rio e estão dividindo opiniões. Há os que se posicionam contra a iniciativa temendo o risco de uma recaída militar, e os que são a favor, argumentando que o Brasil mudou e, com ele, as Forças Armadas, que hoje não são mais o que eram há cerca de meio século.

Os primeiros têm desagradáveis lembranças quando veem, por exemplo, o general Antonio Hamilton Mourão chamando seu colega de farda, o interventor Braga Netto, de “cachorro acuado” porque está fazendo uma “intervenção meia-sola”, sem coragem de afastar o governador Pezão e assumir o poder político e o poder militar. Antes, ao passar para a reserva, ele chegou a ameaçar: “Ou as instituições solucionam o problema político pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então teremos que impor isso”. Sem falar no elogio de um dos mais notórios torturadores daquela época.

Nada indica que o general Braga Netto seja capaz de idênticos arroubos. Mas é também inegável que ele não consegue esconder sua desconfiança em relação à imprensa. Sua declaração ao ser nomeado interventor foi para atribuir à “mídia” muito da violência que assusta os moradores do Rio. E, mais recentemente, na sua primeira entrevista coletiva, exigiu que as perguntas fossem entregues antecipadamente, não se sabe se para estudar as respostas ou se para... não quero usar o temível verbo. De qualquer maneira, é uma prática em desuso desde a redemocratização do país. Pode-se alegar com razão que há muito de preconceito nessa reserva com que alguns encaram uma medida indispensável como a intervenção na segurança do Rio, mas essa resistência é fruto também de dolorosas sequelas.

Por isso, foram da maior importância as manifestações de superação e grandeza de dois dos mais importantes legados de 1968, os então líderes que seguiam caminhos opostos na luta contra a ditadura militar: Vladimir Palmeira, que propunha a solução política: “Só o povo organizado derruba a ditadura”. E Fernando Gabeira, que acreditava no confronto: “Só o povo armado derruba a ditadura”.

Em artigos aqui no GLOBO, Palmeira afirmou que a intervenção é um “choque positivo”, e Gabeira advertiu contra a presença hoje de “fantasmas” dos anos de chumbo. São duas sensatas contribuições para que esse tão desejado processo de pacificação, além de tirar as armas dos bandidos, desarme também os espíritos.

Rejeição impede eleição de Alckmin, diz Maia

Em evento no interior fluminense, o presidente da Câmara cita a necessidade de construir uma candidatura alternativa de centro

Roberta Jansen | O Estado de S.Paulo

BARRA MANSA (RJ) - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse nesta sexta-feira, 2, que o pré-candidato do PSDB à Presidência, governador Geraldo Alckmin, não tem chance de vencer um eventual segundo turno porque “possui imagem negativa acima de 45%”. Para Maia, se uma candidatura alternativa de centro não for construída a tempo, os partidos vão “entregar a eleição para o PT, o Ciro (Gomes, do PDT) ou a Marina (Silva, da Rede)”.

“Não precisa ser necessariamente a minha (candidatura), mas acho que o meu nome tem o apoio de alguns partidos importantes e pode nos dar a chance de disputar o segundo turno”, disse Maia, que se apresenta como possível presidenciável.

O presidente da Câmara esteve em Barra Mansa, no sul fluminense, para participar de um encontro sobre a segurança pública do Rio com prefeitos. Ao fim da reunião, Maia adotou discurso de pré-candidato ao falar sobre as eleições e as declarações de seu pai, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia. Este afirmou que apoia a candidatura de Alckmin e acha que o filho deve tentar a reeleição na Câmara.

“Ele falou como pai, com preocupação de pai, sobre um movimento de um partido que nunca concorreu à Presidência”, minimizou. “Mas ele conhece as pesquisas, ele sabe que, se não construirmos uma nova candidatura no campo do centro, vamos entregar a eleição. Porque, infelizmente, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin ou outro, tem uma imagem negativa acima de 45%, o que inviabiliza uma vitória no segundo turno.”

PSB aprova resolução que afasta sigla do apoio à candidatura de Alckmin

Pelo texto aprovado, se partido optar por integrar base de algum candidato de fora, terá de ser alguém do campo de esquerda

Daiene Cardoso | O Estado de S.Paulo

O PSB aprovou na noite uma resolução em que praticamente fecha as portas para um apoio formal à candidatura à Presidência da República do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). Pelo texto aprovado em reunião do congresso nacional, se o partido optar por apoiar algum candidato de fora, terá de ser alguém do campo de esquerda, alinhado programaticamente com o PSB.

O partido adiou a decisão sobre lançamento de candidatura própria e também colocou como possibilidade não fazer coligação formal no primeiro turno com nenhum candidato à Presidência, a fim de dedicar esforços na eleição de 10 governadores com potencial de vitória e na ampliação da bancada de deputados federais. O foco do PSB é se consolidar como um partido médio. "Falamos em possibilidade de coligação com um candidato que tenha identidade programática", afirmou o presidente do PSB, Carlos Siqueira, evitando citar o nome de Alckmin.

Principal defensor até então do apoio ao tucano, o vice-governador de São Paulo, Márcio França, demonstrou que já deu como perdida a possibilidade de adesão do PSB à candidatura de Alckmin, tanto que não defendeu o governador na reunião. Ao Estadão/Broadcast, França disse ser favorável que o partido não lance candidato próprio para priorizar os palanques regionais. "Não há chances de termos candidato agora", pregou.

PSB aprova resolução sobre não formalizar apoio a nenhum dos atuais presidenciáveis

Partido analisa liberação de alianças nos estados e apoio às candidaturas de esquerda

Patrícia Cagni | O Globo

BRASÍLIA — Uma resolução aprovada pelo PSB em seu congresso nacional nesta sexta-feira afirma que a sigla "não deve formalizar o apoio a nenhum dos atuais pretendentes" que disputam a Presidência da República e pede "muito cuidado" para avaliar o eventual lançamento de uma candidatura própria.

"Os signatários deste documento entendem que o partido não deve formalizar o apoio a nenhum dos atuais pretendentes e examinar com muito cuidado a possibilidade de lançarmos uma candidatura própria", diz a moção, apresentada ao congresso pela senadora Lídice da Mata (BA).

O texto destaca a posição do partido contra a reforma da Previdência e pela revogação das mudanças trabalhistas realizadas pelo Congresso. Lídice explicou ao GLOBO que o texto foi estruturado pelo diretório estadual da Bahia e que a moção também define os parâmetros para as alianças estaduais a serem definidas até o pleito de 2018. De acordo com a senadora, o partido deve concorrer a dez cargos nos Executivos estaduais.

— Existem três posições a serem analisadas pelo partido: a não candidatura própria, a liberação dos estados para fazerem as alianças próprias e o apoio às candidaturas no campo da esquerda. Candidatos que sejam contra as privatizações da Eletrobras, Petrobras e Banco do Brasil. Sempre aqueles que mais se aproximam do pensamento político do PSB — destacou.

Alckmin deve passar mais tempo em Brasília

Presidenciável tucano pretende ficar de 2 a 3 dias por semana na capital a partir de abril

Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A pouco mais de um mês de deixar o governo de São Paulo, o tucano Geraldo Alckmin prepara sua transferência para Brasília. Desde que assumiu a presidência do PSDB, em dezembro de 2017, ele tem visitado semanalmente a capital do país, mas a ideia é intensificar as viagens a partir de abril.

De acordo com aliados do governador, a intenção é passar de dois a três dias por semana em Brasília, especialmente quando o Congresso estiver funcionando.

Alckmin é pré-candidato ao Planalto por seu partido e precisa construir palanques e alianças com outras legendas nos próximos meses.

Dentro do PSDB, ele precisa ainda atender a demandas de parlamentares. Por isso, prometeu para o próximo dia 8 apresentar uma nova proposta de distribuição de fundo partidário e eleitoral.

Começa em 7 de março a janela partidária, quando deputados podem livremente trocar de legenda sem perder seus mandatos. Os parlamentares tucanos vêm sofrendo forte assédio de siglas como DEM e MDB em troca de mais dinheiro para campanhas.

Rio e Minas Gerais são os estados que mais têm gerado preocupaçãopara Alckmin. Em nenhum deles o tucano tem palanque definido.

Após declarações contrárias ao uso de militares, FHC visita Temer em SP

Tucano diz que foi 'mal interpretado' ao falar do uso do Exército por 'governos fracos'

Carla Araújo | O Estado de S.Paulo

O ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso aproveitou a passagem do presidente Michel Temer pela capital paulista e fez uma visita a residência do emedebista na capital. Segundo fontes, a conversa que durou mais de uma hora tratou de diversos assuntos.

O encontro aconteceu após FHC dar declarações esta semana, em evento do Estado de que "governos, quando não são fortes, apelam para os militares." Temer já havia tentado minimizar as declarações do tucano e em recentes entrevistas afirmou que achava ter sido "um exagero da linguagem". "Tenho impressão que o presidente [FHC] se pautou por um critério dele. Pode ser que em dado momento o governo dele tenha se enfraquecido e que ele tenha pensado nas Forças Armadas", disse o presidente.

Já o tucano, depois das suas declarações repercutirem, também tentou minimizar a fala e em entrevista a CBN afirmou que a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro é um processo que demanda tempo. "Os militares têm conduta correta, só vão quando são chamados."

FHC tentou ainda se explicar: "Eu disse - e fui mal interpretado - que os militares são chamados quando os governos se enfraquecem. Não posso dizer isso no caso do Rio, mas é preciso evitar o uso abusivo das forças armadas". E ressalvou que hoje não há preocupação que se tinha no governo militar, de tomada de poder.

Temer foi hoje de manhã para Sorocaba (SP) para uma cerimônia de entrega de ambulâncias. Depois o presidente seguiu para a capital para o que o Planalto considerou "agenda privada". O presidente ainda não definiu se retorna para Brasília ou permanece em São Paulo.

Temer recebe a visita de Fernando Henrique em São Paulo

Encontro aconteceu depois que o tucano afirmou que governo fraco recorre a soluções militares

- O Globo

SÃO PAULO — O presidente Michel Temer recebeu, na tarde desta sexta-feira, a visita do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O encontro aconteceu na casa de Temer, em São Paulo, três dias depois do tucano dizer que um governo fraco recorre a ajuda militar, numa referência à intervenção no Rio de Janeiro.

— Não sei quais foram os motivos que levaram (à intervenção) a não ser mesmo a segurança. Tem outros? Pode tirar proveito? É legítimo tirar proveito. Acho que o governo fez porque está encurralado. Tem que fazer alguma coisa e governos que não são fortes apelam para o militar — disse FH na última terça-feira, num evento na capital paulista.

Ao G1, Fernando Henrique disse que os dois trataram de eleições e conversaram sobre o cenário político nacional.

Na terça-feira, o ex-presidente considerou normal que Temer use eleitoralmente a intervenção se ela der resultados positivos.

A reconstrução do Brasil: Editorial | O Estado de S. Paulo

A Constituição de 1988 tem 250 artigos e já sofreu 99 emendas. Por sua vez, a Constituição dos EUA, que tem 7 artigos, recebeu apenas 27 emendas ao longo de 230 anos. A comparação foi feita pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e professor de Direito da USP Eros Grau, durante o primeiro Fórum Estadão – A Reconstrução do Brasil. Também participaram do debate sobre a Constituição o professor de Direito da FGV-RJ Joaquim Falcão e o ex-presidente do STF Nelson Jobim.

No debate, foram discutidas algumas consequências da excessiva amplidão da Constituição de 1988. Como exemplo, Joaquim Falcão mencionou o fato de a Carta Magna ter 32 artigos relativos ao funcionalismo público e apenas 1 referente ao trabalhador privado. Com isso, o funcionário público tem 16 vezes mais chances de levar suas demandas para julgamento pelo STF em comparação com o trabalhador do setor privado. “Os funcionários públicos constitucionalizaram todas as suas pretensões durante a Constituinte”, disse Falcão.

“Precisamos fazer uma lipoaspiração na Constituição”, disse Jobim. Para ele, o excesso de regras constitucionais dificulta a governabilidade, alimentando o presidencialismo de coalizão, que torna o Poder Executivo refém do Congresso e abre caminho para a corrupção. Sendo a Constituição muito ampla, com frequência o governo precisa fazer emendas constitucionais, o que requer maioria de três quintos no Congresso.

Tentação eleitoral: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo deve evitar o erro de buscar estímulo efêmero ao consumo

Pela primeira vez desde a terrível recessão de 2014-16, há boas notícias para o Orçamento do governo.

Os resultados recém-divulgados do Tesouro Nacional em janeiro mostram expressiva melhora em relação aos de um ano antes. É verdade que houve ajuda de recursos atípicos, decorrentes de programa de parcelamento de dívidas com o fisco; de todo modo, a arrecadação está em clara recuperação desde o final do ano passado.

Devido à alta da receita e à entrada em vigor do teto constitucional para as despesas, o déficit das contas federais encerrou 2017 bem menor do que se antecipava. Foram R$ 118,4 bilhões (sem contar encargos com a dívida), para uma meta de R$ 159 bilhões.

Não por acaso, a maior parte dos analistas calcula que a mesma meta possa ser cumprida neste 2018 com folga —de R$ 10 bilhões a R$ 15 bilhões, de acordo com as projeções mais consensuais.

Embora se trate de alívio bem-vindo, a situação impõe um dilema perigoso em ano eleitoral.

A economia em busca de um crescimento equilibrado: Editorial | O Globo

Expansão do ano passado marca o fim da maior recessão da história, mas a retomada é lenta e ainda são necessárias condições para que os investimentos retornem com força

O1% do crescimento do PIB no ano passado, calculado pelo IBGE, é modesto, mas tem a especial importância de significar o fechamento do ciclo da recessão, a maior já registrada no país, do biênio 2015/16. A retração da economia em mais de 7%, com 14 milhões de desempregados, é o legado da aplicação de políticas nacional-populistas em Lula II e Dilma.

Um ano de virtual estagnação, 2014, e dois em que o PIB encolheu 3,5% em cada um, significaram um mergulho profundo, e por isso a retomada tem sido lenta e desigual. Se o grande destaque na economia brasileira nos últimos tempos, a agropecuária, for retirado dos cálculos, a expansão de 1% encolhe para 0,3%, destaca em entrevista ao GLOBO a economista Sílvia Matos, do Ibre/FGV.

Todos os sinais, porém, são positivos, inclusive as condições macroeconômicas — inflação baixa e juros também. Assim, firma-se como bastante provável a previsão para este ano de um crescimento na faixa dos 3%. Mas, retornar ao nível do PIB de 2014, marco zero desta recessão, só em 2020, e se tudo correr bem.

Gilvandro Coelho *: Tempo, memória e esperança

Publicação: 16/12/2017 – Diário de Pernambuco

Com a proximidade do Natal e do Ano Novo, as lembranças são inevitáveis. O balanço da vida. 

Como disse Norberto Bobbio - para os que, como ele (e como eu) - tiveram a graça de viver bastante, “o tempo é mais para entender o sentido de nossa vida”. Lembro-me de minha meninice na Paraíba. Meus pais, Maria e Eusébio, meus avós, meus tios, meus irmãos e primos. O sítio de Tambiá. Os primeiros estudos no Lyceu paraibano. Penso em Dom Carlos Coelho, que me orientou como parente e amigo nos meus primeiros anos como um verdadeiro preceptor. A ele devo o gosto pelo jornalismo. Penso nas constantes transferências de minha família, inicialmente para Minas Gerais, depois, Rio de Janeiro e, finalmente, Recife, acompanhando o pai, funcionário público federal. Aqui iniciei meus estudos superiores na Faculdade de Direito do Recife – UFPE, onde, depois, também estudaram meus irmãos, Germano e Fernando. Minha filha Maria Letícia e meus netos Rodrigo e Ana Luíza. Formei-me na Turma de 1945.

Tenho saudades de todos os meus colegas. Dos grupos de estudo que se formavam em minha casa, na Rua Montevideo, nº 170. E também na Praça do Derby, em casa do meu colega Marcos de Sá Pereira Freire, com cuja irmã, Maria Luíza (Zita) vim a me casar, com as bênçãos dos seus pais, desembargador Genaro Freire e de Dona Annete. No ano de minha formatura, uma tragédia aconteceu: Demócrito César de Souza Filho, um dos colegas do grupo de estudos foi assassinado pela polícia política estatal na sacada deste Diario de Pernambuco quando aguardava o discurso de Gilberto Freyre para encerrar a passeata que marcou a primeira manifestação pública dos estudantes do Recife em favor da paz mundial vislumbrada com a vitória aliada sobre as forças de Hitler e contra a política ditatorial do presidente Getúlio Vargas.

Como acontece nos ambientes de ditadura, o inquérito realizado concluiu que foi um crime de multidão e, assim, não seria possível identificar o autor dos disparos, nem indicar alguém, mesmo que nessa mesma ocasião tivesse sido morto o carvoeiro Manoel Elias, que transitava pelo local. Éramos todos jovens de pouco mais de vinte anos e não nos foi possível comemorar a formatura de um grupo que sonhava ser livre sob a proteção de um Direito justo e democrático. Não houve discurso na solenidade de formatura. Preferimos o silêncio como grito eloquente contra os que mataram o nosso colega. Por ousar divulgar notícias referentes ao triste acontecimento, o Diario de Pernambuco foi empastelado, mas voltou a circular depois da decisão magistral e corajosa do juiz Luiz Marinho. O início de minha vida profissional contou com o apoio de Mário Baptista e Torquato Castro, em cujos escritórios tive a honra de trabalhar.

Com a morte do meu pai aos 54 anos de idade, a família sofreu um grande golpe. Irmão mais velho entre 10, posicionei-me de forma mais intensa ao lado de minha mãe para acompanhar meus irmãos crescerem, estudarem e se casarem. Dona Maria foi firme como um rochedo. Determinada, educou, formou e casou os filhos. Eu a vi entrar na Igreja com os filhos homens, além de mim, Germano, Valêncio, Marcelo e Fernando. Fiz, porém, as vezes do meu falecido pai, e conduzi minha irmã Célia ao altar. A família cresceu ainda mais. Vieram os novos irmãos e irmãs: Barreto, Norma, Cyro, Silvio, Geraldo, Beta, Isolda, Déa e Rands. Depois os sobrinhos, os sobrinhos-netos e mais recentemente os sobrinhos-bisnetos. Sou pai de três filhos, avô de nove netos e bisavô, até agora, de seis bisnetos.
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* Advogado, procurador do TCE (aposentado) e professor de Direito da Unicap (licenciado

Zimbo Trio e Orquestra Sinfônica Arte Viva: Agua de Beber (Tom Jobim e Vinicius de Moraes)

Carlos Drummond de Andrade: Canto ao homem do Povo - Charles Chaplin

(Trecho/ parte V)

V

Uma cega te ama. Os olhos abrem-se.
Não, não te ama. Um rico, em álcool,
é teu amigo e lúcido repele
tua riqueza. A confusão é nossa, que esquecemos
o que há de água, de sopro e de inocência
no fundo de cada um de nós, terrestres. Mas, ó mitos
que cultuamos, falsos: flores pardas,
anjos desleais, cofres redondos, arquejos
poéticos acadêmicos; convenções
do branco, azul e roxo; maquinismos,
telegramas em série, e fábricas e fábricas
e fábricas de lâmpadas, proibições, auroras.
Ficaste apenas um operário
comandado pela voz colérica do megafone.
És parafuso, gesto, esgar.
Recolho teus pedaços: ainda vibram,
lagarto mutilado.

Colo teus pedaços. Unidade
estranha é a tua, em mundo assim pulverizado.
E nós, que a cada passo nos cobrimos
e nos despimos e nos mascaramos,
mal retemos em ti o mesmo homem,

aprendiz
bombeiro
caixeiro
doceiro
emigrante
forçado
maquinista
noivo
patinador
soldado
músico
peregrino
artista de circo
marquês
marinheiro
carregador de piano

apenas sempre entretanto tu mesmo,
o que não está de acordo e é meigo,
o incapaz de propriedade, o pé
errante, a estrada
fugindo, o amigo
que desejaríamos reter
na chuva, no espelho, na memória
e todavia perdemos