domingo, 18 de setembro de 2022

Luiz Sérgio Henriques* - Compromisso histórico à brasileira

O Estado de S. Paulo

O nacional-populismo prospera sobretudo à direita, mas convém evitar a húbris: há na praça versões à esquerda, que só incautos ignoram.

Nestas últimas décadas, nem mesmo a mudança tumultuosa da estrutura do mundo a que, atônitos, assistimos pôde cancelar fatos paradigmáticos do passado, particularmente quando redefiniram modos de ser e de pensar a política. Nos anos 1960 ou 1970, para definir desde logo nosso problema, costumava estar na ordem do dia algum tipo de transição ao socialismo, entendido este último, teleologicamente, como a parada final do trem da História.

No Chile de Allende, por exemplo, a aposta era seguir viagem pelo caminho das eleições, do Parlamento e demais instituições que muitos de nós, mal-avisados, chamávamos “burguesas”. O contexto, porém, era o da guerra fria, e para adeptos do “realismo político”, como Nixon e Kissinger, uma segunda Cuba nas Américas era algo impensável, ainda quando viesse não pela “luta armada”, o voluntarioso lema da época. A decisão de derrubar Allende viu-se facilitada pelo seu isolamento tanto no Congresso quanto no eleitorado: a maioria relativa de que dispunha não era suficiente para vencer as dificuldades políticas e econômicas da transição. Para não falar da ferocidade com que a direita militar armava o golpe de 1973, neste fatal mês de setembro – bem ao estilo da época.

Cristovam Buarque* - Voto de Responsabilidade

Blog do Noblat / Metrópoles

Será melhor para o Brasil decidir a eleição logo no dia 02 de outubro

Em 2006, disputei a eleição presidencial. Junto com Heloisa Helena, tivemos os votos que forçaram o segundo turno entre Lula e Alckmin, com propostas diferentes para o governo, mas com intenções parecidas para o futuro do país. Desta vez, um segundo turno será com um candidato sem compromisso com a verdade, com a democracia, com a ciência, com os pobres, nem com os doentes. Por isto, tudo indica que será melhor para o Brasil decidir a eleição logo no dia 02 de outubro. Não se retrata de apelar para o voto útil, mas para o voto responsável do eleitor. Cada eleitor deve votar com consciência ideológica, de qual candidato ele considera o melhor, mas também com a responsabilidade de como evitar riscos para o pais, neste momento.

Isto depende, em primeiro lugar, dos próprios eleitores que em 2018 preferiram eleger o atual presidente. Tinham razões que justificavam o voto que deram em 2018. Não o conheciam e estavam indignados com o quadro político naquele ano. Queriam renovação e Bolsonaro, apesar de ser um político profissional medíocre por 26 anos, viciado em práticas corruptas como rachadinhas e sem propostas para o Brasil. Mesmo assim conseguiu encarnar a imagem de ser o contrário aos políticos tradicionais. Agora, vocês sabem que ele é do mesmo time, usa os mesmos métodos e beneficia os mesmos grupos e além disto demonstrou que é irresponsável e despreparado para governar o Brasile representar nosso país no mundo.

Merval Pereira - Coalizão propositiva

O Globo

Agenda ambiental entra definitivamente na pauta das eleições, com a união entre Marina Silva e Lula

A questão ambiental ganhou definitivamente protagonismo na campanha eleitoral com a adesão de Lula a um programa apresentado por Marina Silva em nome do partido Rede Sustentabilidade. Foi o primeiro passo para um governo de coalizão baseado em programas de ação, e não em distribuição de cargos ou benesses fisiológicas.

O mesmo aconteceu recentemente na Alemanha para a formação da nova aliança que dá sustentação ao sucessor de Angela Merkel, o primeiro-ministro Olaf Scholz. A Alemanha será governada pela primeira vez a nível federal por uma coalizão de três partidos, o que já está sendo conhecida como uma "coalizão semáforo", devido às cores dos partidos social-democrata (vermelho), liberal (amarelo) e verde.

O acordo de coalizão prevê mudanças significativas na política ambiental da Alemanha, com grandes investimentos em energias renováveis. Os verdes, o terceiro partido mais votado na eleição de setembro, conquistaram 14,8% dos votos, já o SPD foi o mais votado, com 25,7%, e os liberais ficaram em quarto, com 11,5%. O Partido Verde terá cinco ministérios (Exterior, Economia e Clima, Agricultura, Família, Meio Ambiente).

Elio Gaspari - A rejeição de Bolsonaro

O Globo

Bolsonaro precisa mudar para reduzir a sua elevada taxa de rejeição. Vá lá. Como? Para quê?

Em 2018, o capitão foi eleito numa onda antipetista propondo um governo conservador nos costumes, liberal na economia e independente na política.

Para explicar como armaria sua independência política, prometia basear-se no que chamava de “bancadas temáticas”. Eleito, ele ainda não tinha tomado posse, e o deputado Alceu Moreira (MDB-RS) ensinava:

“Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, de duas uma: ou é adivinho ou está mentindo”.

Não havia adivinhos no pedaço, e o modelo foi o de sempre: o governo aninhou-se no colo do Centrão.

O governo liberal na economia fechou o Posto Ipiranga e passou a vender picolés de carestia. Restavam dois temas: o conservadorismo nos costumes e o antipetismo. Conservador não é miliciano, não ofende mulheres e repele atitudes vulgares. Sobrava o antipetismo.

Ele existe, mas foi abalado por dois fatos. Uma foi a transformação da Lava-Jato em poeira pela desmistificação de seus cavaleiros. O juiz Sergio Moro começou prometendo liquidar o arranjo corrupto dos partidos políticos, tornou-se o todo-poderoso ministro da Justiça e Segurança de Bolsonaro e acabou comprando bermudas com dinheiro do Podemos.

Bernardo Mello Franco – A eleição do medo

O Globo

Sete em cada dez brasileiros temem ser agredidos por razões políticas; clima de violência favorece a extrema direita no poder

O bolsonarismo vai mal nas pesquisas, mas já garantiu uma vitória: transformou a eleição da fome na eleição do medo. O debate sobre a carestia perdeu espaço na corrida presidencial. Agora o país discute se o capitão aceitará uma possível derrota, se os militares apoiarão uma tentativa de golpe, se o eleitor poderá votar em paz e segurança.

Sete em cada dez brasileiros temem sofrer agressões por causa de sua opinião política. A informação é do Datafolha, em levantamento encomendado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade.

O medo tem razão de ser. Em 60 dias, dois eleitores do PT foram assassinados por bolsonaristas — um a tiros, outro a facadas. Casos de intimidações e ameaças se acumulam pelo país. Jornalistas e funcionários de institutos de pesquisa são hostilizados no exercício de suas funções.

Luiz Carlos Azedo - A violência pode aumentar na reta final do primeiro turno

Correio Braziliense

Na reta final da campanha eleitoral, clube de tiros estão virando comitês eleitorais e muitos de seus integrantes fazem uso ostensivo de suas armas em eventos públicos

A pistola G2C 9mm tem carregadores de 12 munições e uma bala na câmara, para pronto emprego, sendo atualmente a arma compacta de porte velado mais vendida no Brasil. Custa em torno de R$ 3,8 mil no mercado legal de armas e pode ser comprada pela internet, parcelada em até 12 vezes no cartão de crédito. Nos Estados Unidos, custa US$ 200, pouco mais de R$ 1 mil. Quase todo bolsonarista raiz que se preza tem uma arma: as mais populares são as pistolas Taurus da linha G, a arma mais vendida no mundo.

Considerando o repasse da inflação, a receita da Taurus com a venda de armas cresceu 47,4% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Sua participação no mercado brasileiro de armas passou de 21,3%, no primeiro semestre de 2021, para 28,6%. Foram 186 mil armas vendidas no Brasil de janeiro a junho, um aumento de 17,7% em base anual.

Míriam Leitão - Um olhar positivo sobre a Amazônia

O Globo

Projeto Amazônia 2030 apresenta soluções para o desenvolvimento econômico sustentável da floresta, com ganhos em múltiplas áreas para o país e o mundo

O país está chegando ao fim destes quatro anos de governo com a sensação de que está tudo perdido em relação à Amazônia. Porém, o olhar por outro ângulo surpreende. O desmatamento cresceu, mas essa área vazia permite expandir a agropecuária sem derrubar novas árvores. O fim do desmatamento criará enormes oportunidades, e renda, para o Brasil. A população amazônica é mais jovem do que a do resto do país, mas a taxa de desemprego chega a 40% entre 25 e 29 anos. Com um bom projeto, esses jovens podem ser a força propulsora do desenvolvimento sustentável da Amazônia.

Esse outro olhar, para as chances que ainda temos, está num estudo inédito que a coluna conseguiu de três grandes especialistas. Beto Veríssimo, co-fundador do Imazon, Juliano Assunção, economista da PUC-Rio e diretor do Climate Policy Initiative, e Paulo Barreto, pesquisador do Imazon. O texto se chama “O paradoxo Amazônico” e faz parte do projeto Amazônia 2030, que tem estudado profundamente inúmeros aspectos da região com profissionais de diversas áreas.

Muniz Sodré* - Um medo visceral

Folha de S. Paulo

A esse medo tenta-se contrapor a grotesca exaltação do falo

É antigo o histórico da baixa taxa de natalidade na maioria dos países europeus. Mas notícia recente da Hungria traz uma perspectiva francamente rasteira para o problema.

Na opinião do primeiro-ministro ultradireitista Viktor Orbán e de seu partido, Fidesz, educação muito elevada tornaria as mulheres húngaras superiores aos homens, desestimulando a procriação. Misógino e racista, ele é também inimigo ferrenho da imigração.

Essa questão aparece quando os dirigentes húngaros começam a preocupar-se com a precariedade demográfica nacional, pois a xenofobia institucionalizada é uma barreira prática ao incremento populacional por parte de imigrantes. O ultranacionalismo sonha com húngaros "puros".

Por outro lado, o fato de 82% dos professores serem do sexo feminino é interpretado por Orbán como causa do desinteresse das mulheres pela maternidade. Quanto mais educadas, menos afeitas seriam à execução de tarefas tradicionais como cuidar dos filhos e da casa.

Janio de Freitas - Na má hora de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Medo da derrota nas urnas pode gerar ataque desvairado da criminalidade

1 — O período entre a eleição e a posse está propenso a ser alarmante, mas não por desatinos militarescos. Três meses a mais da matança já em curso de chefes indígenas, invasão das terras de reserva, maior desmatamento, novos e urgentes garimpos ilegais —um ataque desvairado da criminalidade em tempo de aproveitar a licenciosidade que Bolsonaro lhe proporciona, por sua própria criminalidade. A ofensiva apressada pelo medo da derrota eleitoral.

É o que está havendo em grande parte do Brasil, não só na Amazônia. E sem providência alguma nos muitos braços do governo destinados a esses problemas. Onde consta haver ou ter havido algum olhar da Polícia Federal, sempre por apelos desesperados, nada de resultante se registra contra a ilegalidade armada e endinheirada. Nas informações imprecisas, as mortes de chefes indígenas já estão entre sete e dez.

A única maneira de talvez conseguir-se algumas providências é maior atenção da imprensa para as situações agudas, ao menos essas. Não seria generosidade. É um dever historicamente muito mal cumprido pela imprensa. Como se não compreendesse que relegar a dimensão humana e moral do extermínio de indígenas e da exploração ilegal de riquezas públicas é, no mínimo, também conivência com essa criminalidade.

Bruno Boghossian - Momento da decisão

Folha de S. Paulo

Impopularidade do presidente cria barreira para onda de migração de apoio nesse grupo

Qualquer mudança nos ponteiros da corrida presidencial antes do primeiro turno depende do comportamento de um grupo formado por um de cada cinco eleitores. São aqueles que têm candidato ou declaram voto nulo, mas dizem que podem rever a escolha nas próximas semanas.

A conexão de muitos desses eleitores com o voto é relativamente frágil: 45% deles não conseguem apontar um candidato de forma espontânea, antes de ver uma cartela com as opções. Entre aqueles que se dizem totalmente decididos, 95% já têm um nome na ponta da língua.

As campanhas tentam mover o primeiro grupo, mas o espaço para grandes variações parece limitado. Os números são particularmente complicados para quem espera uma onda de migração de votos a favor de Jair Bolsonaro na reta final.

Vinicius Torres Freire - A eleição dos distraídos em SP

Folha de S. Paulo

Eleitor mal conhece tucano e bolsonarista, e petista tem menos voto que Lula

Quase metade dos eleitores de São Paulo não sabe quem é o governador candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB), nem o enviado do bolsonarismo ao estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos). São desconhecidos por 44% do eleitorado, lê-se no Datafolha. Fernando Haddad (PT) é desconhecido por 7%.

A indiferença e o desconhecimento do eleitor são dos assuntos mais importantes para esta quinzena restante de campanha. Também importante, o voto para governador não tem diferenças de "classe" (de renda, de escolaridade) como é o voto para presidente no estado.

De relevância histórica, mas ainda não se sabe se política, faz mais de 20 anos que a capital e o estado não elegem extravagâncias daninhas —um eufemismo diplomático. O malufismo acabou em 2000 na capital, e o quercismo acabou em 1995 no estado.

Eliane Cantanhêde - Uma muralha atrás da outra

O Estado de S. Paulo.

Sem munição, Bolsonaro enfrenta rejeição, má avaliação, dificuldade em SP e MG e... ele mesmo

O presidente Jair Bolsonaro terá de implodir várias muralhas para vencer em outubro, mas, seja qual for o resultado, já garantiu ineditismo. Se perder, será o único presidente derrotado na disputa pela reeleição. Se vencer, será o primeiro candidato a superar uma rejeição de mais de 50% a duas semanas das urnas.

E tem mais. Para derrotar o favorito nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, Bolsonaro teria de implodir as muralhas que bloqueiam seu caminho com a mesma força com que detonou o teto de gastos, a responsabilidade fiscal e a lei eleitoral.

Ah! E sem apoio do Centrão, que foi uma mão na roda para aprovar a PEC da reeleição e os R$ 41 bilhões para comprar votos, mas não tem sido de grande valia para arrancar votos de Lula e dar para ele no Nordeste, por exemplo.

Celso Lafer* - Sobre a Fundação Fernando Henrique Cardoso

O Estado de S. Paulo

Cabe-nos seguir com seminários e pesquisas que enfrentam, no qualificado debate das ideias, a agenda da atualidade do Brasil e do mundo.

A convergência dos atributos de grande intelectual e de notável homem público assinala a identidade de FHC. Integra o capital simbólico da Fundação Fernando Henrique Cardoso (FFHC), por ele criada e concebida como instituição apartidária voltada para pesquisar e debater a agenda do presente na perspectiva do futuro. Alinha-se à sua recorrente preocupação intelectual em captar o novo que aflora na dinâmica dos processos sociais, econômicos e políticos.

Assumi este ano a presidência do Conselho da fundação, por indicação de FHC e com o apoio da governança da instituição. FHC avaliou que, nesta fase de sua vida, precisava diminuir os encargos de suas atividades, permanecendo na fundação com a auctoritas de presidente de honra.

Refleti sobre o desafio desta incumbência em relação aos caminhos da fundação com o lastro de quem dela participou desde o início e no espírito de parceria e da amizade que desde sempre me une a FHC.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

É natural haver divergência entre pesquisas eleitorais

O Globo

Disparidades decorrentes de técnicas de amostragem distintas exigem maior transparência dos institutos

A campanha eleitoral foi tomada nos últimos dias por intenso debate a respeito da discrepância no resultado de pesquisas de opinião promovidas por diferentes institutos de reputação reconhecida no mercado. Chamou a atenção, entre pesquisas com metodologias semelhantes, uma diferença muito além daquilo que se convencionou chamar de “margem de erro”, aquela que os institutos afirmam abarcar a realidade com uma confiança acima de 95%.

O exemplo mais eloquente está na divergência entre as pesquisas realizadas na última semana por IpecDatafolha e Quaest — três institutos que fazem entrevistas cara a cara, metodologia tradicionalmente considerada mais confiável pelos estatísticos. Na corrida presidencial, a distância entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro foi de 15 pontos percentuais no Datafolha, 12 no Ipec e oito no Quaest. Na disputa pelo governo mineiro, a diferença entre o líder Romeu Zema e o desafiante Alexandre Kalil é de 28 no Datafolha, 18 no Quaest e 16 no Ipec. No Rio, o governador Cláudio Castro livra 15 pontos sobre Marcelo Freixo no Ipec, dez no Quaest e apenas quatro no Datafolha (na prática, um empate). São números desconcertantes para quem quer conhecer os fatos.

Poesia | Edgar Allan Poe - O palácio assombrado

 

Música - Jorge Aragão, Jorge Vercilo - Encontro das águas