terça-feira, 24 de novembro de 2020

Merval Pereira - Falta de gestão

- O Globo

O caso dos 6,86 milhões de testes para o diagnóstico da COVID-19 comprados pelo Ministério da Saúde que perderão a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021, estocados num armazém do governo federal em Guarulhos e não distribuídos para a rede pública, é exemplar da falta de planejamento e desorganização da política de saúde pública, situação que agrava ainda mais a pandemia no país.

Comprados por gestões anteriores do atual ministro Eduardo Pazzuelo, os testes armazenados representam mais do que os já aplicados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos seis meses anteriores. Uma explicação para essa desídia pode ser a opinião do próprio ministro, um General da ativa que foi indicado para o ministério da Saúde por ser um especialista em logística, que considera que a testagem massiva não é a melhor maneira de atuar contra a pandemia.

Outra, a disputa entre presidente Bolsonaro e os governadores estaduais. O próprio presidente disse ontem que a culpa é dos governos,  que sua responsabilidade é comprar os testes, caberia aos governos estaduais os requisitar. Uma postura passiva que não leva em conta a necessidade da testagem, mas apenas a burocracia estatal. Os governos estaduais dizem que os testes, quando solicitados, chegam incompletos e o ministerio da Saúde não tem condições de solucionar.

Carlos Andreazza - A torcida de Bolsonaro

- O Globo

O governo torce pela segunda onda

O governo de Jair Bolsonaro é muito ruim, do que deriva um país paralisado, anestesiado, suscetível a qualquer desvio-isca de atenção, de súbito chocado com a revelação, surpresa só na terra dos incautos, de que a tal moderação do vice-presidente — fã do torturador Ustra e para quem não haveria racismo no Brasil — nunca passou de cálculo político por meio do qual se distinguir do presidente e seduzir as manchetes.

Mourão, um descartável, carona de chapa a ser trocado por qualquer Kassab, é a frustração possível — a falsa — num país que vegeta e que, portanto, habituou-se a ver um general da ativa como cavalo para que o único ministro da Saúde possível a Bolsonaro exercesse o cargo: o próprio Bolsonaro.

Para que não se pense que o misto de submissão e incompetência de Pazuello seja exceção no forte apache, veja-se o caso do titular da Casa Civil, de loas tão cantadas por haver liderado uma intervenção federal no Rio de Janeiro cujas escolhas, por efeitos práticos para segurança, só resultaram em que as milícias tivessem tranquilidade para se expandir sobre territórios do tráfico enfraquecido.

Um país paralisado, que só agora descobre que a presença de militares no governo, pelo menos esses que lá estão, uma coleção de ajudantes de ordens de Sílvio Frota, jamais significou qualidade de gestão e compromisso com a democracia. Nada teremos aprendido com o general Villas Bôas e sua tentativa de intimidar o Supremo em 2018.

José Casado - A arte da mentira

- O Globo

Presidente tem compulsão para fantasiar

É inútil esperar coerência de Jair Bolsonaro. Afinal, ele atravessou as últimas 90 semanas sem se importar com os fatos ou a realidade. Seu compromisso é com a reeleição. E só.

Num encontro virtual de líderes do G-20, sábado, decretou a inexistência de racismo no Brasil. Repetia o cadete 531 da Aman em 1977. Àquela hora, enterrava-se João Alberto Silveira Freitas — “pessoa de cor”, definiu o vice Hamilton Mourão—, assassinado por vigilantes dentro do Carrefour em Porto Alegre. Bolsonaro encontrou nos protestos antirracistas os subversivos de sempre, que tentam “importar para o nosso território tensões alheias à nossa história”.

Viajou a Macapá, onde reluz nova obra da sua imprevidência administrativa: o apagão que inferniza a vida de 800 mil pessoas. Incendiaram-se dois transformadores, e o da reserva está há um ano “em manutenção”. Responsável pela segurança energética, o governo deixou nas trevas 143 mil quilômetros quadrados do território nacional.

Míriam Leitão - Truque da negação mantém o racismo

- O Globo

A estratégia mais velha do racismo brasileiro sempre foi negar a própria existência. Fica mais difícil combater um inimigo que se camufla. Por isso, as atitudes do presidente e do vice-presidente do Brasil na morte de João Alberto são tão lesivas, porque elas fortalecem a maneira como o racismo sempre prevaleceu no país. O caso revela também um defeito do mundo corporativo que é a inclusão em seus índices de qualidade, de sustentabilidade e diversidade, de empresas sem qualquer compromisso com os valores que aqueles indicadores representam. Engana-se assim o distinto público.

O Carrefour só agora foi expulso da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial e, apesar de não fazer parte do índice de sustentabilidade da B3, estava em outro indicador internacional, em parceria com a bolsa americana S&P, o Brazil ESG Index. Agora, terá a participação revista. A pergunta é o que a rede de supermercados, que já tem tantos antecedentes, fazia nesses indicadores. A B3 tirou a Vale do índice de sustentabilidade apenas depois do desastre de Brumadinho. Esses selos de qualidade acabam servindo para enganar.

Os indicadores corporativos atraem investidores e consumidores. O problema é a mistura entre empresas realmente comprometidas com o enfrentamento das desigualdades sociais, raciais, e com a defesa do meio ambiente, com empresas que usam esses índices e iniciativas apenas como maquiagem.

Ricardo Noblat - Ganha emoção a disputa entre Covas e Boulos em São Paulo

- Blog do Noblat | Veja 

Diminui a diferença entre os dois

Bruno Covas (PSDB) ficou onde estava sem perder um único ponto percentual no total das intenções de voto na nova pesquisa Datafolha para prefeito de São Paulo no segundo turno cujos resultados foram divulgados na madrugada de hoje.

Foi Guilherme Boulos (PSOL) que cresceu, reduzindo a vantagem de Covas medida na pesquisa da semana passada. Cresceu em cima de parte dos eleitores que pretendiam votar em branco, anular o voto ou que se diziam indecisos quanto a apoiá-lo.

Se antes 18 pontos separavam os dois ao se computar apenas os votos válidos, excluídos os brancos, nulos e indecisos, agora são 10. Significa que Boulos precisará tomar de Covas 5 pontos de votos válidos para chegar empatado com ele no domingo.

Luiz Carlos Azedo - A competência à prova

- Correio Braziliense

Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis na Esplanada dos Ministérios

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.

Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Bernardo Mello Franco - A frente de Boulos

- O Globo

O prefeito Bruno Covas lidera as pesquisas e é favorito para vencer a eleição de São Paulo. Mas foi da campanha do seu adversário, Guilherme Boulos, que surgiu o fato político mais relevante do segundo turno até aqui.

No sábado, Lula, Ciro Gomes, Marina Silva e Flávio Dino apareceram juntos na propaganda do candidato do PSOL. Os quatro não dividiam o mesmo palanque eletrônico desde 2006, quando o ex-presidente conquistou o segundo mandato.

Boulos emergiu como a grande novidade do primeiro turno. Com 17 segundos na TV, ultrapassou veteranos como Márcio França e Celso Russomanno, que contava com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. O candidato do PT, Jilmar Tatto, amargou um vexatório sexto lugar.

O PSOL investiu na dobradinha entre um candidato de 38 anos e uma vice de 85. A presença de Luiza Erundina ajudou a atenuar um dos pontos fracos de Boulos. Se ele nunca ocupou cargos públicos, ela governou a cidade entre 1989 e 1992.

A campanha improvisou uma espécie de papamóvel para a ex-prefeita circular na pandemia. Protegida por uma cabine de acrílico, ela percorre a periferia em busca de votos que se descolaram do PT em 2016.

Andrea Jubé - A lição de Patos para a sucessão em 2022

- Valor Econômico

Centro-direita larga fragmentado para 2022

Os ingredientes da eleição para prefeito de uma cidade média no sertão paraibano alçaram-na ao patamar de microcosmo político do país, na visão de alguns cientistas políticos.

Projetando-se o cenário local para o plano nacional, em um criativo exercício de análise política, o resultado da eleição em Patos, na Paraíba, colocaria em xeque o sucesso de uma eventual chapa encabeçada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em 2022.

Uma premissa somente autorizada, ressalte-se, no contexto da recuperação da política tradicional como principal resultado do primeiro turno das eleições municipais.

Com 108 mil habitantes, o terceiro reduto de poder mais cobiçado da Paraíba - depois de João Pessoa e Campina Grande - foi palco de uma eleição acirrada, polarizada entre um “outsider” e um representante da “velha política”.

De um lado, concorreu o Juiz Ramonilson Alves, postulante do Patriota, que se aposentou para ingressar na política; na outra ponta, o ex-prefeito Nabor Wanderley, candidato do Republicanos.

Chamado de “Moro da Paraíba”, o Juiz Ramonilson encabeçou a chapa, com o DEM na vaga de vice. Nos discursos, afirmava que a solução para a cidade passava pelo combate intensificado à corrupção e pelo fim do monopólio político local.

Rubens Barbosa* - Visões de futuro, China e Brasil

- O Estado de S.Paulo

Os chineses fazem um sólido planejamento e o País deixa o grupo das dez maiores economias

A quinta sessão plenária do 19.º Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), concluída em 29 de outubro, apresentou as linhas gerais do 14.º plano quinquenal econômico e social do país (2021-25). O plano quinquenal registra os objetivos gerais para os próximos cinco anos e, além disso, estabelece o planejamento de médio prazo, até 2035. Mantendo a retórica de “paz e desenvolvimento”, o PCCh traçou as principais linhas estratégicas levando em conta, sobretudo, a crescente competição global. Os documentos indicam que as lideranças do partido, refletindo as incertezas no cenário global, buscaram mudanças em três áreas: fortalecimento da economia, autossuficiência em tecnologia e mudança de clima.

Na sua visão de futuro, os líderes chineses abandonam a ênfase no crescimento econômico com o aumento do PIB e passam a focar “o aumento significativo no poderio econômico e tecnológico” do país até 2035, com foco em questões estruturais e qualidade de vida. O comunicado final do plenário do congresso não fixa uma taxa de crescimento para 2035 e menciona somente o objetivo de alcançar, “em termos de PIB per capita, o nível de países moderadamente desenvolvidos”. Manter o foco no crescimento faz sentido para a China num momento de crescente competição entre grandes potências, que o comunicado, em outras palavras, denomina “profundos ajustes no equilíbrio de poder internacional”. Uma economia forte vai “assegurar que a China tenha recursos necessários para a defesa nacional e a pesquisa científica” e para a expansão de seus interesses globais.

Ana Carla Abrão* - O longo prazo é hoje

- O Estado de S. Paulo

Apesar da pandemia, o mercado de capitais reagiu e chega ao fim de 2020 acumulando números muito positivos

Em um ano tão turbulento e tão difícil, era de se esperar que o mercado de capitais tivesse, na melhor das hipóteses, andado de lado. Não foi assim o ano todo. Esse mercado viveu, até antes da abrupta interrupção da atividade econômica pela pandemia, um período de notável expansão. Mas sofreu, em março e abril deste ano, o baque que todos nós sofremos, se retraindo como reação à esperada recessão econômica, ao aumento da volatilidade e da aversão ao risco como no resto do mundo. Mas reagiu e chega ao fim de 2020 acumulando números muito positivos. 

Somos mais de 3 milhões de investidores individuais em renda variável na B3, nossa Bolsa de Valores. Após a paralisia dos primeiros meses, que interrompeu a tendência crescente de emissões que vinha ainda de 2019, vimos os números de operações de abertura de capital baterem recordes, com 18 novas estreias na B3 (mais do triplo do que vimos em todo 2019) e R$ 22 bilhões em ofertas públicas individuais (IPOs), o que equivale a mais do que o dobro dos R$ 10 milhões observados no ano passado. Somem-se a essas, as ofertas subsequentes (follow-ons) – quando a empresa volta ao mercado para ofertar mais ações – que aconteceram a partir de agosto e chegamos a R$ 78 bilhões em operações até setembro de 2020, equivalente a 87% do total registrado no ano de 2019.

No mercado de renda fixa não foi diferente. Devemos fechar o ano com uma participação recorde dos instrumentos de financiamento privado na matriz de financiamento de longo prazo das empresas. Aqui o crédito bancário público (majoritariamente BNDES, com volumes generosos e juros subsidiados) chegou a representar 48% de toda a carteira de crédito de longo prazo das empresas no Brasil. Ao final do primeiro trimestre de 2020 esse número representava 36%. Uma queda expressiva cuja tendência deverá se manter, devolvendo ao mercado de capitais a posição que ele deveria sempre ocupar. 

Se olharmos outra métrica, a dos volumes de emissões mobiliárias públicas em comparação com emissões no mercado de capitais, o movimento de expansão se mostra igualmente consistente e vem de mais longe. Enquanto em 2016 as emissões privadas representavam apenas 18% do que foi emitido pela União, ao fim de 2019, elas chegaram a representar 58%. Este ano, a vida foi mais dura, ainda assim, o número se manteve em 38%, consolidando a tendência de maior representatividade do mercado privado.

Pedro Cafardo - O alarido ortodoxo não combina com recessão

- Valor Econômico

Lição de Galbraith sobre anos 1930 deve ser levada em conta

Há luz no fim do túnel é a boa mensagem desse período eleitoral nos EUA e no Brasil, apesar dos efeitos da interminável e inclemente pandemia, agora entrando na segunda onda, mas com a esperança da vacina. A luz vem das urnas, onde ficou claro o desencanto, tanto lá quanto cá, com propostas ultradireitistas, volta e meia fascistas, que assustam o mundo desde 2016.

Aqui, candidatos que associaram sua campanha a Jair Bolsonaro não despertaram nenhum entusiasmo, um sinal de que o país está voltando a valorizar o bom senso. Ao todo, 76 candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador concorreram usando o sobrenome “Bolsonaro” em todo o país. Só um foi eleito, Carlos, o filho do presidente, vereador no Rio, segundo levantamento da BBC News Brasil.

Lá nos EUA, Joe Biden vai expulsar da Casa Branca, no dia 20 de janeiro, o homem que mais espalhou insegurança e sobressaltos à economia mundial no século XXI. Mesmo com a previsão da manutenção de políticas nacionalistas, voltarão as relações civilizadas com Europa e China, pelo que o comércio mundial agradece.

É penoso demonstrar algum otimismo com o futuro imediato do Brasil, principalmente em meio a uma crise tão grave. Leitores mandam críticas ferozes, muitos confundindo essa opinião com apoio ao governo. Mas o fato é que, mesmo com a persistente pandemia e com o governo que temos, é possível pensar em tirar o país da depressão e do desalento.

Mas como? Cai aqui como uma luva um trecho da magistral obra de John Kenneth Galbraith (1908-2006), “A Era de Incerteza”, escrita a partir de uma série de televisão feita pelo economista américo-canadense para a BBC de Londres nos anos 1970.

Conta Galbraith que, em 1937, a recuperação da Grande Depressão vinha “morosamente a caminho”, estimulada pelos gastos públicos para criar empregos. “A produção e os preços subiam, embora o desemprego ainda fosse apavorante. Mas os ‘homens da sensatez’ [fiscalistas] já impunham seu valor. Começavam a agir no sentido de diminuir as despesas, aumentar os impostos e equilibrar o orçamento federal. Os poucos keynesianos protestaram; nossas vozes foram abafadas no alarido do aplauso ortodoxo. À medida que o orçamento caminhava para o equilíbrio, a recuperação dava uma parada. Houve então um novo e horrível colapso, uma retração dentro da depressão.”

Pandemia fez país atingir menor nível de ocupação em quase 30 anos

Diego Garcia | Folha de S. Paulo

 Menos da metade da população em idade de trabalhar está ocupada, com pretos, pardos e mulheres sendo mais prejudicados

RIO DE JANEIRO - pandemia da Covid-19 aniquilou o mercado de trabalho brasileiro em 2020, a ponto de fazer o nível da ocupação —taxa que calcula a proporção de pessoas ocupadas dentro da população em idade de trabalhar— despencar e alcançar o menor patamar em 28 anos, de 46,8%.

O nível de ocupação é o pior desde 1992, quando tem início a série histórica organizada pela IDados. A consultoria traçou uma linha do tempo retroagindo dados da atual Pnad Contínua, da antiga Pnad e também da extinta Pesquisa Mensal de Emprego, todas do IBGE.

A compilação coube aos economistas Bruno Ottoni e Tiago Barreira.

Segundo Ottoni, fica bem claro que a pandemia teve uma influência na queda abrupta do índice, que caiu rapidamente nos últimos meses.

"Uma das consequências da pandemia foi derrubar a população ocupada, pois perdemos muitos empregos no período", disse o economista. Em um ano, foram 12 milhões de postos de trabalho a menos, segundo dados mais recentes da Pnad, do trimestre encerrado em agosto. O dado contempla os mercados formal e informal, e considera tanto empregados quanto empregadores, além daqueles que atuam por conta própria.

Com a queima de empregos, o nível de ocupação ficou em 46,8%, bem longe do pico da série, em novembro de 1992, quando o indicador marcou 60,1%.

Ou seja, hoje, de cada 100 brasileiros em idade de trabalhar (14 anos ou mais, pela metodologia do IBGE), apenas cerca de 47 estão de fato trabalhando, contra 60 há 28 anos.

Joel Pinheiro da Fonseca* - Desejo de derrota

- Folha de S. Paulo

 Somos, por pura mesquinhez do governo, o bandido dessa história no mundo

Para o governo Bolsonaro, o problema ambiental é um problema de comunicação: como emplacar uma narrativa favorável ao Brasil em meio a narrativas negativas que circulam pelo resto do mundo.

É como se não existisse a realidade objetiva, o problema concreto do desmatamento e das queimadas. Na falta de qualquer interesse de resolvê-lo, o desafio é como fazê-lo desaparecer pelo uso do discurso.

Na semana passada, em mais uma rodada dessa estratégia de marketing, Bolsonaro disse que iria anunciar publicamente os maiores importadores de madeira ilegal brasileira. França e Alemanha estavam na mira.

O contexto é a relutância europeia em ratificar o acordo comercial UE-Mercosul. Bem sabemos que a França procurará pretextos para afundar o acordo e proteger seus agricultores. Bolsonaro entrega esses pretextos de bandeja. Voltou atrás na ameaça, mas o mal-estar ficou.

Hélio Schwartsman - Um país racista ou desigual?

- Folha de S. Paulo

Brasil é as duas coisas ao mesmo tempo

O Brasil é um país desigual ou é um país racista? Ele é as duas coisas ao mesmo tempo, e destrinchá-las não é trivial. São conhecidas as estatísticas do IBGE que informam que trabalhadores brancos ganham quase 70% mais do que negros. A dificuldade com esse dado, da forma que costuma ser apresentado, é que ele soma os efeitos da desigualdade social com os do racismo e põe tudo na conta do segundo.

Há motivos legítimos para explicar diferenças salariais, como história educacional, cargo exercido, tempo de casa etc. Quando comparamos grupos semelhantes, isto é, negros e brancos com o mesmo grau de instrução, ou que ocupem postos no mesmo nível hierárquico, as disparidades diminuem. O problema é que só diminuem, sem desaparecer, sinal de que a cor da pele também faz diferença.

Há interessantes trabalhos, como o de André Salata (PUC-RS), que tentam separar os efeitos diretos do racismo dos indiretos, mediados por pobreza, educação.

Pablo Ortellado* - Racismo no Carrefour

- Folha de S. Paulo

Conservadores dizem que alegação de racismo em agressão em Porto Alegre é prematura. Estatísticas sugerem racismo estrutural

Até mesmo o torpe assassinato de Beto Freitas em um supermercado em Porto Alegre foi capturado pelas guerras culturais, com vozes conservadoras acusando os progressistas de enxergar racismo onde não havia e dividir uma sociedade racialmente integrada.

A principal crítica desses conservadores tem sido quanto ao emprego do conceito de racismo estrutural. Para eles, o racismo se restringiria apenas àqueles episódios de preconceito e intolerância com motivação racista manifesta.

Seria preciso, então, entender as circunstâncias que levaram à morte de Beto Freitas: se havia algum fato anterior que pudesse justificar o uso excessivo de força e se haveria evidência de motivação racista, como alguma injúria racial que tivesse sido proferida. Sem esses elementos, a alegação de racismo seria prematura e injustificada e mostraria apenas um esforço da esquerda em promover a divisão em uma sociedade conhecida por ter uma integração racial bem-sucedida.

Cláudio de Oliveira* - A situação financeira da prefeitura de São Paulo

Diga-se com todas as letras: quem quebrou a Prefeitura de São Paulo foi a direita. Eleito em 1992, Paulo Maluf e o seu secretário de finanças, Celso Pitta, aumentaram significativamente a dívida do município com uma gestão perdulária, populista e irresponsável. Maluf investiu pesadamente em obras viárias, várias delas de prioridade duvidosa e com denúncias de superfaturamento, incentivando o transporte individual. 

Para desviar a atenção da falta de investimento em transporte coletivo, a propaganda eleitoral de Pitta, em 1996, apresentou uma animação gráfica de um VLT apelidado de Fura-Fila. O projeto contrariava os argumentos técnicos, uma vez que no trajeto do Fura-Fila havia planejamento para uma linha do metrô. O Fura-Fila causou pesado ônus aos cofres do município.

Maluf não implantou o SUS, determinado pela Constituição de 1988. Transformou a saúde pública no desastroso PAS, o Plano de Assistência à Saúde, gerido por cooperativas médicas, assoladas por toda sorte de denúncias de irregularidades. Podemos debater se houve programas positivos como o Singapura, de verticalização de favelas, e o Leve-Leite. Mas, ao mesmo tempo em que o Leve-Leite foi lançado, foi descuidada a merenda escolar. No final da gestão Pitta, chegou a ser servida nas escolas municipais uma merenda composta apenas de suco e bolacha. 

O legado do malufismo foi desastroso: um enorme rombo nas contas da prefeitura, um grande déficit de vagas nas creches municipais, um número enorme das famigeradas escolas de latas, as salas de aulas em containers espalhados pela cidade na administração Pitta. Maluf e Pitta deixaram um sistema de transportes caótico, com explosão do número de vans clandestinas, formado especialmente por veículos importados da China à época do início do Plano Real, quando nossa moeda era equiparada ao dólar.

A situação financeira da cidade só não estava pior porque o governo federal, sob o comando de Fernando Henrique Cardoso, havia federalizado as dívidas de estados e municípios, num acordo em que as prefeituras e governos dos estados se comprometiam em pagá-las em parcelas durante 30 anos.

Fareed Zakaria - O que Obama não escreveu

- The Washington Post / O Estado de S. Paulo

Em seu livro, ex-presidente fala de tudo, mas deixa escapar as forças que levaram Trump ao poder

Quando estive com Barack Obama pela primeira vez, ele me impressionou porque era diferente de todos os outros políticos que havia conhecido. Era inteligente, culto, afável e cheio de energia, mas não é isso que fazia com que ele se destacasse. Era a maneira como colocava as perguntas. A maioria dos políticos faz perguntas às quais eles respondem. Depois de conceder ao interlocutor uma breve oportunidade para responder, eles entram: “Bom, aqui está o que eu acho...”, e passam a despejar respostas repletas de sabedoria que indubitavelmente já citaram dezenas de vezes. Mas Obama fazia uma pergunta para a qual ele esperava realmente uma resposta. Ouvia e fazia outra pergunta.

Esse político fora do comum se revela em seu novo livro, Uma Terra Prometida. É com certeza o melhor livro de memórias de um presidente que eu já li. Obama tem um manejo fácil e elegante das palavras. Descrevendo uma caminhada pela West Colonnade da Casa Branca, ele diz: “Fiquei observando as suaves colinas de Maryland e os bairros ordenados mais abaixo, e depois o Potomac, brilhando na luz do sol que se punha”.

A característica mais notável do livro, entretanto, é a habilidade de Obama de ver não apenas ambos os lados de cada questão, mas até mesmo sentir empatia pelo lado que se opõe energicamente ao seu. Ele escreve que podia compreender a frustração de Hillary Clinton, depois de uma longa ascensão ao poder, ao enfrentar um adversário parvenu para a indicação democrata. Ele compreende as motivações de líderes republicanos como John Boehner e Mitch Mcconnell e dá uma breve lição de história: “Os eleitores americanos raramente premiam a oposição por cooperar com o partido governista”. Ele inclusive tem um “respeito relutante” pelo fato de o Tea Party ter ganhado apoio apaixonado e ampla cobertura da imprensa.

Antonio Fausto* - Getúlio Vargas e o Centro Democrático

Em 130 anos de República, o segundo governo Vargas (1951/1954) foi o primeiro, politicamente, do Centro Democrático. Foi candidato em 1950 pelo PTB, por ele fundado, contra os postulantes do conservadorismo, um deles cristianizado pelo próprio partido, o bom e velho PSD.

O PTB de então congregava políticos progressistas como Roberto Silveira, Leonel Brizola, Almino Affonso e tantos outros que, ao lado de forças centristas, viabilizaram o novo governo eleito, após cinco anos de conservadorismo, arrocho salarial e repressão ao movimento sindical e associativo dos trabalhadores.

O presidente Getulio Vargas faz, então, um bom governo, corrige o salário mínimo, adota pela primeira vez no País o planejamento indicativo, via uma assessoria econômica, onde figuravam técnicos de destaque como Jesus Soares Pereira e Ignácio Rangel.

É fundada a Petrobrás, o BNDES, o Banco do Nordeste do Brasil e criados grupos de trabalho embrionários das futuras Sudene e Sudam, como forma de enfrentamento dos desequilíbrios regionais.

Deposto pelo golpismo civil-militar, a serviço de interesses estrangeiros e oligárquicos nacionais, o presidente Vargas inaugurou, historicamente, um ciclo de governança do Centro Democrático, durante 14 anos, que se encerra com a deposição, pelas mesmas forças golpistas e antinacionais, do presidente João Goulart.

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

Insegurança inflacionária – Opinião | O Estado de S. Paulo

A inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª semana consecutiva, segundo a pesquisa 'Focus'. É uma má notícia para os consumidores.

Pesadelo da maior parte das famílias, a inflação estimada para o ano subiu pela 15.ª semana consecutiva, segundo a pesquisa Focus, uma consulta feita pelo Banco Central (BC) junto a cerca de cem instituições do mercado financeiro. Em um mês a mediana das projeções para 2020 subiu de 2,99% para 3,45%. No mesmo intervalo a alta de preços calculada para o próximo ano passou de 3,10% para 3,40%. São más notícias para os consumidores, especialmente num período de pouco emprego, renda baixa e muita insegurança. Mas o quadro inclui pelo menos um aspecto positivo, ou menos sombrio. Se as expectativas se confirmarem, a inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), continuará abaixo da meta, de 4% neste ano e de 3,75% em 2021.

Com a inflação abaixo da meta, a taxa básica de juros, a Selic, deve ficar em 2% até o fim do ano, segundo a pesquisa Focus divulgada ontem. O superendividado Tesouro Nacional encerrará 2020 carregando juros excepcionalmente baixos. Para o fim de 2021 a projeção indica, no entanto, uma taxa de 3%, 0,25 ponto superior àquela estimada quatro semanas antes.

Música | Paula Lima - Grande Amor

 

Poesia | Capinan - De não ser, sendo constantemente

Não sou o mesmo de olhar vazio
e palavra sem consequência usada.
Andei pesando este medo
em interrogações do que seria o poeta
ante estruturas que o antecederam,
cercos de ferro, fechos de ferro, cercos.

No caminho de minha volta
esqueci canções, dupliquei memórias,
e aceito como verdade humana
que o homem é um caminho ao homem,
processo e pouso, caminhante e rota