Folha de S. Paulo
Ele quer mostrar aos seus que continua sendo
capaz de mover a massa
Bolsonaro continua
tentando vender seu peixe. E do jeitinho que se fazia nos comícios de
antanho, com palanques (agora, carro de som), discursos e a massa exultante que
foi ouvir seus ídolos revigorar suas convicções, mostrar força e lealdade e
encontrar seus companheiros de fé. Cerca de 32 mil pessoas estiveram juntas no
auge da manifestação, segundo o Monitor da USP. Não é pouco para um líder
político acossado pela lei e pela opinião pública, mas também não é muito, se
comparado ao tamanho de comícios anteriores.
Se as multidões definham, apuram-se os apoiadores, as afinidades afloram, o radicalismo cresce. Costuma ser assim. Grupos muito coesos vão, como se diz, "perdendo a noção", quer dizer, aquele pudor de dizer e fazer coisas que não fariam na frente de estranhos.
Como, ao que tudo indica, a produção do
evento é cada vez mais exclusividade de Silas
Malafaia, não se pode esperar menos que radicalismo. Malafaia é um líder
político protegido por um mandato religioso reconhecido pela retórica
hiperbólica, pelas performances de fúria verbal e pela convicção típica de
profeta do Velho Testamento, de que fala em nome do povo de Deus. Quem caminha
com Silas não pode esperar que tolerância, argumentação racional, valores
republicanos, pluralismo e respeito a divergências tenham qualquer sentido. É
só pé no peito e perdigoto voando. Jair, que sabe que a cadeia é uma possibilidade,
finda por ser o mais contido.
Toda manifestação pública de políticos hoje
gera o que podemos chamar de "editáveis". São fragmentos de áudios ou
vídeos curtos que circularão de imediato por mídias digitais e que oferecerão
ao público que acompanha o evento por suas tevês de bolso (os celulares) um
resumo do que está acontecendo lá longe, em Copacabana. Como os grupos e
interesses são divergentes, bolsonaristas Brasil afora receberam sua versão dos
highlights do evento, enquanto os que não gostam deles se refastelaram com outros
cortes. É do jogo.
Isso posto, é marcante como o evento do
domingo teve "editáveis" deliciosos para quem, como eu, veio à
política em expedição etnográfica. Ainda estou em dúvida se gosto mais do
discurso de Nikolas
Ferreira (PL-MG)
ou de Gustavo Gayer (PL-GO), mas o de Malafaia também é revelador.
O primeiro ofereceu uma maravilhosa
ilustração do "modo viril" do bolsonarismo, de que falei na semana
passada: "Este país não precisa mais de projetos de leis, não precisa mais
de emendas [constitucionais], este país precisa de homens com
testosterona". E toda a testosterona de que o país precisa, segundo ele,
foi condensada e enfrascada em Silas e Jair, ali presentes. É de arrepiar. Pelo
que entendi, o novo lema é "precisamos de machos, não de leis". Eu
falei que o bolsonarismo não suporta a ideia de um governo de leis e clama por
um governo de vontades, músculos, tendões e hormônios. Acreditam agora?
O mesmo modo vitalista não poderia faltar no
discurso do próprio Malafaia, a quintessência da virilidade nacional, que se
referiu a Alexandre de Moraes com o já clássico "ditador da toga",
mas também fez questão de presentear o presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG),
com os adjetivos "frouxo, covarde e omisso" por não investigar o
ministro do STF.
No admirável mundo macho do bolsomalafaismo, frouxos não têm guarida nem
caráter. Nem merecem respeito.
O deputado Gayer, por sua vez,
"performou" como vítima o novo dogma da fé bolsonarista, a certeza de
que Musk é uma espécie de João Batista que veio reparar os caminhos do Messias.
Jair Messias. Olhando para os céus, provavelmente para ser capturado de frente
pelos satélites da Starlink, o deputado enunciou o seu rogo: "Com
certeza Elon
Musk está olhando o que está acontecendo aqui agora". E
certamente saberá intervir com a sua divinal providência para elevar o justo e
condenar os pecadores. O severo e onipotente olhar de Musk cedo ou tarde irá
repor tudo ao seu lugar: Brasil Acima de Tudo, Musk de Olho em Todos.
Naturalmente, você a este ponto deve estar se
perguntando por que Bolsonaro continua fazendo essas manifestações. A resposta,
contudo, já lhe deve ter ocorrido. Ele as faz porque delas precisa. Para
manter-se em evidência de alguma forma após ter perdido o volume absurdo de
visibilidade pública que tinha quando presidente, para continuar em contato com
o povão, como é do feitio de líderes carismáticos, e para mostrar aos seus que
continua sendo capaz de mover a massa e galvanizar a vontade do povo.
Política, como vocês certamente sabem, é em
grande parte performance.
Um comentário:
Excelente! Bolsonaro é o político brasileiro MAIS MENTIROSO que já existiu! São dezenas de mentiras por dia, impressionante!
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