terça-feira, 17 de março de 2020

Marco Aurélio Nogueira* - O vírus Bolsonaro

- O Estado de S. Paulo

Onde estão as forças, as instituições e as pessoas dispostas a frear a insanidade presidencial?

É difícil não se horrorizar ao ver as fotos de Jair Bolsonaro participando de um ato contra o Congresso, abraçando pessoas e apertando as mãos de seguidores.

É pavoroso constatar que existem pessoas que tratam a atual situação de calamidade pública como se fosse uma “armação da mídia”, pessoas cegas em seu fanatismo, indiferentes a milhões de brasileiros. Posam de verde e amarelo e se dizem patriotas, mas são traidores da Pátria, se quisermos falar assim.

Um presidente que infringe regras e orientações estabelecidas por seu próprio governo é uma aberração. Ele debocha daquilo que deveria ser norma de conduta. Põe em risco a saúde da população e mostra não estar à altura da crise em que nos encontramos, que é epidemiológica e mundial, mas é também política, moral, econômica. O País está parado, à espera de alguém que o lidere e governe.

Em se tratando de Jair Bolsonaro, não dá para dizer que chegamos ao fundo do poço. Dele podemos esperar coisas sempre piores, mais graves, deletérias. Trata-se de um presidente que faz do poder um jogo de vida e morte, o contrário do que se esperaria de alguém eleito para governar um País enorme, complexo, diversificado. É um exibicionista, agarrado a ‘lives’ patéticas, nas quais demonstra toda a sua grosseria, seus maus modos, seu egocentrismo, sua irresponsabilidade. Tanto pode aparecer de máscara como se estivesse em quarentena, quanto pode cair nos braços da galera que o acompanha como se não houvesse amanhã.

Merval Pereira - O dízimo de Bolsonaro

- O Globo

Bolsonaro mostra com frequência assustadora não ser capaz de ocupar a Presidência, ainda mais neste momento

Ninguém sabe como isso vai terminar, mas torna-se assunto inevitável a possibilidade de Jair Bolsonaro vir a ter interrompido de alguma maneira seu mandato presidencia por absoluta incapacidade, não apenas de gestão, mas psicológica. Pode ser por uma licença de saúde, uma renúncia, ou um impedimento político.

O assunto já era freqüente em reuniões de parlamentares, autoridades e empresários em Brasília e nos centros de decisão do país. Com a mais recente demonstração de irresponsabilidade no domingo, o tema ganhou dimensões alarmantes, a ponto de o próprio Bolsonaro, sentindo o cheiro de queimado, ter declarado que seria “golpe” isolar o presidente.

Por “isolar”, compreenda-se a prescrição médica determinada por seu próprio governo, até que fique garantido que não está contaminado pelo novo coronavírus. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que corre o risco de entrar na lista negra de Bolsonaro pelos elogios que vem recebendo por sua ação sensata e eficiente durante a crise, foi cuidadoso ao dizer que participar de manifestações não era “adequado”. Lembrou que o ministério por enquanto estava apenas fazendo recomendações, que devem ser seguidas, mas não são compulsórias. Referindo-se indiretamente ao comportamento irresponsável do presidente.

Mas “isolar” o presidente pode significar também tocar o país sem depender dele, com os setores mais responsáveis do governo e os demais Poderes tomando as decisões necessárias. Ignorando quem deveria estar na liderança de um gabinete de emergência para enfrentar as crises de saúde pública e econômica, e, ao contrário, está à frente de intrigas palacianas e teorias conspiratórias que corroem sua mente e atrapalham a prevenção pelo mau exemplo.

Eliane Cantanhêde - Salve-se quem puder!

- O Estado de S.Paulo

O mundo em guerra contra o coronavírus, mas Bolsonaro mira seus inimigos particulares

Já que o presidente Jair Bolsonaro vive sua realidade paralela, os três Poderes declaram trégua e traçam ações comuns contra os efeitos do novo coronavírus apesar dele. Com isolamento médico ou não, Bolsonaro está se isolando dos demais Poderes e ontem não participou de uma videoconferência de presidentes da América do Sul sobre a doença e a crise econômica. Enquanto isso, o vírus vai se multiplicando dentro e fora do Brasil.

Presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo se reuniram com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para ouvi-lo, traçar planos de ação e contornar a fogueira política diante do problema maior. Foi Rodrigo Maia, aliás, quem primeiro estendeu a bandeira branca, apesar de ter sido o principal alvo do presidente e dos bolsonaristas no domingo.

Bolsonaro já disse que a crise é uma “fantasia”, uma “histeria”, e considerou que tudo é “superdimensionado”, ora por “interesses econômicos”, ora pela “luta pelo poder”. Das palavras aos atos, tirou a máscara, deu de ombros para o Ministério da Saúde, abandonou o monitoramento, não esperou o segundo teste e foi confraternizar com manifestantes em frente ao Planalto.

“Se eu me contaminei, ninguém tem nada a ver com isso”, disse ontem, mas não é bem assim. O problema não é apenas ele se contaminar, é o risco de ter contaminado as 272 pessoas com quem teve contato, de acordo com levantamento do Estado. E, depois, todo mundo tem muito a ver, sim, com a saúde do presidente da República.

Ele não é uma pessoa privada, é a autoridade pública número um.

O próprio ministro da Saúde classificou protestos e eventos culturais neste momento como “completamente equivocados”. O governador Ronaldo Caiado, um dos raros a apoiar Bolsonaro, foi vaiado por manifestantes em Goiás ao lembrar, como médico, que “não se mostra apoio a governo colocando em risco sua população”. Se eles queriam pôr a própria saúde em risco, problema deles, mas sem o direito de pôr a dos outros. Cada contaminado tem poder de multiplicação do vírus.

Carlos Andreazza - A epidemia do golpismo

- O Globo

Bolsonaro vai — foi —para a briga de rua

O presidente foi ou não infectado pelo novo coronavírus? Ninguém saberá. Há um estímulo oficial à descrença constante. Diz-se que não. Mas quem acredita?

O procedimento bolsonarista já está mapeado: plantar — neste caso, lá fora (numa TV americana) — a notícia (de que Jair Bolsonaro estaria contaminado) que se negará em seguida. O que interessa é desmentir; subsidiar a trombada de versões, a desconfiança generalizada.

Estamos na mais baixa cavidade da depressão política que nos consome desde 2013 — da qual o bolsonarismo é a mais intensa convulsão. A degradação é veloz. Mas o fundo do poço é fundo. O presidente comete sucessivos crimes de responsabilidade. Estica progressivamente — todos os dias — a corda dos arreganhos autoritários. Sem qualquer resposta institucional de corpo, ousa — ousará — cada vez mais. Escrevi, na semana passada, que não tardaria até que tomasse parte numa das manifestações contra os Poderes da República. Aí está.

A ação é coerente se considerarmos a série de imposturas e irresponsabilidades por meio da qual, nos últimos 30 dias, Bolsonaro liderou uma implacável blitz autoritária contra o equilíbrio democrático no Brasil. Não é dinâmica de quem pretenda se submeter aos filtros republicanos por muito tempo. Há um quê de desespero. O prometido crescimento econômico não veio. O presidente sabe que frustrará e perderá apoio. Sua única gramática — tanto mais se acuado— é a da guerra. Ele vai — foi —para a briga de rua. O clima de crise é a temperatura ideal para medidas de exceção.

Luiz Carlos Azedo - Faça a coisa certa

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Bolsonaro faz tudo ao contrário. Depois de quebrar o isolamento e apertar as mãos de mais de duzentos manifestantes, disse que, se contrair o coronavírus, ninguém tem nada com isso”

Qualquer coisa para dar certo precisa do conceito correto, o método adequado e um ambiente favorável. O esforço para evitar que a pandemia de coronavírus se transforme numa tragédia social e em longa recessão não foge à regra. A externalidade mais negativa é a anunciada recessão da economia mundial, cujo impacto já está sendo sentindo no câmbio, com o dólar acima dos R$ 5, e a Bovespa despencando 14%, ontem. A pandemia de coronavírus já é uma realidade interna, pois a chamada “transmissão comunitária” começou em São Paulo e no Rio de Janeiro.

O crescimento da epidemia é exponencial: no balanço de ontem, o Ministério da Saúde confirmou a existência de 234 casos, sendo 152 em São Paulo, o estado mais populoso, mais rico e mais aparelhado; no Rio, são 31. A idade média dos infectados é 40 anos. O cenário de “transmissão comunitária” ocorre quando não se sabe quem foi o transmissor da doença. O Ministério da Saúde está trabalhando com o conceito correto para enfrentar a doença, como a maioria dos governadores e prefeitos, que estão tomando medidas para aumentar o distanciamento social e assim “achatar” a curva da epidemia, ou seja, fazer com que a propagação ocorra de forma mais lenta e seja interrompida.

Bernardo Mello Franco - Tipos brasileiros: Iris, Silas, Edir, Jair

- O Globo

Rezende, Malafaia, Macedo e Bolsonaro ganham a vida com a oratória. Nos últimos dias, eles esnobaram o coronavírus e desinformaram fiéis e eleitores

Iris Rezende é prefeito de Goiânia. Está na política desde 1958, quando João Gilberto inventou a bossa nova. Mais de seis décadas depois, ameaça disputar outro mandato municipal. Na quinta passada, ele disse que sua cidade “não será atingida” pelo coronavírus porque é “protegida por Deus”. “Estou absolutamente tranquilo de que têm feito um barulho indevido”, desdenhou.

Silas Malafaia é pastor do ministério Vitória em Cristo. Fez fama no púlpito, mas adora um palanque. Era unha e carne com Eduardo Cunha, hoje recolhido em Bangu. Agora grudou no capitão domiciliado no Alvorada. No sábado, ele informou que manterá os templos abertos, na contramão dos apelos de médicos e cientistas. Contra a propagação da doença, sugeriu orações: “Que esse vírus seja destruído da nossa nação pelo poder do nome de Jesus”.

Edir Macedo é dono da Igreja Universal e de um império que inclui banco, seguradora, partido político e emissora de TV. Num culto recente, repreendeu os fiéis e disse que o Espírito Santo “não quer palmas”. “Ele quer que você nos ajude a pagar nossas contas e bata a mão no bolso”, esclareceu. No domingo, o bispo pediu aos seguidores que “não se preocupem com o coronavírus”. Disse que a epidemia é “mais uma tática de Satanás” para assustar as pessoas. “Qualquer ventinho que tiver é uma pneumonia para elas”, gracejou.

Ricardo Noblat - Bolsonaro se alia ao coronavírus para fazer mal ao Brasil

- Blog do Noblat | Veja

Um presidente eleito para destruir

No último domingo, dia 15, enquanto Jair Bolsonaro desrespeitava a ordem médica de manter-se isolado, confraternizava com seus devotos à porta do Palácio do Planalto e fazia contato físico com 272 deles, o presidente Donald Trump, a quem ele reverencia e tenta imitar, ainda recomendava aos norte-americanos que relaxassem e garantia que o seu governo estava fazendo o melhor para deter a pandemia de coronavírus.

Menos de 24 horas depois, Trump admitiu que as medidas adotadas contra a doença poderão se prolongar até o segundo semestre, e reconheceu: “O vírus não está sob controle em nenhum lugar do mundo”. Recomendou evitar reuniões com mais de 10 pessoas e pediu que os idosos fiquem em casa. São Francisco, na Califórnia, se tornou a primeira cidade americana a proibir que todos os cidadãos saiam de casa a partir de hoje.

Emmanuel Macron, presidente francês, anunciou a proibição de entrada no seu país de quem chegar de fora da União Europeia. A partir de hoje, e pelo menos por 15 dias, os franceses não poderão sair de suas casas. Cem mil policiais patrulharão as ruas. O número de casos de coronavírus tem dobrado a cada três dias na França. Macron usou a expressão “guerra” meia dúzia de vezes para se referir ao combate ao “inimigo invisível”.

O que se ouviu Bolsonaro dizer por aqui foi que tudo não passa de uma “histeria”. Provocado a respeito do seu comportamento no domingo, exasperou-se e retrucou: “Se eu me contaminei isso é responsabilidade minha. Ninguém tem nada a ver com isso”. De fato, terá sido sua, unicamente sua a escolha de se contaminar. O problema é que ele pode ter contaminado muita gente ao seu redor, embora isso não pareça preocupá-lo nem um pouco.

Bolsonaro deveria ter participado, ontem, de duas reuniões importantes. Uma, com os presidentes dos países da América do Sul por meio de teleconferência. Na pauta, a doença que assombra o mundo. A segunda, com os presidentes do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Senado. Na pauta, o mesmo assunto, e ações integradas que poderiam ser executadas pelos três poderes da República. Bolsonaro faltou às duas.

Adriana Fernandes - Governo ainda vai precisar botar a mão no bolso

- O Estado de S.Paulo

Boa parte das medidas anunciadas pelo governo é mera antecipação de algo que já ia ocorrer nos próximos meses

O pacote de R$ 150 bilhões do ministro da Economia, Paulo Guedes, tem cifra elevada, mas é muito, muito tímido no socorro à população mais vulnerável, de baixa renda. Como antecipou o Estado, o governo anunciou um reforço de R$ 3,1 bilhões ao programa Bolsa Família para acabar com a fila.

Não é suficiente. O foco terá que ser também naquelas famílias que recebem regularmente o dinheiro do programa. São os mais pobres que vão precisar de mais ajuda. Estarão expostos à contaminação, têm menor acesso à saúde e as crianças e jovens carentes dependem, sobretudo, da merenda escolar.

Esses jovens passarão a ficar em casa após a suspensão das aulas em diversos Estados. Muitas delas fazem a principal refeição na escola e podem ficar sem acesso a uma refeição completa.

A injeção de recursos terá que ser direta, como uma adicional extra para quem já recebe o benefício assistencial. O governo anunciou que o reforço de R$3,1 bilhão é para incluir mais 1,2 milhão de pessoas no programa. Mas a medida não dá para compensar a fila de espera do Bolsa Família, que alcança mais de 3 milhões de pessoas, de acordo com levantamento feito de forma conservadora pelo Estado.

Pedro Fernando Nery* - Defenda o Bolsa Família

- O Estado de S. Paulo

Programa tem expertise e capilaridade para ser usado como instrumento contra a crise

Ele foi responsável por 10% da redução de desigualdade entre 2001 e 2015, e por tornar menos insuportável a pobreza de milhões – segundo estudo do Ipea e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É um feito notável para um programa que custa menos de 0,5% do PIB. Principal mecanismo de proteção de renda de informais e desempregados, o Bolsa Família chega já em crise para atender à crise do coronavírus.

Ele custa um décimo do gasto com funcionários públicos, e cerca da metade da isenção de lucros e dividendos que beneficia a elite que não paga imposto de renda na pessoa física. Mas tem enfrentado cortes. As filas são antigas: Temer conseguiu zerar, mas já à custa de exclusões. Elas voltaram, em meio à recuperação econômica desigual.

No atual governo, o Bolsa Família recebeu um 13.º maldito. Um pagamento adicional, promessa de campanha, seria louvável – desde que houvesse orçamento adicional. Sem a complementação, o 13.º implicou exclusão: famílias comprovadamente pobres ficaram sem receber nada para que outras recebessem o pagamento adicional.

Para piorar a falta de complementação, os escassos novos pagamentos de 2020 se centralizaram nas regiões mais ricas, apesar de filas gigantes no Nordeste. É que o critério de concessão ignora completamente as filas, e usa estimativas de pobreza baseadas no Censo de 2010. De lá para cá, o País viveu a recessão de 2015-16, que afetou mais o Nordeste, quando a recuperação favoreceu mais o Centro-Sul.

Por isso, dos 100 mil novos benefícios concedidos em janeiro, Santa Catarina – com o menor desemprego do País – recebeu 6 mil, o dobro de toda a Região Nordeste. O Piauí recebeu 86. Se 12% da fila catarinense foi atendida, somente 0,1% da fila piauiense o foi. Três milhões e meio de brasileiros esperam para receber os benefícios: já estão habilitados, o que quer dizer que são reconhecidamente pobres.

Míriam Leitão - Aumento de gastos e defesa de valores

- O Globo

Armínio Fraga recomenda aumento de despesas porque há uma calamidade. Governo baixou pacote com pouco dinheiro novo

Armínio Fraga acha que o país vai entrar em recessão, que o governo deve aumentar o gasto público porque as leis que fixam limites de gastos preveem espaço para quando há uma calamidade. “E para isso acho que não deveria haver limites.” No Banco Central, algumas formas de estimular a oferta de crédito foram anunciadas e o Ministério da Economia soltou um pacote que foi quantificado como de R$ 147 bilhões, mas na verdade pouco desse valor é dinheiro novo. No intenso dia de ontem, houve de tudo, inclusive o presidente Jair Bolsonaro voltando a escalar nos ataques ao Legislativo, numa entrevista de manhã.

O pacote de Paulo Guedes é insuficiente e ele sabe disso. Tanto que avisou que voltará a anunciar novas medidas. No conjunto de ontem, há as decisões de antecipação de pagamentos que o governo teria que fazer aos aposentados e pensionistas, ou a trabalhadores de baixa renda. O 13º será pago todo até maio, e o abono, até junho. Em outro lado das medidas, o governo permite que o FGTS seja recolhido com atraso e adia também a parcela federal do Simples Nacional. Isso não é dinheiro novo.

Para o economista Armínio Fraga, o país pode e deve aumentar as despesas públicas para evitar o pior na área da saúde e na economia. Armínio sempre fez parte do grupo de economistas que defende o controle fiscal. Mas agora a situação é diferente, na visão dele. O país vai entrar em recessão e é preciso foco no principal que é a política de saúde para tentar reduzir a propagação do coronavírus.

Vinicius Torres Freire – Pacote contra epidemia é mesquinho

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro não cuida de informais ou pequena empresa e não tem noção da emergência

Imaginem que um restaurante perca metade do faturamento no paradão da epidemia. Que a loja do shopping feche. Pior ainda, que centenas de milhares de empregados domésticos, “intermitentes” ou não, informais em geral, fiquem sem trabalho. Que milhões de empregados da “nova economia” do bico fiquem sem faturar, na rua da amargura e sem proteção social.

Não se ouviu providência do Ministério da Economia a respeito. Mas o governo disse que precisa aprovar logo a autorização para privatizar a Eletrobras, sem o que não entrarão R$ 16 bilhões previstos no Orçamento. Sem esse dinheiro, teria de suspender (“contingenciar”) ainda mais despesas. Mas quem, se e quando, ó Senhor, vai comprar a Eletrobras neste colapso financeiro? É conversa fiada.

Sim, manter um programa de arrumação da economia pode ajudar. Aprovar a emenda constitucional do arrochão no serviço público era prioridade desde o ano passado para este governo que pretende manter o teto de gastos —trata-se de medidas que na certa vão implicar corte abrupto de despesas, em especial com o funcionalismo, assim que aprovadas.

Mas: 1) o governo faz baderna política, inclusive convocando marchas infecciosas contra o Congresso, e atrasou tudo; 2) o efeito do arrochão é, de imediato, “contracionista” (tira dinheiro da economia); 3) em catástrofes como agora, as leis brasileiras preveem maneiras de se gastar mais, provisórias.

ESTAMOS EM EMERGÊNCIA. Precisamos cuidar dos feridos, equipar hospital, comprar ventilador pulmonar para UTIs, máscaras para o pessoal da saúde. Precisamos alimentar os famintos que ficarão ao léu sem emprego, bico ou renda; precisamos evitar a falência dos milhões de pequenos negócios que empregam o grosso da gente.

O governo disse que vai adiar a cobrança de alguns impostos. Para informais, tanto faz. Para os negócios atropelados pelo paradão da epidemia, seria um alívio temporário. Sem faturamento, eles terão uma dívida adiada, sem caixa para cobrir.

Hélio Schwartsman - Como uma epidemia acaba?

- Folha de S. Paulo

Precisamos agora aplainar a curva de novas infecções

Depois que a pandemia se instalou, a forma “natural” de interromper o ciclo de transmissões é o chamado esgotamento dos suscetíveis, que ocorre quando uma parcela considerável da população adquire a moléstia e desenvolve defesas contra ela.

No início de uma epidemia causada por um vírus contra o qual ninguém tem imunidade, como o Sars-Cov-2, as transmissões ocorrem de forma explosiva. Se cada infectado passa a doença para, digamos, duas pessoas, no ciclo seguinte teremos 4, que se tornarão 8 e assim por diante. Esse processo, obviamente, não dura para sempre.

No pior cenário, o ciclo de infecção acabaria quando 100% da população tivesse sido infectada. Na prática, termina antes. A uma dada altura, o paciente que está propagando o vírus passa a encontrar mais pessoas imunes do que suscetíveis, e a doença já não consegue progredir no mesmo ritmo. Aí, ou ela desparece ou se torna endêmica, ressurgindo sazonalmente.

Quarentenas e medidas de distanciamento social ajudam a modular a curva da epidemia, mas não alteram o status dos suscetíveis. Quem não pegou a doença numa primeira leva, pode pegar mais adiante.

Alvaro Costa e Silva - A leitura em tempos de coronavírus

- Folha de S. Paulo

Obras de Camus, Saramago, Defoe e García Márquez não têm contraindicações

Você conhece o "Decameron", de Giovanni Boccaccio, que está na origem do conto como gênero literário. No flagelo da peste bubônica na Florença de 1348, dez nobres, durante dez dias, se confinam e decidem contar histórias. Na Itália de hoje, país europeu mais atingido pela pandemia de coronavírus, a situação se repete. Uma espécie de efeito colateral que bate nas pessoas obrigadas a ficar em casa: a leitura. As vendas online de dois romances "A Peste", de Albert Camus, e "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago"“ dispararam.

O de Camus é uma peça de resistência: a cidade de Oran, infestada de ratos, se transforma em alegoria da Europa ocupada pelo nazismo. O de Saramago é um thriller de terror: a epidemia de cegueira branca mostra a que ponto se pode chegar diante de uma situação de caos. Invadir supermercados para esvaziar prateleiras com papel higiênico e álcool gel é só o início.

Há outras indicações na literatura, a competir com a maratona de séries e flash mobs sonoros. Num conto de Edgar Allan Poe, "A Máscara da Morte Vermelha", o príncipe Próspero despreza as alusões à peste negra e resolve dar uma festança, trancando mil amigos num castelo e deixando a miséria lá fora.

Qualquer semelhança com o Brasil atual é mera coincidência.

Pablo Ortellado* - Hora do impeachment

- Folha de S. Paulo

Participação do presidente em protesto e negligência com coronavírus deveriam nos levar a discutir o impeachment

As insensatas manifestações do último domingo, 15, foram a gota d'água. Num só gesto, Bolsonaro mostrou, para quem ainda tinha dúvidas, que está ativamente conspirando contra os outros Poderes; além disso, ao participar do convescote autoritário, contrariando recomendação sanitária, mostrou que não tem autoridade para liderar o país na crise do coronavírus. Está na hora de discutirmos seu impeachment.

Além de celebrar a manifestação e pessoalmente participar dela, Bolsonaro tem reiteradamente minimizado a crise do coronavírus, chamando as medidas que estão sendo implementadas de "extremismo", "histeria" e "superdimensionamento", quando sua missão seria a de colaborar com as ações que podem reduzir o número de óbitos.

A taxa de mortalidade de quem se contaminou com o coronavírus é de 3,74%. Assim, se o vírus contaminar 10% da população, o que pode acontecer em alguns meses, deve matar 785 mil brasileiros. Isso é 15 vezes o número de brasileiros mortos na Guerra do Paraguai.

O presidente Bolsonaro está preparado para conduzir o país durante uma epidemia dessa magnitude? O que pode acontecer caso, incomodado com alguma atitude do ministro da Saúde, Henrique Mandetta, resolva substituí-lo por um fanático ignorante como Weintraub, Araújo ou Damares?
Mas isso não é tudo. A estratégia da confusão pela qual Bolsonaro tenta dissimular seu ataque à independência dos Poderes não deveria enganar mais ninguém.

Igor Gielow - Supremo se une ao Congresso contra Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Crise do coronavírus vira palco de reação coordenada após presidente ir a ato contra os Poderes

A decisão de Jair Bolsonaro de juntar-se a manifestantes que pediam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal gerou uma reação coordenada por parte dos Poderes sob ataque.

A pedido do presidente do Supremo, Dias Toffoli, e do ministro Luiz Fux, os presidentes Rodrigo Maia (Câmara, DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (Senado, DEM-AP) receberam nesta segunda (16) o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para discutir medidas acerca da pandemia do novo coronavírus.

No domingo (15), Bolsonaro surpreendeu ao surgir na praça dos Três Poderes e, descumprindo ordens sanitárias já que estava em isolamento por ter tido contato com infectados em sua viagem aos EUA, confraternizou-se com integrantes do ato. Ao longo do dia, fez postagens de apoio ao protesto.

Ele foi criticado por políticos e infectologistas, dado que neste momento a recomendação oficial é a de evitar aglomerações e contato físico, e só respondeu dizendo que poderia fazer o que bem entendesse, negando estar a atacar outros Poderes.

O ato deu um novo sentido à já aguda crise política, que residia centrada na disputa entre Executivo e Legislativo pelo manejo de R$ 30 bilhões do Orçamento.

Agora, o papel moderador que o Judiciário vinha exercendo, exceto nos episódios em que Bolsonaro foi admoestado pelo decano Celso de Mello, mudou.

No Palácio do Planalto, a informação recebida é de que não haverá mais a tolerância tácita que marcava a presidência Dias Toffoli, que buscava o papel de esteio institucional em tempos de extrema crispação entre os Poderes.

Toffoli transitava bem no governo por meio de sua ligação com o general Fernando Azevedo, ministro da Defesa e seu ex-assessor especial.

Crises foram mediadas e o ministro deu decisões polêmicas favorecendo, por exemplo, o senador Flávio Bolsonaro (RJ), primogênito do presidente e investigado entre outras coisas por ligação com milicianos.

Os militares, que na tríade principal do governo têm Azevedo, Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), têm mantido silêncio sobre a escalada da crise.

Nesta segunda, os três generais que serviram juntos sob o comando de Azevedo se reuniram, mas oficialmente para falar sobre o temor do espaçamento da pandemia na fronteira entre Venezuela e Roraima.

Joel Pinheiro da Fonseca - A gota d'água

- Folha de S. Paulo

Para tirar fotos junto a fanáticos ignorantes, Bolsonaro vai sorridente, mas quando o dever chama, ele foge

Alguma chave virou em mim na semana passada, dia 9 de março, quando Bolsonaro afirmou ter provas de que a eleição que o elegeu teria sido fraudada. Até então, eu era contra sequer pensar em impeachment, apesar das muitas afrontas à democracia.

Afinal, o custo do impeachment para o país é muito alto. Além disso, com cerca de 30% de popularidade, trata-se na melhor das hipóteses de um sonho distante e, portanto, irrelevante. Mas ali, naquele momento, com a acusação grave e mentirosa à Justiça Eleitoral, algo deveria ter sido feito. Foi, para mim, a gota d’água. O copo transbordou.

Desde então, as indignidades de Bolsonaro só aumentaram: ele não só promoveu como participou de um protesto que pedia fechamento do Congresso e um novo AI-5, no meio de uma epidemia grave da qual ele é potencial vetor. Com seu mau exemplo, ainda desautorizou o trabalho competente do ministro da Saúde. Bolsonaro não só ataca a democracia como é um risco à saúde pública.

Para tirar fotos junto a fanáticos ignorantes, ele vai sorridente. Quando o dever chama, no entanto, Bolsonaro foge. Ausentou-se de videoconferência com líderes de países sul-americanos para discutir medidas de combate ao vírus. Se já fomos liderança continental, hoje estamos atrasados em relação aos nossos vizinhos.

Andrea Jubé - “Povo na rua é democracia saudável”

- Valor Econômico

Bolsonaro falha na essência da politica: “diálogo e acordos”

Embora repudie os gestos do presidente Jair Bolsonaro de estimular diretamente os atos de rua e incitar a população contra o Congresso, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), senadora Simone Tebet (MDB-MS) - que comanda as reformas econômicas no colegiado - sua avaliação contrasta com a de outros parlamentares porque ela considera as manifestações do último domingo legítimas e alerta que o Congresso deve estar atento aos recados dos participantes.

Em conversa com a coluna, Tebet faz uma ressalva e propõe uma leitura equilibrada dos últimos protestos, que foram criticados pela maioria dos parlamentares pelo viés de afronta às instituições, especialmente o Legislativo e o Supremo Tribunal Federal. Entre os mais radicais, alguns cobravam o fechamento da Corte Constitucional e pediam: “deixem os militares trabalharem”.

Tebet faz ponderações: em primeiro lugar, não deveriam ter ocorrido por desafiarem a orientação do Ministério da Saúde para se evitar aglomerações, em meio à pandemia do coronavírus. A outra observação é que não foram expressivos, mas porque uma parcela significativa da população agiu com racionalidade e evitou as multidões.

Mesmo assim, avalia que os parlamentares precisam compreender que existe uma rejeição da população ao Legislativo e, por isso, mesmo relativizando os atos do último domingo, eles devem ser enxergados com lupa. “Os protestos de domingo foram do tamanho do apoio do presidente, mas não foram do tamanho da rejeição ao Congresso, acho que ela é maior e nós precisamos entender isso e rever nossos conceitos”, sugere. “Povo na rua é sinônimo de democracia saudável”.

Por isso, ela se preocupa em preservar a postura ética que a colocou em lugar privilegiado na cena política, entre os senadores classificados como independentes, e que são influentes nas articulações. As posições da senadora a projetam como um player disputado por empresários, investidores e outras lideranças da sociedade civil que querem ouvir suas análises sobre a conjuntura e um futuro para o país.

É nesse contexto que ela adiantou à coluna que se o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), mantiver a sessão do Congresso convocada para esta semana, e constar da pauta o famigerado PLN 4/20, não marcará presença. “Me recuso”.

Armando Castelar Pinheiro* - O coronavírus e a bolha

- Valor Econômico

Passado o pior, a relação entre bancos centrais, tomadores de dívidas, investidores, voltará a funcionar como antes?

A crise mundial do coronavírus tem gerado muita dor. É o que conta mais. Também causou grandes perdas financeiras, para desespero de muita gente. Por outro lado, também tem gerado debates instigantes. Um deles é se esses choques passarão sem deixar marcas na economia mundial, se após a crise as coisas voltarão a ser como antes.

O número de pessoas infectadas com coronavírus, dizem os especialistas, ainda deve aumentar bastante, na Europa, nos EUA e no hemisfério sul. Uma estatística interessante que vi é que no início esse número cresce em progressão geométrica à base de algo como 33% ao dia. A grande questão então é quanto demora até a epidemia começar a perder força. Tem gente que fala na infecção de 30% a 60% da população mundial. Porém, na China e na Coreia do Sul, onde a epidemia parece razoavelmente sob controle, os casos de coronavírus confirmados correspondem a “apenas” 0,0057% e 0,0151% da população, respectivamente. Na Itália, onde a epidemia ainda avança, até aqui 0,024% da população foi diagnosticada com a doença.

A estatística coreana, mais fidedigna que a chinesa, onde é provável que haja uma sub representação amostral, seria o cenário positivo. Aplicada ao Brasil, corresponderia a 31.776 pessoas. Já a italiana, um pior cenário, resultaria em 51.256 infectados. Reconhecendo que não seremos tão bons quanto os coreanos no controle da doença, e usando cálculos bem aproximados, esses números sugerem que no final de abril a epidemia estaria perdendo força no Brasil. Em pesquisa junto a economistas e operadores de mercado, a expectativa é que na Europa e nos EUA a coisa esteja sob controle até maio ou junho. Palpites de não especialista, claro.

Política monetária atinge limite e estímulo fiscal entra em cena – Editorial | Valor Econômico

As fortes e quase ininterruptas quedas nos mercados indicam que as ações de política monetária são limitadas para relançar a economia

Com mais países na Europa fechando fronteiras e impondo quarentena ampla da população - 100 milhões de espanhóis e italianos - a pandemia de coronavírus traz em si potencial para limitar a produção ao mínimo e reduzir o consumo ao máximo, isto é, causar uma depressão econômica com chances de nova crise financeira. As fortes e quase ininterruptas quedas nos mercados indicam que esse é um cenário plausível e, também, que as ações de política monetária embora tenham um efeito importante são limitadas para relançar a economia. Pelos estragos que o vírus já fez, e ainda fará, está na hora da política fiscal entrar em cena com a força adequada.

O Federal Reserve sequer esperou sua reunião formal de quarta-feira para jogar os juros entre 0% e 0,25%, depois de anunciar garantia de liquidez ao mercado de mais de US$ 1,5 trilhão na quinta. No domingo à noite, reforçou as linhas de swap de moedas com União Europeia, Japão, Canadá, Inglaterra e Suíça, prevenindo a escassez de funding em dólares de instituições financeiras do exterior. Com isto, antecipou a maior parte de sua munição, reeditando o afrouxamento quantitativo com a oferta de compra de títulos de US$ 700 bilhões - US$ 500 bilhões para papéis do Tesouro e o restante para os lastreados em hipotecas. O presidente Jerome Powell descartou cruzar a fronteira para os juros negativos.

A rapidez com que o Fed agiu, elogiável por um lado, suscitou, por outro, mais uma onda de pânico que castigou as bolsas, as moedas e o petróleo ontem. A S&P 500 caiu 11,99% e o Dow Jones, 12,77% com baixas menores mas importantes nas bolsas europeias. O Ibovespa perdeu mais 13,9% e ameaça cair abaixo dos 70 mil pontos. A insegurança não cessou mesmo após todos os principais BCs do mundo agirem na direção esperada pelos mercados, o que sugere também que são insuficientes para reverter os efeitos danosos da pandemia.

Presidente confinado – Editorial | Folha de S. Paulo

Na crise do vírus, melhor deixar tarefas com capazes, e Bolsonaro com bizarrices

O presidente da República parece rumar a uma espécie de quarentena voluntária. Desde que assumiu o cargo, isolou-se da sabedoria, da liderança, da ciência, do bom senso e da melhor prática política.

A atitude estúpida de ir ao encontro de sua diminuta seita de extremistas neste domingo (15), em Brasília, indica que o país não contará com o chefe de Estado na condução da resposta à maior urgência humanitária em décadas.

Pelo contrário, Jair Bolsonaro ameaça tornar-se obstáculo à extraordinária coordenação de esforços e recursos necessária para mitigar o impacto que o espalhamento da Covid-19 exercerá no sistema de saúde, no bem-estar de dezenas de milhões de brasileiros e na economia, duramente atingida.

O melhor, pois, é deixar o ocupante intelectual e politicamente isolado do Planalto falando e fazendo asneiras sozinho, enquanto os capacitados se incumbem da tarefa monumental.

Os ministros ainda lúcidos, como o da Saúde e o da Economia —cujas declarações à Folha nesta segunda (16) repõem a esperança na racionalidade e no somatório de esforços—, podem articular-se diretamente com os presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, bem como com os governadores dos estados, onde fica o terreno dessa batalha.

O presidente não faria mal, nesse contexto, em delegar a uma autoridade nacional o enfrentamento da epidemia e de suas consequências imediatas, a exemplo do que ocorreu durante o racionamento de energia elétrica em 2001.

Um presidente contra o País – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro colocou em risco a vida de pessoas. A única coisa que lhe interessa é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros

O presidente Jair Bolsonaro contrariou recomendações de seu próprio ministro da Saúde e participou no domingo de uma manifestação em Brasília a seu favor e contra o Congresso. Bolsonaro, que teve contato com mais de uma dezena de infectados pelo coronavírus, deveria ter se mantido em isolamento, conforme orientação médica. Ao não fazê-lo, colocou em risco a saúde de um número indeterminado de pessoas e a sua própria – que é, por razões óbvias, uma questão de Estado. O presidente foi tão gritantemente irresponsável que custa a crer que não soubesse o que fazia. E, se sabia, o fez de caso pensado: para ele, a saúde dos brasileiros é irrelevante, bem com os impactos econômicos e sociais tremendos da quarentena a que o País começa a ser submetido para tentar frear o avanço da covid-19. A única coisa que interessa a Jair Bolsonaro é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros.

Até agora, o presidente da República não parece ter levado a epidemia a sério. Não se sabe se compactua com alguns de seus seguidores, que, nas manifestações do fim de semana, asseguraram que o coronavírus é uma “mentira” destinada a esvaziar os protestos. Mas o fato é que Bolsonaro, mais de uma vez, considerou que a reação mundial à covid-19 tem sido “histérica” – como se os epidemiologistas de todo o mundo estivessem errados. Pior: nesta segunda-feira, em meio às críticas por seu comportamento inconsequente, Bolsonaro afirmou, com todas as letras e em sua gramática peculiar, que a orientação para que ficasse em isolamento, feita pelos próprios médicos da Presidência, conforme protocolos internacionais para casos como o dele, é nada menos que um “golpe” movido por “interesses que não sejam republicanos”.

O que a mídia pensa – Editoriais

Um presidente contra o País – Editorial | O Estado de S. Paulo

Bolsonaro colocou em risco a vida de pessoas. A única coisa que lhe interessa é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros

O presidente Jair Bolsonaro contrariou recomendações de seu próprio ministro da Saúde e participou no domingo de uma manifestação em Brasília a seu favor e contra o Congresso. Bolsonaro, que teve contato com mais de uma dezena de infectados pelo coronavírus, deveria ter se mantido em isolamento, conforme orientação médica. Ao não fazê-lo, colocou em risco a saúde de um número indeterminado de pessoas e a sua própria – que é, por razões óbvias, uma questão de Estado. O presidente foi tão gritantemente irresponsável que custa a crer que não soubesse o que fazia. E, se sabia, o fez de caso pensado: para ele, a saúde dos brasileiros é irrelevante, bem com os impactos econômicos e sociais tremendos da quarentena a que o País começa a ser submetido para tentar frear o avanço da covid-19. A única coisa que interessa a Jair Bolsonaro é seu projeto de poder, que está acima do Brasil e de todos os brasileiros.

Até agora, o presidente da República não parece ter levado a epidemia a sério. Não se sabe se compactua com alguns de seus seguidores, que, nas manifestações do fim de semana, asseguraram que o coronavírus é uma “mentira” destinada a esvaziar os protestos. Mas o fato é que Bolsonaro, mais de uma vez, considerou que a reação mundial à covid-19 tem sido “histérica” – como se os epidemiologistas de todo o mundo estivessem errados. Pior: nesta segunda-feira, em meio às críticas por seu comportamento inconsequente, Bolsonaro afirmou, com todas as letras e em sua gramática peculiar, que a orientação para que ficasse em isolamento, feita pelos próprios médicos da Presidência, conforme protocolos internacionais para casos como o dele, é nada menos que um “golpe” movido por “interesses que não sejam republicanos”.

Música | Zeca Pagodinho - A Flor e o Espinho

Poesia | Frederico Garcia Lorca - Cantos novos

Diz a tarde: “Tenho sede de sombra!”
Diz a lua: “Eu, sede de luzeiros.”
A fonte cristalina pede lábios
e suspira o vento.

Eu tenho sede de aromas e de sorrisos,
sede de cantares novos
sem luas e sem lírios,
e sem amores mortos.

Um cantar de manhã que estremeça
os remansos quietos
do porvir. E encha de esperança
suas ondas e seus lodaçais.

Um cantar luminoso e repousado
cheio de pensamento,
virginal de tristezas e de angústias
e virginal de sonhos.

Cantar sem carne lírica que encha
de risos o silêncio
(um bando de pombas cegas
lançadas ao mistério).

Cantar que vá à alma das coisas
e à alma dos ventos
e que descanse por fim na alegria
do coração eterno.