sábado, 26 de agosto de 2023

Marco Aurélio Nogueira* - Onde estão os democratas?

O Estado de S. Paulo

A falta de uma força democrática organizada é prejudicial à sociedade e ao próprio governo Lula, que poderia estar instalado no Planalto com muito mais folga e sentido de projeto

Há um vazio político entre nós: o Brasil está sem uma oposição democrática articulada. Democratas espalham-se por toda parte, fazem ouvir suas vozes e suas postulações, mas não conseguem atuar de modo claro e vigoroso. O quadro é de dispersão e, em política, como se sabe, a dispersão é sintoma de fraqueza.

Os democratas estão hoje cortados por dúvidas e disputas estéreis. Mostram-se inoperantes e divididos, sem referências institucionais e éticas, o que abafa suas vozes.

Há, evidentemente, democratas no governo Lula, no PT e nos partidos de esquerda aliados. Mas eles agem como personagens do poder, da situação, pagando o preço necessário para não serem acossados. Aliam-se ao Centrão, a Arthur Lira e a grupos de perfil fisiológico, ávidos pelo controle de pedaços rentáveis do aparelho de Estado. A aliança é complexa e delicada, pois o governo não tem maioria no Congresso e necessita de apoio para governar e aprovar medidas. Entrega alguns anéis para não ter de entregar os dedos. Mas qualquer erro de cálculo, qualquer concessão mal planejada pode desconfigurar o governo e deixá-lo de mãos amarradas. Algo assim tem acontecido desde o início do ano, a ponto de se poder especular que, em nosso presidencialismo, o Congresso é mais poderoso do que o Executivo. A cada entrega de Arthur Lira (ou seja, a cada projeto ou proposta aprovada) segue-se uma nova demanda fisiológica ao governo.

A situação seria diferente se houvesse uma oposição democrática com um mínimo de vibração e noção do que fazer. Partidos que antes ocupavam esse espaço, como o PSDB e o Cidadania, desidrataram e se arrastam em litígios internos. Particularmente o PSDB, que anos atrás se vangloriava de ser uma máquina que mudaria a face do País, hoje é uma caricatura de si mesmo, luta para não desaparecer. Outros partidos, como o MDB, o PSB, o PDT, a Rede Sustentabilidade, enfiaram-se na articulação governamental e praticamente não têm atuação autônoma.

Bolívar Lamounier* - Esse Brasil lindo e trigueiro

O Estado de S. Paulo

Sim, somos lindos e trigueiros, como disse Ary Barroso, mas cumpre reconhecer que somos também uma carneirada 

Oitenta e cinco anos atrás, em sua Aquarela do Brasil, Ary Barroso descreveu o Brasil como “lindo e trigueiro”. E acrescentou que não há maior felicidade neste mundo que cochilar numa rede amarrada a dois coqueiros.

De fato, coqueirais o Brasil tem a perder de vista. Se cocos fossem uma commodity, como a soja ou o minério de ferro, os chineses com certeza sairiam daqui com navios cheios do valioso produto. E nos pagariam com pandeiros made in China para o carnaval do Rio, sombrinhas para o frevo do Recife e, naturalmente, redes de amarrar em coqueiros.

Além de lindo, o grande Ary acrescentou que o Brasil era um país trigueiro, ou seja, pardo, mulato, moreno. Em 1938, a miscigenação racial era uma ínfima parcela do que é hoje, mas ele nem precisou de óculos para notar que, àquela época, já éramos um país amplamente miscigenado. E, juntando os dois adjetivos, lindo e trigueiro, deixou claro que só um rematado idiota vê a miscigenação como um mal. Um país trigueiro reduz ao mínimo possível a infinidade de conflitos que acontecem em países não miscigenados.

Oscar Vilhena Vieira* - Segurança: reforma ou anomia

Folha de S. Paulo

Pouco avançamos em reforma e modernização da segurança

O assassinato de Mãe Bernadete, com 12 tiros no rosto, não pode ser considerado um caso isolado. O colapso da segurança pública em estados como Amapá, Bahia, Amazonas ou Rio de Janeiro é uma expressão clara da incapacidade do Estado brasileiro de assegurar a igual aplicação da lei e da ordem em todo o território nacional.

Nas últimas duas décadas, cerca de 1 milhão de pessoas foram intencionalmente mortas no Brasil, o que nos coloca entre os países mais violentos do mundo. Grande parte das vítimas são jovens negros, moradores de nossas periferias sociais. Apenas para termos uma dimensão da carnificina, 306 mil pessoas perderam a vida em dez anos de guerra na Síria, de acordo as Nações Unidas.

Dora Kramer - A veia aberta dos quartéis

Folha de S. Paulo

Só o controle civil cura o trauma da longa trajetória de intervenções militares no país

Há no Brasil um temor reverencial às Forças Armadas, ao mesmo tempo em que a sociedade desconhece o alcance preciso de suas funções e o Congresso se mantém indiferente ao tema. E aí, quando os militares voltam a ser assunto na cena nacional, como agora em função da influência no governo Bolsonaro e envolvimento em ilicitudes, o que se tem é um debate desencontrado que passa ao largo do essencial: a definição de uma política de defesa sob o controle objetivo do poder civil.

Hélio Schwartsman - Medo do acaso

Folha de S. Paulo

População vê com desconfiança uso de sorteios no âmbito

Comentei, no início da semana, proposta do psicólogo Adam Grant de aprimorar a democracia trocando certas eleições por sorteios. Sempre iluminador, o cientista político Cesar Zucco Júnior, da FGV, me escreveu para observar que um dos empecilhos à adoção de sorteios no âmbito de políticas públicas é que a população os vê com desconfiança.

O próprio Zucco escreveu, em parceria com Natalia Bueno e Felipe Nunes, um artigo mostrando como beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida tendem a rejeitar o sorteio como critério para definir quem será contemplado com o imóvel subsidiado. Mesmo os vencedores dessa loteria acham que existiriam métodos melhores. Ele me enviou um pré-print (o trabalho ainda está em fase de revisão), que partilho aqui com os leitores.

Demétrio Magnoli - Brics, capítulo 2

Folha de S. Paulo

Xi retorna de Joanesburgo com o prêmio que buscava, e Lula volta de mochila vazia

Lula viajou para a cúpula do Brics com uma mochila de utopias. Xi Jinping, pelo contrário, levou na bagagem um plano estratégico realista. A ampliação do bloco assinala a vitória de quem sabe o que quer.

O brasileiro concentrou-se no impossível: o apoio chinês à inclusão da Índia, do Brasil e da África do Sul no Conselho de Segurança (CS) da ONU e a criação de uma "moeda de referência" para transações entre os países do Brics. Colheu apenas palavras condescendentes. A China, rival estratégica e militar da Índia, opõe-se à reforma do CS. Cinco moedas não conversíveis são incapazes de parir uma alternativa global ao dólar. Um tanto cruel, o próprio porta-voz do Kremlin explicou que a ideia da moeda mágica não se encaixa no futuro previsível.

Pablo Ortellado - A classe trabalhadora agora é de direita?

O Globo

Música explode com o relato da vida dura a certas ideias conservadoras

Uma canção folk escrita por um pequeno fazendeiro e ex-operário do estado americano da Virgínia atingiu a primeira posição no ranking da Billboard, principal revista da indústria musical. “Rich Men North of Richmond” foi escrita e interpretada por Oliver Anthony (nome artístico) e registrada numa gravação amadora. O sucesso da música, que combina o relato da vida dura da classe trabalhadora a certas ideias conservadoras, reacendeu o debate a respeito de a esquerda americana estar perdendo para a direita a influência política sobre os trabalhadores, especialmente para o segmento branco das cidades do interior.

 “Rich Men North of Richmond” fala da realidade de trabalhadores que vendem a alma, desperdiçando a vida, “trabalhando o dia todo” por “um salário de merda” enquanto os ricos que vivem ao norte de Richmond (cidade ao sul da capital americana, Washington) querem o “controle total”. Poderia seguir o roteiro tradicional da canção de protesto de esquerda, denunciando as condições dos trabalhadores e culpando os patrões pela ganância, mas, logo na segunda estrofe, dobra à direita.

Eduardo Affonso - Neutralidade tendenciosa

O Globo

Por que estados e municípios teriam autonomia na definição do que é certo ou errado no idioma oficial do país?

Apesar de o STF já ter decidido que diretrizes educacionais são competência privativa da União, a Câmara de Vereadores de Belo Horizonte resolveu, na semana passada, vetar o uso de linguagem neutra nas escolas do município.

O ministro Edson Fachin, relator do processo em que foi derrubada lei similar (do estado de Rondônia), entendeu que banir o uso de uma linguagem que “combate preconceitos linguísticos” configura censura prévia e confronta a liberdade de expressão:

— Proibir que a pessoa possa se expressar livremente atinge sua dignidade e, portanto, deve ser coibido pelo Estado — afirmou.

Uma no cravo, outra na ferradura.

Deve ser garantido a qualquer um o direito de se manifestar sobre o que quiser, como bem entender. E os brasileiros já fazem isso, de forma ampla, geral e irrestrita, com gírias, estrangeirismos e neologismos, sem vírgula no vocativo, sem o R do infinitivo, sem que o adjetivo concorde com o substantivo ou o verbo com o sujeito, variando os advérbios e flexionando o verbo “haver” quando ele é impessoal.

Rosa Weber - Memória coletiva, justiça e democracia

O Globo

Rui Barbosa foi essencial para o entendimento da Suprema Corte conforme a conhecemos hoje: guardiã da Constituição

Em tempos de instituições consolidadas e fortalecidas, faz-se necessário olhar para o processo histórico que nos trouxe até aqui. E olhar para o passado é olhar para nossa história, nossa cultura, nossa memória institucional. No ano em que se registra um século da morte de Rui Barbosa, a partir do legado deixado por este brasileiro invulgar, de múltiplos talentos, notável jurista, jornalista e político, temos a oportunidade de refletir sobre a construção de nosso país no preparar do futuro que se desenha no hoje.

Digo isso na data em que, pela primeira vez em cem anos, a presidência do Supremo Tribunal Federal retorna à Biblioteca Nacional. A última vez que isso ocorreu foi precisamente na despedida de Rui Barbosa, figura essencial para o entendimento da Suprema Corte conforme a conhecemos hoje: guardiã da Constituição, firme no entendimento de que o governo das leis sempre prevalece sobre o governo dos homens.

Marcus Pestana* - Reforma Tributária: mudança necessária (II)

Na última terça-feira, participei como debatedor, representando a IFI, da primeira audiência pública realizada pelo Senado Federal sobre a Reforma Tributária. A sessão foi presidida pelo relator, senador Eduardo Braga (PMDB/AM). A expectativa é que o Senado Federal vote até a última semana de outubro e devolva o texto alterado à Câmara dos Deputados, que deverá aprovar a reforma ainda em 2023.

Procurei passar seis mensagens.

Primeiro, que reformas estruturais não partem de caprichos, modismos ou idiossincrasias ideológicas, mas do esgotamento de um modelo vigente e da imposição da mudança pela própria realidade. A Reforma Tributária não foge a regra. Nosso atual sistema é disparadamente um dos piores do mundo. A reforma é necessária e inadiável. As regras vigentes e sua dinâmica real não atendem a nenhum dos princípios e características que conformam um bom sistema tributário.

Cristovam Buarque - Educar a elite

Revista Veja

O desafio é entender a importância do ensino para todos

Com a ilusão de que “em se plantando tudo na sua terra dá” sem necessidade de escola, e com a certeza de que para trabalhar dispunha de mão de obra escrava, a elite brasileira relegou, por séculos, a educação de seus filhos. Os ricos não precisavam e os pobres não deviam estudar. Por isso, grande parte de nossa população permaneceu analfabeta, poucos concluíam a educação de base e raríssimos seguiam cursos de ensino superior. Só a partir dos anos 1960, a parte rica universalizou o ensino médio para seus filhos e buscou ensino superior para muitos deles. Foi preciso esperar até o século XXI para surgirem leis que asseguram matrícula a todos os brasileiros na educação de base, em um sistema dividido em “escolas senzala” e “escolas casa-gran­de”, com qualidade muito desigual conforme a renda. Garantiu-se matrícula, mas não a frequência em cada dia, nem assistência durante o dia, tampouco permanência ao longo do ano e até o final do ensino fundamental, apenas metade dos alunos conclui o ensino médio, e poucos aprendem o necessário aos desafios da contemporaneidade.

Ivan Alves Filho* - Trabalho, propriedade e socialização

Socializar pela sociedade e não necessariamente pelo Estado. Afinal, o Estado não possui o monopólio da noção de público. É pela relação que os homens estabelecem entre si na esfera produtiva que a sociedade de fato se modifica, uma vez que tenha reunido as condições materiais para isso. Marx chegou a dizer, por exemplo, que a luta dos trabalhadores tinha por objetivo restabelecer “a propriedade individual fundada sobre as conquistas mesmo da era capitalista”, vendo assim o trabalhador como um detentor pessoal das suas condições de trabalho. Não havia outra forma dele ser dono do seu próprio trabalho.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Aumento do salário mínimo vai contra disciplina fiscal

O Globo

Nova política de reajuste custará R$ 82,4 bilhões até 2026. Governo precisa dizer de onde sairá o dinheiro

Sob pretexto de afagar quem trabalha, os parlamentares vislumbraram apenas os próprios ganhos político-eleitorais ao aprovar mudanças no reajuste do salário mínimo. Pela nova regra, o valor passará a ser corrigido pela inflação do ano anterior somada ao crescimento do PIB de dois anos antes. Os números só serão confirmados no início de 2024, mas o governo estima para o ano que vem um salário mínimo de R$ 1.421, aumento de 7,65% em relação ao atual. É esse valor que deverá constar da proposta orçamentária enviada ao Congresso.

É verdade que o reajuste do mínimo acima da inflação foi promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva e tema de embates entre ele e o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Bolsonaro reajustou o mínimo pela inflação durante seu governo e também prometera aumento real caso reeleito. Mas a campanha acabou faz tempo. Espera-se de Lula senso de responsabilidade para equilibrar suas promessas com a realidade fiscal do país. O reajuste do salário mínimo tem impacto incontornável nas contas públicas. Estima-se que cada real de aumento gere para o governo uma despesa de R$ 366 milhões ao longo de um ano. É esse o custo da demagogia populista.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Quando encontrar alguém

 

Música | Marisa Monte - Medo do Perigo