segunda-feira, 1 de abril de 2019

Opinião do dia: Jan-Werner Mueller*

• Qual foi o peso das redes sociais na ascensão desses líderes populistas?

É uma afirmação muito plausível dizer que elas facilitaram a sugestão de representação direta feita pelos líderes populistas. Mas havia populismo antes das redes sociais. Essa experiência de conexão direta não é totalmente nova. Antigamente, você podia ir à assembleia de um partido e, por quatro horas, todo mundo ficava saudando o grande líder. Ao final, você saía da assembleia com essa sensação de conexão direta. Mas essa era uma experiência extraordinária. Agora, é uma experiência que você pode sentir 24 horas por dia pelo Twitter. Talvez essa mudança quantitativa tenha levado também a uma mudança qualitativa, mas há muitos outros fatores. A política ainda é uma questão de indivíduos fazendo escolhas. A história na Europa Ocidental e nos Estados Unidos mostra que nenhum líder populista de direita, até agora, ascendeu sem a colaboração de elites conservadoras bem estabelecidas. Relativar o peso das mídias sociais é importante para cobrar a responsabilidade dessas elites que conscientemente optaram por esse caminho.

*Jan-Werner Mueller, Cientista político alemão, autor de 'What is Populism?', O Estado de S.Paulo/ Aliás, 24/3/2019.

Fernando Gabeira: O Twitter como um sofá

- O Globo

Bolsonaro sonha com os combatentes do passado e de alguma forma voltar atrás, refazer a luta contra a esquerda

Uma escocesa de 71 anos, chamada Jo Cameron, sente quase nenhuma dor e nenhuma ansiedade. Os cientistas estão pesquisando o mapa genético de Jo e esperam achar um remédio que nos aproxime da ausência de dor e ansiedade.

Ao analisar a situação política brasileira, sinto falta de uma dose desse remédio natural. As coisas parecem degringolar nas últimas semanas. Não tenho ânimo para dar conselhos nem para atirar pedras. Nesses 90 dias, misteriosas forças estão em curso no governo e nas relações de poder. Talvez o melhor seja esperar a troca de farpas passar com calma, para falar da realidade…

Bolsonaro, que conheci como deputado, mudou bastante. Ele era conservador, anticomunista e de vez em quando fazia incursões exóticas contra a importação da banana do Equador.

Nesse processo eleitoral, adquiriu uma espécie de crosta teórica: uma visão estreita de nacionalismo; uma cosmovisão religiosa voltada para a catequese do mundo; enfim, uma volta a um passado idealizado como objetivo político.

Isso é um fenômeno importante pelo menos no mundo ocidental. É chamado de retropia. É uma utopia que não fantasia sobre um futuro idealizado, mas sim um passado idealizado. Qualquer das utopias, no entanto, choca-se com a realidade quando se dispõe a governar um país complicado como o Brasil.

O diálogo político com um idealista utópico é muito difícil. Tende a considerar os argumentos como uma submissão à realidade, desconfia do que lhe parece o vazio medíocre da ausência de uma utopia.

Bolsonaro, eu achava, teria mais chances se buscasse inspiração nas Forças Armadas atuais, que conquistaram uma grande simpatia, pela moderação política e eficácia em operações complexas e emergentes, como a distribuição de água no Nordeste e a montagem da Operação Acolhida em Pacaraima, que organizou a recepção dos venezuelanos. Um trabalho de nível internacional, com grande respeito pelos imigrantes.

Cacá Diegues: O dia dos tolos no golpe militar

- O Globo

Em 31 de março de 1964, começou então a pior época de minha vida

Hoje é 1º de abril. Segundo os ingleses, que inventaram essa tradição, trata-se do April Fools, que podemos traduzir, ao pé da letra, por “os tolos de abril”. Ou, mais livremente, por o “dia dos tolos”. Neste dia, desde há uns cinco séculos, parentes e amigos brincam, enganando uns aos outros, com trotes que devem ser surpreendentes e engraçados. De vez em quando, o praticante do dia dos tolos acaba perdendo a mão, fazendo uma brincadeira um pouco mais pesada. É o caso de 1964, no Brasil.

Na véspera desse dia, eu estava a um mês e meio de completar 24 anos de idade quando, no início da noite, me convocaram para uma assembleia na sede da UNE, no Flamengo. Como ex-membro do movimento estudantil (sem nenhuma relação com grupos autoritários de direita ou de esquerda) e ativista do politizado Cinema Novo, eu não podia faltar.

O caso era que os militares haviam se sublevado contra o presidente João Goulart, pretendiam depô-lo e estavam a caminho disso. Um deles, o general Olímpio Mourão Filho, descia com sua tropa de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro. Mas a expectativa na UNE era de confiança no sucesso do governo. Combinei então com Leon Hirszman, antigo secretário-geral de cinema do Centro Popular de Cultura (CPC), a filmagem sobre o que aconteceria nas ruas, no dia seguinte, com a vitória da democracia e da legalidade. As “forças populares” esmagariam a sublevação, e nós iríamos registrar esse momento histórico, com as câmeras da Agência Nacional postas à nossa disposição.

No dia seguinte, 1º de abril, ao acordar, as notícias que ouvi no rádio não coincidiam com as previsões da noite anterior. O rádio devia estar errado. Ou então estava tomado pelo pessoal do Carlos Lacerda, governador do estado, a favor dos militares. Quando cheguei à Praia do Flamengo, o prédio da UNE pegava fogo e estudantes lacerdistas comemoravam eufóricos o fim da entidade. Um deles, meu colega na PUC, teve a generosidade de não denunciar minha presença, preferindo me sussurrar um firme conselho de proteção: “Vá embora daqui, se manda, já!”. Ainda fui até a porta da Agência Nacional, no centro da cidade, encontrar Leon e buscar as câmeras prometidas. A Agência já estava tomada pelo Exército.

Rosiska Darcy de Oliveira: Os dias das mentiras

- O Globo

Nação não está dividida ao meio. O Brasil é uma sociedade múltipla

Primeiro de abril é o Dia da Mentira. Dia de falar de mentirosos, esta espécie que, nos tempos que correm, melhor se adapta à nossa selva. Acreditar nas próprias mentiras é o destino dos mentirosos. Levado ao extremo, vira loucura.

O governo pelas redes, essa fábrica de Twitters e fake news onde se confisca a verdade, é uma forma de loucura e está enlouquecendo o país. Mas há um método nessa loucura.

É o debate público essencial à democracia que está sob ataque. O governo trata adversários como inimigos, com uma arrogância de donos do país. Comporta-se como se acreditasse que todos os que votaram no presidente Bolsonaro são seus devotos e lhe deram carta branca para fazer o que bem entender. Compra, assim, suas próprias mentiras. Bolsonaro prega para os convertidos, a minoria fanática que, à imagem e semelhança dos fanáticos de Lula, diz amém a qualquer despautério.

Ora, o Brasil é uma democracia com instituições. A confusão que as mentiras semeiam — o método dessa loucura — tem como alvo a destruição da confiança nas instituições. Sobretudo aquelas que, a exemplo da mídia, têm autoridade para validar o que é um fato.

Marcus André Melo: O grande criminoso

- Folha de S. Paulo

Há um século discutia-se os problemas do presidencialismo

Um presidente sem maioria no parlamento e que decide impor sua agenda é o cenário típico de crises de governabilidade. Instaura-se assim o que Juan Linz cunhou o problema da legitimidade dual —tanto o chefe do executivo quanto os congressistas são eleitos pelo voto popular.

A crise instala-se porque presidentes, em contraste com primeiros-ministros, têm mandato fixo. O presidencialismo não contém a válvula de escape do parlamentarismo e que lhes dá flexibilidade: a moção de desconfiança.

Às mesmas conclusões chegou, entre nós, Medeiros de Albuquerque, que afirmava em “Parlamentarismo e presidencialismo no Brasil” (1914) que a eleição de um presidente “representa sempre uma aventura”: “A república presidencial não prepara estadistas. Não os pode preparar. Durante cada período só há um homem —um só— que dirige a nação. Erre ou acerte, ele tem de ficar todo o prazo constitucional”.

Leandro Colon: Três meses de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

A relação com o Parlamento e o viés da política internacional são um pedaço de um conjunto de movimentos arriscados

Há exatos três meses, Jair Bolsonaro tomou posse como presidente da República. Fez dois discursos em 1º de janeiro, um no Congresso e outro na Praça dos Três Poderes.

“Vamos valorizar o Parlamento, resgatando a legitimidade e a credibilidade do Congresso Nacional”, afirmou a deputados e senadores.

“Vamos retirar o viés ideológico de nossas relações internacionais. Vamos em busca de um novo tempo para o Brasil e os brasileiros”, disse a uma multidão, no palanque, logo depois de receber a faixa presidencial.

Sem surpresa alguma, Bolsonaro nada mais fez do que optar por um viés ideológico no governo —no caso o conveniente a ele— ao viajar para Israel em uma explícita estratégia de aproximação daquele país e alinhamento a Donald Trump nos EUA.

Vinicius Mota: O velho ceticismo está de volta

- Folha de S. Paulo

Prevalece a incapacidade de semear boa governança, num jogo em que ninguém larga o osso

As expectativas para os próximos anos no Brasil se ajustam ao ceticismo velho de guerra. Na economia, crescimento baixo. Na política, ciclotimia em torno da nota quatro, vermelha. Nem exuberância, nem desastre. Suave fracasso.

Governos provocam ódios e paixões, mas têm pouca valia no curto prazo. A vida segue mais ou menos a mesma a despeito deles. Incidem na trajetória da sociedade com o passar dos anos, muitas vezes quando o responsável pela melhoria ou pelo estrago já deixou o cargo.

A anarquia imbeciloide no Ministério da Educação não muda nada agora. Destrói uma parte do futuro. A outra, majoritária, se decide silenciosamente em milhares de secretarias estaduais e municipais. Temos dificuldade de identificar o que nos prejudica e o que nos beneficia.

A arquitetura política que bloqueia o autoritarismo atávico do governante de turno decantou-se ao longo de décadas. Nesse processo as Forças Armadas, pivôs de rupturas desde o final do século 19, transformaram-se em protetoras da ordem democrática.

Celso Rocha de Barros*: Antídoto Google: foi ditadura

- Folha de S. Paulo

Depois do golpe, foram 25 anos até os brasileiros voltarem a eleger seu presidente

Inventei a expressão "Antídoto Google" na época em que fazia blog. Um antídoto Google é um texto que explica direito o que muitos dos textos que aparecerão em uma busca de internet sobre um dado tema falsificam. Este pretende corrigir o meme "não foi ditadura", espalhado pelos bolsonaristas.

Bom, foi ditadura.

No regime político inaugurado no Brasil em 1º de abril de 1964, os brasileiros não tinham o direito de eleger quem os governava. Logo, o regime de 64 foi uma ditadura.

Quando a UDN aderiu à luta armada em 31 de março de 1964, o discurso era o seguinte: as eleições presidenciais de 1965 seriam realizadas como a lei previa. Pelas pesquisas, o favorito para vencê-las era o moderadíssimo Juscelino Kubitschek.

Mas aí, né, meu amigo? A turma já estava no poder, todo mundo arrumou cargo, todo mundo feliz de ser chamado de excelência, vão entregar o poder de volta para o povo por quê?

Não teve eleição presidencial em 1965.

Se houvesse Twitter na época, a hashtag #ChoraLacerda teria chegado ao topo dos trending topics, em homenagem ao otário que achou que seria o candidato do regime quando as eleições acontecessem.

O presidente passou a ser eleito pelo Congresso. Opa, você vai dizer, mas então tudo bem, é parlamentarismo, parlamentarismo é democracia também, certo?

Não, filho. Não era parlamentarismo. Era sacanagem.

Denis Lerrer Rosenfield*: Corrupção e política

- O Estado de S.Paulo

Governar tem como condição o respeito aos outros na negociação de propostas

A luta contra a corrupção tem permeado a vida pública brasileira nos últimos anos. Seja por ter aumentado nos governos petistas, saindo, por assim dizer, dos padrões costumeiros até então, seja por sua ampla divulgação, ela se tornou uma verdadeira bandeira política. Ganhou as ruas e a consciência dos cidadãos.

O desgaste público da ex-presidente Dilma Rousseff, moralmente atingida indiretamente por seu partido, as manifestações de rua, o papel central que a Lava Jato veio a assumir e a eleição do atual presidente são expressões dessa reconfiguração entre a moral e a política.

Acontece, porém, que a vida política, ao gravitar em torno desse eixo, sofreu um deslocamento importante, como se a resolução dessa questão fosse ela mesma a solução de todos os problemas nacionais. Seria uma chave mestra capaz de abrir qualquer porta. Mas ela é apenas a chave para uma fechadura específica, incapaz, por si só, de equacionar outros problemas importantes.

Note-se a importância que a Lava Jato adquiriu. De uma investigação sobre a corrupção envolvendo partidos e personagens políticos os mais variados veio a apresentar-se como uma espécie de redenção nacional. A linguagem teológico-política é aqui clara, por seu caráter salvacionista. Seu efeito colateral foi, porém, o de que seus agentes vieram a se representar como se fossem missionários a anunciar a boa nova.

Sergio Lamucci: Expectativas rebaixadas

- Valor Econômico

Primeiro trimestre foi desanimador na economia e na política

O primeiro trimestre de 2019 foi desanimador tanto na economia quanto na política. A atividade segue capenga, sem engrenar, e o desemprego continua elevadíssimo. No cenário político, o governo deu várias mostras de desarticulação e amadorismo, indicando que as perspectivas para a reforma da Previdência são menos favoráveis do que se imaginava na virada do ano. Por enquanto, a aprovação da proposta no Congresso em 2019 ainda parece o mais provável, mas com uma economia de recursos mais modesta e uma tramitação mais demorada.

Nesse quadro, aumenta o risco de que os solavancos na política afetem a lenta recuperação da economia, num país com mais de 13 milhões de desempregados. Consolidam-se as apostas de um crescimento na casa de 2% em 2019, um resultado decepcionante depois do desempenho horroroso da economia nos últimos cinco anos, e há quem aposte num número mais baixo.

A fraqueza da atividade, por seu turno, pode contaminar o ambiente político, corroendo rapidamente a popularidade do governo, que tem pela frente uma agenda difícil para encaminhar no Congresso. Além da reforma da Previdência, será preciso definir neste ano a regra de reajuste do salário mínimo a partir de 2020 e a política salarial para os servidores públicos. Há também outras medidas politicamente complexas na agenda deste ano e dos próximos, como o projeto do ministro da Economia, Paulo Guedes, de promover mudanças significativas no sistema tributário.

Nesse cenário, o risco é de que se estabeleça um círculo vicioso: a economia fraca contamina o ambiente político, o que por sua vez prejudica o econômico. As expectativas para 2019 foram consideravelmente rebaixadas.

Bruno Carazza*: Muita conversa e pouco conteúdo

- Valor Econômico

Na relação com o Congresso, não falta atenção, e sim projeto

Nas duas últimas semanas, os atritos entre a família Bolsonaro e Rodrigo Maia e uma derrota acachapante na Câmara dos Deputados expuseram as fragilidades da articulação política do governo. Muito se criticou a falta de disposição da nova administração em conversar com os parlamentares. O buraco, no entanto, é bem mais embaixo.

Ao se compilar as informações das agendas oficiais, percebemos que, ao contrário do que se especulou, a cúpula do governo Bolsonaro esteve aberta para se reunir com deputados e senadores nestes três primeiros meses (ver o gráfico abaixo). Os parlamentares receberam especial atenção dos dois ministros encarregados da articulação política - Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e General Santos Cruz, da Secretaria de Governo - assim como encontraram espaço na agenda do presidente e, nas últimas semanas, até do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Centenas de deputados e senadores foram recebidos no Palácio do Planalto desde o início do governo. Bolsonaro ainda prestigiou o Congresso ao entregar em mãos a reforma da previdência e depois o projeto dos militares. Esteve ainda na posse da nova diretoria da frente parlamentar da agropecuária, acompanhado dos ministros Tereza Cristina (Agricultura), Paulo Guedes e Santos Cruz. Ora, se não faltou atenção aos parlamentares, por que então o governo se afunda numa crise política com o Congresso?

Samy Dana: O problema não é só a Previdência

- O Globo

Valor baixo da aposentadoria exige o esforço de poupar para o futuro, mas seis em cada dez brasileiros não guardam dinheiro

A crise da Previdência é tão aguda que acaba deixando fora do debate alguns aspectos importantes. Um deles, que certamente devia ter mais atenção, é que o brasileiro se prepara mal para a aposentadoria. Não é uma exclusividade nossa, mas os números não ajudam.

Seis em cada dez brasileiros não poupam dinheiro para quando se aposentarem, apontou pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) feita em março. O trabalho, em parceria com o Banco Central, sinaliza uma ameaça à qualidade de vida na velhice da maioria da população.

Mesmo em países como o Brasil, em que a Previdência garante uma renda a partir de uma certa idade — e pelo modelo atual, de um certo tempo de contribuição —, esse valor costuma ser mais baixo do que o aposentado recebia na ativa. Para manter a renda, é necessário fazer uma reserva. Mas só 41% dos entrevistados da pesquisa têm essa preocupação.

É claro que o momento não é dos melhores, com o desemprego alto e a economia ainda sofrendo efeitos da recessão. Mas guardar dinheiro para a aposentadoria deveria ser uma das coisas mais fáceis, dado o período — três ou mesmo quatro décadas — que cada um tem pela frente quando começa a trabalhar. Fossem as pessoas os seres 100% racionais de alguns livros de economia, seria mesmo assim.

Mas não é. Como já visto muitas vezes neste espaço, as pessoas acabam cedendo a tentações e impulsos, fazendo gastos agora e deixando a poupança para depois. É um impulso humano favorecer as recompensas imediatas, como uma compra ou uma viagem, àquelas que demorariam mais, mesmo que estas sejam maiores, como ter uma velhice mais tranquila.

Cida Damasco: Cenas de um casamento

- O Estado de S.Paulo

Balança a união do governo com seus apoiadores. Chave do reequilíbrio é a economia

Nem bem terminou a lua de mel, e o casamento já dá sinais de que não vai bem. Como se estivesse sofrendo o desgaste de anos a fio de convivência. Até a família e os amigos mais chegados, antes convencidos de que “um nasceu para o outro”, começam a desconfiar de que a união não dará certo. Ainda assim, torcem para que as tentativas de reconciliação funcionem e o casamento vá em frente.

Quem nunca foi testemunha de crises assim? Nesse quesito, pelo visto, a política imita a vida. Apenas três meses de mandato e a união entre apoiadores de Bolsonaro e o próprio presidente balança. E seu reequilíbrio depende – muito – do desempenho da economia.

Entre empresários, investidores, economistas, a expectativa era de uma atuação determinada e rápida em direção à pauta de ajuste fiscal, dentro dos moldes do liberalismo pregado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, prioritariamente via reforma da Previdência: o governo até que cumpriu a primeira parte e encaminhou a proposta da reforma ao Congresso, mas enredado em picuinhas, ciumeiras e destempero do próprio Bolsonaro, demorou a entrar na negociação e, pior, atacou justamente quem podia ajudar nessa tarefa.

Entre a população em geral, a ansiedade é por uma aceleração do crescimento, traduzida principalmente na recuperação do mercado de trabalho: destruindo as ilusões de que a melhora viria naturalmente com a troca de guarda no Planalto, a atividade econômica continua patinando, as projeções de crescimento do PIB para 2019 já caíram de 2,5% para 2% e o desemprego resiste, firme e forte, atingindo mais de 13 milhões de pessoas. A frustração, portanto, veio nos dois fronts. E o terremoto político nas bases do presidente só fez acentuar esse desalento.

Como em todo ensaio de reconciliação, durante algum tempo ainda permanecem desconfianças de ambas as partes. É preciso dar um tempo para se comprovar se há ou não chances de sucesso.

‘Dogmatismo fiscal ameaça a agenda liberal’, diz André Lara Resende

Entrevista com André Lara Resende, economista

Obsessão por equilibrar as contas públicas pode transformar Previdência em ‘cavalo de batalha político’, diz economista


Vinicius Neder, O Estado de S.Paulo, 31 de março de 2019

RIO - A agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes, está na direção correta, a reforma da Previdência é prioridade e os gastos públicos devem passar por uma reavaliação permanente dos custos e dos benefícios, mas a obsessão por equilibrar as contas públicas no curto prazo pode ter transformado o ajuste nas regras previdenciárias num “cavalo de batalha político”. A avaliação é do economista André Lara Resende, integrante da equipe que elaborou o Plano Real, em entrevista, por e-mail, ao Estado.

Para o economista, a consequência disso é que qualquer resultado final da reforma após a discussão no Congresso Nacional que possa ser interpretado como uma derrota de Guedes terá efeito negativo para as expectativas, causando tensão nos mercados e reforçando a incerteza sobre investimentos.

Lara Resende também defende a redução imediata na taxa básica de juros (Selic, hoje em 6,5% ao ano), para retirar a “espada de Dâmocles” que paralisa os investimentos. O economista provocou polêmica neste ano ao publicar artigo em que sustenta uma posição divergente da teoria econômica consensual, sugerindo que déficits nas contas públicas e juros baixos não seriam responsáveis por gerar mais inflação.

• A política econômica do governo Jair Bolsonaro erra ao focar no corte de gastos públicos?

Responsabilidade fiscal não pode ser confundida com dogmatismo. O importante não é equilibrar o orçamento no curto prazo a qualquer custo, mas tributar e investir bem. É preciso que a tributação seja simples e os investimentos públicos, eficientes. É preciso ter uma reavaliação permanente dos custos e dos benefícios dos gastos públicos. É mais importante tributar e investir bem, com o objetivo de aumentar a produtividade e a equidade, ainda que sem equilibrar o orçamento, do que eliminar o déficit, mas continuar tributando e gastando mal. Isso é verdade, sobretudo, quando há desemprego e capacidade ociosa.

• Quais as consequências de uma posição dogmática no corte de gastos?

A agenda do ministro Paulo Guedes está na direção correta. A reforma da Previdência é prioridade, pois o sistema previdenciário brasileiro ficou anacrônico, tomado por demandas corporativistas, hoje é regressivo. Temo que a obsessão por equilibrar as contas públicas no curto prazo tenha transformado a reforma da Previdência em um cavalo de batalha político. Qualquer resultado que possa ser interpretado como uma derrota do ministro da Economia será muito negativo para as expectativas, complicando ainda mais o quadro político. Estados e municípios estão quebrados, asfixiados, sem capacidade de prestar serviços essenciais à população. O fato de terem sido fiscalmente irresponsáveis no passado não justifica o estrangulamento fiscal a que estão sendo submetidos. A população não pode ser punida pela irresponsabilidade dos políticos. O dogmatismo fiscal, a obsessão de equilibrar as contas, levará a uma reação política e social que, assim como o que ocorreu no início da década de 1950, poderá mais uma vez derrotar a agenda liberal.

• Seria melhor colocar a reforma tributária e a abertura da economia na frente da Previdência?

Não necessariamente. As reformas são igualmente importantes, deveriam ser um conjunto de propostas harmônicas que indicasse claramente a direção e os objetivos liberais do governo. Infelizmente, mesmo sem oposição, antes de completar 100 dias, o governo parece estar completamente perdido. A incapacidade de articulação do governo, as novas confusões dos últimos dias, os atritos gratuitos criados pelo presidente da República com o presidente da Câmara (dos Deputados, Rodrigo Maia, do DEM-RJ) criam expetativas de que as reformas podem não ser aprovadas. O resultado é tensão nos mercados e adiamento de qualquer decisão de investimento.

Ricardo Noblat: General Heleno perdeu

- Blog do Noblat / Veja

Olavo ganha mais uma
O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, desembarcou em Israel convencido de que o presidente Jair Bolsonaro não anunciaria sequer a abertura de um escritório de negócios do Brasil em Jerusalém, quanto mais a transferência para lá da embaixada que desde sempre funciona em Telavive.

Reconhecido como o mais influente general nas cercanias de Bolsonaro, Heleno perdeu mais essa. Foi surpreendido com o anuncio feito por Bolsonaro de que o escritório será aberto. O que Heleno tanto temia começou a acontecer de imediato: o governo palestino chamou seu embaixador no Brasil para consultas.

Na sequência, os países árabes reagiram com uma nota de protesto. Os árabes são grandes compradores de produtos brasileiros, os israelenses não. Bolsonaro segue obediente à ala ideológica do governo liderada pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o ET de Virgínia, seu local de moradia nos Estados Unidos.

Olavo é o guru do capitão, dos filhos do capitão e de uma parcela expressiva dos devotos do capitão. Foi ele que indicou os ministros das Relações Exteriores e da Educação. O primeiro defende a tese de que o nazismo foi um movimento de esquerda. O segundo, por não saber o que fazer no cargo, está marcado para ser demitido.

Planalto vira a casa de mãe Joana

Quem postou o vídeo? Quem mandou postar?
A seguir desvairado como ele só, o presidente Jair Bolsonaro apressa a chegada do dia em que governará apenas seus seguidores nas redes sociais. São muitos, por ora quase 4 milhões, mesmo assim uma titica se comparados com os 57, 8 milhões de brasileiros que o elegeram em 28 de outubro último.

Bolsonaro causou quando mandou as Forças Armadas comemorarem mais um aniversário do golpe militar que implantou a ditadura de 64. Foi sua decisão mais criticada até aqui. Causou novamente, ou deixou que causassem por ele, quando uma conta oficial do governo no Twitter postou um vídeo exaltando o golpe.

Guga Chacra: Decisão de Bolsonaro é derrota para Netanyahu

- O Globo

Objetivo do premier israelense era ter mais uma cartada na campanha e incendiar sua base religiosa e nacionalista

Benjamin Netanyahu, um dos mais hábeis e inteligentes políticos do planeta, fracassou na sua tentativa de convencer Jair Bolsonaro a transferira embaixada do Brasil de Te lA viv para Jerusalém. O “escritório de negócios” é um mero prêmio de consolação. Claro, o premier israelense não falará publicamente, mas deve ter ficado decepcionado com o presidente brasileiro. Avaliava não ser muito difícil convencer um líder populista de direita latino-americano apoiado por evangélicos, ainda mais depois de Donald Trump, ídolo bolsonarista, ter levado adiante a mudança da representação dos EUA.

O objetivo de Netanyahu era ter mais uma cartada na sua campanha eleitoral e incendiar sua base religiosa e nacionalista. Buscaria mostrar ser capaz de convencer uma nação emergente e grande como o Brasil a transferira embaixada. Não se trata da Guatemala, um país pequeno e desconhecido para muitos israelenses. Trata-se do Brasil, uma das maiores democracias do planeta e visto como uma nação neutra em questões do Oriente Médio.

Os opositores do premier de Israel já ironizavam essa aproximação com Bolsonaro, repudiado pela sociedade mais cosmopolita e progressista de Tel Aviv por suas declarações consideradas homofóbicas e a favor da ditadura. A magnífica metrópole israelense do Mediterrâneo sempre teve orgulho de sua comunidade LGBTI, sendo inclusive considerada uma das capitais gays do mundo. Yair Lapid, um dos líderes da coalizão liderada pelo ex-comandante das Forças Armadas Benny Gantz, já indicou em entrevista ao “New York Times” que, se a oposição chegar ao poder, eles pretendem se distanciar de “líderes populistas de direita” como “Jair Bolsonaro e Viktor Orbán”.

Cláudio de Oliveira: Leitura obrigatória sobre 1964: San Tiago Dantas

Peço aos meus amigos a leitura do livro “Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista”. (1)

Uma bela obra sobre San Tiago Dantas (PTB), ministro da Fazenda do governo João Goulart, e seu esforço para resolver a crise que antecedeu o golpe de 1964.

Destaco três questões discutidas no livro:

1 – A solução parlamentarista

San Tiago Dantas foi um dos articuladores da implantação do parlamentarismo como solução para contornar o veto das forças armadas à posse do vice-presidente João Goulart após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961.

O parlamentarismo não teve apoio dos três principais candidatos na eleição à Presidência da República marcada para 1965: Juscelino Kubistchek (PSD), Carlos Lacerda (UDN) e Leonel Brizola (PTB). O sistema parlamentar foi derrubado por um plebiscito.

Segundo o deputado Francisco Julião (PSB), “se o regime tivesse continuado parlamentarista, é possível que se houvesse evitado o golpe militar. Aliás, continuo parlamentarista até hoje, por convicção”. (2)

2 - O Plano Trienal

San Tiago Dantas apresentou juntamente com o ministro do Planejamento, o economista Celso Furtado, o Plano Trienal.

O plano, segundo o livro, tinha o “objetivo de estabelecer regras e instrumentos rígidos para o controle do déficit público e o combate à inflação sem comprometer o desenvolvimento econômico”.

O PIB havia caído de 7,7% em 1961 para 3,5% em 1962 e a inflação chegara a 50,1%.

As medidas foram bombardeadas tanto por representantes dos empresários como dos trabalhadores.

3- A Frente Progressista

Apoiado pelo PTB, PSB e deputados ligados ao ilegal PCB, minoritários no Congresso, Goulart incumbiu Dantas de ampliar a base de apoio do governo ao buscar um acordo de reformas moderadas com o centrista PSD, detentor da maior bancada na Câmara de Deputados.

A proposta da Frente Progressista foi torpedeada por setores majoritários da esquerda, que defendiam um programa de reformas que não tinha apoio da maioria dos parlamentares.

O Brasil caminhou para uma perigosa radicalização política. De um lado, a esquerda que chegou a propor soluções “extraparlamentares” (3), o fechamento do Congresso e a convocação de uma Constituinte. De outro, a direita que pedia a derrubada de Goulart. Esta última prevaleceu em 31 de março de 1964. A voz ponderada de San Tiago Dantas foi esquecida. Nos tempos de hoje, convém lembrá-la pela leitura do livro.

NOTAS
(1) Gabriel da Fonseca Onofre. Em busca da esquerda esquecida: San Tiago Dantas e a Frente Progressista. Curitiba: Prismas, 2015. 236p.

(2) Dênis de Moraes. A Esquerda e o Golpe de 64. Rio de Janriro: Editora Espaço Tempo, 1989.

(3) José Antonio Segatto. Reforma e Revolução. As Vicissitudes Politicas do PCB. 1954-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.

Planalto divulga vídeo que exalta Golpe de 1964

No aniversário do Golpe de 1964, o Palácio do Planalto compartilhou ontem um vídeo segundo o qual o Exército, naquela ocasião, “salvou” o Brasil. O material foi encaminhado a jornalistas, via aplicativo de celular, por um telefone da Secretaria de Comunicação da Presidência.

Planalto compartilha vídeo que exalta golpe de 64

Encaminhado a jornalistas por um telefone da Secretaria de Comunicação da Presidência, filme de quase dois minutos diz que Exército ‘salvou’ o país; material foi replicado pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente

Amanda Almeida e Gustavo Maia / O Globo

BRASÍLIA Um vídeo que trata o golpe de 1964 como um momento da História em que o Exército “salvou” o Brasil foi compartilhado ontem pelo Palácio do Planalto via aplicativo de mensagens de celular. Num tom consonante com as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a ditadura, o material foi encaminhado a jornalistas por um telefone da Secretaria de Comunicação da Presidência.

Ontem, o movimento, que culminou com a derrubada do ex-presidente João Goulart e com o início de 21 anos de ditadura, completou 55 anos. O período foi marcado pelo fechamento do Congresso Nacional, cassação de direitos políticos, perseguição e tortura de adversários políticos, além de censura à imprensa. Nas últimas duas semanas, Bolsonaro causou polêmica ao determinar a comemoração da data. Criticado, disse que a intenção do governo era, na verdade, “rememorar” o dia.

No vídeo, um senhor diz que quem tem a idade dele se lembra de um momento de “escuridão” para o país. Descreve essa época como um “tempo de medos e ameaças”, em que os “comunistas prendiam e matavam seus compatriotas”. Sugere aos jovens que consultem jornais e filmes do período para saber que “havia medo no ar”, “greve nas fábricas”, “insegurança”. O narrador diz, então, que o Brasil se “lembrou” que “possuía um Exército” e, de acordo com ele, o povo conclamou a ação dos militares.

“O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar. E tudo isso aconteceu num dia comum de hoje, um 31 de março. Não dá para mudar a História”, diz o apresentador do vídeo. Com quase dois minutos, o material não tem um selo indicando sua origem e termina com a mensagem de que os militares não querem “palmas e nem homenagens”. “O Exército apenas cumpriu o seu papel”, registra o filme.

Na última sexta-feira, liminar de uma juíza da 6ª Vara Justiça Federal em Brasília chegou a proibir o governo de comemorar o aniversário do golpe. Ela atendeu a um pedido da Defensoria Pública da União. A Advocacia-Geral da União (AGU), então, recorreu da decisão. “Tendo em vista que existem eventos agendados para amanhã (sábado) e domingo (ontem), dado o tamanho do Brasil e capilaridade das Forças Armadas, algumas unidades estão devidamente preparadas para a realização das cerimônias”, argumentou a AGU no recurso. Uma desembargadora de plantão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou a decisão e liberou os atos alusivos a 64.

Golpe de 1964 teve quartelada e discurso que só ficou no papel

Castelo Branco prometeu defender Constituição e entregar cargo em 1965, mas não cumpriu nada do que falou

Heloisa Murgel Starling* / Folha de S. Paulo

Na madrugada de 31 de março de 1964, o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Juiz de Fora, atropelou a conspiração que pretendia derrubar o governo de João Goulart. Desceu sua tropa em direção ao Rio de Janeiro para tomar de assalto o Ministério da Guerra e destituir o presidente da República.

Era uma quartelada: o general Mourão estava próximo da compulsória e procurava um atalho capaz de potencializar seu papel na chefia da conspiração. Magalhães Pinto, governador de Minas, sustentou a quartelada apostando aumentar o próprio cacife político para disputar as eleições de 1965. Planejava declarar Minas em secessão, negociou em segredo o reconhecimento do governo norte-americano e pretendia oferecer aos conspiradores o terreno para uma campanha militar fulminante.

Deu tudo errado. Mourão acabou neutralizado pelas lideranças militares que, de fato, ocuparam o poder e rapidamente absorveram a quartelada em um golpe de Estado bem-sucedido.

Na base de Norfolk, na Virgínia, uma força-tarefa aguardava autorização para se movimentar em direção ao Brasil. Agrupava um porta-aviões de ataque pesado, um porta-helicópteros, um posto de comando aerotransportado, seis contratorpedeiros equipados com mísseis teleguiados, 110 toneladas de armas e de munição, quatro navios petroleiros bélicos carregados com 550.000 barris de combustível. Era a Operação Brother Sam, preparada secretamente em Washington com a cumplicidade de militares brasileiros para zarpar em 1º de abril e garantir apoio logístico aos golpistas.

Na madrugada de 2 de abril, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, promoveu uma sessão conjunta secreta do Congresso Nacional e declarou vaga a presidência da República. A declaração não tinha sustentação legal. João Goulart permanecia em Porto Alegre, no pleno exercício de seus poderes.

Diante dos protestos de diversos parlamentares, inclusive Tancredo Neves, que avançou para a mesa aos gritos de “canalha’, “canalha” –e, ao que tudo indica disposto a esbofetear o presidente do Senado–, Moura Andrade não titubeou: cortou o som, desligou as luzes do Congresso e consumou o golpe. Logo depois, um Tancredo esbaforido informou aos jornalistas: “Estão entregando o Brasil a vinte anos de governos militares”.

Governo ainda não aprovou projeto próprio na Câmara

Propostas de Bolsonaro emperram na Câmara dos Deputados

Em atrito com deputados, Planalto não consegue aprovar nenhum dos 16 projetos ou MPs apresentados em quase cem dias de governo; Onyx fala em ‘resiliência’

Renato Onofre / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - As dificuldades na articulação política do governo se refletem no número de proposições de iniciativa do Palácio do Planalto aprovadas pelo Congresso nos quase cem dias de mandato do presidente Jair Bolsonaro: zero. Todos os 16 projetos ou medidas provisórias apresentadas pelo Executivo tramitam em ritmo lento, quase parando, na Câmara dos Deputados.

As pautas vão desde proposta de emenda à Constituição (PEC) que modifica as regras das aposentadoria no País – que só ganhou relator duas semanas após chegar à Casa – à Medida Provisória (MP) 870, que modifica a estrutura dos ministérios e já recebeu 539 emendas. O texto, que prevê, por exemplo, a extinção da pasta do Trabalho, chegou dia 2 de janeiro e não tem sequer relator.

Os deputados federais já impuseram duas derrotas importantes ao Palácio do Planalto, primeiro ao rejeitarem o decreto que ampliava número de servidores aptos a classificar documentos como sigilosos e, depois, ao instituírem o Orçamento impositivo, que engessou a gestão das contas.

A iniciativa foi vista como retaliação dos deputados por não conseguirem indicar nomes para cargos no primeiro e segundo escalões e pelos ataques de Bolsonaro ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em sua defesa, o presidente diz que não vai negociar com base no que chama de “velha política”.

‘Resiliência’. O principal responsável pela articulação política do Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, admite as dificuldades na relação com o Congresso. “Precisamos, com humildade, paciência e resiliência, chegar ao caminho para o entendimento. Não ganhamos uma folha em branco onde só o Executivo escreve”, disse ele, na terça-feira passada, após reunião com líderes partidários na Câmara. Horas depois da visita, os deputados derrotaram o governo aprovando o Orçamento impositivo.

Trégua entre Bolsonaro e Maia é vista com descrédito dentro do Congresso

Caos na articulação política suscita preocupação em deputados, que veem tentativa de desmoralizar Legislativo

Thais Bilenky / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A trégua ensaiada entre os presidentes da República, Jair Bolsonaro (PSL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), depois de dias de bate-boca não desfez o temor entre parte dos deputados com as consequências do desarranjo político do governo.

Congressistas de direita e centro-direita passaram a semana manifestando preocupação com a forma como o Executivo, em especial Bolsonaro, trata o Legislativo.

O presidente fez provocações públicas a Maia, que retribuiu. As discussões envenenaram o ambiente político e as expectativas do mercado. Na quinta-feira (29), a disputa arrefeceu, mas o ceticismo permanece.

Sem esforço de Bolsonaro para organizar uma base aliada para aprovação da reforma da Previdência, deputados dizem que ele flerta com o caos na intenção de desmoralizar o Congresso perante a opinião pública.

A conversa chegou a Maia, que reagiu com cautela. "Precisamos ter paciência e fortalecer o Poder Legislativo", disse o presidente da Câmara à Folha. "Com as instituições fortes e equilibradas —Supremo Tribunal Federal, Legislativo, Executivo e imprensa livre—, não haverá risco de ruptura."

A exoneração do funcionário do Ibama que multou Bolsonaro por pesca irregular, a demissão da presidente da Embratur e dois diretores e a desautorização do ministro Sergio Moro na indicação de IlonaSzabó para a suplência de um conselho são, para alguns deputados, indícios de autoritarismo do presidente.

Cidadania, antigo PPS, quer adoção do Parlamentarismo

- O Estado de S. Paulo

O Cidadania, novo nome adotado pelo PPS, defende que o o Brasil mude seu regime político do Presidencialismo para o Parlamentarismo. Nessa visão, se fosse adotada, a mudança não aconteceria no atual governo, mas para o próximo a ser eleito. Para o presidente nacional do partido, Roberto Freire, é bem vinda a iniciativa tomada pelo senador tucano José Serra (SP) de trazer esse debate para o centro das discussões.

“Cidadania defende o Parlamentarismo. Um regime de governo mais democrático. Oportuna iniciativa do senador Serra de discutir a implantação do Parlamentarismo no País e, desde logo, ressalta, sem prejudicar ou limitar mandato executivo do atual presidente Bolsonaro. Serra conte conosco”, afirmou Freire. /M.M.

Moisés Naím*: Seis toxinas políticas que mudarão o mundo

- O Estado de S.Paulo

Existem decisões que mudam o mundo. São aquelas que têm consequências difíceis de serem revertidas, transcendem fronteiras e afetam milhões de pessoas. Guerras são o exemplo óbvio. Elas geralmente são decididas por um líder ou por um reduzido grupo de políticos e militares. Às vezes, no entanto, são as sociedades que mudam o curso da história por meio de eleições ou referendos.

Um exemplo disso é o Brexit, o referendo no qual, em junho de 2016, os britânicos votaram a favor da ruptura com a União Europeia. Outro exemplo ocorreu quando Donald Trump venceu as eleições nos EUA. Ou quando, em dezembro de 1998, os venezuelanos elegeram Hugo Chávez como presidente.

O Brexit fez o sistema político britânico mergulhar em uma crise profunda, Trump transformou a política de seu país e, talvez, do mundo e Chávez é responsável por uma catástrofe nacional que está prestes a transformar-se em uma perigosa uma crise regional.

Esses três casos são, claro, muito diferentes. Mas eles também têm semelhanças que iluminam importantes fatores tóxicos comuns na política atual.

1. A antipolítica
Os três são manifestações concretas da rejeição aos “políticos de sempre” e da presunção de que os governantes tradicionais usam a política para seu benefício pessoal e não visando o bem comum. Aqueles que votaram a favor do Brexit, de Trump e de Chávez sentiram que apenas expulsando aqueles que governavam melhoraria sua situação pessoal - ou pelo menos aquilo serviria para ensinar uma boa lição aos poderosos. “Que se vão todos” e “nada pode ser pior do que o existente” são seus slogans.

2. Partidos fracos
Nestes três exemplos, os resultados inesperados das consultas eleitorais foram possíveis graças à fraqueza dos partidos políticos tradicionais. Os dois grandes partidos britânicos - o Trabalhista e o Conservador - estavam divididos internamente e isso os impediu de confrontar com eficácia aqueles que promoveram o Brexit.

O mesmo aconteceu com o Partido Republicano dos EUA, cuja fragmentação tornou possível que um político iniciante como Trump se tornasse seu candidato à presidência. E também na Venezuela, onde os dois grandes partidos históricos entraram em colapso, deixando a porta aberta para Chávez.

3. A popularidade das mentiras
Quase imediatamente após sua vitória no referendo sobre o Brexit, soube-se que os seus promotores haviam mentido, exagerado nos benefícios que o Reino Unido teria ao sair da UE e minimizaram os custos e as dificuldades que essa decisão teria para os britânicos.

Em seu primeiro ano como presidente, Donald Trump disse, em média, cerca de seis mentiras ou alegações enganosas todos os dias, de acordo com as contas do Washington Post. No segundo ano a média subiu para mais de 16 por dia e até agora, em 2019, chega a 22 mentiras diárias. O presidente dos EUA tornou normal a mentira.

O mesmo é verdadeiro no caso de Chávez, de quem há um enorme estoque de vídeos e gravações, fáceis de encontrar na internet, nos quais o líder venezuelano mente.

BC não deve se influenciar por ruídos de curto prazo: Editorial / Valor Econômico

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse corretamente que não deve deixar os ruídos de curto prazo do mercado influenciarem a condução da política monetária. Os preços de ativos seguem a lógica da alta frequência e podem oscilar entre extremos em questão de horas. Já as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC devem ser calcadas nos fundamentos de médio e longo prazos que movem a economia.

Quinta passada, quando Campos concedeu entrevista de divulgação do Relatório de Inflação (RI), é um exemplo do alto grau de volatilidade dos mercados. Pela manhã, logo depois da divulgação desse importante documento de comunicação de política monetária, a cotação do dólar chegou a superar R$ 4. Foi o suficiente para surgirem questionamentos, no mercado, se o Banco Central deveria rever a sua sinalização de que os riscos para a inflação estão equilibrados, adotada poucos dias antes.

Enquanto Campos concedia sua entrevista, cotação do dólar já vinha recuando - não apenas pela mensagem tranquilizadora de que a política de juros não vai sofrer solavancos, mas também devido a notícias de reaproximação entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). No fechamento do mercado, a taxa de câmbio já havia recuado a R$ 3,91. No dia seguinte, caiu abaixo de R$ 3,90.

Talvez em 2020: Editorial / Folha de S. Paulo

Incerteza política contribui para queda geral da confiança e abandono de previsões de recuperação mais robusta da renda e do emprego neste ano

Com o desempenho aquém do esperado da economia nos últimos meses, as expectativas de uma retomada robusta do crescimento começam a ser adiadas para o segundo semestre, ou mesmo para 2020.

Passado o primeiro trimestre, os cenários mais otimistas não se confirmaram. Houve recuo na confiança de quase todos os setores. Os dados coletados pela Fundação Getulio Vargas referentes a indústria, comércio, construção e serviços mostram reversão de quase toda a alta observada no final de 2018, após a eleição.

Embora muitas empresas sinalizem disposição de investir, poucas tomarão riscos antes da votação da reforma da Previdência, tida como fundamental não apenas para o equilíbrio orçamentário mas sobretudo, de imediato, para indicar a capacidade do governo Jair Bolsonaro (PSL) de prosseguir na agenda de mudanças necessárias para alavancar a produtividade.

Por ora, a percepção de inoperância política do governo cobra seu preço, e planos de expansão vão sendo adiados.

Até existem setores em que se nota um maior interesse de investidores, como a infraestrutura. Mostraram-se promissores, nesse sentido, os leilões de aeroportos, terminais portuários e, agora, de um trecho que completará o traçado da Ferrovia Norte-Sul.

Drama argentino está no aumento da pobreza: Editorial / O Globo

Inflação corrói a renda e, a cada ano, ajuda a marginalizar mais pessoas no mercado de consumo

Aumentou a pobreza na Argentina. O governo reconheceu crescimento significativo no número de pessoas carentes: um acréscimo de oito pontos percentuais em 2018, elevando-se o total de pobres a 32% da população.

Durante o ano passado, a Argentina incorporou 2,8 milhões de habitantes ao seu contingente de pobres. Na conta oficial, o progresso não foi uma possibilidade real para um de cada três argentinos.

As estatísticas divulgadas pelo instituto Indec, equivalente local do IBGE, mostram aspectos preocupantes. Um deles é o crescimento da quantidade de crianças com até 14 anos de idade nas famílias pobres. Eram 39,7% da população empobrecida no segundo semestre de 2017. Agora são 47%. Estima-se em 5,1 milhões o total de crianças vivendo na pobreza.

Outro dado relevante é sobre a situação dos que sobrevivem na indigência. Foram encontradas 793,5 mil pessoas a mais que no ano anterior com dificuldades para se alimentar, algo paradoxal numa economia baseada na produção e exportação de alimentos.

A Argentina aprofunda sua divisão social desde o colapso dos anos 80, quando a ditadura militar não só quebrou o país como o arrastou a uma derrota na guerra contra o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas.

O descaramento dos partidos: Editorial / O Estado de S. Paulo

A Câmara dos Deputados aprovou em plenário o texto-base de um projeto de lei que anistia os partidos políticos de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral e punições impostas pela Receita Federal por infrações fiscais. Os débitos dos diretórios estaduais e municipais de quase todas as legendas com o Fisco chegam a R$ 70 milhões. Anistiar essas sanções aos partidos políticos é nada menos do que aplicar um duplo golpe nos cidadãos.

Um partido político é uma organização privada como qualquer outra. Como tal, deveria ser completamente financiado por recursos advindos de contribuições de seus filiados e simpatizantes. O financiamento público das legendas, seja por meio do Fundo Partidário, seja por meio de uma aberração chamada Fundo Especial de Financiamento de Campanha, já é uma excrescência por si só. A ideia de forçar o contribuinte a custear o funcionamento de partidos com os quais não tem qualquer afinidade é um disparate que há muito deveria ter sido abolido.

Como a inexplicável sinecura ainda vige, era de esperar que os partidos, no mínimo, fossem mais zelosos com os recursos públicos que recebem. É estarrecedora, no entanto, a miríade de exemplos de mau emprego desses recursos por dirigentes partidários. Há escândalos para todos os gostos: desde o pagamento de despesas pessoais de caciques partidários – há caso até de tratamento estético pago com dinheiro público – até o fretamento de jatinhos para os deslocamentos de correligionários, quando poderiam se transportar em aviões de carreira ou em meios menos onerosos.

Vinicius de Moraes: O Mergulhador

"E il naufragar m'è dolce in questo mare".
Leopardi

Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos
No líquido luar tateiam a coisa a vir
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti.

És a princípio doce plasma submarino
Flutuando ao sabor de súbitas correntes
Frias e quentes, substância estranha e íntima
De teor irreal e tato transparente.

Depois teu seio é a infância, duna mansa
Cheia de alísios, marco espectral do istmo
Onde, a nudez vestida só de lua branca
Eu ia mergulhar minha face já triste.

Nele soterro a mão como a cravei criança
Noutro seio de que me lembro, também pleno...
Mas não sei... o ímpeto deste é doido e espanta
O outro me dava vida, este me mete medo.

Toco uma a uma as doces glândulas em feixes
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos
Na massa cintilante e convulsa de peixes
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas.

E ponho-me a cismar... -- mulher, como te expandes!
Que imensa és tu! maior que o o mar, maior que a infância!
De coordenadas tais e horizontes tão grandes
Que assim imersa em amor és uma Atlântida!

Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço.

E te amo, e te amo, e te amo, e te amo
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea
Como o mar ao penhasco onde se atira insano
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre.

Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva
O imo do teu ser, o vórtice absoluto
Onde possa colher a grande flor da treva.

Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos
Na tua criação; amo-te as hastes tenras
Que sobem em suaves espirais adolescentes
E infinitas, de toque exato e frêmito.

Amo-te os braços juvenis que abraçam
Confiantes meu criminoso desvario
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio.

Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.

Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.

Por isso -- isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa...
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!

Fabiana Cozza: O meu Guri