quarta-feira, 13 de maio de 2020

Opinião do dia – Antonio Gramsci* – partidos orgânicos e fundamentais

Será necessária a ação política (em sentido estrito) para que se possa falar de “partido político”? Pode-se observar que no mundo moderno, em muitos países, os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta ou por alguma outra razão, dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido e, inclusive, de partido independente. Por isso, muitas vezes o Estado Maior intelectual do partido orgânico não pertence a nenhuma dessas frações, mas opera como se fosse uma força dirigente em si mesma superior aos partidos e às vezes reconhecida como tal pelo público. Esta função pode ser estudada com maior precisão se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou um grupo de revistas) são também “partidos”, “frações de partido” ou “funções de determinados partidos”.

*Antonio Gramsci (1891-1937), filósofo, jornalista, crítico literário e político italiano. “Cadernos do Cárcere v.3, p. 349. Civilização Brasileira, 2007

Merval Pereira - O risco da democracia

- O Globo

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, e os ministros militares estão sendo lenientes com Bolsonaro

A versão mais recente do Palácio do Planalto sobre o vídeo da reunião ministerial em que o presidente Bolsonaro ameaçou demitir o então ministro Sergio Moro dá conta de que o presidente se queixava da segurança pessoal dele e de sua família. Sem saber o contexto em que se deu a discussão, pois o vídeo ainda não foi liberado, pode-se afirmar, no entanto, que Moro seria o interlocutor errado, pois a segurança do presidente e família é feita pelo Exército e pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e o responsável é o General Augusto Heleno, que estava na reunião e não foi admoestado pelo presidente.

Além do mais, quem foi demitido foi o diretor-geral da Polícia Federal, e por tabela o ministro Sergio Moro. Outro ponto interessante é que o delegado Alexandre Ramagem, que foi indicado por Bolsonaro para chefiar a Policia Federal, era o chefe da Abin. Portanto, se a queixa de referia à segurança pessoal, cuja responsabilidade era de Ramagem, por que indicá-lo para a PF? .

A exibição integral da reunião ministerial servirá para confirmar a acusação de Moro ao deixar o ministerio da Justiça, como também para se constatar de que maneira o presidente Bolsonaro conduz os destinos do país. Pelos relatos, um autoritarismo sem controles, e um ambiente de desrespeito a seus ministros que, para agradar o presidente, não apenas aceitam os maus tratos como tentam imitá-lo, usando palavras chulas e atacando sem distinção países e instituições.

Míriam Leitão - Uma acusação que avança

- O Globo

As respostas sem sentido de Bolsonaro diante das suspeitas de interferência na PF só aumentam os indícios em torno dele

Todos os indícios mostram que o presidente da República tentou, diversas vezes, inclusive constrangendo publicamente o então ministro da Justiça, interferir na Polícia Federal para que ela servisse aos seus propósitos. O presidente deu várias respostas, todas contraditórias, para tentar se defender dessa acusação que ganha contornos cada vez mais sólidos. O procurador-geral da República, Augusto Aras, tem o poder de arquivar esse inquérito que ele mesmo pediu para abrir, mas quanto mais transparente for cada etapa da investigação mais difícil será dizer que nada de errado aconteceu.

Ontem, ao fim da sessão de exibição do vídeo para procuradores, policiais federais, PGR, o ex-ministro Sergio Moro e o advogado-geral da União, houve duas versões. Quem assistiu disse a jornalistas que era uma prova definitiva da interferência na Polícia Federal, e o presidente , em entrevista mambembe, de cima da rampa no Planalto, negou:

– A preocupação, desde a facada, foi com a segurança minha e da minha família. Em Juiz de Fora, o Adélio cercou meu filho, no vídeo, no meu entender, talvez quisesse assassiná-lo ali. A segurança da minha família é uma coisa, não estou preocupado com a Polícia Federal, a Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família.

Bernardo Mello Franco - Em nome dos filhos

- O Globo

Bolsonaro se elegeu com a promessa de defender a família. Faltou dizer que se referia à própria. O presidente vê o Estado como um bife a ser repartido entre os filhos

Jair Bolsonaro se elegeu com a promessa de defender a família. Faltou dizer que se referia à própria. O capitão sempre usou o poder para proteger e engordar os herdeiros. É assim desde os tempos de deputado, quando ele pendurou dois filhos na folha de pagamento da Câmara.

Na Presidência, o patriarca farejou boquinhas melhores para o clã. No ano passado, ele tentou emplacar o caçula Eduardo, cuja experiência internacional se resumia a fritar hambúrgueres, como embaixador do Brasil em Washington. Ao defender o indefensável, pronunciou duas frases memoráveis. “Pretendo beneficiar um filho meu, sim. Se eu puder dar filé mignon pro meu filho, eu dou”, afirmou.

A visão do Estado como um bife suculento explica a gula de Bolsonaro pela Polícia Federal. Ele queria espetar o garfo no órgão para reparti-lo entre os filhos. Ao que tudo indica, seu principal objetivo era interferir nas investigações sobre desvio de verbas parlamentares e fábricas de fake news.

Zuenir Ventura - No país de Bolsoshenko

- O Globo

Bolsonaro tem afinidade com ditador da Bielorrúsia

Eles se juntam por afinidade de opinião. O presidente do Brasil e o ditador da Bielorrússia são contrários às medidas de isolamento social para combater o novo coronavírus. Os dois as consideram exageradas, apesar de o mal já ter exterminado mais de 11 mil pessoas entre nós. Bolsonaro classifica a preocupação com a pandemia de “neurose” e Lukashenko, de “psicose”.

Eles não devem saber muito bem o que os termos significam, mas os empregam como xingamentos. Um debocha chamando-a de gripezinha inofensiva, o outro receita “beber vodca, frequentar sauna e dirigir caminhão”. Bolsonaro prefere dirigir jet ski no dia em que o país contabilizava 10 mil vítimas fatais da pandemia — com certeza para espairecer.

O resultado é que o Brasil tem mais casos de infectados do que todos os países da América do Sul juntos. Argentina, Colômbia e Paraguai nos servem hoje de exemplos. O mais humilhante é ter que ouvir calado o presidente argentino, Alberto Fernández, declarar a uma rádio que somos “um risco muito grande, uma ameaça”.

Elio Gaspari - Os palavrões no Conselho de Governo

- Folha de S. Paulo / O Globo

O bolsonarês humilha aqueles que votaram no capitão em nome dos bons costumes

Quando Sergio Moro pôs na roda a questão do vídeo da reunião do Conselho de Governo de 22 de abril, sabia que havia ali uma bala de prata capaz de provar que Jair Bolsonaro queria trocar o diretor da Polícia Federal para blindar os interesses políticos de sua família. Ele sabia também que a bala continha outro material. Ao chegar ao Planalto, com pompa monarquista, o capitão chamou de Conselho de Governo aquilo que se conhecia como reunião do Ministério. Reunindo-o, ele presidiu uma conversa de botequim, e Moro mostraria isso.

A divulgação desse vídeo será também um espetáculo de falta de compostura e de asneiras. Outro dia a secretária de Cultura, Regina Duarte, disse que parou de ler os livros de Olavo de Carvalho porque ele usa muitos palavrões. No governo que ela louva, o vocabulário do doutor Olavo é o de um sacristão.

Alguns presidentes respeitavam seus interlocutores. Michel Temer, Fernando Henrique Cardoso e José Sarney falam como frades. Não se pode dizer o mesmo de Dilma Rousseff e Lula, mas nenhum deles disse palavrão em reunião ministerial. Conhecem-se os áudios das reuniões do Conselho de Segurança Nacional que decidiram baixar o Ato Institucional nº 5 (Costa e Silva) e o Pacote de Abril (Ernesto Geisel). Neles não há palavrões.

Vinicius Torres Freire - O centrão vê a economia na crise de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Não há impulso para impeachment, mas economia vai mudar, diz um líder do bloco

O governo falou muito, mostrou “boa vontade”, mas entregou pouco até agora, dizia nesta terça-feira (12) um deputado líder do centrão que negocia aliança e cargos com o Planalto. O parlamentar falava no começo da noite de todos os rumores sobre o vídeo da reunião ministerial em que Jair Bolsonaro teria ficado, mais do que nu, em carne viva —ou morta, a depender do boato e do ânimo crítico do espectador.

E daí? Daí que o vídeo degradaria a situação política de Bolsonaro, óbvio. Ainda não parece “tiro na cara”, como diz o deputado, mas o presidente precisaria de mais gente firme na Câmara para se segurar na cadeira e “governar com estabilidade” (sic).

Continua não haver risco de processo de impeachment, por ora, na opinião do deputado, para quem, no entanto, que está muito difícil medir a temperatura do Congresso e do país em geral, por causa do distanciamento provocado pelo vírus.

Bruno Boghossian – O que o vídeo não mostra

- Folha de S. Paulo

Presidente busca novo foco de discussão, mas o vídeo da reunião ministerial só conta uma parte da história

O governo organizou uma sessão de cinema antes de entregar ao STF o vídeo da reunião ministerial de 22 de abril. Ao estudar o conteúdo da gravação, Jair Bolsonaro decidiu bater na tecla de que não usou as palavras "Polícia Federal" ou "superintendência" naquela conversa.

O objetivo do presidente é dizer que aquelas imagens não provam nenhuma tentativa de interferência, mas a fita só conta uma parte da história. Antes de adotar a nova linha de defesa, Bolsonaro já havia afirmado publicamente que tinha problemas particulares com a PF.

Há oito dias, o presidente parou na portaria do Palácio da Alvorada para rebater o depoimento de Sergio Moro sobre o caso. Bolsonaro admitiu que tinha interesse em trocar o chefe do órgão no Rio e justificou: "tentaram colocar na conta" dele e de seus filhos Flávio e Carlos o assassinato de Marielle Franco —e a PF não teria investigado o assunto.

Hélio Schwartsman- O segredo de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Se ele já teve a doença, não é mais transmissor ativo do vírus

Não penso que Jair Bolsonaro deva ser obrigado pela Justiça a mostrar os resultados de seus testes para a Covid-19. Não tenho aqui a intenção de defender o presidente. Já cheguei à fase em que aplaudo tudo de ruim que acontece a ele. O que merece defesa, creio, é o instituto do sigilo médico, que só pode ser suspenso excepcionalmente e por motivos muito precisos, que não incluem a curiosidade do público.

O sigilo médico visa a proteger a vida e a saúde. Ele existe, entre outras razões, para assegurar que ninguém tenha receio de procurar socorro, mesmo que o ferimento ou a doença que o acometem tenha resultado de um crime. Um bom exemplo é o do usuário de drogas ilícitas. Se a polícia tivesse acesso direto aos prontuários médicos, um pedaço não desprezível da população pensaria duas vezes antes de procurar um hospital —o que seria desastroso em termos sanitários.

Quando, então, é certo suspender o sigilo? De um modo geral, penso que o profissional deve estar autorizado a levantar o segredo apenas para prevenir (não para investigar) certos crimes ou danos à saúde de terceiros. Se um psiquiatra tem razões para acreditar que um paciente seu que disse que planeja matar o vizinho está falando sério, aí sim ele deve comunicar o fato às autoridades. De modo análogo, o médico pode alertar a mulher de um paciente de sífilis que se recuse a seguir o tratamento.

Ruy Castro* - E se Bolsonaro pegar Covid-19?

- Folha de S. Paulo

Se, como diz, seus exames deram negativo, significa que ele ainda pode ser infectado

Jair Bolsonaro anunciou para seu gado que só sairá da Presidência no dia 1º de janeiro de 2027. Se se confirmar, será um alívio. Pelo que fez até agora e continua impune, é tocante sua benevolência de contentar-se com uma única reeleição —esta, já dada de barato. Mas o que o impedirá de, a qualquer momento, decretar-se eterno no poder? Se fizer isso —e não precisaria nem esperar pela reeleição—, é porque sabe que poderá contar com a impotência e o aval bovino dos demais Poderes.

Sua certeza se baseia no sucesso de sua tática, aprendida com os amigos milicianos, de governar pela bofetada. Simbólico ou não, é o tapa na cara. Bolsonaro bate e ninguém reage. Esbofeteia ministros —Sergio Moro, por exemplo, enquanto no cargo, tomou tanto na cara que parecia gostar—, aliados de primeira hora, servidores de carreira, cientistas, juristas. Dias Toffoli viu-o reduzir o STF a palanque e ficou firme, mas, sem a barba, sua face avermelhada acusava a marca da mão aberta. Quanto ao Exército, Bolsonaro pode, por enquanto, recolher a palma. Compra-o a prestações dando-lhe empregos, oficialzinho por oficialzinho.

Ricardo Noblat - Bolsonaro revela sem cortes a face golpista do seu governo

- Blog do Noblat | Veja

O ato e o fato
Que governo é esse onde o presidente ameaça usar as Forças Armadas caso o Congresso abra contra ele um processo de impeachment;

onde o ministro da Educação chama os ministros do Supremo Tribunal Federal de filhos da puta e diz que todos eles deveriam ser presos;

onde a ministra da Mulher e dos Direitos Humanos defende a prisão de governadores e dos prefeitos;

e onde os demais ministros, sendo 8 dos 22 militares, a tudo ouvem, impassíveis, sem dar sinais de que discordam?

É um governo golpista. Que poderá cair por falta de condições de aplicar o golpe. Mas que se tiver condições para tal, se de fato se sentir ameaçado de cair, tentará dar o golpe.

Não é dedução. Não depende de opinião de quem gosta e de quem não gosta do governo. É fato. Está gravado no vídeo exibido, ontem, na Polícia Federal. Está na boca do presidente.

Golpe não se dá mais com tanques rolando pelas ruas, tropas marchando contra cidades, Congresso fechado, Supremo Tribunal Federal fechado, prisões de opositores do novo regime.

Baionetas caladas calam um Congresso que se deixa emascular pensando evitar o pior. Um twitter do Comandante do Exército foi suficiente para mudar o rumo de uma decisão do Supremo.

O presidente da República e seu governo, pois, são, um perigo à democracia. Só isso bastaria para serem removidos. Ou se continuará esperando que o presidente faça o que alardeia que faria?

Entrevista | FHC teme que Forças Armadas possam tomar ‘gosto pelo poder’

- EFE, O Estado de S.Paulo

Ex-presidente também disse que Sérgio Moro não deveria ter deixado a magistratura e assumido a pasta da Justiça no governo Bolsonaro

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mostra preocupação com a possibilidade de que as Forças Armadas possam se apegar ao poder em um governo com cada vez mais militares e enxerga no país um cenário político com o Legislativo e Judiciário tentando preencher vazios deixados por um Executivo que, de acordo com ele, está “cambaleante” e “sem rumo definido”.

“Há muitos (militares no poder) e cada vez mais. E isso é uma fragilidade política do governo”, afirmou FHC, de 88 anos, em entrevista à Agência Efe por videoconferência em sua residência, em São Paulo. “Não podemos permitir agressões contra a Suprema Corte, contra o Congresso, que vão contra a democracia”, acrescentou.

Na entrevista à Efe, o ex-presidente também opinou que Sergio Moro não deveria ter deixado a magistratura e assumido a pasta da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. “Creio que ele se equivocou ao aceitar ser ministro. Não por ser ministro do Bolsonaro, mas porque trocou o âmbito da Justiça, no qual atuou a vida toda, pelo Executivo, e ficou em uma situação delicada, porque não era um homem predisposto a estas funções (políticas)”, comentou.

Leia abaixo a entrevista.

Monica De Bolle* - A agenda da cidadania

- O Estado de S. Paulo

Sem o cuidado das pessoas, não há economia que resista ao choque inédito que testemunhamos

A pandemia e a crise econômica nos oferecem dor, ansiedade, tristeza. Mas a pandemia e a crise econômica também nos oferecem liberdade, justiça e avanços em direitos. Como já argumentava Thomas Paine no século 18, não há liberdade plena sem direitos fundamentais e, para alcançar tais direitos fundamentais, um humanista não pode deixar de defender que o Estado cumpra seus papéis fundamentais. Paine é uma espécie de guru dos libertários norte-americanos, muitos deles defensores das ideias de alguns intelectuais da Universidade de Chicago nos anos 1960 e 70, como o Estado mínimo. O que esses libertários talvez tenham preferido esquecer é que Paine, junto com outros grandes pensadores, lançou as bases do Estado de Bem-Estar social, cujo pilar era a renda básica, sobretudo para os mais jovens e os idosos.

No Brasil, a renda básica, ou a renda básica da cidadania, foi a luta de quase uma vida inteira do ex-senador Eduardo Suplicy. Não à toa, o ex-senador cita Thomas Paine em suas obras. Afinal, vem dali a ideia de cidadania, de que a renda básica transcende o assistencialismo para alcançar outro patamar de justiça social. Esse patamar diz respeito ao humano e a como nos percebemos uns aos outros. Antes da pandemia, era comum considerar esses temas como sendo utópicos, fantasias de intelectuais e políticos que jamais teriam chance de realização. Mas eis que, em plena pandemia, começamos a observar a formação de uma coalizão para construir uma nova realidade, mais justa, mais igualitária, mais humanista, aparecendo a renda básica como o eixo de uma economia com olhar humanista: uma economia do cuidado. Sem o cuidado das pessoas não há economia que tenha qualquer capacidade de resistência ao choque inédito que testemunhamos.

Vera Magalhães - Luz do sol

- O Estado de S.Paulo

Só transparência total vai resolver impasse duplo que inquieta o País

Não é só a vitamina D, tão necessária nesses tempos em que vivemos confinados, que precisa da luz do sol para ser ativada. Só a claridade vai tirar o Brasil do impasse cada vez mais grave em que Jair Bolsonaro joga o País.

O agente capaz de escancarar as janelas e cortinas e iluminar dois cômodos que o presidente gostaria de manter nas trevas é o mesmo: o Supremo Tribunal Federal.

O presidente da Corte, José Antonio Dias Toffoli, bem que demonstrou, em sua densa, porém cautelosa, entrevista ao Roda Viva, minimizar os riscos para a democracia que Bolsonaro representa com seus atos e palavras. Apostou em diálogo e união de todos os Poderes para enfrentar a crise.

Menos de 24 horas depois, a sessão de cinema determinada pelo decano Celso de Mello parece ter entornado a pipoca da concertação nacional: segundo relatos em off de alguns dos espectadores, a reunião ministerial de 22 de abril se assemelhou mais a um filme de gângsteres.

Dada a gravidade dos spoilers de quem viu o filme, Celso de Mello precisa torná-lo público. Se há exortações à prisão de membros da mais alta Corte da Justiça e de governadores por parte de ministros e a explicitação verbal pelo próprio chefe de governo de que quer proteção da Polícia Federal para familiares e aliados, além da admissão de que a revelação de seu exame para covid-19 poderia alimentar um impeachment, as razões de segurança nacional obrigam à publicidade total da reunião, e não à manutenção de seu sigilo, como insiste o Executivo.

Rosângela Bittar - Já é outro dia

- O Estado de S.Paulo

Os militares morrerão por um governo alvo de investigação, imerso em isolamento?

Na linha do tempo, já é outro dia. O vídeo da reunião que expôs as vísceras de um governo em decomposição, principalmente pela atuação do presidente Jair Bolsonaro e os discursos do chanceler Ernesto (bobo da corte) Araújo e Abraham (pior ministro) Weintraub, foi entregue na sua integralidade e visto por algozes e réus. Permanecerá nos arquivos como uma marca definitiva de um time perdido, sem líder ou objetivo, eira ou beira. Um alto encontro de baixo propósito. Desdobramentos são, por enquanto, imperscrutáveis. Os fatos registrados podem dar em tudo, como identificar o crime de que é suspeito o presidente, ou nada, se o procurador-geral da República assim entender.

O segundo vendaval que atravessou a semana transportou o País, machucado por doença e mortes, a outra situação indefinida. Como ficamos depois do depoimento dos três ministros do governo Jair Bolsonaro, em cargos civis e políticos na Presidência, sobre as denúncias do então ministro da Justiça, Sérgio Moro. Já terão tido o seu efeito e será preciso superar a fusão que se tentou fazer de seu desgosto por esta convocação com a adesão das Forças Armadas aos propósitos pessoais do presidente da República.

Pularam o Rubicão e o mundo não acabou, como previam. Os seus desdobramentos, porém, ainda estão embaralhados.

Eliane Cantanhêde - Moro tem o controle da situação e não sobra pedra sobre pedra

- O Estado de S.Paulo

Enquanto frisava que jamais acusara Bolsonaro de crime, Moro deu, sem histrionismo e adjetivos, todos os passos para as investigações. E dissimulou a bala de prata: a reunião de 22 de abril

A principal conclusão sobre a reunião ministerial de 22 de abril é de que o ex-ministro Sérgio Moro tem o controle da situação e da narrativa que pode levar à denúncia e a um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Moro lapidou seu temperamento frio e calculista ao longo de 22 anos de magistratura e na Lava Jato e não mergulharia numa aventura. Ele tinha bala na agulha. Ou melhor, uma bomba atômica. Ao comunicar sua demissão do Ministério da Justiça, Moro falou da investida política de Bolsonaro na PF e, na mesma noite, expôs a troca de mensagens em que o presidente reclama das investigações contra dez ou doze deputados do PSL e diz: “mais um motivo para a troca (na PF)”.

Fernando Exman - As dificuldades do Brasil para respirar

- Valor Econômico

Produção nacional de ventiladores pode opor alas do governo

O ano de 2020 será marcado, entre outros tristes aspectos decorrentes da pandemia, como aquele que incluiu máscaras, equipamentos de segurança individual e respiradores artificiais entre os fatores essenciais à segurança nacional de qualquer país. No Brasil, contudo, quase tudo parece ocorrer na hora mais imprópria possível. Ou então nós mesmos nos esforçamos para complicar o que já é complexo e desafiador.

Essa discussão sobre a importância estratégica da indústria de materiais e equipamentos médico-hospitalares ganhou relevância no cenário global, em razão da concentração da produção na China e da concorrência imposta por diversos países - muitas vezes desleal - na corrida para a formação de estoques. É uma nova dinâmica que já afetou as relações internacionais.

No âmbito local, o tema demanda atenção urgente do governo e também do empresariado: os números de infectados e mortos não param de crescer. Está evidente a fragilidade do Brasil.

Cristiano Romero - Brasil não consegue superar modelo dos 80

- Valor Econômico

Brasil demorou para superar inflação e crise da dívida

Depois de ter sido o país que mais cresceu entre as décadas de 1950 e 1970, o Brasil perdeu todos os “bondes” da história desde então, tornando-se uma economia de baixo crescimento. Demorou muito para superar a crise da dívida e livrar-se do processo hiperinflacionário, dois problemas que assolaram de forma indistinta nações subdesenvolvidas no início da década de 1980. Na verdade, foi justamente por não aceitar o fim do modelo de substituição de importações que a Ilha de Vera Cruz nunca mais se reconciliou com o crescimento acelerado.

Uma medida da “estagnação” está na comparação com os Estados Unidos. Dados do FMI mostram que em 1980, ano em que crescemos 9,2%, o PIB do Brasil, a preços correntes e pelo Poder de Paridade Compra (PPP, na sigla em inglês), era de US$ 590,9 bilhões. Naquele ano, pelo mesmo critério, o dos EUA era de US$ 2,857 trilhões, portanto, 4,8 vezes o brasileiro. No ano passado, segundo estimativa do FMI, a relação aumentou para 6,22 vezes - respectivamente, PIB (PPP) de US$ 3,479 trilhões e US$ 21,665 trilhões.

Em 1980, a China, ainda um gigante adormecido, mas com despertador programado para acordá-lo logo mais, tinha um PIB, também pelo critério usado pelo FMI, de US$ 304,3 bilhões, quase metade do brasileiro. Bem, 40 anos depois, os chineses já registram PIB, medido pelo PPP, superior ao dos EUA - US$ 30,9 trilhões, quase nove vezes o do Brasil. Uma observação importante: isso não faz da China nação mais rica que os EUA, afinal, seu PIB per capita, estima o FMI, chegou a US$ 20 mil no ano passado, enquanto o dos americanos é de US$ 67,7 mil.

Nilson Teixeira* - Retomada: muita incerteza no ar

- Valor Econômico

É difícil antecipar o comportamento do ciclo econômico, pois consumidores e empresários terão provavelmente conduta diferente daquela que tinham antes da pandemia

A normalização da economia nos países bem-sucedidos em evitar o aumento de novos casos de infecção da covid-19 ensina que é crucial promover uma saída segura da quarentena. Essa estratégia requer a capacidade de realização contínua de testes, em particular nos grupos de risco, para ser implementada uma segregação imediata daqueles com sinais de possível contaminação. O começo da saída só é indicado quando o número de novos casos de infecção e de morte já está declinando e houver na localidade um número suficiente de leitos e de respiradores para atender um possível aumento desses casos com a flexibilização da quarentena.

A ausência dessas condições em muitas regiões do Brasil neste momento sugere que o ideal é manter o distanciamento social por um período mais longo, apesar do impacto desfavorável na economia e do aumento dos gastos fiscais advindo da necessidade de ampliação do suporte à população e às empresas.

A possibilidade de repique do número de novos casos de infecção torna arriscada uma saída acelerada da quarentena. Essa decisão poder ter um impacto na economia no médio prazo ainda mais desfavorável do que o prolongamento do afastamento social, pois um eventual retrocesso na reabertura deterioraria a confiança de consumidores e empresários e fragilizaria a retomada.

O que a mídia pensa - Editoriais

• Vídeo de Bolsonaro parece uma confissão – Editorial | O Globo

Confirmados os fatos, inquérito precisa prosseguir para o bem das instituições republicanas

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que, segundo o ex-ministro Sergio Moro, o presidente Bolsonaro confirmou que faria tudo para substituir Maurício Valeixo na diretoria-geral da Polícia Federal, inclusive demitir o ministro da Justiça e Segurança Pública, superior hierárquico de Valeixo, era a peça final de um quebra-cabeça já conhecido no seu conteúdo. O relato público que Moro fez no dia 24, dos motivos de sua saída, sem responder a perguntas da imprensa, já trazia o entendimento de que o presidente queria ter na Polícia Federal, na cúpula e/ou na superintendência do Rio de Janeiro, pessoas com as quais ele pudesse obter informações e relatórios de inteligência, o que não é função da PF, uma polícia que trabalha em inquéritos instaurados pela Justiça. Bolsonaro queria privatizar a PF.

A íntegra do vídeo, pedida pelo ministro do Supremo Celso de Mello, presidente do inquérito sobre as denúncias de Moro, conduzido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, foi exibida ontem em Brasília para Moro e seus advogados, além de representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do lado do presidente, policiais e procuradores. A divulgação restrita — o vídeo continua sob sigilo — completou uma cena não surpreendente, mas o fez com um bônus. Segundo relatos, o presidente aparece, como afirmara Moro, dizendo que substituiria o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, a quem Moro resistia a afastar, e que poderia demitir o próprio ministro. O bônus veio na declaração de que ele queria defender sua família. Tudo ficou explícito, a se confirmar o conteúdo do vídeo.

Música | Moacyr Luz -Pra que pedir perdão

Poesia | Carlos Pena Filho - A solidão e o seu desgaste

Freqüentador da solidão, às vezes
Jogava ao ar um desespero ou outro,
Mas guardava os menores objetos
Onde a vida morava e o amor nascia.

Era uma carga enorme e sem sentido,
Um silêncio magoado e impermeável…
A solidão povoada de instrumentos,
Roubando espaço à andeja liberdade.

Mas, hoje, é outro que nem lembra aquele
Passeia pelos campos e os despreza
E porque sabe com certeza clara,

O princípio e o fim da coisa amada,
Guarda pouco da vida e o que retém
É só pelo impossível de eximir-se.