domingo, 8 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – André Lara Resende

O quadro político e econômico agrava-se desde o fim do primeiro mandato de Lula. A revelação da sistemática compra de apoio ao governo por meio de um esquema de desvio de recursos públicos - o "mensalão" - foi um marco divisor. Ainda não estava claro o grau do estrago que a ocupação do Estado por militantes e simpatizantes viria a fazer, mas estava quebrado o encanto.

O País está acéfalo. O Executivo, atordoado e acuado, está aparentemente preocupado exclusivamente em minimizar as possibilidades de impeachment. Os quadros do serviço público estão desmoralizados e desmotivados. A percepção popular do Congresso Nacional, envolvido no esquema da corrupção sistematizada pelo governo na Petrobrás, nunca foi tão negativa. Desmoralizado com a população, o Legislativo corre ainda o risco de colisão com o Judiciário. Não há novas lideranças nem sinais de que possam surgir da política partidária, cujos canais estão entupidos. Dada a desmoralização da política, abre-se a possibilidade de lideranças externas a ela, populistas e inimigas das instituições.

Diante da gravidade do quadro, não é hora de dividir, mas de reconciliar o País em torno de uma coalizão suprapartidária, com apoio de todos os segmentos da sociedade. É preciso reconstruir o Estado, resgatar a capacidade de formular e implementar políticas para enfrentar a crise. Infelizmente, parecemos caminhar no sentido oposto, o da radicalização da divisão do País.
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André Lara Resende, economista, em artigo, ‘O choque da realidade’. O Estado de S. Paulo, 7 de fevereiro de 2015.

Crises derrubam popularidade de Dilma, Alckmin e Haddad

• 44% consideram o governo do PT ruim ou péssimo; eram 24% em dezembro - Escassez de água faz avaliação positiva de Alckmin cair dez pontos em SP - Haddad é rejeitado por 44%

• Segundo o Datafolha, presidente obteve sua primeira nota vermelha (4,8) após quatro anos à frente do Planalto

Marcelo Leite – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Apenas três meses e meio depois do segundo turno, o país assiste à mais rápida e profunda deterioração política desde o governo Collor.

Segundo pesquisa Datafolha, a queda abrupta de popularidade arrasta a presidente Dilma Rousseff (PT), o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), juntos, para a vala comum da rejeição. É como se o sentimento de junho de 2013 tivesse voltado, mas em surdina, sem protestos de rua.

A conjuntura sombria resulta da confluência do escândalo da Petrobras com a acentuada piora das expectativas sobre a economia.

O pessimismo dos entrevistados se agrava pelo contraste entre a realidade e a imagem rósea pintada nas campanhas eleitorais do ano passado e pela possibilidade cada vez mais concreta de faltar água e energia.

A presidente da República recebe o pior golpe, com uma inversão total nas opiniões sobre seu governo.

Em dezembro passado, Dilma tinha 42% de ótimo/bom e 24% de ruim/péssimo. Agora, marca respectivamente 23% e 44%.

São as piores marcas de seu governo e a mais baixa avaliação de um presidente da República desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em dezembro de 1999 (46% de ruim/péssimo).

Alckmin também viu esvair-se sua popularidade, mas menos que Dilma. O tucano perdeu dez pontos de ótimo/bom desde outubro e caiu de 48% para 38%, nível que tinha em junho de 2013.

Haddad não se sai melhor. Empatou com Dilma em juízos negativos (44%) e também retornou ao patamar da crise do aumento das tarifas de ônibus em 2013.

Nota vermelha
Segundo o Datafolha, Dilma obteve a primeira nota vermelha (4,8) após quatro anos no governo e uma campanha vitoriosa pela reeleição. A perda de prestígio da presidente se verifica mesmo nas faixas de renda em que encontra mais eleitores.

Metade dos que ganham até dois salários mínimos consideravam seu governo ótimo ou bom em dezembro, e agora são 27% -23 pontos de queda em dois meses.

As más novas se acumulam em todas as frentes: escândalo na Petrobras, piora das perspectivas da economia, aumento do pessimismo na população, restrição de benefícios sociais e uma estiagem que ameaça apagar as luzes e secar as torneiras.

O tema da corrupção, impulsionado pelo combustível do Petrolão, rivaliza com a saúde pública como principal problema do país. Cravou 21% das preferências dos entrevistados pelo Datafolha, contra 26% da saúde.

O mensalão vicejou no governo Luiz Inácio Lula da Silva, mas em seus dois mandatos não mais que 9% dos brasileiros apontavam o desvio de dinheiro público como mal maior. Agora, a corrupção se avizinha do pódio.

A presidente não se livra de responsabilidade perante a população. Segundo o Datafolha, 77% dos entrevistados acreditam que ela tinha conhecimento da corrupção na Petrobras. Para 52% ela sabia dos desvios e deixou continuar; para outros 25%, sabia e nada pôde fazer.

Quase metade (47%) dos brasileiros a consideram desonesta, além de falsa (54%) e indecisa (50%). A imagem deteriorada alcança correligionários. Entre petistas, 15% falam em desonestidade e 19%, em falsidade.

Mentiras
Não há tanto o que estranhar, quando se tem em mente que seis de cada dez entrevistados consideram que Dilma mentiu na campanha eleitoral. Para 46%, falou mais mentiras que verdades (25% em meio a petistas). Para 14%, só mentiras.

Se na época do segundo turno só 6% achavam que a situação econômica do próprio entrevistado iria piorar, hoje são 26%. Como 38% acreditam que ficarão na mesma, conclui-se que o desalento contagia 2/3 da população.

E isso num momento em que o tarifaço, o aumento do desemprego e dos juros e a recessão nem se materializaram completamente.



Avaliação positiva de Dilma despenca de 42% para 23%, diz Datafolha

• Rejeição da presidente teve efeito inverso; saltou de 24% em dezembro para 44% em fevereiro. Para 77% dos entrevistados ela sabia do escândalo na Petrobras

- O Globo

SÃO PAULO - Com o escândalo da Petrobras à tona e a piora na expectativa em relação à economia, a popularidade da presidente Dilma Rousseff (PT) despencou e atingiu a pior marca de seu governo; foi de 42% (avaliação boa/ótima) em dezembro passado para 23% em fevereiro, segundo o Datafolha. Em contrapartida, os entrevistados que avaliam o governo como ruim/péssimo subiram de 24% para 44%. O número dos que acham a administração petista regular permaneceu em 33%. Na ocasião dos protestos de junho de 2013, a popularidade de Dilma era de 30%, de acordo com o instituto.

Diz ainda o Datafolha que para 77% dos entrevistados a presidente tinha conhecimento da corrupção na Petrobras. Para 52% deles, ela sabia do escândalo e não agiu. Outros 25% disseram que ela nada pôde fazer, mesmo sabendo dos casos de corrupção.

Segundo o instituto, é a pior avaliação de um presidente desde dezembro de 1999, quando Fernando Henrique Cardoso tinha 46% de rejeição (avaliação ruim/péssima). Para o jornal Folha de S.Paulo, “o país assiste à mais rápida e profunda deterioração política desde o governo Fernando Collor de Mello.”

Após quatro anos de governo, Dilma obteve, de acordo com o Datafolha, a primeira "nota vermelha" de sua gestão; uma média de 4,8.

Para 47% dos entrevistados, a presidente é “desonesta”. Outros 54% falam que ela é “falsa” e 50%, “indecisa”.

A pesquisa Datafolha mostra ainda que 60% dos eleitores disseram que Dilma mentiu na campanha - 46% acreditam que ela mais mentiu que disse verdades e 14%, que ela só mentiu.

O Datafolha ouviu 4 mil entrevistados em 188 municípios brasileiros entre os dias 3 e 5 de fevereiro. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

Alckmin e Haddad também em queda
Com o agravamento da crise hídrica em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) também teve queda, de dez pontos percentuais, em sua popularidade; de 48% em outubro passado para 38% em fevereiro, chegando ao mesmo índice de junho de 2013, quando eclodiram no país as manifestações de rua. Para 36% dos entrevistados a gestão Alckmin é regular ante 34% do levantamento anterior. Os que avaliam a administração tucana como ruim/péssima saltaram de 13% para 24%.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), também empatou com a presidente Dilma Rousseff no que diz respeito à avaliação negativa; 44% dos entrevistados classificaram a gestão petista na capital paulista como ruim ou péssima ante 28% em setembro. Os que avaliam o governo Haddad como ótimo/bom caíram de 22% para 20%. Já os que achavam a administração regular somavam 44% em setembro. Hoje são 33%. Em julho de 2013, 47% dos entrevistados disseram que a gestão Haddad era ruim/péssima ante 15% que avaliavam o governo positivamente.

Evolução da popularidade de Dilma, segundo o Datafolha - O Globo / Arte

Popularidade de Dilma, Alckmin e Haddad despenca, diz Datafolha

• Aprovação da presidente cai a 23%, menor índice desde janeiro de 2011; tucano perde 10 pontos de ótimo/bom e prefeito é ruim ou péssimo para 44%

• Na sondagem, Dilma obteve 23% de aprovação, Alckmin, 38%, e Haddad, 20%

Pedro Venceslau - O Estado de S. Paulo

A presidente Dilma Rousseff (PT), o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) sofreram uma forte queda de popularidade e estão hoje com índices similares ou até piores do que os registrados após os protestos de junho de 2013, quando os políticos foram os alvos principais das manifestações de rua.

No momento em que a Petrobrás enfrenta sua pior crise e membros do PT são citados na Operação Lava, Dilma caiu de 42% de ótimo/bom em dezembro para 23%, segundo pesquisa do Instituto Datafolha divulgada neste sábado, 7. Por outro lado, 44% dos entrevistados disseram que o governo dela é ruim ou péssimo - em dezembro, eram 23%.

Dos três, Alckmin é o único a ter saldo positivo ao se considerar os índices de ótimo/bom e ruim/péssimo, mas os números indicam que a crise hídrica abalou a imagem do tucano. O governador é considerado ruim ou péssimo por 24% dos paulistas, ante 17% no levantamento anterior, e perdeu 10 pontos de aprovação em relação a outubro: de 48%, o porcentual caiu para 38%. O índice é o mesmo registrado imediatamente após os protestos de 2013, quando Alckmin e Haddad se viram obrigados a cancelar o aumento das tarifas de trem/metrô e de ônibus, respectivamente. Esses preços foram reajustados no fim de 2014.

Haddad, por sua vez, oscilou dentro da margem de erro entre os que consideram ótimo ou bom prefeito, e agora tem 20% (ante 22% em setembro). Em contrapartida, os paulistanos que o consideram ruim ou péssimo agora somam 44%, 16 pontos a mais que no último levantamento.

Petrobrás. Mais da metade dos entrevistados 4 mil entrevistados pelo Datafolha, entre os dias 3 e 5 de fevereiro em 188 municípios do País, consideram que Dilma sabia dos casos de corrupção na Petrobrás. Para 52%, a presidente sabia e deixou que os desvios ocorressem, enquanto 25% acreditam que ela sabia, mas não poderia fazer nada para evitá-la. Apenas 14% dos brasileiros acham que Dilma não sabia do esquema investigado pela Operação Lava Jato. Segundo a pesquisa, 86% dos entrevistados estão informados sobre as prisões de empreiteiros pela Polícia Federal e 82% consideram que a corrupção descoberta pela Lava Jato prejudica a Petrobrás - desses, 45% acham que o futuro da estatal está em risco.

Petrobras contratou 60% das obras por convite

Só para convidados

• No período investigado na Lava-Jato, cresce licitação que favoreceu cartel na estatal

Alexandre Rodrigues, Fábio Vasconcellos e Cleide Carvalho. – O Globo

No intervalo de quase dez anos em que Paulo Roberto Costa e Renato Duque atuaram na diretoria da Petrobras, quase R$ 220 bilhões em contratos da estatal foram disputados apenas por um grupo restrito de fornecedores: os convidados. Esse montante representa 61% de todas as compras feitas pela Petrobras entre 2003 e 2012, quando ocorreram os superfaturamentos investigados pela Operação LavaJato. Levantamento do Núcleo de Jornalismo de Dados do GLOBO apenas sobre os contratos em reais da estatal revela que, nesse período, aumentou consideravelmente o uso de carta-convite para a seleção de fornecedores de obras, serviços e equipamentos. O instrumento limita o número de participantes em uma licitação. Em 2004, apenas 8% dos R$ 15,3 bilhões contratados pela Petrobras foram por meio de convite. No ano seguinte, foram mais de 60%. Em 2009, essa proporção chegou a 76% dos R$ 35,5 bilhões gastos pela companhia naquele ano. Esse patamar só começou a cair em 2012, quando os dois ex-diretores foram demitidos com a chegada à presidência da Petrobras de Graça Foster, que reduziu o ritmo dos investimentos. Ainda assim, no ano passado, a empresa gastou 59% do orçamento por meio de licitações do tipo convite.

Um dos delatores ouvidos pela Polícia Federal disse que esse sistema fortaleceu a ação do cartel de empreiteiras investigadas; três delas foram as mais contratadas por carta-convite. No intervalo de quase dez anos em que Paulo Roberto Costa e Renato Duque atuaram na diretoria da Petrobras, quase R$ 220 bilhões em contratos da estatal foram disputados apenas por um grupo restrito de fornecedores: os convidados. Esse montante representa 61% de todas as compras feitas pela Petrobras entre 2003 e 2012, quando ocorreram os superfaturamentos investigados pela Operação LavaJato. Levantamento do Núcleo de Jornalismo de Dados do GLOBO apenas sobre os contratos em reais da estatal revela que, nesse período, aumentou consideravelmente o uso de carta-convite para a seleção de fornecedores de obras, serviços e equipamentos. O instrumento limita o número de participantes em uma licitação. Em 2004, apenas 8% dos R$ 15,3 bilhões contratados pela Petrobras foram por meio de convite. No ano seguinte, foram mais de 60%. Em 2009, essa proporção chegou a 76% dos R$ 35,5 bilhões gastos pela companhia naquele ano. Esse patamar só começou a cair em 2012, quando os dois ex-diretores foram demitidos com a chegada à presidência da Petrobras de Graça Foster, que reduziu o ritmo dos investimentos. Ainda assim, no ano passado, a empresa gastou 59% do orçamento por meio de licitações do tipo convite.

Esse modelo de concorrência passou a ser usado a partir de 1998, após o fim do monopólio do petróleo, quando um decreto livrou a estatal da lei de licitações que rege o setor público. A intenção era dar mais agilidade à companhia para enfrentar concorrentes. Uma das inovações foi a licitação por convite, na qual a Petrobras não é obrigada a divulgar edital nem aceitar propostas de qualquer interessado. Ela decide quem pode se candidatar. Depoimentos das delações premiadas de Pedro Barusco, ex-gerente executivo de Engenharia da Petrobras, e de Augusto Mendonça, executivo da Setal, revelados na semana passada, apontam que o uso desse tipo de licitação fortaleceu o cartel que direcionava licitações e superfaturava contratos, segundo as investigações.

Mendonça disse à Justiça que o grupo de empreiteiras que se reuniam no que ele chamou de "clube" fez um acordo com Duque e Costa logo no início do governo Lula para que restringissem aos seus integrantes os convites para as licitações. No governo Fernando Henrique (PSDB), as empresas já evitavam concorrer entre si na Petrobras, disse o delator. Mas, com a adesão dos diretores, o "clube" ganhou força para dominar as grandes obras da estatal.

— A partir do final de 2003, começo de 2004, esse grupo conseguiu fazer um acordo com os diretores da Petrobras das áreas de Abastecimento e de Serviços, de modo que as empresas convidadas acabassem se restringindo às participantes do próprio grupo. Aí sim, o grupo passou a ter uma efetividade importante — afirmou Mendonça no depoimento em que explica como as empresas escolhiam as obras que queriam ganhar e encenavam uma disputa. — A empresa acompanhava (o plano de obras da Petrobras) e, quando virasse carta-convite, as outras cumpriam a obrigação de oferecer preços maiores.

Outro delator, o ex-gerente Pedro Barusco, contou à Justiça que foi Rogério Araújo, executivo da Odebrecht, quem decidiu os convidados para as licitações das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Segundo Barusco, que era braço-direito de Duque, Araújo disse ter combinado a lista com Paulo Roberto Costa. A obra, iniciada em 2007, foi dividida em 12 contratos, vencidos por consórcios formados por várias empresas investigadas na Lava-Jato, entre elas a própria Odebrecht.

Barusco também afirmou que o cartel era antigo, mas que Duque e Costa facilitaram muito a manipulação das concorrências. O aumento dos projetos da Petrobras na época gerou mais chances para licitações por convite nas áreas de Abastecimento e Serviços. Entre 2004 e 2012, o investimento anual da estatal subiu de US$ 8,9 bilhões para US$ 42,9 bilhões.

Técnicos da Petrobras e fornecedores ouvidos pelo GLOBO consideram as licitações por convite essenciais para dar agilidade à Petrobras, mas admitem que algumas características podem favorecer o cartel. Sem o edital de uma licitação convencional, a seleção pode ocorrer sem que outros fornecedores fiquem sabendo. Ainda que viciada, a contratação não precisa de justificativa. Na dispensa de licitação, por exemplo, é preciso comprovar o motivo, o que deixa o certame mais vulnerável aos mecanismos de controle. Por fim, o grupo fechado de concorrentes pode fazer acordos com informações confidenciais de executivos da estatal.

As empresas investigadas pela Operação Lava-Jato foram as que mais lucraram com contratos vencidos em licitações por convite entre 2003 e 2012. O Consórcio Rnest-Conest, associação entre as construtoras OAS e Odebrecht para obras da Refinaria Abreu e Lima, lidera a lista com contratos que somam R$ 6,3 bilhões. Em segundo lugar, com R$ 5,3 bilhões, está a UTC, apontada por Mendonça como coordenadora do "clube". Outro consórcio, liderado pela Camargo Corrêa, para Abreu e Lima ficou com R$ 5,2 bilhões. Também se destacam a Alumini, que atua no Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), e dois consórcios de obras da Repar, refinaria no Paraná. Todas são obras que têm contratos investigados pelo Ministério Público e a Polícia Federal na Lava-Jato.

O fato de uma empresa vencer licitação por convite não é, por si só, motivo de suspeita, já que a modalidade é legal. No entanto, as revelações da Lava-Jato chamam a atenção para brechas no modelo.

— O regulamento de compras da Petrobras é todo vulnerável a direcionamentos e à corrupção. Seria bom que ele fosse alterado, mas o mais importante é um gerenciamento eficiente desses processos — diz Claudio Weber Abramo, diretor da ONG Transparência Brasil. — É impossível o funcionamento do cartel sem a coordenação de quem estava na Petrobras.

Delator detalha R$ 1,2 bi em propina para PT e executivos

• Lista entregue por ex-gerente mostra valores obtidos por meio de 89 contratos

• Planilha indica que desvios na Petrobras renderam R$ 455,1 mi ao partido, que nega ter obtido dinheiro ilegal

Mario Cesar Carvalho, Gabriela Terenzi - Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os 89 maiores contratos da Petrobras foram a fonte para um volume total de propina que chega a R$ 1,2 bilhão, segundo valores contidos em planilha entregue aos procuradores da Operação Lava Jato por Pedro Barusco, ex-gerente da petroleira, e corrigidos pela inflação do período.

Os contratos listados por Barusco somam R$ 97 bilhões. O suborno equivale a 1,3% deste valor. Em depoimento que prestou após acordo de delação premiada, o ex-gerente citou que a propina variava de 1% a 2% do valor contratado.

A tabela de cinco páginas detalha em que acertos houve propina, quem pagou, o nome do intermediário, em que data e como o dinheiro foi dividido entre o PT, o ex-diretor de Abastecimento, Paulo Roberto Costa, o ex-diretor de Serviços, Renato Duque, e o próprio Barusco.

Duque ocupou o cargo por indicação do PT, o que seus advogados negam.

No acordo que assinou, Barusco se comprometeu a devolver US$ 97 milhões que recebera de suborno.

De acordo com a planilha, o PT ficou com a maior parte dos recursos: R$ 455,1 milhões, equivalente hoje a US$ 164 milhões. O partido nega ter recebido doações ilegais.

No depoimento aos procuradores, Barusco disse que a parte do suborno que ficara com o PT era de US$ 150 milhões a US$ 200 milhões.

A empreiteira que mais pagou propina, segundo a lista de Barusco, é a Engevix. A empresa ocupa essa posição porque conquistou o maior contrato citado pelo ex-gerente na planilha, de R$ 9 bilhões, para a construção de cascos de navio para a exploração do pré-sal.

Nesse caso, detalha Barusco, a propina foi de 1% do valor do contrato (R$ 90 milhões), dividida em partes iguais entre o PT e a diretoria de Serviços da estatal.

Os pagamentos listados ocorreram entre maio de 2004 e fevereiro de 2011, nos governos Lula e Dilma Rousseff.

Os dados mostram que a maior parte da propina foi paga em 2010, ano da primeira eleição de Dilma. De acordo com a tabela, foram embolsados R$ 374 milhões. Desse total, o PT teria ficado com R$ 120 milhões.

Metódico
O material apresentado por Barusco é organizado ao ponto de apresentar os centavos de obras bilionárias da Petrobras. Onze agentes que intermediavam a propina são mencionados, entre os quais Julio Camargo --ligado à empresa Toyo Setal e também delator do esquema-- e Idelfonso Colares, presidente da Queiroz Galvão até 2013.

Já na coluna sobre a divisão do suborno, Barusco usa códigos: "part" para Partido dos Trabalhadores, "PR" para Paulo Roberto Costa e "casa" para identificar a diretoria de Serviços.

Em alguns casos, a divisão da "casa" aparece detalhada. Em uma obra na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, por exemplo, há a indicação "(0,6MW 0,4Sab)" ao lado do registro de uma propina de 1% para a diretoria.

"MW" é uma referência a Renato Duque, a quem Barusco se referia como "My Way", título de canção interpretada por Frank Sinatra. "Sab" identifica o próprio ex-gerente da Petrobras, numa alusão a Sabrina, nome de uma ex-namorada, segundo ele relatou à Polícia Federal.

Assim, só nesse contrato Duque levou R$ 7,9 milhões e Barusco, R$ 5,3 milhões.

Empresas paralelas também usadas para propina

• Planilhas entregues por Barusco apontam que obras do Gasene serviam para pagar comissão ao PT e a agentes públicos

O Globo

BRASÍLIA- Dois trechos da rede de gasodutos Gasene, que interliga o Sudeste ao Nordeste, serviram para pagamento de propina ao PT e a gestores da Petrobras, como consta em planilha entregue ao Ministério Público Federal (MPF) por um dos delatores do esquema de desvios da estatal, o ex-gerente Pedro Barusco. Conforme a tabela, a propina — no valor de R$ 6,3 milhões — foi paga a partir de três contratos.

O gasoduto foi construído por uma empresa de fachada, num modelo de sociedade de propósito específico (SPE) que dificultou a fiscalização por órgãos de controle e permitiu suposto superfaturamento superior a 1.800%, dispensas ilegais de licitação, pagamentos sem serviços prestados e ausência de projetos básicos, como O GLOBO revelou em série de reportagens publicadas em dezembro e janeiro. Outras quatro SPEs estruturadas pela Petrobras desenvolveram 15 projetos que resultaram em pagamento de propina, como consta na tabela entregue por Barusco.

As SPEs são estruturas previstas em lei, constituídas como empresas privadas para captação de recursos no mercado. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU), no entanto, apontaram um risco de "descontrole" na criação de SPEs pela Petrobras, que vem usando esse modelo para driblar a fiscalização por órgãos como TCU e Controladoria-Geral da União (CGU). O argumento recorrente da estatal é que os empreendimentos são privados e não deveriam ser objeto de fiscalização.

Desde a década de 90, a Petrobras criou 24 SPEs, responsáveis por investimentos de quase US$ 22 bilhões. Agora se sabe, por meio da delação de Barusco, que projetos decorrentes de cinco SPEs serviram para supostos pagamentos milionários a agentes públicos e ao PT. Os 15 projetos listados, dos 87 que constam na planilha, envolveram gastos de R$ 5,8 bilhões mais US$ 2,4 bilhões (R$ 6,7 bilhões, pela cotação do dólar de sexta-feira).

Peemedebistas resistem a aceitar cargo de líder do governo no Senado

• Em sua 1ª semana na presidência da Câmara, Cunha consegue isolar PT

- O Globo

Como forma de marcar a posição de independência também no Senado — a Câmara já tem adotado essa postura há algum tempo —, caciques peemedebistas têm defendido que o partido não mais assuma a função de liderar o governo na Casa. Alguns senadores do PMDB foram sondados para a tarefa, mas nenhum se dispôs a aceitá-la.

— De que adianta uma passagem em camarote de primeira classe no Titanic? É um navio condenado a afundar, o melhor a fazer é desembarcar dele — diz um peemedebista da cúpula.

Líderes do partido afirmam que a próxima etapa será aguardar os resultados da Operação Lava-Jato e, a partir dessa depuração, trabalhar na formação de uma nova cara do partido. Uma das providências defendida por alguns peemedebistas, mas que encontra resistências internas, seria a saída do vice-presidente da República, Michel Temer, da presidência da legenda.

— Ele é cobrado dos dois lados e acaba não agradando ninguém. Quando tem de atender o governo, deixa a bancada insatisfeita; quando atua pelo PMDB, é o governo que não gosta. É incompatível continuar como presidente do partido e vice de Dilma — resume um peemedebista.

Historicamente, Temer sempre foi visto como um representante da bancada do partido na Câmara, mas nunca foi bem aceito pela ala do Senado. Ainda assim, há 14 anos consegue se eleger presidente nacional da legenda.

Enquanto o PMDB planeja sua reformulação, o PT bate cabeça e vive atritos com o principal aliado. Depois de trabalhar fortemente contra a eleição do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara, e ser derrotado na disputa, nesta primeira semana de Congresso, o PT sofreu outro revés. Em uma demonstração de força, Cunha conseguiu isolar os petistas e aprovou em plenário a admissibilidade da reforma política, que vinha sendo mantida há meses pelo PT nas gavetas da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Logo depois, os petistas enfrentaram mais um contratempo: a criação de uma CPI para investigar as denúncias de corrupção na Petrobras. A ação, conduzida pelos partidos de oposição e com apoio de deputados da base, contou com o patrocínio de Cunha, que afirmou diversas vezes, durante sua campanha à presidência da Câmara, ser favorável à CPI.

Em um gesto de que pretende melhorar a relação com o PMDB na Câmara, o Planalto demitiu Henrique Fontana (PT-RS) da função de líder do governo, que havia se desgastado com Cunha, e nomeou José Guimarães (PT-CE), que assumiu com acenos ao aliado. O governo pode tentar uma composição com Cunha. Na última quinta-feira, a presidente Dilma Rousseff chamou os presidentes das duas casas e Temer, para "quebrar o gelo".

Nos seus primeiros dias de volta ao Congresso, Cunha deixou claro que pretende se afirmar em um papel de protagonismo, que não deixa espaço para o PT — ao menos enquanto o Palácio do Planalto se mantiver na posição de vê- lo como adversário preferencial.

Opinião pública reflete choque de realidade do pós-eleição

Mauro Paulino, Alessandro Janoni – Folha de S. Paulo

O Datafolha traz hoje a maior taxa de pessimismo quanto à inflação que registrou em mais de 20 anos. Nota-se também recorde negativo na percepção sobre o poder de compra dos salários.

O cenário se completa pelo índice expressivo dos que esperam alta no desemprego nos próximos meses. O percentual supera, pela primeira vez na era petista, os 60%.

Dilma Rousseff inicia o segundo mandato com a maior parte da população reprovando seu governo, algo que não acontecia a um presidente desde março de 2000, quando 43% consideravam ruim ou péssima a gestão FHC.

O atual momento, aliás, guarda semelhanças com o início do segundo mandato do tucano. Pesquisa do Datafolha em fevereiro de 1999 mostrava abalo na popularidade de FHC logo após a reeleição, além de um pessimismo crescente na economia.

Em relação ao desemprego, a taxa dos que esperavam o pior alcançou, na ocasião, 72%. O resultado refletia a política cambial adotada após a vitória nas urnas, iniciativa descartada na campanha.

Agora, a maioria identifica mentiras no discurso de Dilma na corrida eleitoral.

A composição polêmica do ministério, alta de preços, apagões e estiagem em áreas populosas são fatores que frustram parcela significativa do eleitorado, inclusive os mais fiéis --no Nordeste, a aprovação da petista caiu de 53% para 29% e a de reprovação subiu de 16% para 36%.

É compreensível, assim, o fato de 54% julgarem Dilma "falsa" --ante 13% em 2012. Mas o desgaste dos atributos de imagem da petista e do PT guardam correlação também com a repercussão da Operação Lava Jato e de suas consequências para a Petrobras.

O episódio elevou a corrupção ao patamar de um dos principais problemas do país para os brasileiros, com percentual de menção espontânea próximo ao da saúde e superior ao da segurança.

Nessa espécie de ressaca democrática que o Brasil vive às vésperas do Carnaval, resta saber o quanto a população absorverá das propostas para remediar a economia e a credibilidade do país.

A eficiência demonstrada pela equipe de comunicação na campanha de Dilma está posta à prova, agora para reverter o próprio feitiço.

Elementos que derrubaram aprovação estão aí para ficar

Igor Gielow - Folha de S. Paulo

Os números do Datafolha sobre o desempenho do governo Dilma impressionam negativamente, mas é o contexto no qual eles se apresentam que gera o adensamento das nuvens negras que se instalaram sobre o Planalto desde a reeleição da presidente.

No outro momento de grande baque em sua popularidade, na esteira dos protestos de junho de 2013, havia margem de manobra de mão dupla. De um lado, o governo podia empacotar medidas reativas; do outro, o fôlego das ruas perdeu-se.

Agora não há esse espaço. Todos os elementos que derrubaram a aprovação da presidente a níveis inéditos estão aí para ficar: a destruição da Petrobras, os impactos políticos do petrolão e as dificuldades econômicas.

Inflação e desemprego irão subir para a maioria esmagadora dos pesquisados, e essas são percepções de vida real que nenhum programa eleitoral consegue nublar.

A segunda posição da corrupção como maior problema do país chama a atenção. Nem no mensalão isso ocorreu.

Concorrem também os efeitos da crise hídrica. Falta de água é problema estadual na ponta, mas o governo central paga a conta simbólica. Já um eventual racionamento de energia ganha a aura de uma bala de prata federal.

As dificuldades políticas superam, e muito, as de 2013. Se não há ruas, há o Congresso com as dificuldades personificadas em Eduardo Cunha (PMDB-RJ) pela frente.

Lançamento de pacotes ou medidas não inspiram tampouco confiança. Para os entrevistados, sai a Dilma decidida e sincera de 2011 e surge a presidente indecisa e falsa --e desonesta, segundo nova aferição que contraria a avaliação que pesquisas internas do Planalto sempre fizeram.

Pior para o governo, não há margem fiscal para bondades como o aumento do salário mínimo pós-mensalão.

Uma dificuldade extra toma forma no estilo da presidente, que está crescentemente isolada na política, como a escolha de Aldemir Bendine para o lugar de Graça Foster na Petrobras mostrou.

Uma saída comodista, e incerta, seria a abertura das comportas fisiológicas para o Congresso, deixar o loteamento dos ministérios tomar seu curso, convocar o marqueteiro João Santana e seguir o conselho do ministro das Minas e Energia: rezar para chover.

Sequência de fatos negativos em menos de 40 dias

• Do apagão à derrota na Câmara, governo colecionou más notícias

Luiza Damé – O Globo

Após passar pelos protestos de rua de 2013, atravessar a Copa do Mundo e obter a reeleição, Dilma Rousseff enfrenta um duro verão. A sequência de abalos em menos de 40 dias de governo se refletiram na drástica queda de popularidade. Os problemas vêm até dos aliados. Não bastasse o escândalo na Petrobras, o Palácio do Planalto foi derrotado na eleição do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

O setor elétrico vive risco de novos apagões, apesar do aumento das tarifas de luz. O cenário é agravado pela crise hídrica em vários estados. Para completar, Dilma tirou da manga o nome de Aldemir Bendine para presidir a Petrobras. Mas a escolha do presidente do Banco do Brasil repercutiu mal no mercado.

Os problemas tiveram seu pico na última semana. Em 1º de fevereiro, o governo foi derrotado na Câmara, com a eleição de Cunha em primeiro turno, derrotando o petista Arlindo Chinaglia ( SP). Derrota "humilhante", em primeiro turno, conforme definiu um ministro. Na sequência, Cunha anunciou que poria em votação a proposta de emenda constitucional do orçamento impositivo, que o PT protelava.

Renúncia em bloco na estatal
A última terça-feira foi de pânico no Planalto: vazou a informação de que Dilma aceitara, para março, a demissão da então presidente da Petrobras, Graça Foster, e de sua diretoria. Em reação, os diretores da estatal se rebelaram e renunciaram em bloco. Quinta-feira, Cunha anunciou a criação da CPI da Petrobras, na Câmara.

— Foi a pior semana desde 2013 — desabafou um ministro, referindo-se aos protestos na Copa das Confederações.

Para o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), a situação é passageira. Segundo Sibá, o apagão foi causado por falha técnica, já superada, e o governo vem tomando as providências para manter o fornecimento de energia. A CPI da Petrobras, avalia, não avançará nas investigações feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Mas ele admite a necessidade de recomposição da base no Congresso.

Para piorar, a inflação de janeiro foi a 1,24%, a maior desde 2003. E houve a alta nos combustíveis, causada pelo pacote com aumento de impostos anunciado antes. Por fim, o depoimento do ex- gerente de Serviços da Petrobras Pedro Barusco, que acusou o PT de ter recebido US$ 200 milhões em propina do esquema de corrupção a estatal. (Colaborou Catarina Alencastro).

Queda de popularidade é maior que a esperada pelo Planalto

• Para reverter alta adesão à avaliação "muito ruim", a aposta é criar uma agenda positiva o quanto antes

Isadora Peron, Rafael Moraes Moura - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Após o anúncio do aumento no preço dos combustíveis, do pacote de ajuste fiscal e da sucessão de denúncias envolvendo a Petrobrás, o Palácio do Planalto já esperava que a popularidade da presidente Dilma Rousseff fosse cair. A dimensão da queda, porém, surpreendeu até os auxiliares mais pessimistas.

“Isso é decorrência do estelionato eleitoral. As pessoas se sentem ludibriadas”, afirmou o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN)

A queda de 19 pontos na avaliação positiva do governo é reconhecida como “muito ruim”. Para revertê-la, a aposta é criar uma agenda positiva o quanto antes. No curto prazo, a ideia é explorar os programas sociais voltados para a classe média, com os lançamentos do Mais Especialidades e da terceira fase do Minha Casa, Minha Vida.

Para o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC), o governo precisa deixar claro que não será o trabalhador quem vai pagar a conta do ajuste fiscal. Para ele, parte da queda de popularidade da presidente pode ser atribuída à mobilização das centrais sindicais contra as mudanças no seguro-desemprego, o que teria gerado descontentamento quem costuma apoiar o PT.

‘Estelionato’. Entre os oposicionistas, foi consenso creditar a queda no índice de aprovação de Dilma ao que se tem chamado de “estelionato eleitoral”.

“A presidente colhe hoje os resultados das mentiras sucessivas que lançou ao País e que conduziram a sua campanha eleitoral. O Brasil real aflora a cada dia e não há marketing ou propaganda capaz de esconder a grave realidade enfrentada pelos brasileiros”, disse em nota o presidente do PSDB e candidato derrotado ao Planalto, senador Aécio Neves (MG).

“Isso é decorrência do estelionato eleitoral. As pessoas se sentem ludibriadas”, afirmou o presidente do DEM, senador Agripino Maia (RN)

Merval Pereira - O poço é mais fundo

- O Globo

No momento em que o impeachment da presidente Dilma tornou-se tema central do debate político brasileiro, com a própria presidente falando em ter forças para “reagir ao golpismo” e o ex-presidente Lula afirmando que os adversários querem impedir que Dilma cumpra seu mandato, uma pesquisa do Datafolha refletindo o sentimento predominante entre os cidadãos brasileiros coloca mais lenha na fogueira.

A presidente Dilma Rousseff, segundo o Datafolha, teve a maior queda de popularidade de um presidente entre uma pesquisa e outra desde o plano econômico do então presidente Fernando Collor, em 1990. Naquela ocasião, entre março, antes da posse, e junho, a queda foi de 35 pontos (71% para 36%).

Em dezembro passado, já reeleita, Dilma tinha 42% de ótimo/bom e 24% de ruim/péssimo. Agora, os números praticamente se inverteram: tem 23% de ótimo e bom e 44% de ruim e péssimo. Após as manifestações em 2013, depois de uma queda espetacular de 57% de bom e ótimo para apenas 30%, parecia que a presidente tinha chegado ao fundo do poço. A pesquisa de hoje mostra que o poço é mais fundo.

Seis de cada dez entrevistados consideram que Dilma mentiu na campanha eleitoral. Para 46%, falou mais mentiras que verdades, e esse índice é alto (25%) mesmo entre os petista. Para 14%, Dilma disse só mentiras na campanha presidencial. O Datafolha registra que esses são as piores marcas de seu governo, e a mais baixa avaliação de um presidente da República desde Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em dezembro de 1999 (46% de ruim/péssimo).

As duas ocasiões históricas guardam semelhança com o momento que o país vive. Fernando Collor teve sua popularidade derrubada pelo confisco da poupança, que acusava Lula de pretender fazer na campanha presidencial, e continuou em crise com as denúncias de corrupção no seu governo. E Fernando Henrique viu sua popularidade despencar devido à desvalorização do Real logo depois de ter sido reeleito. Ele prometera na campanha que não faria a desvalorização, e a partir daí nunca mais recuperou suas melhores condições políticas.

O PT na ocasião fez uma campanha pelo impeachment de Fernando Henrique, baseado justamente na acusação de ter cometido um estelionato eleitoral, e José Dirceu, o principal líder do partido então, argumentou contra os que acusavam os petistas de golpistas: "Qualquer deputado pode pedir à Mesa da Câmara a abertura de processo [de impeachment] contra o presidente da República. Dizer que isso é golpe é falta de assunto."

No caso de Collor, foi o ex-presidente Lula quem comentou o impeachment, anos depois, no programa de Sérgio Grossman na Rede Globo. Sua fala está novamente espalhada pela internet diante da acusação do PT de que quem defende o impeachment de Dilma quer o golpe na democracia.

Disse Lula: “O que foi gratificante é que tudo aquilo que nós denunciávamos se provou verdadeiro. Não apenas nós, mas uma parte da imprensa denunciava, intelectuais denunciavam, artistas denunciavam, todo mundo sabia por que o passado político do Collor era um passado político tenebroso. Foi uma pena que precisou 3 anos para provar, mas foi uma coisa importante por que o povo brasileiro, pela primeira vez na América Latina, deu a demonstração de que é possível o mesmo povo que elege o político, destituir esse político. Peço a Deus que o povo brasileiro não esqueça essa lição”.

A crise econômica misturou-se à crise política e armou-se o quadro propício ao impeachment de Collor. No caso de Fernando Henrique, não houve condições políticas para o PT viabilizar o impeachment, e não se caracterizou uma crise na economia, apesar de seu baixo crescimento.

Em 2005, o escândalo do mensalão só não resultou no impeachment de Lula por que a economia melhorou no processo e sua popularidade, mesmo atingida pelo escândalo, fazia temer embates sociais nas ruas.

Como se vê pelos fatos e pelos comentários do próprio Lula, o impeachment é um processo mais político que jurídico, e por isso mesmo de longa duração. Depende de que condições extraordinárias sejam estabelecidas, tanto no campo político quanto no econômico, para ser utilizado.

Mas nunca pode ser tido como um instrumento antidemocrático.

Dora Kramer - Estado de alerta

- O Estado de S. Paulo

O PT, Luiz Inácio da Silva à frente, resolveu reeditar o discurso da vítima de perseguição política para tentar se precaver do que vier adiante em decorrência da Operação Lava Jato.

Pura falta de melhor argumento no momento. Quem esteve com o ex-presidente nesta semana no Instituto Lula – precisamente no dia em que o tesoureiro João Vaccari Neto foi levado a depor na Polícia Federal – pode aquilatar que ele tem perfeita noção da gravidade da situação. A luz amarela acendeu no Instituto Lula.

Ao contrário do Palácio do Planalto, onde a presidente Dilma Rousseff não perde a oportunidade de repetir – e agradece a quem puder fazê-lo por ela em público – que não “tem nada a ver” com Vaccari, no escritório do ex-presidente sabe-se perfeitamente que todo mundo no PT “tem a ver” de alguma forma com o tesoureiro do partido.

Na sexta-feira, dia seguinte ao depoimento de Vaccari, ressurgiram os antigos bordões sobre “golpes”, urdiduras para “criminalizar” o PT, alertas para a possibilidade de “julgamentos políticos e não jurídicos” e as inevitáveis comparações com o mensalão, aquele caso que só existiu na mente dos conspiradores.

Soaram especialmente estapafúrdias as suspeitas levantadas a respeito da conduta da PF ao conduzir o tesoureiro de maneira coercitiva para depor, porque contrastam com o esforço feito pela presidente Dilma Rousseff para convencer o País de que o escândalo da Petrobrás só existe porque o governo dela não dá trégua à corrupção.

Ao saber que a polícia queria do tesoureiro informações sobre doações legais e ilegais feitas por empresas que tinham contratos com a Petrobrás, o presidente Rui Falcão foi dos primeiros a atestar que no PT não tem caixa 2, só recursos devidamente contabilizados.

Isso agora que o pessoal dos recursos não contabilizados já está condenado e não precisa mais da tese do crime eleitoral para negar corrupção. Nessa altura pouco importa a coerência ou verossimilhança das alegações.

Nem os petistas acreditam de fato na narrativa do “golpismo” tantos são os fatos que deixam o partido atarantado diante de um governo que comete um erro atrás do outro e, além disso, não se comunica para dentro nem para fora. O PT simplesmente não tem o que dizer no momento além de atribuir culpas a inimigos difusos.

Fosse falar a verdade do que se diz internamente, os responsáveis pelas agruras seriam outros: a presidente e os ministros “da casa”, Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Pepe Vargas.

A presidente da República nada diz que guarde relação com a realidade. Sobre as questões importantes Dilma se cala e, com isso, dissemina inquietação no PT. O ex-presidente Lula tem ouvido de correligionários apelos para que comande algum tipo de reação. Na política.

As declarações dele na reunião do diretório nacional do partido em Belo Horizonte obedeceram ao modelo antigo, mas não traduzem o real estado de espírito de Lula sobre os rumos do governo, a administração (ou falta de) das crises e os desdobramentos da Lava Jato. O blazer, a calça e a camisa pretos refletiram melhor.

As bravatas ditas em público sobre a necessidade de o partido “reagir aos ataques” são apenas bravatas. Na realidade nua e crua há noção da gravidade e da imprevisibilidade da situação. Os petistas falam em defender Vaccari como se o alvo fosse a pessoa física. Lula disse que “na dúvida” ficava com o “companheiro”, Rui Falcão externou confiança de que ele “nunca pôs dinheiro no bolso”.

Não é disso que se trata. O que se investiga é o repasse de uma parte de dinheiro de contratos da Petrobrás para partidos políticos. Entre eles o PT do qual Vaccari seria, segundo os delatores, o encarregado de intermediar as operações. Não é ele quem está sendo acusado de receber propina, é o partido.

Bernardo Mello Franco - O mensalão virou fichinha

- Folha de S. Paulo

Não é só no volume de dinheiro desviado que o assalto à Petrobras já se tornou maior que o mensalão. Seu impacto sobre a avaliação do governo também ultrapassa de longe o do escândalo de 2005, mostra a nova pesquisa Datafolha.

Quando Lula vivia o pior momento, com seu principal ministro acusado de comprar apoio de políticos no Congresso, 29% dos brasileiros consideravam o governo ruim ou péssimo. Agora são 44% os que reprovam a administração de Dilma Rousseff.

A corrupção encostou na saúde como o problema que mais preocupa as pessoas. E o petrolão começou a contaminar a imagem da presidente, que passou a ser vista como "desonesta" por 47% dos entrevistados.

A indignação com os desvios se soma à apreensão com a economia. O medo do desemprego disparou, e quatro em cada cinco pessoas acreditam que a inflação vai subir mais.

Na sexta-feira, o IBGE informou que a alta de preços em janeiro bateu um recorde de 12 anos. O que está ruim deve piorar em breve, com o reajuste nas contas de luz.

Na campanha, o PT dizia que a comida sumiria da mesa das famílias se a oposição chegasse ao poder. As famílias reelegeram Dilma e agora reagem ao se ver sob a mesma ameaça.

Nem o tucano mais fanático poderia imaginar um quadro como o de hoje: a presidente se reelegeu e, depois de apenas três meses, seu governo parece se desmanchar.

A falta de água, o risco de apagão e um Congresso mais hostil do que nunca completam a equação explosiva. Não é à toa que a hipótese de um processo de impeachment passou a rondar as conversas em Brasília, embora ainda não haja provas de envolvimento da presidente no petrolão.

Em 2005, Lula se disse traído, jogou aliados ao mar e usou seu carisma único para reagir. A economia ajudou, e ele conseguiu se erguer da lona. Mergulhada em uma crise mais grave e sem a força política do padrinho, Dilma aparenta não ter ideia do que fazer para sair do buraco.

Luiz Carlos Azedo - O Leviatã de Dilma Rousseff

• A opção esperada era o alinhamento da nova diretoria da Petrobras com a nova orientação da economia. Decidiu-se fazer o contrário

- Correio Braziliense

No Livro de Jó, do Antigo Testamento, o Leviatã é descrito como um gigantesco monstro aquático. Ninguém poderia afrontá-lo e sair com vida. Deus assim o descreve no diálogo com Jó: “Quando se levanta, tremem as ondas do mar, as vagas do mar se afastam. Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo. O ferro para ele é palha, o bronze, pau podre.” A imagem bíblica serviu de inspiração para O Leviatã, de Thomas Hobbes (1587-1666), obra seminal da moderna teoria do Estado, escrita durante a guerra civil na Inglaterra e publicada em 1661.

Hobbes parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades. No chamado estado natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a guerra de todos contra todos, não pode haver comércio, indústria ou civilização, e a vida do homem é solitária, pobre, suja, brutal e curta.

A existência de um “contrato social” em que o Estado deteria consigo todo o poder da sociedade é a garantia da paz e da defesa comum dos indivíduos contra o caos e as guerras. Essa é a gênese do Estado absolutista — no qual todos se tornam súditos e o soberano, representante da vontade do povo, detentor da autoridade delegada pelos homens —, que operou a transição do feudalismo para o mercantilismo e a formação dos impérios modernos.

A presidente Dilma Rousseff, como os velhos jacobinos e os nossos castilhistas, acredita que o Estado pode tudo. Na juventude, sonhou que a tomada do poder pelas armas seria o bastante para se chegar ao paraíso. Com a anistia e a redemocratização do país, fez carreira política no poder instalado, primeiro em Porto Alegre, depois em Brasília. Tem todos os motivos para acreditar nisso: assim chegou ao Palácio da Alvorada, onde reside. Venceu duas eleições presidenciais, é bem verdade, mas atalhou o caminho pela força do Estado. Sem ele, de nada adiantaria o prestígio eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não seria nem sequer candidata.

Essa concepção, na sua essência, tem uma matriz autoritária; golpista, sim, pois pressupõe uma vontade acima e alheia à opinião pública, cuja importância só é levada em conta nas eleições para ser manipulada pelo marketing. Essa é a única explicação plausível para a decisão de nomear um bancário do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, para o comando da Petrobras. Um quadro cascudo da alta burocracia petista, que não tem medo de crises de imagem nem de denúncias, mas sem nenhuma experiência na área de petróleo e gás.

A fortaleza
Não foi uma decisão desprovida de senso lógico, muito pelo contrário. Com o preço do petróleo em baixa, a exploração do pré-sal em grandes profundidades foi para as calendas; com o escândalo da Lava-Jato, os grandes projetos de ampliação da planta instalada de refino estão paralisados. As prioridades são a contabilidade da estatal, cujo balanço precisa ser maquiado, auditado e publicado, e uma negociação complicada com o mercado financeiro, uma vez que os acionistas minoritários estão em pé de guerra. No exterior, já pululam as ações judiciais; suspeita-se que houve uma milionária jogada financeira na Bolsa entre sua escolha e o anúncio dessa decisão porque alguém passou do bizu.

Mas tem também a necessidade de preservar o projeto de poder do PT e o modelo de capitalismo de Estado que entrou em xeque com o fracasso da “nova matriz econômica” e a volta do “mais do mesmo” — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. A opção esperada era o alinhamento da nova diretoria da Petrobras com a nova orientação da economia. Dilma decidiu fazer o contrário: transformar a estatal e todo o arranjo industrial que a cerca numa fortaleza inexpugnável do seu Leviatã contra o mercado.

A imagem do monstro bíblico vem de novo a calhar porque serve de conceito para um estudo dos economistas Aldo Musacchioo, professor da Harvard Business Scholl, e de Sérgio G. Lazzarini, do Insper — Instituto de Ensino e Pesquisa, intitulado Reinventando o capitalismo de Estado (Portgfolio/Penguin). É um estudo comparado, com foco especial no Brasil, no qual são conceituadas três modalidades de Leviatãs ou, digamos, de “matriz econômica”: o empreendedor, o acionista majoritário e o acionista minoritário. Temos as três: respectivamente, a Eletrobras, a Petrobras e a Vale.

Mas o “case” de destaque do livro é a JBS, que se tornou a potência global do mercado de carne e frango num passe de mágica, com dinheiro do BNDES. Doou ao todo R$ 352 milhões nestas eleições, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais R$ 69,2 milhões foram destinados à campanha de Dilma à reeleição. Também desembolsou R$ 61,2 milhões aos postulantes a uma vaga na Câmara dos Deputados e R$ 10,7 milhões aos candidatos ao Senado. É ou não é para acreditar no Livro de Jó?

Eliane Cantanhêde - Por que Dilma erra


- O Estado de S. Paulo

A escolha de Aldemir Bendine para a Petrobrás é uma síntese dos erros de Dilma Rousseff: teimosia, arrogância, escolhas erradas, incapacidade de olhar ao redor. Resultado? Isolamento.

A queda de Graça Foster abriu uma janela de oportunidades para o governo mostrar que “agora, vai!”. A alternativa era acertar ou acertar, para iniciar uma nova fase e interferir positivamente no rumo das coisas, no tom do noticiário e no humor geral. Dilma jogou fora. Vejamos.

Teimosia: depois de meses respirando artificialmente, Foster caiu quando o seu caráter falou mais alto do que a conveniência e a vaidade e ela decidiu expor publicamente as projeções de perdas bilionárias com a roubalheira na Petrobrás. Dilma ficou uma fera e só por isso fez o que deveria ter feito havia tempos. E fez de mau jeito.

Arrogância: o ex-presidente Lula tinha razão ao sugerir Henrique Meirelles. Com todas suas chatices e idiossincrasias, Meirelles é homem do mercado, experiente, testado, reconhecido internacionalmente. Seria um choque em si, com dois efeitos imediatos: as bolsas disparariam e os ânimos dentro e fora seriam outros – em relação à Petrobrás e ao Brasil. Mas, que pena!, Dilma implica com Meirelles. O resultado foi o oposto.

Escolhas erradas: mulher difícil, de personalidade forte, de poucos amigos – e de poucas equipes –, Dilma costuma se cercar de gente que ela mal conhece, mas que pensa o mundo e o País exatamente como ela e que lhe bate continência. Escolhe de frente para o espelho, ou olhando para baixo. Daí as surpresas, e Erenice Guerra é a mais reluzente.

Não olhar em volta: na política, Dilma perdeu feio na eleição para a presidência da Câmara. Na economia, a sequência de notícias ruins é irritante (a última é que a inflação de janeiro é a maior para o mês desde 2003...). A Operação Lava Jato está a jato mesmo. E temos esses probleminhas aí de luz e água. Mas Dilma age como se esse ambiente pavoroso fosse obra cruel de adversários e da imprensa. Lula diz essas coisas por esperteza. Os eleitores petistas, porque precisam acreditar, alimentar a fé. Mas Dilma, aparentemente, acha mesmo.

E chegamos ao isolamento. Petistas se descolam do governo, deputados e senadores de partidos aliados assinam requerimentos de CPIs, o mundo empresarial, financeiro, sindical, acadêmico vê que algo está errado e, quanto mais errado, mais quer distância. Ilhada, Dilma fica ruminando sua ira e multiplicando inimigos reais e imaginários cercada pela meia dúzia que pensa igual a ela. Conversando com o próprio umbigo.

Aldemir Bendine foi alçado em 2009 à presidência do Banco do Brasil dentro da estratégia de Lula de reagir à crise internacional alargando o crédito e fortalecendo o consumo interno. Cumpriu bem a missão, entrega o BB com bons resultados. Mas seu principal cacife é frequentar o Palácio da Alvorada, ajoelhar, rezar e dizer amém para a chefe.

Bendine não é um grande nome da iniciativa privada, não tem dimensão internacional, não tem a autonomia que o momento da Petrobrás exige. E... as páginas da imprensa estão salpicadas de casos constrangedores envolvendo seu nome, como o tal empréstimo do BB à socialite Val Marchiori. Convenhamos, não chega a ser exatamente o homem certo, na hora certa, para apagar o gigantesco incêndio na nossa Petrobrás.

PS – Para melhorar o humor do domingo, diga-se que não há clima de impeachment, discussão perigosa e circunscrita a um nicho de São Paulo, e que Dilma tem algo poderoso a seu favor: o tempo. A casa está desabando, mas o mandato está bem no início e ela tem quatro anos para reforçar os alicerces, recompor as paredes e trocar o telhado (de vidro?). Só não pode continuar errando uma atrás da outra. Aí, depende só dela.

Elio Gaspari - Distritão, boa ideia para ser discutida

- O Globo

Tudo indica que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, destravará o debate da reforma política, obstruído há um ano pelo PT, que sonha com plebiscitos e votos de lista. Tramita na Câmara um projeto que pode ser discutido, emendado e aprovado até agosto deste ano.

É um assunto chato e cheio de detalhes. Um dos seus principais pontos é o sistema eleitoral para a escolha de deputados. Hoje a pessoa vota no seu candidato, e são eleitos aqueles que tiveram mais votos na totalização recebida pela chapa do partido ou da cumbuca da coligação. Poucos elegem-se só com votos dados a eles. Disso resultou que já houve gente votando em Delfim Netto e elegendo Michel Temer, ambos do PMDB. Na eleição passada Tiririca teve mais de um milhão de votos, elegeu-se deputado federal por São Paulo e carregou consigo o Capitão Augusto, que tentara fundar o Partido Militar Brasileiro.

Pela proposta da comissão da Câmara, cada estado seria dividido em distritos. Seriam de quatro a sete, e em cada um deles funcionaria o regime da cumbuca. Assim, o efeito Tiririca ficaria reduzido ao seu distrito. É uma coisa meio girafa.

Renasceu a proposta do distritão, concebida pelo vice-presidente Michel Temer. Ela está na mesa há anos e é simples. Cada estado passa a ser um distritão. Os partidos apresentam candidatos, os eleitores fazem suas escolhas e votam. Levam as cadeiras aqueles que conseguem mais votos. São Paulo, por exemplo, tem direito a 70 deputados. Elegem-se os 70 candidatos mais votados, e acabou a conversa. Assim, Tiririca pode ter um milhão de votos, mas elege só Tiririca.

O distritão pode ser uma boa ideia. Quem quiser pode também deixar tudo como está. O que parece ter desaparecido da agenda é o sonho petista do voto de lista, no qual simplesmente confisca-se o direito de o eleitor escolher seu candidato, transferindo-se essa prerrogativa, total ou parcialmente, para as direções partidárias.

A porosidade da cabeça petista
Nas manobras para a indicação do novo presidente da Petrobras, apareceram perto de dez nomes. Não se sabe de onde eles saíram, pois não incluíam o nome de Ademir Bendine, que acabou escolhido. Nessa roda de fogo, entrou o economista Paulo Leme, do banco Goldman Sachs. Ele teria a simpatia do ministro Joaquim Levy. A menos que tenha sido uma brincadeira, essa simples referência reflete a geleia em que se transformou o centro de decisões do governo.

O PT tenta associar a Operação Lava-Jato a um processo de destruição da Petrobras, de forma a permitir sua privatização. Para quem gosta de teoria conspirativa, é um bom roteiro.

Leme tem mais de 20 anos de destacada militância no mercado financeiro. Em 1998, quando o real estava indo para o ralo, a Goldman Sachs divulgou uma análise da crise, dizendo que eram "necessárias medidas de grande impacto, como a inclusão de Petrobras, Caixa Econômica e Banco do Brasil no programa de privatizações". Ele era o diretor da Goldman para a área de mercados emergentes e, segundo a repórter Vera Magalhães, estimou que a estatal pudesse valer entre US$ 20 bilhões e US$ 60 bilhões.

Naquela ocasião, o nome do doutor entrou na lista de candidatos de Arminio Fraga para a diretoria de Assuntos Internacionais do Banco Central. Foi abatido em voo pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Repetindo: Fernando Henrique Cardoso, aquele que, segundo o PT, queria vender a Petrobras.

Conta a lenda que, um dia, o governador Carlos Lacerda foi visitar o prédio da Polícia Central e, subindo as escadas do saguão, disse ao delegado Cecil Borer, que fora chefe da repressão política quando ele militava na esquerda:

— Quem diria, Borer, que um dia estaríamos aqui nesta situação... Borer teria respondido: — É. Mas quem mudou não fui eu.

Nomes na roda
No ano passado, quando o empreiteiro Ricardo Pessoa (UTC) chegou à carceragem da Polícia Federal, sabia-se que um homem-bomba entrara no elenco da Lava-Jato. Para o bem de todos (sobretudo dele), o doutor está colaborando com as autoridades.

Sabe-se agora que o petrocomissário Pedro Barusco botou um novo nome na roda, o de Zwi Zcorniki, operador do estaleiro coreano Kepell Fels. Zwi guarda uma memória bem maior que a de Ricardo Pessoa. A Receita Federal conhece-o bem, por conta de uma negociação formal feita há alguns anos.

Engenheiro que trabalha com plataformas de exploração de petróleo desde a época em que elas eram uma novidade no Brasil, sabe tudo do assunto.

É um tipo inesquecível, pelo Rolex de ouro cravejado de brilhantes que carrega no pulso.

O senador no inferno
Quem tiver três minutos para perder em busca de talento e bom humor pode entrar no Youtube atrás do vídeo em que o repentista Maviael Melo recita seu poema "Campanha eleitoral". Maviael é um pernambucano de 41 anos, poeta da grande tradição dos cordelistas nordestinos.

USP
Um dia essas denúncias de trotes violentos e estupros em universidades, inclusive na USP, cairão nas mãos de um juiz tipo Sérgio Moro. Quando os jovens delinquentes e seus pais descobrirem que poderão passar o tempo de duração do curso na cadeia, a festa acabará.

E acabarão também os ilustres professores, sobretudo da Faculdade de Medicina, que, como o petrocomissariado petista, atribuem tudo a exagero da imprensa.

Lava tudo
O PSDB sabe que não sairá ileso da Operação Lava-Jato. Suas petrofortunas recentes eram conhecidas antes mesmo do surgimento do juiz Moro.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e se deu conta da frequência com que sai do Planalto a informação de que a doutora Dilma ficou "contrariada", "irritada", "aborrecida", "atônita", ou mesmo "furiosa".
O cretino se pergunta: e daí?

Naufrágio
Terminado o primeiro mês do segundo mandato da doutora Dilma, uma víbora assegura ter ouvido a seguinte história de um sobrevivente da viagem inaugural do navio mais famoso da História, aquele do filme com Leonardo DiCaprio:

— Uma jovem da tripulação embarcou em Southampton, e eu lhe perguntei se estava emocionada com a viagem até Nova York. Ela me disse que achava a ideia boa, mas o que gostava mesmo era de naufrágios.

(Na vida real, a garçonete Violet Jessop já naufragara um ano antes e naufragaria novamente em 1916. Morreu em 1971, em terra firme, aos 84 anos.)

Eureka
João Carlos Meireles, secretário de Energia do governador Geraldo Alckmin, matou a charada da falta de água que a imprevidência de seu patrão cevou:

"Tem gente que acha "eu sou rico e pago quanto for por essa água", mas não é assim. É sobretudo espírito de comunidade. Mas parece que tem gente que vive no mundo de Marte e não tem solidariedade nenhuma". A culpa é do povo. Bem que ele poderia reunir a imprensa amanhã e exibir as contas de água do secretariado de Alckmin durante os últimos 12 meses.

João Bosco Rabello - De mãos dadas

- O Estado de S. Paulo

Ao contrário do que fez no curso do julgamento do mensalão, a presidente Dilma Rousseff, por erro estratégico ou falta de opção, abraçou a defesa do PT no momento em que as investigações de corrupção na Petrobrás o alcança de forma mais contundente, através de seu tesoureiro, João Vaccari Neto.

Com a decisão de comparecer à festa de aniversário de 35 anos da legenda, sabidamente um desagravo a Vaccari, a presidente sinalizou o fim da resistência à solidão que sua base política começava a lhe impor.

Sem mais o apoio incondicional do PMDB, decidiu enfrentar o partido do vice-presidente Michel Temer, investindo na campanha kamikaze do candidato do PT, Arlindo Chinaglia (SP), rompendo pontes cuja reconstrução depende menos dela e mais do presidente eleito Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Com o PT na linha de tiro nas investigações do chamado “petrolão”, a presidente pode estar mais sozinha agora do que antes. A defesa do partido na linha adotada pelo seu antecessor, Lula, de vítima de uma conspiração do Judiciário, da imprensa e de forças externas, a distancia ainda mais da retomada da capacidade de governar.

Agora Dilma está de mãos dadas com o PT em uma inflexão em relação ao que aparentava seu movimento inicial de enfrentar a corrente majoritária do partido, excluída do chamado “núcleo duro” do poder – a estrutura ministerial instalada no Palácio do Planalto.

Os erros cometidos na articulação política – a começar pela humilhante derrota na disputa pela presidência da Câmara – tiraram do controle do governo a base aliada, do que é retrato fiel o apoio à instalação da CPI da Petrobrás com a adesão de 52 dissidentes governistas.

O episódio coincide com a nomeação de Aldemir Bendine para a presidência da Petrobrás, um gesto de pouca autonomia, e à manifestação de solidariedade ao PT – que somadas permitem a leitura de retorno à tutela do ex-presidente Lula.

Não foram concessões pequenas, mas revestidas de gravidade, pois como pano de fundo está a convocação de Lula para enfrentar a “rede de mentiras”, na qual inclui o Poder Judiciário, o que faz da presidente militante de uma causa fundamentalista prestes a desmoronar diante de sentenças judiciais previsíveis, como eram as do mensalão.

Se lembrada a máxima do Direito, pela qual quem pode o mais, pode o menos, a presidente nesse momento a confirma, pelo seu inverso: pode menos do que ensaiou ao se distanciar do padrinho político e, ao mesmo tempo, enfrentar o PMDB.

Ferreira Gullar - Ah, se não fosse a realidade!

• Não me lembro de nenhum presidente que, após ser eleito, desapareça da vista da nação, como fez Dilma

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Não me lembro de nenhum presidente da República que, após ser eleito e empossado, desapareça da vista da nação, como fez Dilma Rousseff. Em geral, o que ocorre é o contrário: já que, eleito ou reeleito, o presidente conta com a acolhida da maioria da opinião pública, que lhe deu a vitória nas urnas.

Mas a Dilma sumiu. Ela, que esteve em 2014 no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, onde garantiu que a economia brasileira ia às mil maravilhas, desta vez não foi lá: mandou o seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nomeado por ela para corrigir os erros que ela e Mantega cometeram.

Claro que ela não poderia voltar a Davos para desdizer tudo o que dissera antes. Esse papel coube ao ministro Levy que é, aliás, o único de seus ministros que se atreve a chamá-la de presidente e não de presidenta. Não se sabe até quando.

Pois bem, em vez de ir a Davos, dirigiu-se a La Paz para homenagear Evo Morales, também reeleito presidente da Bolívia. Dá para entender. Lá não seria obrigada a explicar por que mudou tão radicalmente uma política econômica que, segundo ela mesma, era um sucesso.

Enquanto isso, o mago João Santana --capaz de mudar água para vinho-- preparava o discurso que ela pronunciaria na primeira reunião com todos os seus 39 ministros.

Era um discurso difícil, não apenas porque teria que explicar por que mudou a política econômica, como também por que extinguiria direitos dos trabalhadores, que ela prometera preservar, "nem que a vaca tussa".

Uma encrenca, sem dúvida, mas teria de enfrentá-la, mesmo porque a principal característica do lulo-petismo é manter-se, diante do povão, como o salvador da pátria.

É certo que todo partido procura colocar-se, perante o eleitorado, como capaz de resolver os problemas do país e, particularmente, melhorar a vida de cada cidadão. Mas isso não é a mesma coisa que propõe o PT, como partido originário da esquerda revolucionária.

Isso porque, diferentemente dos demais partidos, o partido revolucionário promete mudar radicalmente a sociedade, alijando do poder os exploradores do povo, isto é, os capitalistas. Noutras palavras, o partido de esquerda é essencialmente ideológico, defende a criação de uma nova sociedade, dirigida não pelos patrões e, sim, pelos trabalhadores. Teoria essa que, na prática, mostrou-se inviável, uma vez que, em nenhum dos países onde o comunismo chegou ao poder, o governo foi exercido por trabalhadores.

Esses partidos não existem mais. Os que existem, como o PT, por exemplo, são na verdade partidos populistas, que se apresentam como defensores dos pobres, mas se aliam a setores empresariais, aos quais fazem concessões para se manter no poder.

Porque não podem mostrar-se, diante dos seus eleitores, como realmente são; fazem o jogo dos interesses empresariais, mas discursam como adversários deles.

E, assim, ganham os dois: os capitalistas, que nada têm a temer --consequentemente ganham mais--, e os populistas, que manipulam o descontentamento dos pobres com programas assistencialistas.

Esse foi o discurso do PT, que o manteve desde sempre, enquanto foi possível. Agora, no caso de Dilma Rousseff, a situação encrencou, porque a política governamental adotada, após anos e anos, terminou por levar a economia do país a esta situação crítica, o que a obrigou a chamar alguém para evitar que o barco afunde.

Mas como dizer essa verdade ao país se, até outro dia, durante a campanha eleitoral, afirmava o contrário? E, sobretudo, como dizê-la ao eleitorado petista que, por sua vez, não quer ouvir a verdade? Não pode, claro. Daí o estranho discurso que Dilma fez a seus ministros e a seus eleitores.

É que ela vai fazer, neste novo mandato, tudo o que disse que não faria. E acusava Aécio Neves de desejar fazer, quando, de fato, tratava-se de medidas exigidas pela situação crítica a que ela, Dilma, levara o país.

Por isso mesmo, como não pode dizer que não o fará, tampouco que o fará, pronunciou um discurso de crioulo doido quando garantiu que a mudança radical que sofrerá a sua política econômica é apenas a continuação natural daquela que fracassou. Por que, então, demitiu Guido Mantega, o responsável por ela?