Numa, estão envolvidos dois ou três ministros; em outra, apenas um ministro, mais ansioso, provoca o estrago. Fato é que há três ou quatro zonas de tensão no governo Dilma Rousseff que não se dissipa com o passar do tempo, mesmo vencida a fase inicial de instalação, propícia à delimitação de posições, do novo grupo no poder.
No primeiro foco o protagonista e mais longevo contendor é o Ipea, o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais, órgão transferido da estrutura do Ministério do Planejamento para a Secretaria de Assuntos Estratégicos ainda no governo Lula. Não se poderia dizer que está em lugar inadequado hoje, ao contrário. Seu trabalho poderia ser útil à formulação de políticas públicas de curto e longo prazos a cargo da SAE.
Os dirigentes que conquistaram a cidadela, porém, impuseram o estilo, com ênfase na disputa político-eleitoral. A gestão ficou impregnada de idiossincrasias, especialistas foram afastados sob o pretexto de que representavam partido político adversário do que venceu a eleição, e assim seguiu o instituto com o propósito de alinhar-se à política partidária, como ficou evidente, afastando-se dos rigores das suas atribuições originais.
Com a troca de comando da SAE, no governo Dilma, surgiram dali preocupações em torno do risco de perder o espaço de poder dominado. Ainda mais que, sob a administração do PMDB, a SAE levou para sua estrutura reconhecidos cientistas e pesquisadores que já haviam feito trabalhos importantes em política social, como Ricardo Paes de Barros, e em desenvolvimento regional, como Eustáquio Reis. A ideia, ao que parece, era reconquistar credibilidade científica e fazer o instituto voltar a ser o que sempre foi.
Apreensiva, a diretoria passou a temer sua dissolução e a trabalhar pelo deslocamento do Ipea de volta ao Ministério do Planejamento ou, o que seria melhor ainda, à Presidência da República. Se fosse para intervir no Ipea, o ministro chefe da SAE, Moreira Franco, teria localizado ali os especialistas que convidou para trabalhar na Secretaria. Mas nada tranquilizou a direção do Instituto. Volta e meia retorna o temor e, com ele, o barulho das ameaças inexistentes de transferência ou de comando, numa estratégia bem manjada.
O epicentro da tensão é o próprio Instituto e o núcleo de comando do governo vê a questão ainda mal resolvida. É o estilo de um ou dois dirigentes confundindo o papel da instituição e mantendo a tensão.
Ao contrário do Ipea, havia uma transferência, a ser feita no caminho inverso - da Presidência para a SAE - que seria adequada, mas hibernou depois das tensões criadas em torno dela. Trata-se do Conselhão. Cerca de 40 de seus 90 integrantes fizeram um abaixo-assinado pedindo para ficar na Presidência e não na SAE. Ficaram, e há desconfiança de que foi uma rebelião estimulada pelos que não aceitam o comando de Moreira Franco.
A zona de tensão mapeada entre o gabinete do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a Casa Civil da Presidência, sob o comando de Antonio Palocci, era esperada desde a formação do governo. As crises eclodiram, porém, mais cedo do que se imaginava e tiveram seu ápice há três semanas quando, diante das evidências de descontrole da inflação, passou-se a produzir e reverberar - tal qual o sistema adotado no Ipea - nos gabinetes próximos a Mantega, a versão da existência de conluio entre o mercado financeiro e Palocci para derrubar o ministro da Fazenda. A presidente Dilma Rousseff teve que intervir para acalmar as partes e renovar seu apoio a Mantega, mas não fez superarem a desconfiança, que instiga ataques da Fazenda em reação à fritura inexistente.
O chamado "pessoal do Guido", como se define esse grupo no governo, chama mesmo para a briga. Foram notadas digitais do grupo na substituição da presidência da Vale, na pressão pela definição do ministro chefe da Secretaria de Aviação Civil (no bombardeio a Rossano Maranhão, indicado por Palocci), nas nomeações de segundo escalão nos bancos públicos.
Com os partidos, as zonas de conflito são com o PMDB e o PT, e além das nomeações há, no caso do PT, a extraordinária tensão, agora revigorada, com o mensalão. O partido cobra do governo posições, acha que não recebe ajuda, que não há mobilização para pressionar o Supremo. Com a ideia recente de abrir um segundo inquérito para apurar envolvimento de petistas não citados na investigação anterior, intensificou-se a angústia. Os partidos pressionam, pedem, mas ainda não têm em mãos munição de fato para enfrentar as batalhas, como as votações de interesse do governo no Congresso.
Outra forte zona de tensão localiza-se entre o Ministério da Defesa e o Ministério do Planejamento. Vítima do mais elevado corte de orçamento no governo Dilma, Nelson Jobim sentiu a diferença de tratamento que tinha no governo Lula. O ex-presidente aprovava todas as suas propostas, de submarinos a helicópteros, de tanques a vigilância eletrônica, depois os técnicos corriam a arrumar a verba. Nos tempos atuais, não há tratamento especial.
Existem outras contendas que o Ministério da Defesa protagoniza. Jobim sentiu-se invadido por declarações de Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, sobre a indústria bélica e a compra dos caças para a Aeronáutica. O ministro Pimentel retratou-se, explicou que não estava entrando em seara alheia, o fato é que o negócio foi suspenso e não se falou mais nos Rafale da preferência do ministro da Defesa. Há tensão entre a área militar e a Secretaria de Direitos Humanos, principalmente em torno da Comissão da Verdade. E embora Jobim tenha dado garantias de apoio à iniciativa, as relações aqui, como em outras áreas de conflito, se dão sob o signo da desconfiança mútua.
Há uma nova tensão, provocada por um ministro novo na administração do PT: Aloysio Mercadante, da Ciência e Tecnologia. Sob a justificativa de que C&T é tudo, Mercadante esbarra na Educação, na Defesa, na Integração, nas Comunicações, no Meio Ambiente, no Desenvolvimento, e daqui a pouco surgirá o bloco dos atravessados por Mercadante. Diz-se que precisa dessa ampliação de espaço para cacifar-se à disputa eleitoral em São Paulo. Muitos precisam.
A presidente Dilma Rousseff tem aversão a disputas entre ministros. Porém, não conseguiu evitá-las. Existem e se ampliam.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
FONTE: VALOR ECONÔMICO