domingo, 2 de fevereiro de 2014

OPINIÃO DO DIA – Roberto Freire

A crise ainda não está tão latente, mas já começa a dar sinais importantes. A insatisfação que vimos nas jornadas de junho começa a generalizar certo sentimento de esgotamento do atual governo. Esse fato será de fundamental importância no debate eleitoral. A ponto de já se dizer que o mote central na eleição será a necessidade de mudança, ao contrário do sentimento de continuidade de 2010. Isso se reflete, sem dúvida, em cima da Dilma [Rousseff].

Roberto Freire, "Eleição deve ter viés de mudança, projeta Freire em encontro com sindicalistas". Portal do PPS, 1 de fevereiro de 2014.

Mordomias bilionárias no alto escalão do governo

Gastança desenfreada dos Três Poderes revela falta de critério no uso do dinheiro público. Parte visível das despesas indica farra com transferências de pessoal, auxílio-moradia e acomodação de apadrinhados políticos em cargos estratégicos

Victor Martins, Bárbara Nascimento e Antonio Temóteo

Ao trocar as belezas naturais do Rio de Janeiro pelo cenário moderno de Brasília, um recém-comissionado do governo não imaginava que receberia tanto dinheiro. Na transferência para a capital federal, além da mudança bancada pelos cofres públicos, recebeu ajuda de custo equivalente a três meses do novo salário, uma para ele, outras duas para a mulher e o filho menor de idade. Embolsou, livres de impostos, R$ 54 mil. Dois meses depois, com a demissão do chefe que o convidou para o cargo, acabou dispensado. Sem alternativa e decepcionado, retornou para o Rio. Mas, para surpresa dele, não só teve os bilhetes aéreos e o transporte pagos novamente pelo governo, como ainda recebeu mais R$ 54 mil de ajuda de custo. Nesse curto período, engordou a conta bancária em R$ 108 mil por conta do Tesouro Nacional.

O dinheiro extra levou o ex-comissionado a se perguntar: “Realmente tenho direito a esses benefícios, ainda que a lei os preveja? A decisão de mudar de cidade foi minha. No máximo, as passagens aéreas e o gasto com o transporte dos móveis de casa são justificáveis. Mas receber R$ 108 mil em dois meses passou da conta”, ressalta ele, que não quer se identificar, temendo represálias. “No pouco tempo que permaneci em Brasília, ficou a impressão de que as pessoas do governo acreditam que o dinheiro do contribuinte é capim, nasce em qualquer lugar”, afirma.

A gastança com as benesses do alto escalão da Corte brasiliense espanta gestores públicos de países mais civilizados. Carros, voos executivos, almoços e jantares nos melhores restaurantes, internet e telefones ilimitados podem ser obtidos facilmente quando se entra nesse mundo. A depender do degrau alcançado na escada do poder, quase tudo é possível. Parte das mordomias atende também o funcionalismo dos segundo e terceiro escalões. N o ano passado, Executivo, Judiciário e Legislativo consumiram em toda sorte de benesses R$ 10,7 bilhões. Essa, porém, é a parte visível da farra com o dinheiro do contribuinte.

Muitas despesas da Presidência da República, de ministros, de parlamentares e de juízes não são abertas, sob a alegação de segurança nacional. Mas a falta de transparência estimula os abusos. “A democracia não tem preço, mas tem um custo elevado, que sempre pode ser reduzido com austeridade e bom senso”, observa Gil Castelo Branco, coordenador da organização não governamental Contas Abertas. “Há muito se prega o enxugamento da máquina pública, que se diminuam as despesas com a burocracia a fim de que sobrem recursos para áreas essenciais, como saúde, educação e segurança”, afirma. “O que vemos é exatamente o contrário. Uma máquina cada vez mais inchada, pesada e cheia de privilégios.”

Exageros
O inchaço começa pela nomeação de apadrinhados políticos — cabos eleitorais e candidatos derrotados em eleições —, que usufruem da maior parcela das benesses. Dependendo da graduação do DAS, como se denomina a função desse grupo, eles têm carro à disposição, que, mesmo contrariando a lei, leva os filhos para a escola, auxílio-moradia e, claro, a ajuda de custo de até três salários quando chegam e quando saem de Brasília. Em 2013, somente com salários, os DAS custaram quase R$ 1 bilhão ao contribuinte. Já as despesas com pessoal requisitado absorveram R$ 615,3 milhões.

A quantidade de ministérios no governo Dilma Rousseff, 39 no total, facilita a propagação das benesses. Com apenas 18, no entender de especialistas, o país seria perfeitamente governável. As alianças políticas, no entanto, obrigam a existência dessa profusão de ministros e cada um pode custar de R$ 1,5 milhão a R$ 2 milhões por ano. “Tal situação impacta muito mais pelo exemplo negativo do que pelo efeito no Orçamento. Infelizmente, com os ministros vão os apadrinhados, que abusam dos cargos de DAS”, analisa Marcos Troyjo, professor na Universidade Columbia, em Nova York.

Apesar de parte das benesses da Corte ser visível, a gastança só se torna gritante quando se descobre que a presidente Dilma torrou mais de meio milhão de reais com uma comitiva numa viagem à Itália ou quando fez uma parada técnica para jantar no restaurante mais caro de Portugal e se hospedou no hotel mais luxuoso de Lisboa — fatos que o Palácio do Planalto tentou manter sob sigilo. “A questão é quanto a sociedade pode suportar a demanda crescente por impostos para financiar gastos públicos sem critério. Será que se justificam tantas despesas num país em que há tanto por fazer pela população?”, questiona Paulo Rabello de Castro, presidente do Instituto Atlântico e integrante do Movimento Brasil Eficiente.

Não custa lembrar que a realeza britânica, que custa R$ 125 milhões por ano, 10 vezes menos que a Corte brasiliense, está sendo questionada por gastar demais. Ano passado, a rainha Elizabeth II estourou as contas em R$ 8,4 milhões e recebeu um puxão de orelha dos gestores que acompanham as despesas reais. Na Holanda, a realeza se locomove de bicicleta, transporte também usado pelo prefeito de Londres para trabalhar. No Brasil, pelo menos 5 mil carros estão à disposição dos Três Poderes, sem muito critério para uso.

Os privilégios da Corte brasiliense estão no chão e nos ares. Diante das regras frágeis, integrantes do Executivo, do Judiciário e do Legislativo usam os aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) até para fazerem implantes de cabelo. A bordo, são servidos bufês com canapés de camarão e caviar, pato assado e o que mais o viajante desejar. Apenas o contrato entre a Presidência da República e a empresa RA Catering custa mais de R$ 2 milhões por ano aos cofres públicos.

Pobre contribuinte
O uso do auxílio-moradia e de apartamentos funcionais também é desregrado. Alguns há anos são ocupados por ex-servidores que deixaram os cargos, mas se recusam a abandonar os imóveis. Funcionários relatam que o benefício tem permitido a muitos apadrinhados fazerem uma poupança robusta. Para recebê-lo basta apresentar um bilhete aéreo mostrando que vem de outra região. No caso de ministros, o auxílio pode chegar a R$ 6,6 mil, o equivalente a 25% do salário.

As benesses, uma confusão entre o público e o privado, contrastam com o espírito de servir ao público, que deveria predominar nos Três Poderes. Quando foi prefeito de Nova York, nos Estados Unidos, Michael Bloomberg deu exemplo. Recebeu apenas US$ 1 por ano de salário, como valor simbólico. Ele usava jatinhos, helicópteros e carros, mas tudo bancado com recursos próprios.

Paul Volcker, quando foi nomeado presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, saiu do mercado financeiro e perdeu metade da renda. Alugou uma quitinete em Washington, próxima do trabalho. A mulher dele, que ficou em Nova York, teve de alugar um quarto da casa onde morava para fechar as contas. Ainda que sejam casos extremos, deveriam servir de alerta para aqueles que sorvem, sem remorsos, o dinheiro dos contribuintes.

Fonte: Correio Braziliense

Pizzolato e sua fuga anunciada

Condenado na Ação Penal 470, Henrique Pizzolato iniciou ainda em 2006 o plano para escapar da futura punição da Justiça, com a transferência e a venda de imóveis. Em 2013, a estratégia teve fim com a saída clandestina para a Itália

Ana D’Angelo

Fiel amigo de Henrique Pizzolato, o blogueiro Alexandre Teixeira garante que o réu do processo do mensalão, hoje com 62 anos, só decidiu fugir do país em cima da hora, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) negou, em 4 de setembro do ano passado, os embargos de declaração à condenação de 12 anos e 7 meses de cadeia em regime fechado. O ex-diretor do Banco do Brasil (BB) não tinha direito aos embargos infringentes, a exemplo de José Dirceu e Delúbio Soares. O Correio apurou, no entanto, que os planos de Pizzolato para escapar da mão da Justiça começaram oito anos atrás.

O passo inicial foi se desfazer de quase todos os 11 imóveis que possuía em 2005. Uma busca feita pela reportagem nas últimas três semanas em cartórios do Rio de Janeiro e de cidades no Sul do país revelam a movimentação imobiliária de Pizzolato desde o início de 2006. O relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Correios, divulgado em 28 de março daquele ano, confirmou o pior, embora já esperado por Pizzolato, conforme as sinalizações recebidas. Ao indiciar 60 pessoas, o ex-tesoureiro da campanha de 2002 de Luiz Inácio Lula da Silva foi enquadrado pela CPI nos crimes de falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e peculato.

“Nesse momento, ele identificou que o mundo estava caindo em cima dele”, contou o amigo. Duas semanas depois, a Procuradoria-Geral da República ofereceu a denúncia contra 40 réus ao Supremo Tribunal Federal (STF). “Ele trabalhou com planos A, B e C”, reconheceu o amigo de Pizzolato, após questionamentos do Correio sobre a desmobilização do patrimônio. O ex-diretor do BB ainda acreditou que pudesse ser inocentado no fim, mas não deixou de se preparar para o extremo, a cadeia. E dela escapar. Petistas ouvidos pela reportagem descreveram Pizzolato como uma pessoa meticulosa, disciplinada e excelente estrategista.

Quando soube que o relatório da CPI viria implacável, o ex-diretor do BB deu início a um dos planos, que era livrar os bens de um eventual bloqueio judicial para a fuga. Ele já havia tido uma experiência nada boa. Entre junho de 2002 e fevereiro de 2003, ficou com os bens indisponíveis por ordem judicial, por conta de uma intervenção do governo federal na Previ, o fundo de pensão do BB, do qual foi diretor de 1998 até maio de 2002.

Em julho de 2005, quando veio à tona que ele recebeu R$ 326,6 mil em dinheiro sacados da conta da agência de propaganda de Marcos Valério no Banco Rural, que lhe foram entregues por um contínuo da Previ, ele possuía 11 imóveis, entre casas e apartamentos, declarados à Receita Federal. À época, estavam avaliados, de forma conservadora, em R$ 2,2 milhões, conforme levantamento feito pelo Correio em cartórios do Rio e de algumas cidades do Sul.

Na lista, está inclusa a cobertura em Copacabana, adquirida em fevereiro de 2004, por R$ 400 mil (hoje avaliada em quase R$ 4 milhões), 35 dias após receber os R$ 326 mil, dos quais R$ 100 mil foram pagos em dinheiro. À Receita, além dos imóveis, ele declarou, no final de 2004, cerca de R$ 500 mil em investimentos (incluídos R$ 100 mil em nome da mulher, sua dependente na declaração) e R$ 81 mil em dólares e euros. Seria o correspondente a ter atualmente R$ 1 milhão em conta e em moeda estrangeira.

Partilha
Em abril de 2006, Pizzolato e a mulher, Andrea Haas, 51 anos, foram parte num processo judicial de partilha de bens, na 4ª Vara de Família do Rio. O casal, que se juntou ainda na juventude, se separou no papel, mas nunca deixou de estar junto. Andrea mora com Pizzolato na Itália. Uma procuração firmada em cartório no Rio indica que eles se casaram novamente, desta vez, com separação de bens. Na partilha, homologada em dezembro de 2006, ela ficou com três dos imóveis mais valiosos.

Coube a ela a casa luxuosa de 310 metros quadrados num condomínio de alto padrão no bairro Lagoa da Conceição, em Florianópolis. Construída entre julho de 2003 e 2004, à época, era avaliada em mais de R$ 600 mil, e hoje, em torno de R$ 2,5 milhões. Andrea ficou também com o apartamento de cobertura de 102 metros quadrados num prédio de quatro andares também na Lagoa da Conceição — em 2006, avaliado em R$ 300 mil e, hoje, em cerca de R$ 800 mil. Ainda teve direito ao apartamento duplex de 158 metros quadrados na Rua República do Peru, em Copacabana, a uma quadra da praia, que valia R$ 500 mil à época e hoje, R$ 2,5 milhões.

Naquele ano de 2006, em que a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra 40 réus foi apresentada e recebida pelo Supremo Tribunal Federal, Pizzolato vendeu três apartamentos: dois em Curitiba e um em São Leopoldo, totalizando R$ 203 mil, conforme está no registro em cartório. Outros dois, também localizados no município do interior gaúcho, foram transferidos a terceiros em 2009, por R$ 118 mil registrados no total. Embora declarasse à Receita como seus integralmente, esses dois apartamentos estavam também em nome de um amigo.

Exterior
Enquanto desmobilizava o próprio patrimônio, entre 2006 e 2012, Pizzolato passou a maior parte do tempo no exterior. A justificativa foi amparar uma sobrinha, filha da irmã que morava no sul da Espanha, com problemas de saúde e em tratamento. Foi nesse período que ele providenciou a cidadania italiana e um passaporte daquele país. Questionado, Teixeira disse que ele obteve a cidadania “há uns cinco anos”.

Em novembro de 2012, encerrada a primeira fase do julgamento que resultou na condenação de 25 réus, Pizzolato entregou ao STF os dois passaportes que tinha, o italiano e o brasileiro. E afastou eventual suspeita de que pudesse fugir. Na ocasião, seu advogado, Marthius Sávio Lobato, declarou ser absurda a ordem do STF de recolher os passaportes, pois a sentença não transitara em julgado, e anunciou que a contestaria no próprio STF.

Naquele fim de ano, Pizzolato quase não conseguiu executar o plano de fuga, quando o procurador-geral da República decidiu pedir a prisão antecipada dos condenados, às vésperas do Natal. “Em 22 de dezembro (de 2012), fiquei na casa dele esperando a polícia chegar. Ele estava em pânico. Não conseguia entender como recebeu a maior condenação e a maior multa”, relatou o amigo Teixeira. Passado o susto, Pizzolato pôde aplicar, em 2013, o que ele considerou o pulo do gato e, assim, tomar um voo legalmente para a Itália

12 anos e 7 meses
Tempo de prisão imposto a Pizzolato pelo STF

Fonte: Correio Braziliense

Foco da 2ª fase da reforma é amarrar Nordeste a Dilma

Lista de nomes nordestinos na equipe ministerial visa solucionar problemas regionais que ameaçam protagonismo petista na região

João Domingos

BRASÍLIA - Passada a primeira etapa da reforma ministerial, em que o foco da presidente Dilma Rousseff foi cuidar do PT e vincular áreas estratégicas do seu governo à campanha para a reeleição, a próxima etapa terá por objetivo amarrar o Nordeste ao governo. Todas as trocas aguardadas serão feitas para mover peças nordestinas no tabuleiro da Esplanada e tentar solucionar problemas regionais que ameaçam o protagonismo do PT na região, que foi fundamental para a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2006 e para a vitória de Dilma em 2010.

Na lista de nordestinos que devem ir para a equipe de Dilma estão o senador Vital do Rêgo, do PMDB da Paraíba, ligado ao presidente do Senado, Renan Calheiros (AL); Benito Gama, baiano, presidente em exercício do PTB; e Alexandre Macedo, secretário executivo a ser indicado pelo atual ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro (PP-PI), para ficar em seu lugar. O ministro interino da Integração Nacional, Francisco Teixeira, ligado ao governador do Ceará, Cid Gomes (PROS), também deverá ser confirmado no cargo.

A preocupação com o Nordeste se deve ao fato de o favoritismo da presidente na região estar sofrendo uma série de ameaças admitidas pelos marqueteiros da campanha de Dilma. Em setembro, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, rompeu com o governo. Ele é candidato do PSB à Presidência. A oposição avançou também na Bahia, no Ceará e em Sergipe.

O Nordeste tem 38,2 milhões de eleitores, o que representa 27,1% dos votantes no País, ficando atrás apenas do Sudeste, com 60,9 milhões (43,2%). A região foi fundamental para a vitória da presidente em 2010. Dos seis Estados em que ela foi mais votada no primeiro turno, cinco eram do Nordeste: Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia e Pernambuco.

Para o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), o favoritismo do PT na região diminui neste ano porque a conjuntura política é diversa de eleições anteriores. "Dilma perde força neste ano no Nordeste ao considerarmos que há mudanças significativas no cenário político nos Estados mais populosos: Bahia, Ceará e Pernambuco."

Nogueira também avalia que o Nordeste se tornou muito importante na disputa eleitoral e na preocupação do governo explicitada na reforma ministerial não só porque tem o segundo eleitorado do País, mas também porque as estruturas partidárias hoje são ocupadas por nordestinos.

Como é interesse do governo manter os partidos aliados na coligação que vai apoiar a reeleição de Dilma, a tendência é que para fortalecer as legendas o governo dê mais força à região.

"Acho que o carinho da presidente pelo Nordeste decorre muito mais da importância dos políticos da região na estrutura partidária. Além das direções partidárias, sempre há nordestinos nos cargos de líder dos partidos. E, no último ano e nesse, tanto o presidente da Câmara quanto o do Senado são do Nordeste", disse ele. "Isso é bom. Mas também aumenta nossa responsabilidade com a região, que é carente de recursos e investimentos."

Um dos principais líderes do movimento que tenta tirar o PT do poder na Bahia, o ex-deputado e ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB) concordou com Nogueira. Para ele, a valorização que Dilma promete dar ao Nordeste se deve muito à força que a região tem nos partidos. E uma forma de atrair os partidos para seu centro de gravidade é prestigiá-los com cargos no governo. "O governo precisa dos políticos nordestinos. Não há como governar só com os de outras regiões", disse Geddel.

Oposição. A oposição também tem avaliação semelhante sobre as dificuldades do PT no Nordeste. "A região já não oferece o conforto eleitoral para o PT. Hoje, temos a vitória de ACM Neto em Salvador, o maior colégio eleitoral do Nordeste, a saída de Eduardo Campos do governo, o que fez o eleitor de Pernambuco mudar de lado, a certeza da vitória da oposição em Sergipe e um forte racha no Ceará", disse ao Estado o presidente do oposicionista DEM, senador José Agripino (RN). "Ao se voltar para o Nordeste, a presidente Dilma Rousseff tenta se blindar na região, porque sabe que jamais vai repetir a votação que teve ali em 2010."

Para Agripino, até armas eleitorais importantes já não são garantia de voto para o governo. "O Bolsa Família deu o que tinha de dar. Não acredito mais que o eleitor vai cair na conversa de que se outro vencer ele perderá o benefício. Porque está claro que o Bolsa Família não só será mantido, como também será ampliado, com melhorias que o PT não fez."

Fonte: O Estado de S. Paulo

Presidente agora tem de lidar com 'fator Campos' na região

Aécio, que aposta alto no Sudeste, também estuda formas de obter pelo menos uma parte dos votos dos nodestinos

Débora Bergamasco

BRASÍLIA - À medida que o debate eleitoral ganha espaço na mídia e na rotina dos políticos, as equipes dos principais pré-candidatos começam a dar atenção especial ao Nordeste, que concentra 27% do eleitorado brasileiro. Para o governo, a região pode ser de novo o grande fator de vantagem eleitoral e garantir a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Para seus dois rivais diretos - o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB) -, o fato de entrar na disputa uma importante liderança nordestina - o próprio Campos - pode mudar o cenário e neutralizar a estratégia do Planalto.

A equipe do presidenciável tucano Aécio Neves (MG) sabe que a chance de o seu partido vencer na região é remota, mas conta com Campos para reduzir a vantagem da presidente na região. Em 2010, Dilma recebeu na região, no primeiro turno, mais de 15 milhões de votos, o triplo dos 5 milhões de seu oponente José Serra (PSDB).

Por isso, Aécio planeja concentrar seus esforços de campanha não só em São Paulo, onde também precisa avançar, mas nos Estados nordestinos. Em suas propagandas eleitorais, passará a mensagem de que é um candidato "testado e aprovado" em relação aos problemas do Nordeste. Vai dizer, por exemplo, que Minas Gerais, onde foi governador por oito anos, é "uma síntese do Brasil", que contém o Vale do Jequitinhonha - uma área com desafios e realidades semelhantes aos do Nordeste - pelo clima, vegetação e realidade social.

Será tema de destaque, na estratégia do senador mineiro, a lista de suas realizações voltadas para as populações mais pobres de Minas Gerais - uma forma de comunicar que poderá fazer o mesmo para os nordestinos. Outra missão crucial da campanha de Aécio será convencer o eleitorado nordestino de que benefícios sociais como o Bolsa Família ou programas como os Mais Médicos não serão extintos, nem reduzidos. Vai dizer, ao contrário, que eles serão melhorados.

Nordestino. O PSB está confiante no bom potencial da campanha de Eduardo Campos para atrapalhar a votação de Dilma nos Estados vizinhos a Pernambuco. O partido projeta 'vender' na campanha os acertos da administração de seu governo como um indício de que ele é o candidato que melhor conhece a realidade da região.

Ao lado disso, o partido já se organiza para encaminhar as alianças regionais. O PSB deve lançar candidato próprio na maior parte dos nove Estados da região - com destaques para Bahia, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco.

Desafio. O que aparece como vantagem no Nordeste, contudo, pode ser um problema para Campos no resto do País, especialmente no Sudeste. Ele quer se apresentar - e sabe que precisa disso - como um postulante nacional, com propostas que contemplem em detalhes todas as regiões, de norte a sul.

Legado. A tática escolhida pela equipe petista é mostrar o legado do PT no Nordeste. Isso inclui recapitular tudo o que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez para reduzir a miséria para as populações dos nove Estados durante seus dois mandatos. A esses feitos pretende emendar os realizados no governo de Dilma, expondo as obras de infraestrutura implantadas ou retomadas - como barragens, refinaria de petróleo e a transposição do Rio São Francisco.
Nas propagandas eleitorais, o PT vai insistir na afirmação de que foi o partido que mais fez e continuará fazendo na região.

Essa é uma das estratégias imaginadas para desarmar o discurso de Campos. O comando da campanha petista já tem em mãos uma lista de índices econômicos positivos e a ideia é mostrá-los, destacando por exemplo os resultados dos investimentos feitos não só em Pernambuco mas também nos outros Estados durante os dois mandatos de Lula e, agora, por Dilma.

O plano de trabalho petista também falará do futuro. Economistas projetam ritmo mais acelerado de crescimento nos próximos anos para o Nordeste e veem como razão disso fatores como a recuperação da indústria extrativa (que tem presença no Nordeste) e os ganhos obtidos no mercado de trabalho, fator que tem impulsionado os serviços e o comércio nessas regiões.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Bolsa Família e crescimento deram vitórias ao petismo.

O Bolsa Família, herdeiro de programas sociais do governo FHC que acabou consolidado e massificado por seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, e o crescimento econômico em média maior do que no resto do Pais foram peças fundamentais para a vitória do petismo no Nordeste.

Em 2008, quando o governo pôde colher os frutos do programa social, Lula venceu em todos os nove Estados nordestinos na disputa do 2 turno contra o tucano Geraldo Alckmin. Em 2010 o feito se repetiu. Dilma bateu o tucano José Serra no segundo turno em todos os Estados. No Maranhão, no Piauí, Ceará, Pernambuco e Bahia, Dilma somou mais de 65% dos votos e venceu por margem menor em Alagoas, Sergipe, Paraíba e Rio Grande do Norte.

De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de dezembro de 2011, a região Nordeste recebeu 51,1% dos benefícios do Bolsa Família distribuídos pelo governo federal. O Estado da Bahia foi o que mais recursos recebeu, de acordo com o levantamento: 1.753 milhão de benefícios, 543 mil a mais do que São Paulo.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Esplanada de ineficiência

Com 39 ministérios e sobreposição de várias tarefas e cargos, governo não consegue dar agilidade à máquina pública

São 39 ministérios. Apenas um a menos que o Congo, na África. Cada um com seu ministro, diretores, superintendentes, secretários-executivos e restante do corpo técnico. Quase 985 mil funcionários apenas no Poder Executivo que receberão, em 2014, R$ 185 bilhões em salários, gratificações, horas-extras e outros encargos. Para manter a máquina (das transferências do Bolsa Família ao contrato anual de cafezinho ou para troca de mobília) o mesmo Executivo vai engolir mais R$ 666,1 bilhões dos recursos do contribuinte. Na outra ponta, investimentos em obras e serviços para melhorar a vida da população atingirão, este ano, no máximo, R$ 64,9 bilhões (mais outros R$ 37 bilhões de injeção de recursos em empresas públicas). É o que está orçado, mas sem garantia de ser realizado.

Basta ver que, em 2013, enquanto os gastos atingiram um recorde histórico, os investimentos estagnaram. As despesas somaram R$ 914 bilhões (inclui os demais poderes), uma alta real de 7,3% (acima da inflação) sobre o montante de 2012. Os aportes federais, no entanto, andaram de lado, com ganho real de apenas 0,5%, atingindo R$ 63,2 bilhões. É a prova matemática que a estrutura gigante não se traduz em benefícios à população. Pior.

Nem bem o ano começou e o Ministério da Fazenda já faz as contas de quanto do Orçamento será cortado para atingir metas de pagamento de juros, o superávit primário, indicador fundamental para o mercado avaliar a gestão fiscal do governo.

O problema é que a tesoura pode atingir até os investimentos em educação, enquanto haverá verba garantida para custeio de ministérios que poderiam ser facilmente absorvidos. "Enxugamento é mais que bem vindo. Há pastas que poderiam ser diretorias dentro de outros Ministérios. O maior problema de uma máquina pública do tamanho da brasileira é a sobreposição de funções, a fragmentação do orçamento e falta de capacidade de planejamento integrado", resume o coordenador do curso de Economia da Faculdade Boa Viagem, Antônio Pessoa.

O Ministério da Pesca e Aquicultura, por exemplo, tem um orçamento para 2014 de R$ 428 milhões, dos quais R$ 71,7 milhões são para investimentos. Em uma comparação grosseira, é menos que a metade do orçamento de investimentos da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco, de R$ 116 milhões para este ano. E olhe que o Estado está longe de ser apontado como bom exemplo de máquina enxuta. Antes de antecipar em rede nacional que diminuiria a estrutura administrativa, o governador Eduardo Campos monitorava 29 pastas - hoje são 23. No Ano passado, o executivo pernambucano gastou R$ 7,71 bilhões apenas com pessoal.

A Secretaria de Micro e Pequena Empresa, o ministério caçula do governo Dilma Rousseff, criado no primeiro semestre do ano passado, conta com um orçamento de apenas R$ 73 milhões. Só não é menor que a dotação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, que conta com R$ 56 milhões para cumprir suas obrigações. Em outra comparação com a máquina pública pernambucana, a pasta de Micro e Pequenas Empresas perde em "prestígio orçamentário" para a Secretaria da Casa Civil, que conta com R$ 89,9 milhões para este ano - aqui incluídas as despesas com publicidade.

Esse último ministério foi alvo de inúmeras críticas na época de seu surgimento, algumas não tão macias. O empresário Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Conselho de Administração da Gerdau, classificou, na época, a criação de novas pastas como "burrice" e recomendou "meia dúzia de ministérios ou coisa desse tipo" para administrar o País.

Se é preciso respaldo acadêmico para apontar que tantos ministérios não trazem os resultados que a população espera, em 2008, físicos da Universidade de Cornell (EUA) chegaram à conclusão que as administrações eficientes tinham como média 20 unidades subordinadas. O curioso é que, ao longo dos anos 1990, com a política de privatização do governo Fernando Henrique, o Brasil assistiu a um processo de diminuição de sua máquina. Isso mudou na virada do século e com os governos Lula e Dilma. Em que pese a importância dos programas de transferência de renda para erradicação da pobreza, eles fizeram com que novas estruturas surgissem, como o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Dono de um dos seis maiores orçamentos (R$ 68,6 bilhões) vive praticamente para cuidar do Bolsa Família, que sozinho responde pelo desembolso de R$ 25,2 bilhões.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Lei de Acesso à Informação será munição para oposições

Partidos admitem que vão explorar a legislação nova para levantar dados oficiais dos governos

Guilherme Reis

Sancionada pela presidente Dilma Rousseff (PT) em 2011, a Lei de Acesso à Informação (LAI) tem o objetivo de garantir mais transparência nas contas e nas decisões do poder público para toda a sociedade. Porém, neste ano, o Brasil viverá as primeiras eleições com a legislação em vigor, e o que ela permite vai se tornar arma dos candidatos e dos partidos de oposição. As siglas admitem que vão se organizar para solicitar mais dados dos governos antes do período eleitoral com o intuito de montar estratégias e planos de governo.

O deputado federal e presidente do PMDB em Minas, Saraiva Felipe, explica que o partido vai explorar “o limite da lei” para obter informações do governo federal, do qual é aliado, e do governo estadual, ao qual faz oposição.

“Vamos nos organizar para fazer o que for necessário. Temos que conseguir as informações para passar a grupos políticos e fazer nosso plano de governo, já que teremos candidato próprio em Minas. Todos os dados serão analisados e confrontados”, avalia.

O também deputado federal e presidente do PSDB no Estado, Marcus Pestana, destacou que, para afiar as propostas de campanha, existem outros meios de se obter as informações além do Executivo. “Os pedidos de informação vão aumentar, e, caso a burocracia para se conseguir os dados dos governos se torne maior, existe também o controle externo. Os Tribunais de Contas podem se tornar uma alternativa. A campanha vai exigir o choque de informações. Para isso, temos que tê-las”, confirma.

Oposição no Estado, o PT do deputado Ulysses Gomes também reconhece que o trabalho já realizado pelos parlamentares da legenda, de buscar informações oficiais do governo, será intensificado com vistas à campanha eleitoral. No entanto, Gomes nega que os candidatos petistas e aliados montarão “dossiês políticos” contra o grupo dos tucanos. “Tendemos a aumentar nossos pedidos de dados. Garanto que o PT não vai usar as informações para montar peças fantasiosas a fim de fazer oposição a qualquer custo. Queremos o acesso para mostrar na campanha”, relata.

O bem e o mal. Em entrevista recente, o ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, reconheceu que os partidos políticos já estão usando a lei para conseguir dados sobre prováveis adversários nas urnas. Para o ministro, a possibilidade de se conseguir os dados oficiais faz parte da democracia, “para o bem ou para o mal”. “Já recebi inúmeros pedidos de informação de parlamentares, que têm claramente intenção política. Alguns, feitos por candidatos”, declarou Hage ao portal de notícias G1.

No ano passado, a CGU processou quase 140 mil demandas . Apesar do fim partidário das requisições, Hage garantiu que vai atender todas as demandas. “Evidente que políticos vão usar as informações. Mas não é por isso que posso deixar de atender”.

Servidor foi quem mais demandou o Estado
O Executivo mineiro recebeu, em 2013, 3.005 pedidos de dados públicos com respaldo na Lei de Acesso à Informação estadual, decretada em 2012 pelo governador Antonio Anastasia (PSDB).

Majoritariamente, os cerca de 250 pedidos por mês foram feitos por servidoras da educação estadual. O assunto mais requisitado para esclarecimentos foi a Lei Complementar 100, de 2007.

O texto garante, com exceção da estabilidade, os direitos e o regime previdenciário do servidor efetivo para 98 mil contratados até 2007, que tinham mais de cinco anos de serviços prestados.

A lei é alvo de uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF). Se a Corte reconhecer a nulidade da matéria, cerca de 100 mil funcionários podem perder seus cargos.

Fonte: O Tempo (MG)

Efeito colateral da lei é positivo

Exploração da transparência para fins eleitorais faz parte do jogo democrático, frisam especialistas

Basta. A Lei de Acesso e as manifestações de rua são mostras de amadurecimento democrático

Guilherme Reis

As intenções eleitorais por trás dos pedidos de dados oficiais são consequências esperadas da Lei de Acesso à Informação (LAI). Contudo, segundo especialistas em transparência e cientistas políticos, o eleitor deve se atentar com a interpretação dos números que for oferecida a ele. O teor vai depender do emissor: governo ou oposição. A politização de dados oficiais, avaliam, é um custo que vale a pena ser pago em nome do amadurecimento da democracia.

O advogado e especialista em direito público e controle externo de contas, Gustavo Nassif, explica que a lei é permanente, ao contrário das eleições, que ocorrem a cada dois anos.

“O aumento da politização de uma demanda por informação é uma sazonalidade da eleição. Mas os poderes tomam decisões todos os dias, e a legislação garante o direito de acompanhamento constante. A transparência é muito mais importante do que a disputa nas urnas”, frisa.

Além de permitir o monitoramento dos cidadãos, a legislação é considerada um sinal da consolidação da democracia brasileira. “A Constituição já determina a publicidade das decisões públicas. Mas demoramos mais de 20 anos para regulamentar uma lei que garantisse, na prática, a consulta de dados públicos. Estamos avançando na fiscalização, o que inibe a corrupção”, analisa Nassif.

Já o cientista político Rudá Ricci pontua que as informações oficiais já são usadas com teor político há mais tempo, mas ele entende que o uso desse conteúdo durante a campanha deste ano sofrerá obstruções do governo. “Existem pesquisas que demonstram que 80% das informações pedidas por veículos de comunicação não são atendidos pelo governo federal. Em época eleitoral, isso tende a se tornar mais difícil. Será uma avalanche de pedidos.”

Crítica. Se a democracia permite o uso da transparência para diversos entendimentos, cabe ao cidadão absorver os dados de maneira crítica. Esse é o alerta do secretário geral da ONG Contas Abertas, especializada no acompanhamento das contas públicas, Gil Castello Branco. “Os mesmos dados podem ser utilizados contra ou a favor do governo, isso faz parte do jogo democrático. O eleitor também deve fazer sua parte. Pode procurar dados e analisar bem o que houve. A lei não é só para partidos, é para todos”, avalia.

Além disso, Castello Branco diz que ainda existe o risco de manipulação de dados. Normalmente, ele atesta, os números são confiáveis, mas podem haver maquiagens. “Quando vimos os resultados do superávit de 2013, achamos contraditório e questionamos. Vimos que despesas de 2013 foram proteladas para 2014 com o intuito de melhorar o resultado.”

Regulamentar
Demora. O Brasil foi o 90º país democrático do mundo a regulamentar uma norma como a LAI. Mas o artigo 37 da Constituição de 1988 já garantia a publicidade dos atos administrativos públicos.

Entenda
Legislação. De acordo com a Lei de Acesso à Informação, “todos os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo e Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público”, são obrigados a prestar contas.

Balanço. O primeiro balanço publicado pela CGU dos pedidos feitos ao governo federal, de dezembro de 2012, apontou que 61% das solicitações foram realizadas por pessoas com ensino superior completo.

Exceção.Só 1% dos pedidos se originou de pessoas sem instrução formal.

Controladoria de Minas vai cumprir prazo
A Controladoria Geral de Minas Gerais (CGE-MG) garante que, mesmo durante o processo eleitoral, cederá todas as informações solicitadas dentro dos prazos estabelecidos pela Lei de Acesso à Informação estadual.

De acordo com a assessoria da Controladoria, as demandas continuarão a ser atendidas em 30 dias, já que o órgão conta com estrutura para atender os pedidos. A CGE-MG afirmou ainda que não teme a distorção dos dados solicitados por partidos de oposição.

Fonte: O Tempo (MG)

Eleição deve ter viés de mudança, projeta Freire em encontro com sindicalistas

Em Caraguatatuba (SP), presidente do PPS participou de seminário organizado pelo Sindicato dos Padeiros e afirmou que, após um período de euforia, Brasil já sofre com sintomas da crise e insatisfação generalizada

Fábio Matos

Em uma análise do panorama político brasileiro neste ano eleitoral, o presidente nacional do PPS, deputado federal Roberto Freire (SP), afirmou neste sábado (1º) que o pleito de outubro deve ser marcado por um forte viés de mudança, ao contrário do sentimento majoritário de continuidade que caracterizou a disputa de 2010. O parlamentar participou do Seminário de Planejamento e Organização do Sindicato dos Padeiros de São Paulo, em Caraguatatuba (SP), litoral norte do estado. O evento também foi organizado pela União Geral dos Trabalhadores (UGT).

“A crise ainda não está tão latente, mas já começa a dar sinais importantes. A insatisfação que vimos nas jornadas de junho começa a generalizar certo sentimento de esgotamento do atual governo”, afirmou Freire. “Esse fato será de fundamental importância no debate eleitoral. A ponto de já se dizer que o mote central na eleição será a necessidade de mudança, ao contrário do sentimento de continuidade de 2010. Isso se reflete, sem dúvida, em cima da Dilma [Rousseff].”

Em seu pronunciamento, o presidente do PPS citou o aumento dos preços, especialmente dos alimentos, como um dos efeitos mais perceptíveis do difícil momento econômico vivido pelo Brasil sob o governo Dilma. “A cada dia que se vai à feira ou ao supermercado, se sente aquilo que chamávamos de carestia. Isso é uma inflação bem maior do que o índice oficial da economia”, lembrou.

“É um governo que não cuidou do futuro, como no período de Lula, que só cuidou do presente dele próprio e de sua popularidade. Incentivou ao máximo o consumo e se despreocupou com a produção, com o investimento”, criticou o deputado. Segundo Freire, “o Brasil, que vivia em um clima de euforia e com um sentimento geral de que ia bem, hoje vai muito mal”.

A falácia do 'pleno emprego'
O presidente do PPS questionou os números celebrados pelo governo federal e que supostamente representariam uma situação de “pleno emprego” no país. “Este governo vendeu a ideia de que o país tem pleno emprego. Mas uma economia que cresce 2% ao ano não pode ter pleno emprego”, apontou.

“O próprio IBGE já tem pesquisas desmentindo as anteriores na questão do emprego. O Brasil tem uma população imensa que não tem emprego nem busca trabalho. São, em geral, os jovens do Bolsa Família, até porque a filosofia do programa é a de que quem busca trabalho e consegue emprego, perde a bolsa”, afirmou o presidente do PPS. Freire citou os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), que indicou um percentual de desocupação de 7,4% no segundo trimestre de 2013, bem superior ao registrado pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME) divulgada pelo governo.

Na conversa com os sindicalistas, Freire também tratou de educação e lamentou o péssimo desempenho brasileiro nas avaliações internacionais. “O Brasil piorou, regrediu muito nos índices de educação quando comparado ao resto do mundo”, afirmou. O parlamentar destacou o projeto de sua autoria que garante a alfabetização até os 6 anos de idade a todos os alunos da rede pública de ensino, ao invés dos 8 anos determinados pelo governo atualmente.

O seminário
O seminário, que teve início na última sexta-feira (31) em Caraguatatuba, reúne a direção e assessores do Sindicato dos Padeiros de São Paulo para definir as metas de trabalho para 2014. Durante o evento, que se encerra no domingo (2), estão programadas palestras, reuniões de grupos de trabalho e aprovação de documentos.

As campanhas salariais de São Paulo e da região do ABC paulista e as negociações individuais com as empresas fazem parte da pauta. Entre outras propostas, são abordados o fim do fator previdenciário, a redução da carga de trabalho para 40 horas semanais, a sindicalização e o combate à informalidade.

Fonte: Portal do PPS

Fernando Henrique Cardoso: Mudar, com pé no chão e visão de futuro

As pesquisas eleitorais estão a indicar que os eleitores começam a mostrar cansaço. Fadiga de material. Há 12 anos o lulopetismo impõe um estilo de governar e de se comunicar que, se teve êxito como propaganda, demonstra agora fragilidade. Toda a comunicação política foi centralizada, criou-se uma rede eficaz de difusão de versões e difamações oficiais pelo País afora, os assessores de comunicação e blogueiros distribuem comunicados e conteúdos a granel (pagos pelos cofres públicos e empresas estatais) e se difundiu o "Brasil maravilha", que teria começado em 2002. Ocorre que a realidade existe e às vezes se produz o que os psicólogos chamam de "incongruências cognitivas". Enquanto os efeitos das políticas de distribuição de renda (criadas pelos tucanos) eram novidade e a situação fiscal permitia aumentos salariais sem acarretar consequências negativas na economia, tudo bem. O cântico de louvor da propaganda encontrava eco na percepção da população.

Desde as manifestações de junho passado, que pegaram governo, oposição e sociedade de surpresa, deu para ver que nem tudo ia bem. A insatisfação estava nas ruas, a despeito das melhorias inegáveis do consumo popular e de alguns avanços na área social. É que a própria dinâmica da mobilidade social e da melhoria de vida e, principalmente, o aumento da informação geram novas disposições anímicas. As pessoas têm novas aspirações e veem criticamente o que antes não percebiam. Começam a desejar melhor qualidade, mais acesso aos bens e serviços e menos desigualdade.

O estopim imediato da reação popular foram os gastos da Copa, o custo do transporte, a ineficiência, a carestia e a eventual corrupção nas obras públicas. Ao lado disso, a péssima qualidade do transporte urbano, da saúde, da educação, da segurança, tudo de cambulhada. Nada é novo, nem a reação provocada por esse mal-estar se orientou, de início, contra um governo específico ou um partido. Significou o rechaço de tudo o que é autoridade. Na medida em que o governo federal reagiu propondo "pactos", que não deslancharam, e vestiu a carapuça, a tonalidade política mudou um pouco. Mas o rescaldo dos protestos - e não esqueçamos que eles têm causas - foi antes a criação de um vago sentimento mudancista do que um movimento político com consciência sobre o que se quer mudar.

Os donos do poder e da publicidade perceberam a situação e se aprestam a se apresentar com máscaras novas. Só que talvez a população queira eleger gente com maior capacidade organizacional e técnica, que conheça os nós que apertam o País e saiba como desatá-los. Essa será a batalha eleitoral do ano em curso. O petismo, solidário com os condenados do mensalão a ponto de coletar "vaquinhas" para pagar as dívidas deles, porá em marcha seus magos para dizer aos eleitores que são capazes da renovação.

E a oposição? Terá de desmascarar com firmeza, simplicidade e clareza truque por truque do adversário e, principalmente, deverá mostrar um caminho novo e convencer os eleitores de que só ela sabe trilhá-lo. Os erros da máquina pública, seu custo escorchante, a incompetência política e administrativa estão dando show no dia a dia. As falhas aparecem nas pequenas coisas, como na confusão armada a partir de uma simples parada da comitiva presidencial em Lisboa, e nas mais graves, como o inexplicável sigilo dos gastos do Tesouro para financiar obras em "países amigos". Isso abriu espaço, por exemplo, para o futuro candidato do PSDB dizer, com singeleza: "Uai, pena que a principal obra da presidente Dilma tenha sido feita em Cuba, e não no Nordeste, tão carente de infraestrutura". Sei que há razões estratégicas a motivar tais decisões. Mas na linguagem das eleições o povo quer saber "quanto do meu foi para o outro". E disso se trata: em quem o eleitor vai confiar mais para que suas expectativas, seus valores e interesses sejam atendidos.

Daí que a oposição deve concentrar-se no que aborrece o povo no cotidiano, sem desconhecer os erros macroeconômicos, que não são poucos.

Quanto à insegurança causada pela violência e pelo banditismo, é preciso reprimi-los e está na hora de o PSDB apresentar um plano bem embasado de construção de penitenciárias modernas, inclusive algumas sob a forma de parcerias público-privadas, como foi feito em Minas Gerais. É o momento para refazer a Lei de Execuções Penais e incentivar os mutirões que tirem das prisões quem já cumpriu pena, como também pôr fim, como está fazendo São Paulo, às cadeias em delegacias e, ainda, incentivar os juízes à adoção de penas alternativas.

Não será possível, sem negar eventuais benefícios de mais médicos, mostrar que a desatenção às pessoas, as filas nos hospitais, a demora na assistência aos enfermos, nada mudou? E que isso se deve à incompetência e à penetração de militantes partidários na máquina pública?

Por que não mostrar que o festejado programa Minha Casa, Minha Vida tem um desempenho ruim quando se trata de moradias para a camada de trabalhadores também pobres, mas cuja renda ultrapassa a dos menos aquinhoados, teoricamente atendidos pelo programa? Sobra uma enorme parcela da população trabalhadora sem acesso à casa própria, tendo de pagar aluguéis escorchantes.

Isso para não falar de um estilo de governo mais simples, mais honesto, que diga a verdade, mostre os problemas e não se fie no estilo "Brasil maravilha". De um governo mais poupador de impostos, reduzindo-os para todos e não apenas para beneficiar as empresas "campeãs" ou "estratégicas". As oposições precisam ser mais específicas e mostrar como reduzirão os absurdos 39 ministérios, como eliminarão o inchaço de funcionários e fortalecerão critérios profissionais para as nomeações. Também chegou a hora de uma reforma política e eleitoral. Não dá para governar com 30 partidos, dos quais boa parte não passa de legenda de aluguel.

Em suma, está na hora de mudar e quem tem a boca torta pelo cachimbo da conivência com a corrupção, o desperdício e a incompetência administrativa, por mais que faça mímica, não é capaz dessa proeza. O passado recente teve suas virtudes, mas se esgotou. Construamos um futuro de menos arrogância, com realismo e competência, que nos leve a dias melhores.

Sociólogo, foi presidente da República

Fonte: O Estado de S. Paulo

Beto Albuquerque*: Política contra a corrupção

É grande a insatisfação da população brasileira

A partir deste mês de fevereiro, não apenas servidores públicos poderão ser punidos por corrupção. Entra em vigor a lei que pune empresas corruptoras (12.846/13), permitindo ao gestor público aplicar às empresas multa de até 20% do faturamento bruto por corromper servidores, financiar crimes, usar laranjas para obter benefícios ou fraudar licitações.

Mas para fechar o “cerco” legal anticorrupção ainda precisamos aprimorar o comando constitucional. Os 250 artigos da Constituição Federal e os outros 97 artigos do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias registram apenas um dispositivo com o termo “corrupção”.

Por esta razão, apresentei a Proposta de Emenda Constitucional que cria o Conselho Nacional de Combate à Corrupção (PEC nº 362/2013). De acordo com a proposta, o colegiado ficará responsável pela fiscalização das entidades da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O Conselho será um órgão independente, acima dos poderes e governos, formado pela sociedade e por agentes públicos envolvidos com o combate à corrupção. Eles terão, entre suas funções, a responsabilidade de desenvolver mecanismos para prevenir, detectar, punir e erradicar as práticas corruptas no país, além de estipular estratégias de combate à impunidade.

Estudo realizado pela organização não governamental Transparência Internacional, intitulado Índice de Percepção da Corrupção 2013, coloca o Brasil em 72º lugar no ranking mundial de corrupção entre 177 países avaliados. A edição conferiu ao Brasil a nota 42, em uma escala que vai de zero (mais corrupto) a 100 (menos corrupto). Em 2012, o país ocupava a 69ª posição.

Por consequência, é grande a insatisfação da população brasileira, que cobra a aplicação correta do dinheiro público, o fim da impunidade e uma representação política ética e moral. Entidades que monitoram a moralidade pública apontam que o Brasil perde, anualmente, de R$ 40 bilhões a R$ 69 bilhões com a corrupção. A corrupção também tira a competitividade do país e das empresas. O ambiente jurídico-institucional é um indicador que é considerado por investidores econômicos internacionais.

Portanto, precisamos de um grande esforço da cidadania e do Estado brasileiro para afastar a imagem de que a corrupção é tradição no país. E nada melhor do que consagrarmos um dispositivo que independe da vontade do governante de ocasião, mas da mobilização da sociedade para atacar um problema que se alastra como uma pandemia e ameaça a credibilidade das instituições e do próprio sistema democrático.

*Deputado, líder do PSB na Câmara dos Deputados

Fonte: Zero Hora (RS)

Almir Pazzianotto Pinto: Mensagem à oposição

Eleições sem adversários não têm sabor, tampouco autenticidade. Para entusiasmar, as campanhas devem ser aguerridas e fortes, capazes de atrair o interesse do povo, pouco inclinado a tomar conhecimento dos assuntos da política, em relação à qual sentem justificável aversão.

Convencer o cidadão comum, cuja vida se exaure na luta pela sobrevivência, exige talento e habilidade, que raros aspirantes a cargos eletivos possuem.

A peneira da vida pública tem malhas finas. Não por acaso, as disputas se tornam, a cada eleição, mais dispendiosas. À falta de liderança natural tenta-se, por meio do dinheiro, obter adesões que a ausência de qualidades dos candidatos não asseguram.

Getúlio Vargas, se dependesse do tamanho, não conseguiria levar avante a carreira iniciada como deputado estadual no Rio Grande do Sul, encerrada como o maior líder trabalhista da história. Graças ao carisma, alimentado pela decretação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, retornou à Presidência da República em 1951, pelo voto do povo, após haver sido derrubado em 1945. Jânio Quadros foi outro que, desmentindo prognósticos, saltou de vereador a governador e a presidente, em fulminante ascensão. A renúncia, em agosto de 1964, não lhe retira os méritos, reconfirmados quando se elegeu prefeito de São Paulo, impondo dura derrota a Fernando Henrique Cardoso.

Lula é carismático. Inútil dizer o contrário. É o homem que elege “postes”, como se gaba sem constrangimento. Sua presença em qualquer eleição é fator de desequilíbrio. Ignora tudo quanto o PT fez de repugnante, como no caso do mensalão, e põe a campanha presidencial nas ruas, meses antes da data fixada em lei.

Diante disso, o que resta a Aécio Neves e a Eduardo Campos? Bater em retirada significaria por termo a carreiras que os conduziram aos governos estaduais, o que não é pouco, à Câmara dos Deputados, ao Senado. Não há outra via senão a de fazer oposição. Jamais, porém, tímida, relutante, acanhada, dependente de alianças que mais atrapalham do que ajudam.

Televisão é importante. Muito mais é saber o que falar. Se a mensagem é boa, a imprensa se encarregará de difundi-la. Veja-se o deficit da Previdência Social. Trata-se de assunto proibido ao Partido dos Trabalhadores, há 12 anos no poder, incapaz de se eximir do fracasso. Compete à oposição conservar o tema aquecido, o que não será difícil, pois interessa a aposentados, pensionistas e trabalhadores ativos, que um dia recorrerão aos cofres do INSS, para encontrá-los esgotados. Fosse o instituto pessoa jurídica de direito privado, sem dispor do Tesouro Nacional, estaria com processo de falência em Vara do Distrito Federal.

Deve denunciar a desindustrialização, que enfraquece o país e gera desemprego; a redução do mercado de trabalho; a inflação que nos bate às portas; a elevação das taxas de juros; o aumento incontrolável da violência; o abandono da infância e da juventude; a ruína do ensino; o descalabro na saúde; a ausência de recursos para a infraestrutura; os gastos perdulários com a Copa do Mundo e, sobretudo, a desenfreada corrupção.

Para a agenda da oposição sobram temas. Ao PT, entretanto, será complicado explicar como encontrou o país reorganizado, no fim da gestão de FHC, e conseguiu fazê-lo perder posições e prestígio na esfera internacional.

Só existem dois estilos de campanha: de cima para baixo, ou de baixo para cima. Grandes políticos, como Tancredo e Arraes, sabiam como se conservar em sintonia com o povo. Tancredo — a quem o PT negou votos no Colégio Eleitoral, quando eram necessários para derrotar a ditadura — jamais deixou de se interessar pelos humildes, aos quais dedicava carinho especial. Getúlio, Jânio, Juscelino, cada qual com o seu estilo, sabiam como se dirigir às pessoas simples.

O PSDB, como a preguiça, caminha a passos tardos, despreocupado com a popularidade. Ao olhar para os dirigentes, não encontro algum grande líder. São homens e mulheres ilustres, honestos, com belas folhas de serviços à nação. Falta-lhes, todavia, o dom da política, capaz de fazê-los condutores de massas e arrebanhadores de votos.

Não se ganham eleições com as classes A e B. A esmagadora maioria dos votos está nas camadas populares. Aécio Neves e Eduardo Campos, para chegarem ao segundo turno, têm a urgente necessidade de procurá-las.

Não caiam na defensiva. Falem alto, com energia e sem rodeios, e digam ao povo tudo que ele deseja ouvir.

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Fonte: Correio Braziliense

Dora Kramer: Filhos pródigos

É de admirar, realmente. Tanto a solidariedade quanto a prodigalidade dos companheiros que prontamente atenderam aos apelos de José Genoino e Delúbio Soares e, no conjunto, doaram quase R$ 2 milhões para saldar as dívidas de multas dos dois petistas com a Justiça. Dinheiro arrecadado em menos de três semanas. Aos números precisos: foram 19 dias durante os quais os sites destinados às doações receberam R$ 1.775.619 (ignorados os centavos). Deu e sobrou. Com folga.

A família de Genoino tomou a iniciativa. A imediata adesão de gente disposta a doar foi atribuída à especificidade da situação do ex-deputado: homem de posses medianas e vida desprovida de ostentação. Em dez dias arrecadou-se mais que o necessário: R$ 761.962 para pagar a multa de R$ 667.514. Do excedente, R$ 30 mil foram transferidos para a conta do ex-tesoureiro do PT. Nem teria sido necessário, pois, como se constatou logo a seguir, a solidariedade não era restrita a Genoino. Delúbio Soares conseguiu, em nove dias, arrecadar R$ 1,013 milhão para saldar um débito de R$ 466.888.

A diferença entre os dois é que Genoino recebeu menos de mais gente (cerca de dois mil colaboradores) e Delúbio ganhou mais de menos doadores, 1.095, de acordo com os números apresentados pelo coordenador jurídico do PT, Marco Aurélio Carvalho. Tudo certinho e contabilizado. “Todos os colaboradores estão identificados”, garantiu. Um sucesso. Tanto que a corrente será usada em prol do ainda deputado João Paulo Cunha (multa de R$ 370 mil) e de José Dirceu (R$ 960 mil) para quem vai a sobra da arrecadação originalmente destinada a Delúbio. Na avaliação de Carvalho, não haverá dificuldade para conseguir o necessário à quitação da dívida financeira dos petistas com a Justiça. Pelo que se viu até agora não há razão para duvidar.

É de se perguntar, porém, se um partido com essa capacidade de mobilizar recursos individuais não teria meios para fazer o mesmo em relação às campanhas eleitorais. Daria um bom exemplo às demais legendas de como é possível se sustentar sem recorrer a recursos públicos nem ao caixa “não contabilizado”, do qual o PT alega ter sido uma vítima, em sua versão de que o mensalão não existiu.

A partir de sua própria mobilização, o partido demonstrou que o financiamento por meio do orçamento da União forçosamente não seria a solução (muito menos a única) mais adequada às questões que envolvem a tão complicada vida financeira das agremiações partidárias. Claro, as campanhas teriam de ser mais baratas, sem tanta produção nem alegorias. Com foco mais no conteúdo e menos na forma. Mas seria um caminho, ainda mais se às doações de pessoas físicas fossem somadas as contribuições lícitas de empresas. Com doadores identificados, tudo registrado e devidamente divulgado.

Transparência, assim, não é “burrice”, contrariamente à tese defendida pelo então tesoureiro Delúbio Soares para derrubar a proposta do então petista Chico Alencar, feita em 2004, de divulgação dos gastos de campanha do PT na internet.

Modos da Corte. Das trocas de ministros divulgadas na quinta-feira, a única não oficial e até então desconhecida foi a substituição de Helena Chagas por Thomas Traumann na Secretaria de Comunicação da Presidência, publicada na Folha de S.Paulo. Helena soube que o jornal traria a notícia no fim da noite de quarta. Telefonou para a presidente Dilma Rousseff que a chamou para conversar na manhã do dia seguinte. Negou que tivesse autorizado qualquer “vazamento” e propôs que a demitida desmentisse a demissão, mas deixasse o cargo no domingo. Hoje, portanto. Proposta recusada, o posto foi entregue de imediato. Ficou nas adjacências do Planalto a forte impressão de que o anúncio pelo jornal antes do comunicado à interessada foi um toque de crueldade dado por quem tem carta branca para tal.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Eliane Cantanhêde: O Estado da (nossa) União

A presidente Dilma Rousseff foi a Davos, do outro lado do Atlântico, mas delegou ao chefe da Casa Civil a entrega da sua mensagem para a reabertura do Congresso, do outro lado da rua, como tem sido a praxe dos sucessivos governos. Por que será?

Se Dilma não decidir na última hora ir, Aloizio Mercadante sai da Educação, assume a Casa Civil às 11h e no meio da tarde já vai entrar no Congresso, amanhã, com a mensagem presidencial debaixo do braço como se presidente fosse.

Nos EUA, o discurso dos presidentes sobre o Estado da União, a cada início de ano, é um grande evento que não apenas mobiliza o governo e o mundo político como é aguardado com ansiedade pela população. Cidadãos e cidadãs querem saber o que o chefe da Nação tem a lhes dizer: o que realizou, o que se compromete a realizar. É coisa séria, para valer. Obama não está nos seus melhores momentos e fez um discurso chocho, sem impacto, mas mesmo assim cumpriu a tarefa.

O presidente Bill Clinton, debaixo de pesadas críticas e ameaçado até de impeachment, por causa do envolvimento heterodoxo com a estagiária Monica Lewinsky, foi ao Congresso, respirou fundo, fez um balanço vibrante do seu governo, assumiu compromissos contundentes para educação e emprego e acabou aplaudido de pé. Vi e pensei: sabe quando o Clinton vai cair? Nunca.

Se a forma no Brasil parece equivocada, o conteúdo da mensagem de Dilma dificilmente deixará de ser o mais do mesmo do discurso no Fórum Econômico Mundial. Listará (pela voz anódina do vice-presidente da Câmara) os dados da economia sob a ótica governista e os programas sociais que animarão seus palanques e os programas de TV da campanha, a começar do "Mais Médicos" e do "Minha Casa, Minha Vida", que você está careca de conhecer.

Realmente, o Congresso no Brasil não está com essa bola toda.

Fonte: Folha Online

Tereza Cruvinel: Cadê a nova política?

Rasgarão a máscara os que não quiserem mudar a velha política nem por antecipação, aprovando novas regras para 2018

Durante a trovoada dos protestos do ano passado, os mais importantes atores dos principais partidos, como se acendessem velas para Santa Barbara, a Iansã dos terreiros, passaram a defender uma nova forma de fazer política. As manifestações deflagradas por aumentos nos preços de passagens e capturadas pelos black blocs tiveram sua hora de negação do sistema e da política, vetando a presença dos partidos e jogando todos os políticos com mandato no balaio da ilegitimidade. Veio o refluxo, algumas medidas práticas foram tomadas, em diferentes esferas, mas a política seguiu no batido de sempre. Os protestos estão de volta, com o fermento da Copa. Depois, vem o da campanha.

Entre todos, só Marina Silva levantava antes essa bandeira, tentando criar a Rede como instrumento da tal nova política, embora um partido supostamente mais puro em seus objetivos e práticas nada possa dentro de um sistema marcado por vícios culturais e estruturais. Mas o discurso e a trajetória da ex-senadora deram-lhe maior aceitação no universo rebelde. Os que apoiavam sua candidatura presidencial passaram de 18% para 26% no período, na média dos institutos. Inviabilizada a Rede, ela juntou-se a Eduardo Campos, que encampou o discurso.

Começando pela presidente Dilma. Na época, ela respondeu com mais recursos para mobilidade urbana e outros serviços públicos criticados e, relativamente à política, com a proposta de um plebiscito para acelerar e legitimar a reforma política. Ainda havia tempo, mas tanto a base aliada como a oposição a rechaçaram. Feito o gesto, Dilma e o PT, que no passado encarnou a ruptura com as velhas práticas, seguiram na mesma trilha. Aí está a reforma ministerial, focada na ampliação e consolidação da coligação eleitoral para garantir à candidata Dilma mais tempo de tevê e a melhor teia de alianças nos estados. Dilma empossa amanhã só uma parte dos novos ministros, exatamente para que, no da Casa Civil, Aloizio Mercadante possa negociar com os partidos, e, especialmente com o amuado PMDB, o resto da reforma. Ele não será um ministro administrativo, como Gleisi Hoffmann, na pasta, mas a eminência política da presidente, sintonizando ação governamental com movimentação eleitoral. O Congresso reabre na segunda-feira e tudo o que ali será votado passará pelo velho método. Dilma deve manter Ideli Salvatti em Relações Institucionais, mas agora sob a supervisão política de Mercadante. Tudo isso é velha política, e ninguém estaria fazendo muito diferente se estivesse lá. É o sistema.

Eduardo Campos acolheu Marina e seu discurso da nova política, mas logo teve expostas contradições significativas. Em Pernambuco, o governo é apoiado por vastíssima coligação de partidos heterogêneos, entre os quais dividiu as secretarias. Aécio Neves fustiga a presidente cada vez que ela exercita os velhos métodos e se vale do Estado conquistado. Nada de diferente fazem, porém, governos estaduais tucanos.

Agora os protestos estão de volta, inicialmente focados na Copa. Depois dela vem a campanha, a gastança eleitoral, as coligações com suas contradições, e o radicalismo raivoso, que abafará o debate sobre propostas e ideias. Campos, aliás, postou recentemente em sua página que fará a campanha lastreada nas ideias, buscando o melhor do PT e o melhor do PSDB. Ele sabe que, na prática, as coisas não funcionam assim. Que na velha política os arranjos falam mais alto que as ideias.

De tudo isso sabemos, mas há algo que precisa ser reiterado. O Congresso não pode mais mudar nenhuma regra para as eleições deste ano. O Supremo que, provocado pela OAB, deu sinais de que poderia proibir as doações de empresas a partir deste 2014, dá sinais de recuo. E seria mesmo um desatino impor mudança tão radical agora, quando o jogo está em curso, inclusive no que diz respeito ao financiamento das campanhas. Mas algo o Congresso pode fazer, com vistas ao futuro. Algo que seria compreendido e bem recebido: aprovar, neste primeiro semestre, a reforma política elaborada pelo grupo interpartidário criado pelo presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), após a rejeição do plebiscito de Dilma, com vigência para o pleito de 2018. Não é revolucionária, mas é viável e progressiva. O relator dos projetos derivados dela agora é o experimentado Esperidião Amin (PP-SC). Ninguém poderia reclamar de casuísmos e atropelos. Pois quem não quiser mudar a velha política, nem com tanta antecipação, estará rasgando a máscara.

Sucesso das vaquinhas
O deputado tucano Jutahy Júnior (BA) defende uma investigação sobre as doações na internet aos petistas condenados para o pagamento das multas. Acha suspeita a generosidade que garantiu recursos de sobra a José Genoíno e Delúbio Soares, e agora serão repassados a José Dirceu e João Paulo Cunha. Não se sabe o que o Supremo pensa da generosidadade que pode, também, expressar a discordância de uma parte da sociedade com o julgamento e sua severidade seletiva. Outros condenados seguem soltos, outros processos, sendo adiados.

Fonte: Correio Braziliense

João Bosco Rabello: Critério menos 'técnico'

A saída da ministra Helena Chagas do comando da comunicação do Planalto poderia constituir uma mudança natural, inserida na dinâmica de governos, não fosse o episódio o desfecho de uma pressão permanente do PT pelo controle da mídia, extensiva ao ministro das Comunicações, Paulo Bernardo.

Ao explicitar na carta de demissão a adoção de “critério técnico” na aplicação do orçamento da Pasta, a ex-ministra expôs como uma das razões de sua saída a resistência a ampliar os recursos dirigidos à mídia alternativa, eufemismo para os produtos de conteúdo governista, também chamados de “blogs sujos”.

Estes, como se sabe, compõem o amplo universo digital de apoio ao PT, financiado pelo governo a título de democratizar a mídia, mas na verdade instrumento para contrapor a leitura ideológica do partido à cobertura jornalística independente. Numa linguagem direta, uma militância paga.

O epíteto “blogs sujos” surgiu dos conteúdos ofensivos, caluniosos e, não raro, apócrifos, que fazem circular, sustentados por dinheiro público, mecanismo estimulado no governo Lula, em contraste com o recente apelo do ex-presidente pelo uso responsável da Internet.

Os opositores internos a esse modelo são alvos permanentes do “fogo amigo” do PT. Não os move na resistência à sua ampliação apenas o aspecto de sua legitimidade, mas de sua legalidade. Trata-se de investimento público que mistura interesses partidários com os de governo, em forma de propaganda remunerada a uma mídia informal não submetida aos critérios de audiência, circulação e distribuição, referências basilares para os valores da publicidade - oficial e privada.

Não por outra razão, os defensores de critério “menos técnico” para o setor, querem também mudar os parâmetros de medição aplicados para constatar o alcance de cada meio, por se constituírem hoje em obstáculo à democratização dos recursos, segundo o conceito do PT. A proposta revogaria a lei de mercado, segundo a qual, custa mais ao anunciante o veículo com maior alcance de leitores.

Já o ministério das Comunicações se opõe à pretensão do PT de aprovar a regulamentação da mídia nos padrões de controle que afetam a liberdade constitucional de expressão.

Ainda no governo, Lula disse ao Estado que os meios de comunicação não deveriam se preocupar com esse tipo de pressão, porque se inseria no contexto do que chamou de “usina de utopias”- alusão às propostas emanadas das conferências do PT.

Evitou assim a prestar contas dos valores e beneficiários dos recursos pagos a essa mídia paralela. Uma caixa preta ainda por ser aberta.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Elio Gaspari: O belo nascimento do menino Miguel

O quinto filho de Eduardo e Renata Campos tem síndrome de Down, e eles celebraram a vida

Foi o poeta João Cabral de Melo Neto quem disse: "Não há melhor resposta que o espetáculo da vida". É raro que ocorram episódios comoventes na esfera privada de políticos brasileiros. A imediata divulgação, pelo governador Eduardo Campos, de que seu quinto filho nasceu com a síndrome de Down e a forma com que ele e sua mulher, Renata, lidaram com isso justificam a transcrição da mensagem que postaram na quarta-feira:

"Hoje os médicos confirmaram o que já estava pré-diagnosticado há algum tempo. Miguel, entre outras características que o fazem muito especial, chegou com a síndrome de Down. Seja bem-vindo, querido Miguel. Como disse seu irmão, você chegou na família certa! Agora, todos nós vamos crescer com muito amor, sempre ao seu lado".

Esse tipo de comportamento revela não só o afeto de uma família, como serve de exemplo. Crianças nascidas com essa síndrome às vezes inibem os pais, infelicitando-lhes as vidas.

Houve época em que eram raros os casos como o de Charles de Gaulle, cuja filha Anne nasceu com ela. O general que liderou a Resistência Francesa e governou o país por mais de dez anos, até 1969, era conhecido por sua reserva pessoal. Raramente ria ou brincava, salvo se estivesse com Anne. Com ela até cantava, fazia teatrinhos e tomava beliscões nas bochechas. Nunca se afastou da menina e levou-a consigo para a Inglaterra quando a França se rendeu à Alemanha. A moça morreu em 1948. Vinte e dois anos depois, quis ser sepultado ao seu lado. Conduta muito diferente de Joseph, o patriarca da família Kennedy.

Ele educou seus filhos num padrão de competitividade doentia. Quando Rosemary, a filha mais velha, mostrou-se depressiva e lenta no aprendizado (nada mais que isso), submeteu-a a uma lobotomia experimental. Deu tudo errado. Aos 23 anos, ela perdeu a fala e andava com dificuldade. Esconderam-na num asilo e os pais não a visitaram. Rosemary terminou seus dias em 2005, aos 86 anos, tendo sobrevivido a três irmãos homens e a uma irmã que se tornara marquesa.

Felizmente, no Brasil, ocorreram mudanças exemplares. Em 2011, Romário levou sua filha Ivy a um evento contra a discriminação. O mesmo fez o ministro Dias Toffoli, do STF, com seu irmão José Eduardo.

Nervosos
O ministro Guido Mantega falou em "acalmar os nervosinhos" que temem pela estabilidade da economia brasileira.

Tudo bem, mas quem está à beira de um ataque de nervos é o pedaço da equipe que cuida dos números, na qual ele eventualmente se inclui. O temor, acima de tudo, relaciona-se com as ameaças que vêm de fora.

O homem dos cachorros
Um grande livro está chegando à praça. É "O Homem que Amava Cachorros", do cubano Leonardo Padura, uma brilhante trama policial e política, ou política e policial. Começa em 1929, quando o ex-dirigente soviético Leon Trótski é desterrado, e acaba em 2004, no funeral de Ana, a mulher do narrador. No caminho, conta a história de um sujeito que amava cachorros e não falava de si. Era Ramon Mercader, o homem que em 1940 matara Trótski no México, com um golpe de picareta. Ralou vinte anos na cadeia e nem o nome disse. Solto, viveu na Rússia com a medalha de "Herói da União Soviética" e em Cuba.

Dito assim, o livro é apenas mais um sanduíche de história com ficção, gênero que dá certo poucas vezes a cada cem anos, mas, quando dá, sai de baixo. Sua virtude está na qualidade da escrita, no rigor factual em relação ao que realmente importa e, sobretudo, na imersão na alma de personagens que viveram os crimes e ilusões do comunismo. Seu retrato do cotidiano do narrador no regime cubano de hoje (no qual vive Padura), rememorando o que foi o soviético do século passado, é um verdadeiro primor.

Tudo isso, e mais um romance policial.

BNDES
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, informa que os mecanismos de controle do banco impedem que um freguês receba um empréstimo e aplique esse dinheiro no mercado financeiro, que remunera a juros compensadores: "É impraticável ou, no mínimo, de execução muito difícil e arriscada".

Alckmin e o DOI
O prédio onde funcionou o DOI de São Paulo foi tombado pelo patrimônio histórico, para servir de lembrança do que lá acontecia.

O governador Geraldo Alckmin deixou essa bola passar. No seu primeiro mandato como governador eleito, rebarbou uma proposta de um colaborador para tombar o símbolo do porão da ditadura. Nessa época, ele queria dar visibilidade à sua política de segurança colocando presos uniformizados na manutenção das beiras de estradas.

Mortalidade
Tem gente que atravessa a rua para escorregar na casca de banana que está na outra calçada. A doutora Dilma atravessou o Atlântico para escorregar em Lisboa pelo simples culto à blindagem de suas agendas. Transformou um simples jantar em reunião da VAR-Palmares. Acreditar que a ex-ministra-chefe de Comunicação Helena Chagas tivesse algo a ver com essa obsessão exige que se desconheça as duas.

Houve um tempo em que a assessoria de imprensa do Planalto não tinha taxa de mortalidade, mas o presidente era Fernando Henrique Cardoso e a encarregada do armazém era Ana Tavares, a quem se atribuem milagres suficientes para instruir um processo de canonização.

Os transportecas do Rio dormem no ponto
Durante a campanha eleitoral de 2012, o candidato Fernando Haddad anunciou que criaria o Bilhete Único Mensal, um plástico que permite o uso livre do transporte público. O benefício entrou em vigor em novembro passado. No Rio, nada. Na sua modalidade mais simples, o Bilhete Único começou a funcionar em São Paulo em 2004. O governador Sérgio Cabral prometeu-o em 2007 e pouco depois a RioCard lançou uma contrafação que não dava desconto algum. Em 2008 o candidato Eduardo Paes municipalizou a promessa. Elas só começaram a virar realidade em 2010. Era a época em que os transportecas faziam o que queriam, quando queriam. Em junho passado isso mudou.

Agora o prefeito Eduardo Paes anunciou um aumento da tarifa para R$ 3 a partir do próximo sábado. Os sábios já devem ter ouvido o slogan "Fifa, paga minha tarifa".

Cozinharam por mais de três anos o Bilhete Único simples e agora cozinham o mensal, que já existe em São Paulo, onde se prepara o bilhete semanal, com um pequeno desconto. Parece que os doutores vivem no mundo de Antonil, um dos primeiros cronistas da vida nacional, para quem as coisas se resolviam com três "pês": "pau, pão e pano".

Fonte: O Globo

Gaudêncio Torquato: A Idade das Trevas

"A lei e a ordem são o primeiro pré-requisito da civilização e em grande parte do mundo elas parecem estar evaporando." A observação, feita há cerca de 20 anos pelo professor da Universidade Harvard Samuel P. Huntington, no clássico O Choque das Civilizações, mostra-se pertinente para uma avaliação do atual estado da humanidade.

A ideia ganha consistência quando se puxam para o cenário as manifestações turbulentas em várias cidades do mundo, na onda de conflitos entre grupos étnicos, gangues de jovens, turbas desfraldando a bandeira de um nacionalismo xenófobo, situações que forçam a expansão de partidos de extrema direita, principalmente na Europa. Ressentem-se todos das instituições políticas, que não conseguem dar vazão às demandas sociais, e brandem a arma do ódio contra o outro, o estrangeiro, o não europeu, notadamente a comunidade muçulmana. Há quem garanta, como o professor britânico Jamie Bartlett, pesquisador do Instituto Demos e principal autor de um estudo sobre os grupos radicais de extrema direita na Europa, que o continente vive um impasse: deixar de ser caixa de ressonância das liberdades para se transformar em bastião do autoritarismo, ancorado nos eixos do ultranacionalismo, da islamofobia e do antissemitismo, entre outros.

Já a grave leitura do professor de Harvard sobre o conflito entre civilizações aponta para o limiar de uma Idade das Trevas no planeta. Argumenta Huntington que o Ocidente, com a clássica imagem de predomínio avassalador, triunfante, quase total, abre flancos para deixar enxergar uma civilização em declínio, com sua parcela de poder político, econômico e militar diminuindo em relação ao de outras civilizações, particularmente as da Ásia Oriental. A China emerge exuberante nessa paisagem. A Índia, mesmo com desníveis estupendos na sociedade, adentra o ranking de polos de alta tecnologia.

O discurso do Ocidente, com seus tradicionais sermões, já não afeta interlocutores e parceiros como no passado. O fato é que a última crise econômica, desencadeada em 2008, serviu para pôr mais lenha na fogueira que consome o Estado de bem-estar social, locomotiva da aclamada social-democracia europeia desde o pós-Guerra. Os partidos de esquerda, ao longo de décadas, tentaram repaginar o modelo, experimentando fórmulas e resgatando novas abordagens. Com poucas exceções, não têm sido bem-sucedidos.

Resultado dos conflitos: fortalecimento das correntes de extrema direita em muitos países, a indicar a eventual conquista de boa porcentagem (uns 10%) das 751 cadeiras do colegiado no Parlamento Europeu. A perplexidade se instala. Quem poderia imaginar que os terrenos da velha democracia europeia fossem acolher novamente a poeira do deserto da restrição de direitos? Até a França, berço dos direitos humanos, mostra sua faceta de barbárie. Ali se expande o antissemitismo, cujos propagandistas querem apagar o calvário do holocausto, considerando-o "um detalhe na História", como proclama o fundador da Frente Nacional francesa, Jean-Marie Le Pen, sucedido no comando do partido por sua filha Marine. A pauta discriminatória é densa: restrição aos imigrantes, limitação de direitos de estrangeiros, proibição de manifestações religiosas de muçulmanos (construção de mesquitas, banimento de burcas), etc.

Os exércitos "nacionalistas-protecionistas" multiplicam-se nos partidos políticos e agora nas redes sociais, nas quais um grupo chega a se autodenominar "Adolf-adoradores Neandertais". Na Grécia, o partido de extrema direita Aurora Dourada utiliza práticas nazistas - milícias armadas, agressão a imigrantes - e símbolos assemelhados à suástica. Propõe a reintrodução da pena de morte e a possibilidade de ela ser aplicada a imigrantes sentenciados por delitos.

O discurso segregacionista se adensa enquanto declina a força dos partidos que sustentam os pilares da social-democracia; as lideranças, mesmo em rodízio, não conseguem tapar os buracos abertos pela crise econômica, estampados nos formidáveis contingentes de desempregados. E assim germina nas praças das grandes cidades o vírus de um tipo de violência diferente dos eventos tradicionais (roubos, assaltos e assassinatos deles decorrentes): a violência dos conflitos étnicos e dos choques civilizacionais, como a que põe na arena muçulmanos e não muçulmanos, países afins (islâmicos e vizinhos). Para as agremiações da direita radical, o Islã e os muçulmanos simbolizam o mesmo papel de "ameaça externa" que Adolf Hitler associava aos judeus. Comparação extravagante e sem sentido.

A propósito, a imagem desse truculento e fanático cabo que se vestiu de ditador para ser o maior facínora da História contemporânea veio a público na semana passada, por ocasião do evento em memória do holocausto realizado no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo. Comovidos, ex-prisioneiros dos campos de concentração desfilavam as agruras por que passaram. Um horror! Em seis anos de guerra foram assassinados 6 milhões de judeus - incluindo 1,5 milhão de crianças -, representando um terço da comunidade judaica da época. Foram massacrados também comunistas, ciganos, deficientes, homossexuais, testemunhas de Jeová, doentes psiquiátricos e sindicalistas.

Há 69 anos o Exército soviético abria as portas de Auschwitz, o campo de concentração com 8 mil prisioneiros. A tétrica imagem jamais será esquecida: esqueléticos, velhos, doentes, cabeças raspadas, filas de pessoas cambaleando, famintas, nuas, torturadas, braços tatuados com o número do registro. Na fachada de entrada, a inscrição Arbeit macht frei (o trabalho liberta). A rememoração do holocausto é uma maneira de puxar o passado para o presente, fato importante para alargar as avenidas do futuro.

Imaginar que por esse mundão afora haja fanáticos que ainda hoje aplaudem um dos maiores genocídios da História é apostar na hipótese de Samuel P. Huntington: nas esquinas do mundo desenha-se o paradigma do "puro caos".

Jornalista, professor titular da USP

Fonte: O Estado de S. Paulo