terça-feira, 12 de setembro de 2023

Míriam Leitão - O risco da volta do pior da história

O Globo

Mesmo com a evidente experiência desastrosa no Brasil e nos Estados Unidos, a extrema direita avança na América Latina

O 11 de setembro de 1973 foi apavorante. No Brasil, era o auge do AI-5, e muita gente via o Chile como um exemplo de Forças Armadas profissionais e legalistas. Seria um oásis na região. Até aquele dia em que o comandante do Exército, Augusto Pinochet, voltou-se contra o governo do qual fazia parte, bombardeou o Palácio La Moneda, levou o presidente Salvador Allende à morte e iniciou um governo sangrento e corrupto. Já houve aniversários melhores desta data trágica, quando a direita democrática chilena chegou admitir os crimes da ditadura. Hoje o negacionismo produziu um retrocesso tal que faz parcela considerável dos chilenos afirmar que não houve golpe, ditadura, tortura ou mortes. Nega-se a verdade factual. E mais de um terço da população hoje acha a ditadura justificável.

No Brasil nesse 11 de setembro de 2023, o ex-presidente Jair Bolsonaro teme pelo seu futuro. A delação do tenente-coronel Mauro Cid pode trazer à tona a verdade dos fatos recentes da história do país. Neles, há uma tentativa de golpe de Estado comandada por Bolsonaro. Entre outros crimes. A defesa do ex-presidente achava que conseguiria saber o que Cid havia começado a falar. Pediu acesso aos depoimentos dos oito investigados interrogados no dia 31 de agosto na Polícia Federal. Bolsonaro ficou em silêncio, mas Mauro Cid falou. O advogado constituído por ele poderia ver o depoimento, desde que não fosse delação. Sendo delação, a investigação correrá por enquanto em sigilo.

Merval Pereira – Zeitgeist

O Globo

As confissões da Lava-Jato foram fartas, os bilhões devolvidos são reais, assim como reais são os bilhões de dólares que o governo brasileiro pagou a investidores estrangeiros da Petrobras e de outras estatais.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está abusando do direito de errar por último. Alguém tem de avisar às excelências que a frase de Rui Barbosa tem o sentido de que o STF tem a palavra final. Mas e se a palavra final de um mesmo juiz muda como biruta ao vento? Muda o Zeitgeist (espírito do tempo, em alemão), muda o voto?

O então ex-presidente Lula foi para a cadeia por uma decisão do Supremo de permitir a prisão depois de condenação em segunda instância. Ficou preso 1 ano, 7 meses e 1 dia, período em que vários habeas corpus em seu favor foram recusados pela maioria do Supremo. Um belo dia, ministros mudaram de ideia e de voto, permitindo que se formasse a maioria para liberar Lula: Rosa Weber, que sempre fora contra, mas seguira a maioria na votação anterior, Gilmar Mendes e Dias Toffoli, alegando que havia abuso na prisão em segunda instância.

Carlos Andreazza - Anistia para Dias Toffoli

O Globo

Este artigo é sobre a imprestabilidade de Dias Toffoli para julgar a prestabilidade de conjunto de provas em que está citado.

Este artigo é sobre a imprestabilidade de um juiz para julgar a prestabilidade de conjunto de provas em que está citado.

Em 13 de julho de 2007, Marcelo Odebrecht enviou e-mail a executivos da companhia:

— Afinal vocês fecharam com o amigo do amigo do meu pai?

Resposta de Adriano Maia:

— Em curso.

Em 9 de abril de 2019, Odebrecht apresentou esclarecimentos sobre mensagens que entregara para substanciar sua colaboração. A Polícia Federal queria saber quem era “o amigo do amigo do meu pai”. O empresário elucidou:

— Refere-se a tratativas que Adriano Maia tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira. ‘Amigo do amigo do meu pai’ se refere a José Antonio Dias Toffoli.

AGU é Advocacia-Geral da União, então comandada por Dias Toffoli, época em que a Odebrecht tentava vencer — e venceria — a disputa pela construção da usina de Santo Antônio, no Madeira. Marcelo Odebrecht acrescentaria que a “natureza e o conteúdo das tratativas” só poderiam “ser devidamente esclarecidos por Adriano Maia, que as conduziu”.

Luiz Carlos Azedo - Lula escorregou na Carreira das Índias

Correio Braziliense

O presidente da República flertou com a ilegalidade ao questionar a participação do Brasil no Tratado de Roma, pois isso está previsto na Constituição

A Carreira das Índias foi uma rota marítima anual entre Lisboa e Goa estabelecida pela Armada portuguesa, após a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, de 1500 até a abertura do Canal do Suez, no século XIX, com escalas regulares em Moçambique e Açores. Foi a cabeça de ponte para os portugueses chegarem a Macau, na China, e Okinawa, no Japão. A outra rota era a triangulação entre Lisboa, Angola e Brasil, para o tráfico de escravos e a exploração comercial da cana de açúcar, do ouro, de pedras preciosas e de especiarias.

De certa forma, a projeção de nossas relações diplomáticas no chamado Sul Global tem raízes históricas. A parceria com a Índia é estratégica. País de cultura milenar, estrutura social perversamente organizada em castas, vítima de um colonialismo muito mais longevo do que o nosso, hoje é o fenômeno mais importante de desenvolvimento da atualidade. O pouso de sua nave espacial na Lua é emblemático e resume sua importância científica e tecnológica.

Dora Kramer - Diversidade desce a rampa

Folha de S. Paulo

Lula veste o santo do centrão e põe a nu o descaso com o critério inicial da igualdade

A representação da diversidade nacional que subiu a rampa na cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio da Silva não acompanhou o critério da recente mexida no primeiro escalão que, convenhamos, a rigor não se pode chamar de reforma.

Na acepção da palavra, reformar significa mudança para melhorar algo de cujo conteúdo algum mal precisa ser extirpado. Não foi o que aconteceu, a menos que Lula tenha detectado malefício imperdoável na presença de Ana Moser no comando do Ministério do Esporte e visto na falta de uma pasta para tratar das pequenas empresas grave entrave aos trabalhos governamentais.

Hélio Schwartsman – Recaída

Folha de S. Paulo

Embora antirrepublicano, foro especial acaba sendo melhor chance de punir poderosos

O Brasil não é para principiantes. Meus pendores republicanos me fazem torcer o nariz para o foro especial. Idealmente, penso que não deveria haver diferenças de tratamento jurídico entre cidadãos e autoridades. Mas, numa abordagem menos ahistórica, o foro especial talvez seja a melhor chance de condenar poderosos.

mensalão é o grande escândalo envolvendo políticos que produziu condenações que não foram posteriormente anuladas. Nisso ele contrasta com outras operações como Castelo de AreiaSatiagraha e, agora, a Lava Jato. A diferença é que o mensalão, por causa do foro especial de muitos réus, teve começo e fim no STF, inexistindo assim corte que lhe fosse superior e pudesse mais tarde invalidar suas decisões.

Alvaro Costa e Silva - Os sósias de Lula

Folha de S. Paulo

Enquanto Bolsonaro ouve a bomba-relógio, petista se multiplica em erros e acertos

Dublê de ajudante de ordens da Presidência e operador de quadrilha, o tenente-coronel Mauro Cid demorou demais para negociar a delação premiada. Sobretudo levando-se em conta o histórico das traições de Bolsonaro, useiro e vezeiro em fritar, abandonar pelo caminho ou fazer coisa pior com seus colaboradores mais próximos.

Quem não perdeu tempo foi o ministro Alexandre de Moraes, do STF, homologando o acordo com a Polícia Federal que deve ajudar a esclarecer os crimes do ex-chefe. Em troca, Cid poderá ter um abatimento da pena em caso de condenação. Não deixa de ser um alívio para quem está ameaçado de ir para o "barro", gíria da caserna que indica punição militar, e sofre pressão do "conglomerado". A expressão nebulosa foi usada por Cezar Bitencourt, advogado de Cid. Tal conglomerado reúne quem ou o quê? Seria o coletivo de milícias?

Joel Pinheiro da Fonseca - Lula e a democracia liberal

Folha de S. Paulo

Cria-se um ruído desnecessário com quem vê democracia e direitos humanos como valores centrais

"Of course." ("É claro.") Foi a resposta seca —alguns interpretaram como incrédula— da jornalista ao ouvir o presidente Lula, na Índia, afirmar sem meias palavras que descumpriria a decisão do Tribunal Penal Internacional que pede a prisão de Vladimir Putin.

O que é claro é que a aplicação dessa decisão, caso Putin viesse ao Brasil, não seria nada trivial. Um chefe de Estado —e ainda de uma potência militar— chega para uma reunião e sai algemado? Não é o tipo de coisa que se faz assim com leveza. Mas é também, como o próprio Lula foi obrigado a reconhecer no dia seguinte, uma decisão que cabe à Justiça.

Putin, por sua vez, sabe dos riscos que corre se começar a viajar por aí —e um mandado de prisão expedido por um tribunal é o menor deles. Não deve sair de casa tão facilmente. Ou seja, muito barulho por nada.

Os mortos e desaparecidos e a democracia - Vários autores (nomes ao final do texto)

Folha de S. Paulo

É urgente que o governo federal cumpra a promessa de restabelecer comissão

Dentre as políticas públicas atacadas por Jair Bolsonaro, aquelas relacionadas aos direitos à memória, verdade, justiça e reparação foram particularmente atingidas. De forma emblemática, uma das últimas medidas de seu governo foi a extinção da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), instituída pela lei 9.140/95.

Órgão de Estado criado por Fernando Henrique Cardoso, a comissão tem como missão reconhecer os mortos e desaparecidos políticos da ditadura militar, bem como envidar esforços para a localização dos corpos de desaparecidos. É patente, assim, a ilegalidade da extinção do órgão, uma vez que ele está longe de cumprir seu objetivo legal.

Andrea Jubé - A reforma flui como a tartaruga ao vento

Valor Econômico

Debate sobre o fim dos privilégios segue de forma arrastada

Atribui-se ao imperador Augusto a expressão “festina lente” que acompanha os afrescos do Palazzo Vecchio, em Florença: tartarugas com grandes velas enfunadas ao vento sobre as firmes carapaças.

A frase em latim significa “apressa-te lentamente”, e já foi citada neste espaço como metáfora do estilo de certos políticos brasileiros. Mas duas interpretações são possíveis para o conceito que norteou o imperador romano e Cosme I de Médici, que governou Florença e encomendou o afresco.

De um lado, define o político cauteloso que pensa e reflete antes de agir. De outro, aplica-se aos políticos que até caminham no rumo do interesse público, mas o fazem com lentidão. Na velocidade do barco a vela, enquanto o interesse do cidadão exige uma lancha de alta performance.

Pedro Cafardo - Inverno está no fim, e os escanteados continuam nas ruas

Valor Econômico

Moradias transitórias são apenas alívio emergencial para essa doença que envergonha o país

Uma coisa é a desigualdade na sociedade brasileira, espelhada por quase 30% da população vivendo em nível de pobreza, com renda familiar de até R$ 5,50 por dia. Outra coisa é o descaso com os escanteados, 281 mil que moram nas ruas, segundo pesquisa do Ipea.

Neste inverno, que felizmente termina na próxima semana, foi triste e revoltante ver centenas de pessoas, muitas vezes famílias inteiras, dormindo sob fétidos viadutos em minúsculas barracas doadas sabe-se lá por quem ou enroladas em cobertores fornecidos pelas prefeituras.

Voltamos a esse tema, que envergonha grandes cidades brasileiras e o país, porque ele costuma sair da pauta pública quando acaba o inverno - aparentemente, o calor arrefece os sentimentos de compaixão. O problema é angustiante principalmente em São Paulo, com suas 48 mil pessoas “em situação de rua”, expressão suave que se adotou recentemente para rotular de forma “politicamente correta” essa população escanteada.

Eliane Cantanhêde - O slogan de Mauro Cid já era

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro destruiu a carreira e o nome de Mauro Cid; agora, está nas mãos dele

Como presidente, Jair Bolsonaro destruiu a carreira, o nome e a honra do tenente-coronel da ativa Mauro Cid. Como ex-presidente, está nas mãos dele. A cada dia aumenta o risco de trocar a glória de ter subido a rampa do Planalto pelo vexame de descer os degraus de uma prisão, não por um, mas por uma sucessão de crimes.

Cid não é santo, criança, ingênuo, nem freira no lugar errado. Fez o que fez em sã consciência, achando que o poder pode tudo, tirando casquinha e usando o slogan (com odor fascista) de Bolsonaro, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, como Bolsonaro acima de tudo e de todos, pior que o repulsivo “Um manda, outro obedece” do general, então na ativa, Eduardo Pazuello.

Rubens Barbosa* - Virar a página na relação entre civis e militares

O Estado de S. Paulo

Estão criadas as condições para efetiva normalização das relações entre civis e militares, com o compromisso de ambas as partes de respeito mútuo e preservação da ordem democrática

A passagem do 7 de setembro, celebrando a Independência do Brasil, num momento delicado da relação entre civis e militares, por tudo o que está sendo divulgado, aconselha algumas reflexões voltadas para o futuro.

Desde a Proclamação da República até 1985, a interferência e a participação dos militares na política foram um fator de instabilidade interna e de restrição à democracia no País. Nos últimos quatro anos, apesar das sucessivas tentativas de envolver as Forças Armadas politicamente, essa instituição manteve-se isenta e alheia a qualquer tentativa de pôr em risco os princípios democráticos e as eleições presidenciais. Os acontecimentos de 8 de janeiro geraram desconfiança da parte do novo governo, explicitada pelo presidente eleito, quanto à lealdade de membros individuais da corporação. Essa situação está sendo superada pela construção de confiança mútua e por sucessivos pronunciamentos de altas autoridade militares sobre a vocação profissional das Forças Armadas e o seu afastamento de ações políticas que possam interferir no processo democrático.

O que a mídia pensa: editoriais / opiniões

Brasil não escapará de nova reforma da Previdência

O Globo

Ao contrário do que sustenta leitura ingênua dos números, sem mudanças as despesas voltarão a crescer

Os resultados da Previdência nos últimos dois anos têm alimentado em setores da esquerda o discurso de que as regras adotadas na reforma de 2019 foram rígidas demais e de que será possível ampliar os gastos previdenciários no futuro. Nada mais distante da realidade. Apesar de as despesas estarem crescendo em ritmo menor, é certo que no futuro o país não escapará de nova reforma para contê-las.

O primeiro, e mais óbvio, motivo é demográfico. Entre 1980 e 2022 os benefícios previdenciários subiram 3,9% ao ano, enquanto a população cresceu apenas 1,3%, revela pesquisa publicada no Observatório de Política Fiscal do Ibre/FGV. Havia um benefício previdenciário para 15,3 brasileiros no início do período. No final, um para 5,4.

É verdade que a despesa do governo com a previdência do setor privado — o Regime Geral de Previdência Social — caiu de 8,7% do PIB em 2020 para 8% nos dois anos seguintes. Mas os resultados são circunstanciais e não deverão se repetir nos próximos anos, afirmam os economistas Marcos Mendes, Rogério Costanzi e Otávio Sidone em artigo na revista Conjuntura Econômica.

Poesia | Pablo Neruda - Sobre mi mala educación

 

Música | Inti Illimani - El aparecido