Folha de S. Paulo
Uso desmedido de emendas corrói estrutura,
coerência e legitimidade da Carta
Aprovada no final de 2021, a Proposta
de Emenda Constitucional dos Precatórios modificou a metodologia de
cálculo do limite do teto
de gastos, permitindo maiores dispêndios no Orçamento de 2022. Menos de um
ano depois, a aprovação da PEC
da Transição, após as eleições presidenciais de outubro, voltou a modificar
os dispositivos sobre gastos, desta vez para acomodar mais despesas, sob a
justificativa de estimular programas sociais. Ela também determinou a criação
de um novo
marco fiscal até agosto de 2023, e o governo já deixou claro que
recorrerá a uma PEC para introduzi-lo.
Se caminhar nessa linha, serão três
alterações constitucionais discordantes sobre um mesmo tema num período muito
curto de tempo. Por isso, a dúvida é saber se a aprovação de tantas PECs não
acabará introduzindo na Constituição normas
que tendem a desfigurá-la. Como entre a promulgação da Carta e dezembro de 2022
já foram aprovadas 128 emendas constitucionais, essa indagação ganha ainda mais
relevância.
Na medida em que a vida social e econômica é dinâmica por sua natureza, em princípio toda Constituição deve estar aberta a uma revisão ou sujeita a receber emendas. Revisões constitucionais também são necessárias para impedir que a vontade política de uma geração se imponha de modo descabido sobre as seguintes. Quando permanece imutável, a Constituição acaba ultrapassada pelos fatos, tornando-se ineficaz. Contudo, se alterada excessivamente e na mesma velocidade em que esses fatos ocorrem, perde força como marco normativo.