sábado, 20 de maio de 2023

Opinião do dia – Antonio Gramsci* (a força das ideias)

“O homem ativo de massa atua praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação, a qual, não obstante, é um conhecimento do mundo na medida em que o transforma. Pode ocorrer, aliás, que sua consciência teórica esteja historicamente em contradição com o seu agir. É quase possível dizer que ele tem duas consciências teóricas (ou uma consciência contraditória): uma, implícita na sua ação, e que realmente o une a todos os seus colaboradores na transformação prática da realidade; e outra, superficialmente explícita ou verbal, que ele herdou do passado e acolheu sem crítica. Todavia, esta concepção “verbal” não é inconsequente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política. A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de “hegemonias” políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da polí[1]tica, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam.”

*Antonio Gramsci (1891-1937). Cadernos do Cárcere, v.1. p. 103. Civilização Brasileira, 2006.

Oscar Vilhena Vieira* - A liberdade de expressão é o cerne da democracia

Folha de S. Paulo

Definir os crimes de palavra é a melhor forma de protegê-la

A liberdade de expressão é constitutiva da democracia. Com isso quero dizer que sem liberdade de expressão não há democracia. Para que possamos exercer de forma livre e consciente nossos direitos políticos, é fundamental que possamos manifestar nossas opiniões, assim como acessar as informações e opiniões necessárias para a tomada de decisões políticas autônomas.

O exercício do poder político só é legítimo quando decorre de escolhas informadas, tomadas por cidadãs e cidadãos livres e iguais.

A liberdade de expressão serve também a outras finalidades de máxima importância. Sem liberdade de expressão não haveria desenvolvimento científico, econômico ou social, pois a busca da verdade ficaria prejudicada. Como enfatiza John Stuart Mill, mesmo as ideias falsas ou erradas, ao serem contestadas, podem contribuir para a busca da verdade.

Hélio Schwartsman - Canelada tripla

Folha de S. Paulo

Parlamentares desmoralizam a lei, esvaziam a autoridade da Justiça Eleitoral e ampliam descrédito ao Congresso

Ao que tudo indica, o Congresso aprovará uma emenda à Constituição que anistiará partidos políticos de todas as irregularidades cometidas até a promulgação da norma. A medida tem apoio ecumênico. Irmana legendas tão díspares como o PT de Lula e o PL de Bolsonaro. Apenas PSOL e Novo se posicionaram contra a proposta.

Se efetivada, essa será a quarta anistia que os partidos se concedem nos últimos 30 anos. Será também, de longe, a mais ampla. Ficariam livres de controle judicial e punição casos com cor, cheiro e textura de safadeza, como os gastos do extinto Pros (hoje incorporado ao Solidariedade) em festivais de churrasco (a sigla comprou 3,7 toneladas de carne em 2017) e na construção de uma piscina na casa de seu então presidente. Dinheiro público, vale ressaltar.

Dora Kramer - Uma mão suja a outra

Folha de S. Paulo

Difícil aceitar que a tão rigorosa Justiça Eleitoral assista inerte à PEC da anistia

Mil perdões pelo cacófato do título, mas é a imagem que me ocorre ante a união partidária em favor da impostura da anistia a graves transgressões de legendas alimentadas com dinheiro público —R$ 6 bilhões, na última contabilidade.

Tenho dificuldade de embarcar na versão de que ministros do Tribunal Superior Eleitoral, de Alexandre de Moraes a Nunes Marques, passando por Cármen Lúcia, sejam partícipes de conspirata vingativa contra Deltan Dallagnol.

Tenho ainda mais dificuldade de aceitar que tão rigorosa Justiça Eleitoral assista inerte à urdidura do Congresso contra lei que cabe ao TSE fazer cumprir —e nada diga sobre ela.

Alvaro Costa e Silva - A besta dos celulares

Folha de S. Paulo

As pessoas hoje se autoincriminam ao não resistir aos aplicativos de mensagem

No tempo dos ditados, o peixe morria pela boca. Hoje as pessoas se autocondenam ao não resistir ao apelo da besta que mora nos aplicativos de mensagens. Personagens da cena atual —o deputado Deltan Dallagnol, o ex-jogador de futebol Bruno Lopes e o tenente-coronel Mauro Cid— geraram, eles próprios, áudios e textos que os estão incriminando diante da Justiça.

Existe uma palavra para definir a atitude dos três. A nomofobia (do inglês "no mobile phobia") é um vício que transforma o mundo virtual na coisa mais importante da vida. O transtorno não se restringe apenas ao uso sem limite dos comunicadores de mensagens, mas sobretudo ao medo de ficar sem o celular ou ser impedido de usá-lo. Se não há conexão com a internet ou a bateria do aparelho está fraca, bate a fissura.

Demétrio Magnoli - Cleópatra, guerras de cor

Folha de S. Paulo

Egiptologistas acusam minissérie de tentar 'apagar a identidade egípcia'

A protagonista da nova minissérie da Netflix, interpretada por Adele James, é a primeira Cleópatra negra da história do cinema, o que provocou reações indignadas do governo egípcio. Foi Adis Abeba, capital da Etiópia, a cidade escolhida para fundar a Organização de Unidade Africana (OUA), há 60 anos, em 25 de maio de 1963. Os dois eventos estão conectados por uma ponte ideológica que ilumina o discurso político da corrente principal do movimento negro.

Na fundação da OUA, os líderes dos novos países independentes renunciaram ao ideal do pan-africanismo: os Estados Unidos da África. Ao longo de décadas, nos diversos congressos pan-africanos realizados na Europa e nos EUA, prometeu-se a unidade estatal de toda a África. Assim como Bolívar imaginara uma Pátria Grande hispano-americana, o pan-africanismo sonhou com uma "Pátria Grande racial". Contudo, na hora decisiva, os dirigentes africanos preferiram a fragmentação nacional nas linhas desenhadas pelas potências europeias.

Pablo Ortellado - Nem tudo o que pode, a gente deve fazer

O Globo

Léo Lins faz um tipo de humor de péssimo gosto, que se caracteriza por ser especialmente ofensivo

Léo Lins é um comediante que se especializou num tipo de humor ácido, ofensivo e sem limites. Faz piada com nordestinos, gordos, velhos, mudos e negros e não foge de temas tabus, como pedofilia ou Holocausto.

Na última quinta-feira, uma decisão da Justiça de São Paulo, a pedido do Ministério Público, determinou que o comediante deixe de veicular, retire do ar e deixe de comentar conteúdo que deprecie ou humilhe minorias ou pessoas vulneráveis. A determinação levou seu show “Perturbador”, que alcançara mais de 3 milhões de visualizações, a ser retirado do YouTube. Lins também está proibido de se ausentar de São Paulo por mais de dez dias, o que o impede de sair em turnê.

Eduardo Affonso - Os votos da primeira-dama não estão nas urnas

O Globo

O que você acharia se a namorada do piloto resolvesse sugerir ajustes no plano de voo?

O que você acharia se a mulher do médico entrasse na sala de cirurgia para opinar sobre procedimentos, sedação, sutura? Se o companheiro da dentista aparecesse para dar palpite sobre ser melhor tratar o canal ou extrair o dente logo de uma vez? Se o marido do engenheiro se manifestasse sobre a posição dos pilares, porque ficou encantado com o “conceito aberto” num programa de televisão? Se a namorada do piloto resolvesse sugerir ajustes no plano de voo ou no serviço de bordo?

Pois é. Mas aqui estamos nós, discutindo as interferências da atual primeira-dama na taxação de importações e na atuação do Gabinete de Segurança Institucional — sem saber até que ponto as críticas são fruto de nosso machismo estrutural.

Carlos Alberto Sardenberg - Sobram recursos. Mal utilizados

O Globo

O mundo caminha para uma economia verde, e o Brasil também tem recursos aí. Só que custa mais caro

Do ministro Fernando Haddad:

— Temos obrigação de crescer acima da média mundial, dado nosso potencial de recursos naturais, recursos humanos e parceria do Brasil com o mundo.

Há até abundância de recursos naturais, mas não valem nada se não forem explorados de maneira eficiente e com visão de futuro.

Petróleo, por exemplo. Na Margem Equatorial Brasileira, região litorânea que vai do Amapá ao Rio Grande do Norte, estão depositados 14 bilhões de barris de petróleo, numa estimativa consistente. Para ter uma ideia: as atuais reservas provadas de óleo no Brasil, coisa certa, alcançam cerca de 15 bilhões de barris.

A Petrobras já separou US$ 3 bilhões para começar a explorar essa imensa riqueza. Mas, de cara, esbarrou no Ibama, que negou a licença para pesquisas num poço, o primeiro, ao largo da foz do Amazonas. A região tem enorme densidade socioambiental, diz o Ibama, de modo que é intolerável o risco de exploração do óleo, mesmo que não aconteça nenhum desastre — tipo vazamento de petróleo de alguma plataforma.

Carlos Góes - Política industrial do passado e do futuro

O Globo

Refém dos mesmos políticos e sindicatos patronais de sempre, o Brasil continua apostando em receitas antigas

Nos próximos dias, o governo federal deve divulgar um pacote de medidas de incentivo para a indústria automobilística, enlatadas sob o marketing de um “novo carro popular”. Será o terceiro grande pacote de estímulos para o setor em uma década, depois do Inovar-Auto (no governo Dilma) e do Rota 2030 (no governo Temer).

Não é por falta de incentivos que o setor cambaleia. Ainda assim, sindicatos patronais e de empregados listam uma série de argumentos para justificar o pedido por novos auxílios. Em geral, o argumento vem pelo lado da demanda: como o setor se utiliza de insumos de vários outros, isso tenderia a estimular a produção (e o emprego) ao longo da cadeia de forma direta e indireta.

João Gabriel de Lima - Crônica de um golpe anunciado

O Estado de S. Paulo

Multiplicam-se as evidências que apontam uma ação orquestrada

Uma reportagem de Marcelo Godoy publicada nesta semana no Estadão revelou o incômodo da cúpula do Exército com os militares bolsonaristas suspeitos de tramar um golpe contra a democracia. Segundo Godoy, que possui inúmeras fontes no meio fardado, generais usam a palavra “deslealdade” para se referir aos acusados de golpismo. “Deslealdade” é um eufemismo para “traição” – a maior das desonras para um militar.

Multiplicam-se as evidências que apontam uma ação orquestrada. A Polícia Federal se debruça sobre o caso – e trechos do relatório dos investigadores foram publicados nesta semana pelo jornal O Globo. Áudios e mensagens trocados entre militares mencionam uma certa “operação” – segundo a PF, “um codinome para a execução de um golpe de Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras”. De acordo com o relatório, “o plano descrito pelo interlocutor incluía a prática de abolição violenta do estado democrático de direito”.

Bolívar Lamounier* - Adeus, reforma!

O Estado de S. Paulo

Com uma estrutura partidária tornada em tragicomédia e o poder parlamentar real exercido pelo Centrão, alguém acredita na instauração da paz e da ordem no País?

“O sistema presidencial de governo só funciona nos Estados Unidos. Em outros países, ele degenera em presidencialismo, ou seja, em ditadura” (Maurice Duverger)

Tivesse tido a oportunidade de acompanhar a eleição norte-americana de 2016 e os desmandos da era Trump, o mestre francês Maurice Duverger por certo teria sido mais sóbrio em sua avaliação do sistema de governo norte-americano.

Aqui, precisamos retroceder ao pleito presidencial de 1960, que deu a vitória ao exgovernador de São Paulo Jânio Quadros, lançado pela minúscula sigla do Partido Trabalhista Nacional (PTN). Consta que Jânio Quadros era um bom dicionarista, mas como político foi um dos mais grotescos espécimes do populismo latino-americano. Espargindo caspa pelos ombros e caprichando em seus dons teatrais, não teve dificuldade em personificar um líder gaiato que o tosco Brasil daqueles tempos acolheria com entusiasmo. Do lado oposto, a União Democrática Nacional (UDN), consciente de sua fragilidade diante da mística getulista – criptografada pela aliança PSD-PTB (Partido Social-Democrático/Partido Trabalhista Brasileiro) –, bandeou-se para o populismo janista. Acrescentemos que a Constituição da época não exigia que os candidatos a presidente e a vice pertencessem a um mesmo partido, e assim Jango, percebendo que Jânio venceria o Marechal Lott por larga margem, em vez de encarnar o evangelho segundo Getúlio, aliou-se por baixo do pano ao Messias da Vila Maria.

Luiz Paulo Velloso Lucas* - Viver não é preciso

Portal Notícias,24 horas (ES)

Navegar é preciso. Exige treinamento, mapas, bússola, régua, compasso e astrolábio que eram os instrumentos utilizados pelos navegadores portugueses na época dos descobrimentos e que também inventaram a vela latina, triangular, que permite velejar contra o vento. A navegação hoje conta com o GPS e instrumentos sofisticados e segue sendo exemplo de atividade de precisão, que usa conhecimento científico, cálculos e planejamento. Na navegação temos objetivos, destino e traçamos rotas.

Os poetas, de Fernando Pessoa a Paulinho da Viola, advertem que a vida não é como a navegação, é imprecisa e incerta. “Não sou eu quem me navega quem me navega é o mar”, diz um samba famoso do compositor portelense.

Marcus Pestana* - Arcabouço fiscal e o futuro da economia brasileira

O Congresso Nacional inicia esta semana, na Câmara dos Deputados, a discussão e votação do novo arcabouço fiscal que substituirá o Teto dos Gastos, que aprovamos em dezembro de 2016. Depois seguirá para apreciação do Senado Federal. Será uma medida essencial para definir os rumos da economia brasileira. Hoje, o “Calcanhar de Aquiles” para a retomada do crescimento econômico, gerando renda e emprego para a população brasileira, reside no plano fiscal, já que no âmbito das políticas monetárias e cambial estamos bem resolvidos com o sistema de metas inflacionárias, a autonomia do Banco Central e o câmbio flutuante.

A dinâmica da economia é dada no mundo das relações privadas, no mercado, aonde se encontram investidores, produtores, contribuintes e consumidores. Mas o governo, através da política econômica, tem grande poder e influência, impactando decisões e comportamentos dos diversos agentes econômicos.

J. B. Pontes* - Tutela militar nunca mais

A tutela militar sobre a sociedade civil brasileira sempre foi um componente presente na história do Brasil. Iniciou-se em 15 de novembro de 1889, com o golpe político-militar que proclamou a República, quando os militares depuseram e expulsaram do País um dos mais honrados e sábios governantes que tivemos – Dom Pedro II.

A partir daí, os militares sempre estiveram convictos que tinham herdado do Imperador o poder moderador, o qual lhes permitia a tutela sobre a sociedade, a política e as instituições do Brasil. E este pensamento, infelizmente, está arraigado na nossa formação social, econômica, cultural e política, em detrimento de uma formação democrática. Jamais se fez o menor esforço para a inclusão do povo brasileiro na democracia, pelo que ele nunca teve condições para defender as suas liberdades individuais, civis, sociais e políticas.

Não se trata de uma questão pontual, restrita ao governo Bolsonaro, mas é algo permanente. A interferência militar na política se apresenta como um dos maiores problemas históricos da república e da democracia brasileira.

Edmílson Martins de Oliveira* - Construtor de Sonhos

Acabei de ler o livro “De Oscar a Niemeyer”, do historiador e escritor Ivan Alves Filho. Leitura indispensável para todos nós, brasileiros, tão necessitados de conhecimentos e de sonhos. Para Ivan, Oscar Niemeyer foi um construtor de sonhos. Com ele, muitos sonhos foram concretizados.

Como Pelé é o craque da bola e Niemeyer o craque da arquitetura, Ivan é um craque das palavras. Sabe usá-las com muita competência e magia. Como dá gosto ver a arte  de Pelé no futebol e a arte de Niemeyer na arquitetura, dá gosto ver a arte literária do Ivan Alves Filho.

Li o livro de um só fôlego. Como uma comida saborosa, daquelas que a gente come e tem vontade de comer mais. Li o livro do Ivan com tanta gulodice que, chegando ao final, tive vontade de ler outra vez. Porque é muito bom  o tempero das suas narrações, informações e observações, que vêm do seu conhecimento e experiências.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Supremo não deve mexer na demissão sem justa causa

O Globo

Revogar decreto de FH que suspendeu adesão brasileira a acordo trabalhista aumentaria insegurança jurídica

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) recomeçaram a julgar uma questão trabalhista que entrou na pauta do tribunal há 26 anos. Dependendo do resultado, a decisão poderá engessar ainda mais uma legislação já rígida e problemática, gerando enorme insegurança jurídica. Trata-se do dispositivo que regula demissões sem justa causa em vigor há décadas no Brasil.

Em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) exigindo a invalidação de uma decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na forma de um decreto, ele comunicara, em novembro de 1996, o fim da adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Tal convenção trata do término de uma relação de trabalho por iniciativa do empregador. Repete direitos já garantidos pela lei brasileira, como proteção à participação em atividades sindicais ou proibição de demissão por motivo de raça, cor, gênero, estado civil ou ausência causada por doença comprovada. Apesar disso, havia — e ainda há — boas razões para cancelar a adesão brasileira ao dispositivo da OIT. O trecho redundante da Convenção é inócuo. Mas um outro pode dar margem a interpretações esdrúxulas que gerariam enorme confusão.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Quando encontrar alguém

 

Música | Moacyr Luz & Samba do Trabalhador - Prá que pedir perdão