domingo, 2 de dezembro de 2012

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: herança do tradicional

"Infelizmente, se há uma contribuição negativa que eu acho que o governo do presidente Lula trouxe, não foi na área econômica e muito menos na área social. Foi na cultura política."

Todo sistema democrático implica em um certo compartilhamento de poder, mas compartilhar poder não pode ser transformado apenas em barganha para cargos. Tem que ter um projeto, uma motivação. E aqui não está compartilhando poder, está acomodando pessoas num sistema de vantagens. Isso está errado."

"(Essa prática) Foi tradicional no Brasil, mas quem quer modernizar luta contra isso não consegue fazer completamente. Mas tem que lutar contra, não pode participar desse processo."

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República

Manchetes dos principais jornais do país

O GLOBO
Armadilhas para o futuro - Aposentadoria vai consumir 46% do PIB a partir de 2030
Gil e os ianques
Cerco à corrupção: A ascensão de Vieira e Rosemary
Liberdade ameaçada: Argentinos temem cerco à mídia
Mais cidades desenvolvidas no país

FOLHA DE S. PAULO
Fux levou seu currículo a Dirceu por vaga no STF
PF usou reunião anterior com Rosemary para planejar ação
Nível de demanda por maquinas é o pior da história

O ESTADO DE S. PAULO
Pajero de Rose pertencia ao esquema dos irmãos Vieira
Dilma quer agências sem relações de compadrio
De Versailles à Gaviões
Indústria de máquinas recuou ao nível de 2007
Polícia corre contra o tempo para salvar PMs
ANS julga 'taxa extra' para parto normal

CORREIO BRAZILIENSE
Estreia da Seleção no Mané terá gosto de final
O fiasco das agências reguladoras brasileiras
Pibinho é filho da crise global, diz diretor do Bradesco

ESTADO DE MINAS
Sujeira perigosa
Corrupção- Os filhos que diferenciam duas cidades

O TEMPO (MG)
Escândalos com indicados são `herança´ de Lula para Dilma
Crianças e adultos trocam de lugar na hora dos presentes
Famílias sofrem com a dor da perda e o silêncio da polícia

ZERO HORA (RS)
A assessora que envolveu o chefe
Ex-presidente do INSS é citado em investigação
Oposição aponta fragilidades de Dilma

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Luta cotra aids está perdendo força no Brasil
Lula, da euforia ao furacão Rosemary
Desenvolvimento ainda "esquece" saúde e educação
PT do Recife decide apoiar Geraldo Julio

O que pensa a mídia - Editoriais dos principais jornais do país

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

A sedução do poder

De onde vinha a influência de Rosemary de Noronha, a mulher que se apresentava como "namorada" de Lula – e, com isso, nomeada afilhados, interferia em órgãos do governo e recebia recompensas

Diego Escosteguy e Alberto Bombig

Uma triste passagem de bastão marcou a política brasileira na semana passada: saiu de cena um escândalo político; entrou outro. De um lado, o Supremo Tribunal Federal fez história ao definir as penas dos condenados do mensalão. Treze dos réus, incluindo o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, vão para a cadeia em tempo integral - uma rara ocasião na história brasileira em que poderosos pagarão por seus crimes. De outro lado, uma nova personagem irrompeu na cena política nacional: Rosemary Nó-voa de Noronha, ou Rose. Falando em nome de um padrinho político poderoso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Rose trabalhou pela nomeação de vários afilhados no governo federal. Ao se dirigir a diretores de empresas estatais ou órgãos do governo, Rose frequentemente se apresentava como "namorada" do ex-presidente. Um dos afilhados de Rose, Paulo Vieira, foi preso pela Polícia Federal (PF) na Operação Porto Seguro, acusado de chefiar uma quadrilha que cobrava propinas de empresários, em troca de pareceres jurídicos favoráveis em Brasília - fosse no governo, nas agências reguladoras ou no Tribunal de Contas da União. Rubens Vieira, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), irmão de Paulo e outro dos afilhados de Rose, também foi preso. Tão logo o caso veio a público, na sexta-feira dia 23 de novembro, Rose foi exonerada do cargo que exercia, como chefe do gabinete da Presidência em São Paulo.

Como foi possível que Rose, uma simples secretária do PT, acumulasse tanto poder e prestígio, a ponto de influenciar nos rumos do governo federal - e causar tamanho salseiro? "A investigação demonstra que o poder de Rose advinha da relação dela com Lula. Não há elementos, entretanto, de que o ex-presidente soubesse disso ou tivesse se beneficiado diretamente do esquema", afirma uma das principais autoridades que cuidaram do caso. "Lula cometeu o erro de deixar que essa secretária se valesse da íntima relação de ambos", afirma um amigo do casal Lula e Dona Marisa. "Deveria ter cortado esse caso há muito tempo." Os autos do processo, de que Época obteve uma cópia integral, e entrevistas com os principais envolvidos revelam que:

1) Lula, ainda presidente da República, prestou - mesmo que não soubesse disso -três favores à quadrilha. Por influência de Rose, indicou os irmãos Paulo Vieira e Rubens Vieira para a direção, respectivamente, da ANA e da Anac. Lula, chamado em e-mails de "chefão" ou "PR" por Rose, também deu um emprego no governo para a filha dela, Mirelle;

2) A quadrilha espalhou-se pelo coração do poder - e passou a fazer negócios. Os irmãos Vieira, aliados a altos advogados do PT que ocupavam cargos no governo, passaram a vender facilidades a empresários que dependiam de canetadas de Brasília;

3) Rose, gabando-se de sua relação com Lula, tinha influência no Banco do Brasil. Trabalhou pela escolha do atual presidente do BB, Aldemir Bendine, indicou diretores (um deles a pedido de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado no caso do mensalão), intermediou encontros de empresários com dirigentes do BB e obteve um contrato para a empresa de construção de seu marido;

4) Despesas do procurador federal Mauro Hauschild, do PT, ex-chefe de gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e, depois, presidente do INSS, foram pagas pela quadrilha. É uma situação similar à do recém-demitido número dois da Advocacia-Geral da União (AGU), José Weber Holanda - que, segundo a PF, recebeu propina;

5) A PF, mesmo diante das evidências de que Rose era uma das líderes da quadrilha, optou por não investigá-la. Não pediu o monitoramento das comunicações de Rose e não quis detonar a Operação Porto Seguro no começo de setembro, quando a Justiça autorizara as batidas e prisões. Esperou até o fim das eleições municipais.

De acordo com o relato feito a Época por um alto executivo que trabalhou na Companhia das Docas do Porto de Santos (Codesp), Rose evocava sua relação com Lula para fazer indicações e interferir, segundo seus interesses, nos negócios da empresa. Nessas ocasiões, diz o executivo, Rose se apresentava como "namorada do Lula". "Ela jogava com essa informação, jogava com a fama", diz ele.

Uma história contada por ele ilustra o estilo de atuação de Rose. Em 2005, uma funcionária da Guarda Portuária passou a dizer na Codesp que fora indicada para o cargo porque era amiga da "namorada do Lula". O caso chegou ao conhecimento da direção do Porto de Santos. Um diretor repreendeu a funcionária e chegou a abrir uma sindicância para apurar o fato - e ela foi demitida. O executivo conta que, contrariada, Rose ligou para executivos para cobrar explicações e reafirmou o que a amiga havia dito: "Eu sou a namorada do Lula". Os executivos acharam que ela blefava. "No começo, a gente não sabia que ela era tão forte", diz um deles. No Porto, ela foi responsável pelas indicações de Paulo Vieira e do petista Danilo de Camargo, ligado ao grupo do ex-ministro José Dirceu no PT. Os dois passaram a atuar em parceria com Valdemar Costa Neto, o deputado pelo PR condenado à prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do mensalão, responsável por indicar o presidente da Codesp.

Um dos interesses desse grupo era perdoar uma parcela da dívida da empresa transportadora Libra com a Codesp. O valor da dívida era de R$ 120 milhões. O acordo foi fechado no Ministério dos Transportes, então controlado pelo grupo ligado a Costa Neto, e contou com o aval de Camargo, presidente do Conselho de Administração. O PT de Santos, liderado pela ex-prefeita Telma de Souza, ficou revoltado com os termos do acordo e resolveu cobrar explicações de Camargo. Novamente Rose entrou em ação para defender os interesses da Libra, do PR de Costa Neto e de Paulo Vieira. Na ocasião, diz o alto executivo, ela evocou novamente o nome de Lula. Nos telefonemas que dava aos petistas contrários ao perdão da dívida, afirma ele, Rosemary sempre mencionava o então presidente.

Rose tem 57 anos, começou jovem na militância política e sua turma, dentro do PT, é uma turma das antigas. Seus principais interlocutores no partido, além de Lula, são Paulo Frateschi, secretário de organização do PT, e os já mencionados Camargo e Dirceu. Rose trabalhou como assessora de Dirceu nos anos 1990. Acompanhou de perto sua ascensão à presidência do PT. No total, foram 12 anos de parceria. Foi no período em que trabalhava com Dirceu que Rose conheceu Lula. Em fevereiro de 2003, com Lula no Planalto, Rose se tornou assessora especial do gabinete regional da Presidência em São Paulo. Em 2005, tornou-se chefe da unidade. Seu poder no partido foi crescendo. Ela fazia triagem informal dos currículos de candidatos a cargos do segundo escalão. Nessa época, começou a exercer influência também no Banco do Brasil. Rose trabalhou, de acordo com políticos e executivos do setor bancário, pela indicação de Aldemir Bendine para a presidência do BB.

A proximidade com Bendine permitiu que Rose, em 2009, conseguisse um emprego para José Cláudio Noronha, seu ex-marido. Noronha ganhou a vaga de suplente no Conselho de Administração da Aliança Brasil Seguros, atual Brasilprev. De acordo com as investigações da PF, Paulo Vieira forjou um diploma de curso superior para que Noronha cumprisse uma exigência da Brasilprev e assumisse a vaga. Em agosto do ano passado, o mandato de Noronha foi renovado.

Rose era também próxima de Delúbio Soares, o ex-tesoureiro do PT condenado a oito anos e 11 meses de prisão no caso do mensalão. Os dois costumavam tomar café no Conjunto Nacional, centro comercial próximo ao prédio do gabinete da Presidência. A pedido de Delúbio, segundo executivos do BB, ela usou sua proximidade com Bendine para conseguir a nomeação de Édson Bíindchen para a superintendência do BB em Goiás, em setembro passado.

Rose circulava tão bem no BB que pairava acima das disputas fratricidas entre seus diretores. Era próxima também de Ricardo Flores, ex-vice-presidente de crédito e ex-presidente da Previ, o bilionário fundo de pensão dos funcionários do banco. Flores e Bendine travaram embates corporativos constantes e são considerados inimigos. Isso nunca impediu Rose de se sentir segura para pedir favores a ambos. Em 25 de março de 2009, Rose pediu a Flores que examinasse um pedido de empréstimo de cerca de R$ 48 milhões da empresa Formitex. Era um desejo de Paulo Vieira - na época, ele ainda não era diretor da ANA. "Gostaria que encaminhasse esses dados técnicos ao Dr. Ricardo (Flores) e, se possível, conseguisse uma agenda para o Dr. César Floriano", diz Paulo em e-mail para Rose que consta do inquérito policial.

Floriano era um dos empresários que bancavam a quadrilha. Em 17 de agosto de 2009, Rose encaminha outro e-mail a Paulo em que pergunta se "aquele assunto do Flores foi resolvido". Poucos minutos depois, Paulo responde: "As coisas com o Flores estão caminhando bem, ele tem sido muito legal e parece que vamos avançar bastante".

De acordo com a investigação da PF, além do emprego para o ex-marido, Rose usou seus contatos no BB para ajudar o atual, João Vasconcelos. Documentos apreendidos pela polícia na casa de Rose, em São Paulo, mostram que a construtora de Vasconcelos, a New Talent, obteve um contrato de R$ 1,1 milhão - sem licitação - com a Cobra Tecnologia, subsidiária do BB. Tratava-se de uma obra de adequação e reforma do novo centro de impressão da empresa em São Paulo. Mais uma vez, Rose recorreu a Paulo Vieira para forjar documentos. A Associação Educacional e Cultural Nossa Senhora Aparecida, mantenedora da faculdade de propriedade de Vieira em Cruzeiro, São Paulo, emitiu um falso atestado de capacidade técnica para a New Talent conseguir o contrato com a Cobra. Em maio de 2010, funcionários da Cobra encaminharam a Vasconcelos o contrato com a New Talent.

Rose queria mais. Noutras mensagens interceptadas pela polícia, em maio deste ano, ela se mostrou preocupada com a situação financeira da New Talent. Queixou-se de que Paulo não conseguia contratos para a empresa. Paulo responde que fará "das tripas coração" para conseguir. Diz que só poderá encaminhar o pedido "após os contratos de concessão, que ainda não foram assinados, tudo isso deve rolar no segundo semestre". Os investigadores suspeitam que Rose e Paulo discutiram possíveis contratos da New Talent com a empresa que venceu a licitação para administrar o Aeroporto de Viracopos, em Campinas. Na seqüência, Rose diz que Campinas não interessa "por ser longe", e completa: "Gostaria mesmo é de São Paulo" - uma referência à concessão do aeroporto de Guarulhos.

As pretensões só pareciam alcançáveis porque, usando o nome de Lula, Rose conseguiu colocar afilhados em cargos importantes no Estado brasileiro. Em janeiro de 2009, Paulo Vieira e Rubens Vieira começaram a articulação para ser nomeados na ANA e na Anac. Rubens escreveu a Rose no dia 20: "O presidente (Lula) indica e o Senado aprova. Eu preencho todos os requisitos para o cargo". Rose respondeu no dia seguinte pela manhã. "Oi Rubens, vou tentar falar com o PR na próxima terça-feira na sua vinda a São Paulo. Me envie seu currículo atualizado e os artigos que o Paulo falou. Se você estiver aqui em SP, posso te colocar no evento de terça-feira à tarde. Pelo menos vê se cumprimenta só para ele lembrar de vc, aí eu ataco. Bjokas. Rosemary."

Duas semanas depois, Paulo cuidava de duas indicações simultâneas: a do irmão, para a Anac, e sua própria, para a ANA. Em e-mail enviado no dia 25 de março, Paulo disse a Rose que um pedido dela a JD (de acordo com os investigadores, sigla para José Dirceu), "tratando a questão como de interesse seu", ganharia mais força. Entre os dias 28 e 29 de abril, os senadores Gim Argello (PTB-DF), Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Sandro Mabel (PR-GO) enviaram cartas ao Palácio do Planalto para reforçar a indicação de Paulo para a ANA. Os destinatários eram os então ministros Dilma Rousseff (Casa Civil) e José Múcio Monteiro (Relações Institucionais). Em 3 de agosto, Paulo cobrou Rose sobre a conversa com "JD". No dia seguinte, Rose disse que se encontraria com "JD". No dia 17 de agosto, ela disse a Paulo que estava "no pé do meu chefe sobre o seu caso". O "chefe" é Lula. No dia 9 de dezembro de 2009, com a assinatura do então presidente Lula, a mensagem com a indicação de Paulo Vieira para a ANA seguiu para o Senado.

A batalha pela nomeação de Paulo Vieira passou a envolver, a partir daí, petistas lotados na AGU. Um deles era o gaúcho Mauro Hauschild - até outubro passado, presidente do INSS, demitido a pretexto de ter deixado o trabalho de lado para fazer campanha eleitoral no Rio Grande do Sul. Em 2009, Hauschild era chefe de gabinete do hoje ministro do STF Dias Toffoli, o advogado petista que antecedeu Luís Adams na chefia da AGU. Hauschild enviou um emissário da AGU ao Senado para defender, diante do senador José Agripino Maia, a candidatura de Paulo a diretor da ANA. Usou o nome de Toffoli na aproximação. Agripino, porém, disse que votaria contra a indicação. Ela foi rejeitada em plenário em 16 de dezembro de 2009. Após a derrota, o senador Magno Malta (PR-ES) disse no plenário que Paulo perdera "não porque não é boa gente, nem preparado". "Ele é preparado, só que houve uma campanha porque ele foi colocado pelo presidente da República", afirmou Malta. No dia 18 de dezembro, Rose enviou um e-mail a Paulo e pediu a ele que juntasse tudo que saíra na imprensa sobre ele e a enviasse. "Quero MOSTRAR (assim, em letras garrafais) para o PR", afirmou. Em abril de 2010, Malta apresentou uma "questão de ordem". O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP) acatou seus argumentos. Uma nova votação foi realizada, e Paulo foi aprovado. Sua nomeação foi publicada no Diário Oficial da União no dia 6 de maio de 2010. No dia 25 de maio, a mulher de Mauro Hauschild, Regiane, servidora da ANA, foi nomeada assessora especial de Paulo Vieira.

Além de, segundo as investigações, fazer tráfico de influência, Rose reinava sobre o escritório paulistano da Presidência. Conhecida por falar alto e muito, abusava de frases como "eu mando aqui" ou "vocês vão me obedecer". Era tolerada por todos. Mas sua maneira de agir incomodava. No início do governo Dilma, ministros tiveram dificuldades em usar carros oficiais em São Paulo, porque Rose não autorizava. Recentemente, ela tentou barrar a entrada do assessor de um ministro no gabinete da Presidência. Recuou quando o ministro ameaçou telefonar para Dilma.

Como a primeira-dama, Marisa Letícia, Dilma não gostava muito de Rose. Rose sabia disso e, sempre que Dilma ia ao gabinete paulista, tentava agradá-la servindo pães de queijo - uma iguaria capaz de amolecer o coração de mineiros como Dilma. Não adiantou. Assim que as notícias sobre o alcance da Operação Porto Seguro foram se acumulando, Dilma mandou demitir Rose. Era o final da manhã do sábado, dia 24. O ex-presidente Lula soube da demissão na hora do almoço, depois de chegar de uma longa viagem à índia, por um telefonema do ministro Gilberto Carvalho.

O ex-ministro José Dirceu nega qualquer envolvimento com o esquema. "Gratuitamente. Irresponsavelmente, como das outras vezes. As investigações ainda estão em curso e meu nome já é escandalosamente noticiado como relacionado ao caso", disse em nota. "Envolvem meu nome no noticiário com o maior estardalhaço, mas encerrados a "temporada" e o sucesso midiático do escândalo, silenciam quanto ao fato de nada ter se provado contra mim - pelo contrário, as investigações concluíram que não tive o menor envolvimento com o caso em pauta." Questionado sobre o fato de Rosemary de Noronha ter se apresentado como "namorada de Lula", Luiz Bueno, advogado dela, disse: "Se alguém afirmou tal fato, agradecemos sua identificação para que possamos imediatamente processá-lo por difamação".

O ex-presidente do INSS Hauschild afirmou em nota que a nomeação de sua mulher para a assessoria de Paulo Vieira se deu por "razões técnicas" e que "se encontrou poucas vezes" com Rosemary Noronha. Hauschild afirma que R$ 5.800 recebidos de Paulo Vieira eram de um empréstimo. Disse ainda que, na semana passada, pediu sua desfiliação do PT.

Por meio de sua assessoria, o presidente do Banco do Brasil, Aldemir Bendine, afirmou que entre ele e Rose "existiram relações de cordialidade protocolar". Ele nega que Rose tenha influenciado sua nomeação para a presidência do banco. Disse, ainda, que a nomeação de José Cláudio Noronha para a Brasilprev ocorreu por decisão de diretoria colegiada e que o Banco do Brasil solicitou a substituição dele da suplência do Conselho de Administração da Brasilprev. O presidente da Brasilprev, Ricardo Flores, afirmou, por meio de sua assessoria, manter com Rose apenas "contato institucional" e "não manter relacionamento com Paulo Vieira". Flores disse também não ter participado de decisão nenhuma sobre a viabilidade de eventuais empréstimos. Procurado pela reportagem de Época, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não respondeu às ligações.

Fonte: Revista Época

Uma mulher que sabe demais

Quem é e como agia a ex-secretária Rosemary Noronha, cuja intimidade com o ex-presidente Lula lhe rendeu prestígio e um cargo central no governo, que ela usava para bisbilhotar o poder, fazer nomeações e ajudar uma quadrilha especializada em vender pareceres falsos e empresários trambiqueiros. Lula, como sempre, não sabe de nada.

Otávio Cabral, Laura Diniz e Rodrigo Rangel

Quando passou a faixa presidencial a Dilma Rousseff, em 2011. Luiz Inácio Lula da Silva apresentou à sua sucessora o nome de quatro pessoas que ele não gostaria de ver desamparadas: sua secretária pessoal, o chefe da equipe de segurança, o curador do acervo do Palácio do Planalto (esse a pedido da ex-primeira-dama Marisa Letícia) e Rosemary Nóvoa de Noronha. Dos quatro. Rosemary era, de longe, quem mais tinha intimidade com o ex-presidente. Ex-bancária e ex-secretária por ele alçada à chefia do gabinete da Presidência da República em São Paulo em 2003. Rose chamava seu benfeitor de "chefe", mas volta e meia fazia questão de deixar escapar um "Luiz Inácio" diante de colegas e amigos. Nas 28 viagens internacionais que fez ao seu lado, como integrante da comitiva oficial, o acesso irrestrito ao superior incluía visitas à cabine privativa do Aerolula. de onde - conta um colaborador do governo - ela saía toda prosa. "O chefe agora vai descansar. Não quer ser incomodado." Chamada de "madame" pelos muitos desafetos que colecionou ao longo dos dois mandatos de Lula. Rose sempre teve prazer em exibir seu status de protegida do presidente. Em algum momento, decidiu também ganhar dinheiro com ele.

Até onde mostraram as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, não chegou a fazer fortuna. Rose, 57 anos, foi indiciada na Operação Porto Seguro, que terminou com a prisão de seis pessoas. Entre elas, estão os irmãos Paulo e Rubens Vieira, diretores da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) respectivamente - já libertados. A julgar pelos e-mails e telefonemas interceptados pela PF, ambos chegaram ao cargo por influência de Rose, que pediu as nomeações diretamente a Lula. Ao contrário da ex-secretária - mas com a ajuda dela -. os irmãos não só fizeram fortuna como contribuíram para deixar mais ricos um número não conhecido de empresários trambiqueiros. Por encomenda deles, concluiu a PF, a dupla subornava funcionários públicos para que produzissem pareceres técnicos favoráveis aos seus "negócios". O papel de Rose era facilitar o acesso dos Vieira a políticos e funcionários de interesse da quadrilha. Para isso, ela invocava frequentemente os nomes de Lula, o "PR" (jargão usado no funcionalismo para se referir ao presidente da República), e de José Dirceu, o "JD".

Quando conheceu os dois, nos anos 90, Rose era uma morena de cabelos longos e contornos voluptuosos que, trabalhando como bancária, passou a frequentar o sindicato da categoria em São Paulo. Ex-colegas daquele tempo lembram que ela chegou a participar de plenárias e discussões partidárias, mas nunca se destacou como dirigente. Fazia mais sucesso nas festas que aconteciam nas quadras do sindicato, que ficava ao lado da sede nacional do PT, no centro da cidade. A afinidade entre a categoria e o partido contribuiu para que ela logo chamasse a atenção dos chefes petistas, como o então deputado José Dirceu, de quem se aproximou. Ele a contratou como secretária logo depois. Meses mais tarde, Rose começou a circular em torno de Lula, então candidato derrotado duas vezes em disputas à Presidência. A partir daí, embora oficialmente continuasse a trabalhar para Dirceu, passou a organizar a agenda de Lula e cuidar de suas contas. A proximidade entre os dois se aprofundou ao longo dos anos. Quando Lula chegou ao poder, criou um escritório para a Presidência da República em São Paulo, na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta, e Rose foi imediatamente encaixada na lista de funcionários. Foi ela a responsável pela reforma do escritório e sua decoração, que inclui um grande mural do petista chutando uma bola com a camisa do Corinthians e, sobre os sofás, almofadas revestidas com reproduções de fotos do ex-presidente. Logo após a reforma. Rose foi promovida a chefe do escritório, com salário de 11.000 reais.

A partir daí, a ex-secretária ascendeu a um novo patamar. Nas viagens internacionais a que Marisa não ia (contam amigos que a ex-primeira-dama não lhe dirige a palavra e a ignora em eventos públicos), era Rose que acompanhava Lula. Embora tenha feito 28 viagens com o ex-presidente, seu nome apareceu no Diário Oficial - como é de praxe entre os funcionários de sua categoria DAS - apenas em uma das primeiras, para Havana em 2003. Foi a única da comitiva a se hospedar na mesma ala de Lula. Nas demais vezes, seu nome foi incluído em uma lista de funcionários de segundo escalão que é enviada ao Itamaraty para homologação coletiva - e anônima - no Diário Oficial.

Foi o auge do prestígio de Rose, e ela se esbaldou nele. "Imagine uma pessoa que passou a vida pendurada no cheque especial e. de repente, recebe uma herança de um tio. Essa é a Rose", descreve um antigo amigo. Frequentemente, convidava-se para almoços com diretores do Banco do Brasil - o gabinete que ela chefiava ficava no mesmo prédio do banco. Nessas ocasiões, sempre sugeria restaurantes como o chique, e caro, Fasano. "Pedia camarão ou lagosta. E um vinho "caro", como gostava de falar. Os almoços nunca saíam por menos de 500 reais", diz um dirigente. Sabia usar informações que obtinha no escritório, onde também despachavam os ministros em viagem a São Paulo. Era comum vê-la servindo pessoalmente café e água nas reuniões com a presença de pessoas importantes. Também gostava de comentar sobre quem entrava e saía do prédio, movimentação que acompanhava de sua sala, equipada para monitorar o circuito interno de TV da segurança.

A sensação de poder foi fazendo com que ela, tida como geniosa, comprasse brigas com gente cada vez mais importante. No início do segundo mandato de Lula, Walfrido Mares Guia, então ministro das Relações Institucionais, comandou uma reunião com empresários no escritório de São Paulo. No final, pediu que a imprensa entrasse. Rose tentou impedir: "O chefe não gosta de jornalistas por aqui". Walfrido estrilou: "O chefe hoje aqui sou eu. Podem entrar os jornalistas". Os dois nunca mais se falaram. Outro com quem ela brigou foi o governador da Bahia, Jaques Wagner, que patrocinou a indicação de um técnico sem filiação ao PT para a diretoria do Banco do Brasil, quando Rose defendia um petista. Wagner levou a melhor. Meses depois, ao chegar ao escritório de São Paulo para uma reunião, ele foi interpelado por Rose: "Como você pode jogar contra o PT? Isso é uma traição ao partido". Wagner colocou-a em seu lugar: "A senhora me respeite, eu sou um governador de estado".

Rose continuou próxima de Lula depois que ele deixou o poder. É o que mostram conversas que ela teve com Paulo Vieira sobre a saúde do ex-presidente, que se recuperava do tratamento de câncer na laringe. " É, eu já falei para ele. Ele tem de parar de se expor em público enquanto aquela perna dele não ficar boa (...) Ele levou um tombo domingo dentro de casa (...) Não sei o que aquela Clara Ant fica fazendo, aquele Paulo Okamotto. que deixam o cara... Ele tá parecendo um velho caquético." Clara Ant põe ordem nas atividades profissionais de Lula e Okamotto é seu braço financeiro. Ambos se dedicam em tempo integral a Lula.

A queda de Rose começou a se desenhar em fevereiro do ano passado, quando Cyonil da Cunha Borges de Faria, à época analista do Tribunal de Contas da União, procurou a PF e o Ministério Publico Federal para dizer que havia recebido de Paulo Vieira uma oferta de 300.000 reais para alterar um parecer em benefício de uma empresa de Santos. A juíza Adriana Zanetti determinou a quebra dos sigilos de telefone e de e-mails de Paulo e seu irmão - e foi aí que Rose acabou flagrada. Embora não tenha tido o telefone nem a correspondência interceptados, o registro das conversas que manteve com os Vieira nos últimos anos mostrou que usava o cargo de chefe da Presidência em São Paulo para cuidar com desvelo de assuntos de seu próprio interesse. Em troca dos "favores" que prestava à quadrilha dos Vieira, a ex- secretária fazia toda sorte de exigência: ingressos para camarotes no Carnaval, cruzeiros no litoral paulista, pagamento de uma cirurgia no ouvido e de parcelas de um apartamento financiado.

A miudeza dos pedidos sugere que Rosemary Noronha era uma "petequeira, como são chamados os corruptos que operam na arraia-miúda. A protegida de Lula no, entanto, mexia com interesses graúdos. Além de indicar ocupantes para cargos de direção em agências reguladoras de cujas decisões dependem negócios bilionários, ela intermediava financiamentos em bancos públicos e facilitava reuniões de empresários com petistas de quatro estrelas para tratar de contratos vultosos no governo. É o caso de um encontro que marcou com Ricardo Flores, então diretor de crédito do Banco do Brasil, para que representantes de uma empresa com atuação no setor portuário pudessem pedir a ampliação do valor de um crédito junto à instituição. A empresa já possuía uma linha de crédito de 85 milhões de reais e pretendia obter mais 48 milhões. Em outra oportunidade, ainda no governo Lula, ela agendou com um alto dirigente da Secretaria de Comunicação da Presidência da República um encontro para que empresários pudessem propor a locação, para o governo, de placas de publicidade nos portos de Santos e do Rio de Janeiro. As portas que Rose conseguia abrir graças à intimidade com Lula também serviram para arrumar negócios para sua própria família. A empresa New Talent que a própria Rose ajudou a criar e que foi registrada no nome do genro dela, conseguiu sem licitação um contrato de 1,2 milhão de reais para "prestação de serviços" a uma subsidiária do Banco do Brasil.

Os Vieira tinham consciência da importância de Rose para os negócios, mas, como em toda quadrilha, tentavam reduzir o naco dela na partilha. "Não fale muitas informações sobre os processos da Bahia com a Rose, pois temos que abafar a "pedição" de dinheiro, pois a amiga é uma máquina de gastar", escreveu Paulo para Rubens ainda em 2009.

Mesmo quando recebeu a visita da PF em sua casa, na sexta-feira da semana retrasada. Rose manteve a empáfia. Aos policiais, disse: "Vou ligar para o chefe de vocês". Telefonou para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que estava com o celular desligado. Procurou, então, José Dirceu, que disse nada poder fazer para ajudá-la. Lula estava num voo, vindo da Índia. Até agora, o padrinho de duas décadas de Rosemary Noronha, indiciada pela PF por corrupção passiva, tráfico de influência e falsidade ideológica, não veio a público comentar o episódio. Pelo contrário, em discurso feito na semana passada, pareceu desdenhar dele ao dizer que a imprensa "só dá más notícias e esconde as boas".

Embora o desbaratamento de uma quadrilha que usava de suas prerrogativas públicas para auferir vantagens não possa ser considerado uma má notícia é compreensível que a revelação do episódio desagrade a Lula. Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil, a vida privada dos políticos nunca foi considerada assunto de interesse público. A forma como o ex-presidente distribui o seu afeto, portanto, é uma questão que só diz respeito a ele e seus familiares. A partir do momento, porém, que as conseqüências dessas escolhas transbordam para a esfera pública, ele não tem outra opção a não ser se explicar, talvez a única modalidade de comunicação na qual Lula não seja um mestre.

O último a saber da operação

A presidente Dilma Rousseff soube da Operação Porto Seguro pouco depois das 8 da manhã de sexta-feira por um telefonema de Luís Inácio Adams, advogado-geral da União. Adams havia sido acordado momentos antes por seu número 2, José Weber Holanda, um dos investigados. Dilma pediu para localizar o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, mas ele não atendia aos telefonemas. Já irritada, a presidente só conseguiu falar com o ministro duas horas depois, quando soube que ele não tinha conhecimento de nada.

A operação pegou Cardozo e o chefe da Polícia Federal, Leandro Daiello, de surpresa Já que foi feita pela superintendência da Polícia Federal de São Paulo, sem comunicação a Brasília. Três dias depois, Cardozo não conseguia dizer à chefe com segurança se havia ou não escutas telefônicas envolvendo Rosemary e o ex-presidente Lula, como chegou a ser noticiado. Só na manhã de terça-feira o ministro confirmou que não houve quebra de sigilo nas comunicações de Rose. Dilma fez duras criticas à atuação do ministro. Chegou a pensar em demiti-lo - desistiu por temer passara imagem de que não aceita que a PF investigue seu governo.

Por mais incômoda que possa ter sido para Lula e para setores do governo, a operação foi conduzida dentro das normas da PF. Uma mudança na estrutura da autarquia feita na gestão de Tarso Genro (2007- 2010) descentralizou as grandes operações. As superintendências regionais ganharam competência para promover ações sem avisar Brasília. Sob Márcio Thomaz Bastos (2003- 2007), os trabalhos eram centralizados. O então diretor do órgão, Paulo Lacerda, tinha um responsável pela inteligência e um pela atuação. As ações deviam ser autorizadas por um dos dois e sempre saíam de Brasília - o governo era avisado na véspera. De início, a descentralização foi considerada positiva. Mas ela veio acompanhada de uma restrição orçamentária que praticamente engessou a PF No governo, a Operação Porto Seguro foi interpretada como um "recado" da PF paulista, que não gosta do gaúcho Daiello (considerado um interventor e criticado pela rigidez com que comandou a superintendência paulista entre 2008 e 2010) nem de Cardozo (que deixou a segurança da Olimpíada e da Copa para as Forças Armadas). Questionado por emissários do governo, o superintendente da PF em São Paulo, Roberto Troncon, negou que a operação tenha tido motivação política.

Fonte: Revista Veja 

PF usou reunião anterior com Rosemary para planejar ação

Semanas antes de deflagrarem a Operação Porto Seguro, policiais federais estiveram com Rosemary Noronha na sede da Presidência em São Paulo para discutir a onda de violência no Estado. Mas o objetivo do encontro, informa Fernando Mello, era planejar a busca feita no local, que teve como alvo a própria Rosemary.

PF planejou operação dentro da sala de ex-assessora em SP

Antes da ação, agentes foram ao prédio para discutir "violência no Estado"

Rosemary começou a trabalhar no gabinete da avenida Paulista em 2003, como assessora especial da Presidência

Fernando Mello

BRASÍLIA - Os menos de dez minutos entre a chegada ao prédio na av. Paulista e a subida ao 17º andar foram suficientes para dar início ao plano de ação.

A partir dos dados levantados foram definidos qual dos quatro elevadores que servem do 3º ao 19º andar seria usado, como lidar com a segurança local e quais salas seriam vasculhadas em busca de computadores e papéis.

Três semanas antes da deflagração da Operação Porto Seguro, policiais federais estiveram na sede da Presidência em São Paulo. No último dia 23, esse foi um dos pontos de busca e apreensão feitas pela PF, cujo alvo foi Rosemary Noronha, então chefe de gabinete da Presidência.

No começo de novembro, no entanto, o motivo oficial da visita dos policiais à sede da Presidência em São Paulo era outro: uma reunião para discutir a onda de violência no Estado. Quem recebeu os delegados foi justamente Rose, como ela se apresentou.

A agenda com os temas de segurança pública transcorreu normalmente. Mas os policiais usaram o encontro para levantar dados e programar a busca e apreensão.

A operação ainda era sigilosa mesmo dentro da PF. Ela era tocada pelo Núcleo de Inteligência, que tem interlocução direta com a Diretoria de Inteligência em Brasília.
Poucas pessoas dentro da PF sabiam do caso. O momento da deflagração teria de ser negociado com o Ministério Público Federal e aprovado pela Justiça, levando em conta a possibilidade de fugas ou o vazamento de informações.

A ação de busca que se aproximava gerou uma certa tensão entre os investigadores, por conta do aparato de segurança na sede da Presidência em São Paulo.

Os policiais queriam conhecer o local para evitar um confronto com agentes do Gabinete de Segurança Institucional ou com seguranças do prédio do Banco do Brasil.

Também queriam impedir escândalos ou discussões burocráticas na entrada no prédio, já que portariam um mandado judicial.

Rose começou a trabalhar no prédio da Paulista no início do governo Lula. Ela foi nomeada em 2003 para o cargo de assessora especial no gabinete pessoal do presidente.

O ato de nomeação foi assinado pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e continha a nomeação de outro petista, José Carlos Espinoza, mais tarde implicado no caso do dossiê dos aloprados.

Rose foi nomeada chefe de gabinete em abril de 2007 e ficou no cargo até a deflagração da Porto Seguro. Ela foi indiciada pela PF acusada de corrupção, tráfico de influência e falsidade ideológica.

A PF já havia gravado Rose usando telefones oficiais da Presidência em 2004. Entre 2003 e 2005, a PF de São Paulo investigou um grupo de policiais federais e agentes da Receita acusados de contrabando em Cumbica.

Chamada Operação Overbox, começou em junho de 2003 a partir de representação do delegado Roberto Troncon Filho, então delegado-chefe do aeroporto e hoje superintendente em SP.

Rose foi gravada como interlocutora de um dos investigados. Na Overbox, ela não foi alvo da PF e nem indiciada. Numa das escutas, a PF anotou que o telefone usado por Rose era do gabinete da Presidência na av. Paulista.

Fonte: Folha de S. Paulo 

Cerco à corrupção: A ascensão de Vieira e Rosemary

O poder mudou a vida dos dois principais personagens da Operação Porto Seguro. Paulo Vieira, que em 2004 declarou ter R$ 135 mil, hoje é dono de bens milionários. Já Rosemary Noronha usou a proximidade com Lula até para dar pitos em ministros.

De secretária petista a protagonista de fraudes

Ex-chefe de gabinete da Presidência chegava a passar pito em ministros

Tatiana Farah, Sérgio Roxo

Poderosa. Rose gostava de mostrar influência no PT, mas colecionou desafetos no partido

No pé do ouvido. Lula conheceu Rose quando ela trabalhava com Dirceu como secretária do PT

SÃO PAULO - O ano é 1997. Luiz Inácio Lula da Silva ainda sonha ser presidente. Os petistas se reúnem, em seu XI Encontro Nacional, no antigo Hotel Glória, no Rio. De calças justas e um cinto largo, com detalhes em metal, Rosemary Noronha cruza o saguão aos gritos. Vai ralhar com um repórter que, inadvertidamente, recolhera de uma mesa cópias das teses que seriam debatidas pelo partido.

Rose, como é conhecida, tinha a função de secretária da presidência do PT, na época exercida por José Dirceu, recém-condenado a dez anos e dez meses de prisão no escândalo do mensalão. Foi para Dirceu que ela ligou, na manhã do último dia 23, para pedir ajuda, quando a Polícia Federal amanheceu em sua casa para fazer uma busca ao deflagrar a Operação Porto Seguro.

Dirceu ficou furioso, contaram seus interlocutores. Rose ligou, também, para o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para reclamar que os agentes da PF haviam entrado na residência e estavam recolhendo papéis, computadores e o que mais parecesse suspeito. Cardozo não atendeu.

- O que ela esperava? Que nós fôssemos parar porque ela estava falando com o nosso chefe? - ironiza uma delegada da Polícia Federal.

Rose podia mesmo esperar que o ministro a ajudasse. Desde os tempos de secretária do PT, a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo coleciona desafetos porque reina, ou tenta reinar, absoluta nos bastidores do enclave petista. Tem relação muito próxima com o ex-presidente Lula.

Em agosto de 1997, uma cena de gentileza explícita de Lula chamou a atenção em um ensaio da Mangueira, do qual participava a cúpula petista. Servido pelo garçom, Lula se levantou da mesa onde estava para levar uma bandeja de salgados até Rose.

Desde 2003, quando foi nomeada por Lula para trabalhar na Presidência, Rose fez 24 viagens ao exterior na comitiva presidencial. Ela tinha direito a passaporte diplomático. A volta ao mundo não impediu que quase brigasse com Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas (ANA) acusado de chefiar a quadrilha de corrupção e tráfico de influência. O motivo da discussão foi simplório: ela queria fazer um cruzeiro entre Santos e Rio com a presença da dupla sertaneja Bruno e Marrone.

No gabinete da Presidência, Rose foi ganhando cada vez mais espaço. Gostava de ser chamada de "madame", de dar ordens e de usar coisas que considerava chiques. A ex-bancária, hoje com 57 anos e duas filhas, adorava ostentar poder. Arrumava confusão com porteiros e seguranças do prédio do Banco do Brasil onde fica o escritório da Presidência.

"Ela acha que manda"

Rose ganhou o cargo após a saída de um dos aliados de Lula, José Carlos Espinoza. Se, como secretária do PT, gritava com repórteres, como chefe de gabinete chegava até a passar pito em ministros. Em uma cena dessas, em que tentou impedir que um ministro próximo de Lula fizesse uma reunião em determinada sala, ouviu-se do ministro:

- Ela acha que manda.

Se os petistas temiam Rose por sua proximidade com o poder, hoje temem falar sobre a ex-chefe de gabinete.

- Ela é arrogante. Acha que manda mais do que manda. É insuportável - reclama antigo funcionário do PT, que prefere não se identificar.

Nos e-mails interceptados pela PF na operação Porto Seguro, Rose faz questão de mostrar influência a Paulo Vieira, que, segundo ela, é seu amigo há dez anos. Cita PR (presidente da República, como chama Lula mesmo depois do governo Dilma) e JD (José Dirceu).

No prédio onde mora, no bairro Bela Vista, em São Paulo, os vizinhos a consideram uma pessoa discreta.

Um deles diz que ela "se acha porque anda com o povo de Brasília". Quando começou no cargo de secretária no PT, nos anos 1990, a ex-bancária era mais dócil.

Nos e-mails trocados pelos irmãos Vieira, indiciados pela PF, há muitas reclamações contra Rose. Ela é descrita como "uma máquina de gastar".

Em nota divulgada na quinta-feira, Rose afirmou que é inocente e que nunca fez nada ilegal ou irregular que favorecesse Lula ou Dirceu.

Fonte: O Globo 

As dúvidas sobre o desfecho do mensalão

Especialistas respondem a dez perguntas sobre os últimos capítulos do processo, após a definição das penas

Decisões históricas. Ministros e advogados no plenário do STF durante sessão para julgamento do mensalão

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

Já foram 49 sessões e quase quatro meses de trabalho. Porém, mesmo com as penas dos 25 réus condenados estabelecidas, a análise do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ainda depende de ajustes e decisões importantes para encerrar. Falta dizer, por exemplo, se os deputados serão cassados automaticamente ou se haverá prisões imediatas. Abaixo, os professores do Centro de Justiça e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Direito Rio respondem a questões recorrentes sobre a última etapa do maior julgamento da história da Suprema Corte brasileira.

1 Pendências

O que falta para o encerramento do julgamento?

Faltam duas decisões importantes. Primeiro, analisar discrepâncias internas entre as penas. Deverá haver alguns ajustes, provavelmente beneficiando alguns réus. Segundo, o Supremo decidir como será efetivada a perda do mandato dos seguintes parlamentares: João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry.

2 As multas

Quando os réus condenados pagarão as multas impostas pelo STF?

As multas somente devem ser pagas após o julgamento de todos os recursos.

3 Longo caminho

O que ocorre depois que o julgamento for encerrado ?

O caminho é longo. Cada ministro tem que redigir e entregar seus votos finais. O relator tem que escrever a ementa referente a cada réu. Não há prazo. Depois, tem que haver a publicação do acórdão.

4 Embargos

Como serão feitos os recursos?

Cinco dias depois da publicação do acórdão, a defesa pode entrar com embargos de declaração, em caso de omissão, contradição ou obscuridade na decisão. Talvez possa entrar também com embargos infringentes em 15 dias. O Supremo vai decidir antes de analisar caso a caso. Tendo o advogado entrado com recurso, ouve-se o Ministério Público. Só então o presidente coloca em votação.

5 Prisões

Os réus condenados, seja em regime fechado ou semiaberto, serão presos imediatamente?

Não. Só depois da publicação da decisão final e do julgamento dos embargos. O Supremo poderia determinar a prisão imediata dos réus que representassem um perigo, mas isso, a princípio, não acontece nesse processo.

6 Espera
Eles aguardarão o julgamento de recursos em liberdade?

Sim. Em princípio, os réus não se enquadram nas situações excepcionais em que pode haver prisão antes do fim dos recursos. Essas situações, de acordo com a lei, são para "garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria". A decisão final sobre isso cabe ao STF.

7 Prazos

Qual é o prazo para o julgamento dos recursos? O ministro Teori Zavaski participará do julgamento deles?

Não há prazo. O recurso é feito pelos advogados e, em seguida, precisa de manifestação do Ministério Público. Depois, volta ao relator, para que ele prepare seu voto. Quando o voto estiver pronto, o presidente escolhe uma data de julgamento. Quanto ao ministro Zavaski, sim, ele participará dessa fase. Os recursos serão julgados por todos os ministros que estiverem na Corte naquele momento. O ministro Teori estará e não poderá se negar a julgar. O mesmo ocorrerá se o substituto do ministro Ayres Britto já tiver tomado posse.

8 Paralisação

Pode ocorrer pedido de vista na análise dos recursos pela Corte?

Sim. O pedido de vista é sempre uma possibilidade, embora aqui seja remota para os ministros que já julgaram o caso. Não sabemos o que Teori Zavascki pode fazer. Se pedir vista, atrasará a efetivação do julgamento.

9 Cassações

Os deputados condenados perderão seus mandatos ou será preciso aguardar a tramitação de processo de perda de mandato na Câmara dos Deputados?

A Constituição não é clara quanto a esse ponto. Já existe um começo de divergência: o presidente da Câmara, Marco Maia, dizendo que a Câmara é que tem a palavra final, e alguns ministros dizendo o contrário. É o Supremo quem tem a palavra final para decidir a questão. Este é um impasse anunciado mas evitável.

10 No bolso

Eles podem negociar redução ou parcelamento da pena pecuniária?

A pena é estabelecida pelo STF e não pode ser alterada. Quanto ao seu pagamento parcelado, ele depende da solicitação do réu. Após o pedido, cabe ao juiz analisar se a condição econômica de cada réu o impossibilita de pagar a multa de uma vez só.

Fonte: O Globo

Melancolia e revolta - Fernando Henrique Cardoso

Não sou propenso a queixas nem a desânimos. Entretanto, ao pensar sobre o que dizer neste artigo senti certa melancolia. Escrever outra vez sobre o "mensalão" e sobre o papel seminal do Supremo Tribunal Federal? Já tudo se sabe e foi dito. Entrar no novo escândalo, o do gabinete da Presidência da República em São Paulo? Não faz meu estilo, não tenho gosto por garimpar malfeitos e jogar mais pedras em quem, nessa matéria, já se desmoralizou bastante.

Tentei mudar de foco indo para o econômico. Mas de que vale repetir críticas aos equívocos da política petrolífera, que começaram com a redefinição das normas para a exploração do pré-sal? As novas regras criaram um sistema de partilha que se apresentou como inspirado no "modelo norueguês" - no qual os resultados da riqueza petrolífera ficam num fundo soberano, longe dos gastos locais, para assegurar bem-estar às gerações futuras -, quando, na verdade, se assemelha ao modelo adotado em países com regimes autoritários. Até aqui o novo modelo gerou apenas atrasos, custos excessivos e estagnação na produção de petróleo, além de uma briga inglória (e injusta para com os Estados produtores) a respeito de royalties que ainda não existem e que, quando existirem, serão uma torneira aberta para gastos correntes e pressões inflacionárias. A contenção do preço da gasolina já se tornou rotina, mesmo que afete a rentabilidade da Petrobrás e desorganize a produção de etanol. O objetivo é segurar a inflação por meio de artifícios e garantir a satisfação dos usuários. Calo sobre os efeitos da redução continuada do IPI para veículos e do combustível artificialmente barato. Os prefeitos que cuidem de aumentar ruas e avenidas para dar cabida a tanto bem-estar... E os moradores das grandes cidades que se munam de ainda maior paciência para enfrentar mais congestionamentos.

E que dizer da tentativa de cortar o custo da energia elétrica, que teve como resultado imediato a perda de valor das ações das empresas? E essa agora de altos funcionários desdizerem o anunciado e, sem qualquer segurança sobre como será ajustado o valor do patrimônio das empresas do setor elétrico, provocarem súbitas altas nas ações? O pior é que ninguém será responsabilizado por eventuais ganhos de especulação advindos da falta de compostura verbal. Valerá a pena insistir em que o trem-bala é um desvario na atual conjuntura, pois terminará sendo pago pelos contribuintes, como estão sendo pagas as usinas mal licitadas? Para a construção destas, pelas condições estabelecidas pelo próprio governo, praticamente só acorrem empresas estatais financiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com dinheiro transferido do Tesouro, quer dizer, seu, meu, nosso. E as rodovias e os aeroportos? Uma novela que já vai longe, numa trama desencontrada. Tomara ainda tenhamos final feliz...

Olhando em retrocesso, nos anos da grande ilusão, lá pelos finais de 1970 e meados dos 1980, os "projetos-impacto", como a Transamazônica, a Ferrovia do Aço e outros tantos, feitos a partir de decisões tecnocráticas nos gabinetes ministeriais, nos estarreciam. Clamávamos também contra indícios de corrupção. Não poderíamos imaginar que, depois das greves de São Bernardo do Campo e das Diretas-Já, as mesmas distorções seriam praticadas por alguns que então as combatiam. Criticava-se tanto o nepotismo e o compadrio, a falta de profissionalismo na administração e de transparência nas decisões, e se imaginava com tanta fé que o Congresso Nacional livre daria cobro aos desmandos, que é difícil esconder a desilusão. As proezas de cinismo e leniência praticadas por alguns dos personagens que apareciam como heróis-salvadores são chocantes. Dá lástima ver hoje uns e outros confundidos na coorte de dúbios personagens que alegam nada saber dos malfeitos.

O que entristece, porém, não é somente a conduta de algumas pessoas. É o silêncio das instituições democráticas. A mídia fala e cumpre o seu papel. Cumpre-o tão bem que é confundida pelos que sustentam os malfeitos como se fosse ela, e não a polícia, quem descobre os desatinos ou como se servisse à oposição interessada em desgastar o governo. Recentemente, algumas instituições de Estado começaram a agir responsavelmente: o Ministério Público pouco a pouco perdeu o ranço ideológico para se concentrar no que lhe é devido, a defesa da lei em nome da sociedade. Os tribunais, especialmente depois de o Conselho Nacional de Justiça ser organizado, começam a sacudir a poeira e a julgar, dando-lhes igual o réu ser potentado ou pobretão. Mas o Congresso e os partidos estão longe de corresponder aos anseios dos que escrevemos a Constituição de 1988.

O Congresso, que na Carta de 88, por sua inspiração inicial parlamentarista, ficou com responsabilidades enormes de fiscalização, prefere calar e se submeter docilmente ao Executivo. Voltamos aos tempos da República Velha, com eleições a bico de pena e as Comissões de Verificação dos Poderes, que cassavam os oposicionistas. Só que agora somos "modernos": não se frauda o voto, asseguram-se maiorias pelos balcões ministeriais ricos em contratos e por emendas parlamentares distorcidas. Com maiorias de 80% parece até injusto pedir que a oposição atue. Como?

De qualquer maneira, é preciso bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que pouco se consiga de prático, mesmo sem esperança de vitória ou retribuição imediata, como se fazia no tempo do autoritarismo. Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe. Chegará o momento, como chegou nos anos 1980, em que, com toda a aparência de poder, o sistema fará água. Entre as centenas, talvez milhares de pessoas que se beneficiam da máquina do poder e os milhões de pessoas "emergentes" ávidas por melhorar sua condição de vida por este Brasil afora, há espaço para novas pregações? Novas ilusões? Quem sabe... Mas, sem elas, é a rotina do já visto, das malfeitorias e dos "não sei, não vi, não me comprometo".

Sociólogo, foi presidente da República

Fonte: O Estado de S. Paulo, O Globo e Zero Hora (RS)

Em memória dos perseguidos

Câmara resgata a história de deputados federais que perderam os direitos políticos por se oporem ao regime militar

Edson Luiz

Em 13 de dezembro de 1968, uma reunião realizada no Palácio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, entre integrantes do governo militar iniciava um dos períodos mais dolorosos da história do Brasil. Nascia, naquele momento, o Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso Nacional, cassou os direitos de cidadãos e parlamentares, principalmente os opositores da ditadura. Na quinta-feira, quase meio século depois, 173 deputados terão a devolução simbólica dos mandatos, que foram concedidos pelo povo, mas foram tirados pelo regime de exceção a partir do golpe militar.

O desfecho dos acontecimentos ocorreu no fim de dezembro daquele ano, quando o governo anunciou a primeira relação de pessoas que teriam os direitos políticos cassados. Eram 11 deputados federais, liderados por Márcio Moreira Alves (MDB-RJ). A decisão foi tomada pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN), depois de uma reunião iniciada às 16h, que seguiu até as 19h. E, em uma nota lacônica, foi anunciado que os parlamentares, além de Carlos Lacerda, haviam acabado de perder os mandatos por uma década.

"Ao término dos trabalhos, o senhor presidente da República anunciou a decisão de decretar, nos termos do AI-5, a cassação dos mandatos e a suspensão dos direitos políticos, por 10 anos, dos deputados federais Márcio Moreira Alves, Hermano de Deus Alves, David José Lerer, Helio Henrique Pereira Navarro, Gastone Righi Cuoghi, Mateus José Schmidt Filho, Henrique Henkin, Maurilio Filgueira Ferreira Lima, José Lurtz Sabiá, Renato Bayma Archer da Silva e José Carlos Estelita Guerra", anunciou o CSN.

Ferreira Lima conta que sua cassação foi causada por um discurso relacionado a uma crise militar que estava se formando dentro do governo. "Eu fiz um discurso no pequeno expediente na Câmara sobre a atuação da Aeronáutica", afirma o ex-parlamentar, cassado aos 28 anos, quando foi eleito para o primeiro mandato. "Os trabalhos da Casa foram interrompidos imediatamente pelo presidente (da Câmara) José Bonifácio de Andrada e Silva", acrescentou Ferreira Lima. Ele voltou ao parlamento depois da redemocratização do país.

As cassações não pararam no fim de 1968 e continuaram nos anos seguintes, como anunciou o governo antecipadamente. "Acentuou o senhor presidente da República que as outras decisões revolucionárias, da mesma natureza, serão tomadas oportunamente, para o que voltará Sua Excelência a convocar o Conselho de Segurança Nacional", dizia a nota oficial do regime. Em janeiro de 1969, por exemplo, mais 35 deputados perderam os cargos, o mesmo ocorrendo com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal Militar (STM).

Resgate

Segundo a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que coordena a Comissão da Verdade da Câmara, o evento da quinta-feira tem como objetivo resgatar a memória parlamentar de quem foi cassado pela ditadura. "É uma homenagem à soberania popular, que foi usurpada a partir do momento em que o povo ficou sem seus representantes", afirma a deputada. Além disso, conforme Erundina, o processo mostra a evolução dos casos, a partir dos períodos de cassação. Essas histórias são detalhadas no livro Parlamento mutilado: deputados federais cassados pela ditadura de 1964, que será publicado pela Câmara e lançado na quinta-feira.

"No livro, nota-se que a maior parte das cassações ocorreram nas primeira e segunda legislaturas, enquanto que, nas demais, não havia tanta resistência", explica Erundina. "As perdas de mandatos ajudaram a domesticar a representação popular por causa do medo", acrescenta a deputada, ressaltando que grande parte das vítimas do regime no Congresso eram parlamentares de primeiro mandato, composta por jovens idealistas que não temiam perder os cargos, e que pertenciam ao MDB e ao PTB, os principais adversários do regime militar.

A intenção, segundo a deputada, é promover um seminário para tratar do tema, além de incentivar os estados a fazer trabalho semelhante, recuperando a história de seus Legislativos. "Nossa Casa nunca tinha feito isso, utilizando nossos próprios arquivos. Era preciso trazer para a Câmara a necessidade de resgatar a sua própria história", diz a deputada. Dos 173 homenageados, só 26 estão vivos.

Fonte: Correio Braziliense

Grupo tenta desemperrar reforma política na Câmara

Fim das coligações e coincidência das eleições têm algum apoio; financiamento público de campanha é polêmico

Isabel Braga

BRASÍLIA - Dispostos a enfrentar o ceticismo que há anos ronda a votação da Reforma Política, um grupo de deputados, capitaneado pelo relator da proposta nesta legislatura, Henrique Fontana (PT-RS), tenta mobilizar a Câmara para a apreciação pelo plenário de pelo menos quatro pontos do tema. A despeito do incansável empenho do relator, quase quixotesco como dizem os colegas, líderes partidários já admitem que as chances de avanços ainda este ano são mínimas. E se ficar para 2013, véspera de ano eleitoral, as possibilidades ficam ainda mais reduzidas. O grupo, no entanto, conseguiu uma vitória: o presidente Marco Maia (PT-RS) pautou a reforma política para discussão no plenário na próxima quarta-feira.

- Não dá para falar em produzir uma grande reforma, mas há temas que, voltando das eleições municipais, sensibilizaram parlamentares. Por exemplo, o fim das coligações nas eleições proporcionais e a coincidência das eleições. E mesmo, embora polêmico, o financiamento público de campanhas. É grande o desgaste de a cada dois anos buscar contribuições de campanhas - afirmou Marco Maia, que marcou para terça-feira uma reunião de líderes sobre o assunto.

Desde o início desta legislatura, em 2011, Maia montou uma comissão especial, designou Henrique Fontana como relator e, no final do ano passado, fez apresentar um relatório aos deputados.

Quatro pontos em debate

De lá para cá, um ano depois, Fontana ainda não conseguiu votar seu texto sequer na comissão especial, por falta de interesse dos colegas e obstrução cerrada de um grupo de deputados contrários à reforma. Para driblar as resistências, Maia avocará para votação em plenário dois projetos de lei e duas ou três emendas constitucionais previstos no pacote, e designará Fontana como relator de plenário.

Confiante, depois de conversar com os deputados designados pelos partidos para cuidar desta reforma, Fontana acredita que é possível avançar em quatro pontos: financiamento exclusivo das campanhas; mudança no sistema de votação, com a adoção do chamado sistema belga (com uma alteração muito pequena em relação ao que é hoje); coincidência das eleições municipais e gerais; e fim das coligações para eleições proporcionais.

Os líderes dos partidos maiores dizem que há um pouco mais de consenso nas bancadas em relação ao fim das coligações e coincidência de mandatos. O financiamento público de campanha e a mudança no sistema de votação, mesmo com as mudanças feitas por Fontana, são considerados muito polêmicos por grande parte dos deputados, e dificilmente seriam aprovados.

Fonte: O Globo