(Leôncio Martins Rodrigues, na entrevista, ontem, em O Estado de S. Paulo)
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Reflexão do dia – Leôncio Martins Rodrigues
(Leôncio Martins Rodrigues, na entrevista, ontem, em O Estado de S. Paulo)
Marco Antonio Rocha :: O plano para pôr a Ágora no poder
A Constituição brasileira estabelece no seu artigo 2º: "São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário." Isso está escrito também, quase com as mesmas palavras, nas Constituições dos países civilizados. Mas o PT - lembremos - não assinou a Constituição de 1988. Queria uma outra Constituição. Por isso o Programa Nacional dos Direitos Humanos (PNDH-3) assinado pelo presidente Lula, sob inspiração do partido, não só reforma a Constituição, como cria um superpoder: o Poder da Ágora, ou seja, das "comissões de representantes da sociedade civil", sobrepostas ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, que nada poderão decidir sem a anuência das tais comissões.
A maioria da imprensa errou o foco. Pensou que o problema, no PNDH-3, era o das atribuições da Comissão da Verdade e da eventual mudança na Lei da Anistia. Por isso Lula achou que, mudando palavras, a "trolha passa", como se diz nas redações. Pior, pensou-se que era uma briga de vaidades - Vanucchi x Jobim - ou de interesses - CNA x MST. A oposição, como de hábito, não disse nada.
Mas está claro que a tarefa de "mudar tudo isso que aí está" foi delegada à sucessora de Lula. Este, no início dos seus mandatos, optou por um recuo tático: refugiou-se na política econômica recomendada pelo Consenso de Washington, a conselho do seu ministro Palocci e, depois, do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.
Mas não tem nada não. A diretriz ficou engatilhada para momento mais propício, que aparece à medida que Lula e seu governo ascendem ao ápice da popularidade, da força política e da possibilidade de elegerem Dilma - com a perspectiva, ainda, do retorno de Lula.
Como aconteceu com o PSDB no primeiro mandato de FHC - que pensou que se eternizaria no poder -, Lula, o PT e o grupo que comanda o partido planejam para as próximas décadas. O próprio Lula já não tem tempo, neste mandato, de executar o grande projeto de mudança. Estará empenhado na tarefa prioritária de eleger sua candidata, exatamente para que a outra tarefa, a de mudar tudo o que aí está, possa ser cumprida.
Para facilitar, era necessário um arcabouço político-jurídico-institucional que favorecesse romper com as estruturas conservadoras. Lula viu no início dos seus mandatos que a coisa era muito difícil, pois todo o quadro institucional era, e ainda é, pequeno-burguês, e fora reforçado pelo PSDB com sua estratégia de apenas aperfeiçoar a governança.
A grande ruptura está delineada pelo Decreto do PNDH-3. Não é uma proposta de mudanças para serem debatidas pela Nação. É um decreto, que tem força de lei, mesmo que várias disposições requeiram a aprovação de leis. Mas qualquer juiz de direito pode invocar o decreto para embasar suas decisões, a título de princípio estabelecido.
Não se trata, também, da defesa e do enforcement dos direitos humanos já consagrados, como determinavam os PNDH-1 e o PNDH-2. Estes estão ultrapassados. Agora, é preciso avançar: "incentivar e garantir a autonomia dos movimentos populares, ultrapassando os interesses institucionais partidários e religiosos (...) e reafirmando a opção fundamental (sic), que é nosso compromisso com os oprimidos", como rezava a Carta de Olinda, cujos termos Lula teve de moderar na sua Carta ao Povo Brasileiro, para ganhar votos.
O PNDH-3 realmente avança. É uma plataforma de política proativa . Cria novos direitos humanos. Vai "muito além dos direitos humanos" tradicionalmente contemplados, como manchetou O Globo, talvez o primeiro jornal a perceber a real dimensão do decreto. Além de criar esses novos direitos, o propósito é o de impor o seu reconhecimento e a forma objetiva de tutelá-los aos juízes, aos órgãos legislativos, às várias esferas da administração pública, aos governos que sucederem ao de Lula e à imprensa.
Deputados, senadores, vereadores, etc., pessoas incumbidas pela Constituição de fazerem as leis, não são confiáveis nem considerados, no decreto, como representantes da sociedade civil. Então, há que se cooptar "comissões" desses representantes, credenciados por sindicatos e entidades de todo tipo, para "adotar iniciativas legislativas diretas", por meio de "plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular e veto popular", ou seja, para fazer leis em lugar do Congresso Nacional e dos corpos legislativos.
Os juízes não têm discernimento para compreender e proteger os "direitos dos oprimidos". Assim, os proprietários de imóveis, urbanos ou rurais, continuariam podendo entrar com pedidos de reintegração de posse, no caso de invasões, mas o juiz só poderá decidir depois de ouvida uma "comissão" de representantes da sociedade civil, mais atenta, ao que se supõe, aos princípios da justiça social do que aos do Direito.
Já que as leis devem favorecer os "oprimidos" e a Justiça deve trabalhar para e pelos "oprimidos", é preciso um jornalismo que também vele por eles, instituindo-se "critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking (sic) de veículos de comunicação comprometidos com os direitos humanos assim como dos que cometem violações".
A noção de quem são os oprimidos é um tanto vaga, mas o PT, o Lula, a Dilma e as "organizações da sociedade civil" por eles designadas se encarregarão de nos elucidar a esse respeito, e também de nos dizer quais os legisladores, os juízes e os jornalistas que se situam no melhor ranking (sic) de respeito pelos "oprimidos", aptos a velar pelos direitos humanos desses brasileiros especificamente. Assim se cumprirá a "Diretriz nº 1 do PNDH-3: Interação democrática entre Estado e Sociedade Civil como instrumento de fortalecimento da democracia participativa". Ou seja, da democracia do povo, em lugar da democracia das elites, pois, afinal, é de um plano para pôr a Ágora no poder que estamos tratando.
Governo federal prepara novo ataque à mídia
Texto da Conferência de Cultura diz que "monopólio da comunicação é ameaça à democracia"; deputado contesta
Martha Beck
BRASÍLIA. O governo Lula não desistiu de aprovar algum tipo de controle de conteúdo dos meios de comunicação no Brasil, como aconteceu recentemente na Argentina e na Venezuela.
Depois da discussão do tema na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e da criticada abordagem no Programa Nacional de Direitos Humanos, o governo agora prepara uma nova investida para estabelecer o “controle social” dos meios de comunicação.
A 2aConferência Nacional de Cultura promete trazer à tona, mais uma vez, o debate sobre liberdade dos meios de comunicação no país.
Como revelou ontem o jornal “O Estado de S. Paulo”, o texto-base da conferência, que será realizada pelo governo federal em março, defende o papel da mídia como difusora de cultura e educação, mas afirma que “o monopólio dos meios de comunicação representa uma ameaça à democracia e aos direitos humanos, principalmente no Brasil, onde a televisão e o rádio são os equipamentos de produção e distribuição de bens simbólicos mais disseminados”.
Na Confecom — da qual, como forma de protesto, as entidades representativas do setor decidiram não participar — discutiu-se até a adoção de auditorias do poder público em empresas de comunicação.
Depois, o Programa Nacional de Direitos Humanos propôs a cassação de concessões de empresas que, a critério do governo, violassem os direitos humanos.
O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) informou ontem o conteúdo do texto-base da 2aConferência Nacional de Cultura. Segundo ele, o mercado brasileiro é competitivo e diversificado: — O Brasil não é um monopólio.
Dizer isso é um exagero, um erro. No país há concorrência, diversidade de veículos e de opiniões.
Segundo Miro, tanto o Programa de Direitos Humanos como o texto-base da 2aConferência tratam de temas importantes de forma vaga, o que acaba prejudicando a discussão em torno de assuntos mais importantes: — Será que não estamos nos desviando de assuntos mais relevantes? A população pede ações nas áreas de previdência, saúde e até mesmo de cultura e esporte, mas há uma ausência de soluções — disse.
Segundo Miro, em pleno ano eleitoral o governo evita falar de temas verdadeiramente importantes, como a reforma da Previdência.
A oposição ainda tenta encontrar uma maneira de agir sem se contrapor à figura popular do presidente Lula, e também não fala desses assuntos.
— Isso dá no pior dos mundos — disse Miro Teixeira.
O texto-base da 2aConferência Nacional de Cultura, divulgado ontem pelo “Estado”, afirma que os fóruns de cultura devem se unir para regulamentar o artigo da Constituição que obriga emissoras de rádio e televisão a adaptar sua programação ao princípio da regionalização de produção cultural, artística e jornalística. Segundo Miro, essa parte do documento também causa espanto, pois esta é uma ação que o próprio governo federal já deveria estar pondo em prática.
— O artigo 221 da Constituição (que trata da regionalização da produção cultural) não admite regulamentação. É o próprio governo quem tem que cumprir essa regra na hora de renovar concessões de veículos de comunicação — explicou o deputado.
A secretária de Articulação Institucional do Ministério da Cultura, Silvana Meireles, nega que o texto-base proponha qualquer interferência nos meios de comunicação. Segundo ela, o trecho do documento que fala no monopólio não afirma que é uma prática no país.
— Estamos apenas dizendo que a televisão tem um papel importante no acesso à informação da população brasileira — disse ela.
A secretária também disse que, embora a implementação do conteúdo regional na mídia seja um papel do próprio governo federal, é positivo ressaltar sua importância: — Não vemos polêmica no texto. Ele foi composto de propostas aprovadas em conferências regionais realizadas em 2.992 municípios, e em nenhum desses lugares houve qualquer controvérsia.
Fábio Wanderley Reis:: O PNDH e seus temas
Por mais que vejamos com frequência a movimentação da imprensa e da chamada opinião pública em torno de um assunto que acaba se impondo à atenção de todos, raramente a teremos visto adquirir o caráter de fluidez e confusão que traz, no momento, o ruído em torno do Programa Nacional de Direitos Humanos. Parte disso se deve ao fato de o programa reunir num só pacote uma série de temas complicados que afetam diferentes interesses e grupos, e é patente que o governo Lula poderia ter sido mais prudente ou astuto no encaminhamento do assunto, quando nada em atenção ao seu possível impacto sobre o processo eleitoral de 2010. Mas é singular a maneira pela qual o foco do debate público se expandiu gradualmente. Deslocando-se do que parecia inicialmente uma "crise militar", relacionada com a possível revisão da lei de anistia, para a mobilização de categorias diversas interessadas em outros itens do programa, transformou-se também de mera iniciativa supostamente inepta do governo Lula, a merecer crítica cerrada pela suposta intenção de aceno à esquerda, em algo de maior alcance e mérito - um episódio de longa discussão internacional sobre o tema importante dos direitos humanos em que o governo Lula basicamente dá continuidade a iniciativas anteriores do governo Fernando Henrique, aliás com a participação ainda agora de figuras a ele ligadas e mesmo de governos estaduais do PSDB. E observam-se não só as distorções política e eleitoralmente motivadas do assunto, com tucanos a tratarem de dissociar-se dele, como também - menos mal - o gradual despertar da imprensa para as complexidades do tema, com vacilações que levam mesmo a que colunistas cheguem a manifestar avaliações contrastantes em dias sucessivos.
Um aspecto geral a favorecer a confusão, que Paulo Sérgio Pinheiro destacou, é a tendência da ONU e dos foros internacionais a dar à ideia de direitos humanos grande alcance e abrangência, levando-a bem além dos direitos civis e políticos tradicionais (ir e vir, processo legal, votar e ser votado) para incluir também direitos sociais, econômicos etc. Ora, essa é a tendência que há muito observamos quanto à ideia de cidadania, que se amplia e enriquece com as conquistas socialdemocráticas. Colocada em xeque com a globalização e a onda da dinâmica econômica em que o neoliberalismo se afirmou recentemente, tal tendência nunca chegou a ser de fato revertida em seus alicerces solidaristas e socialdemocráticos nos países europeus. E até nos Estados Unidos o que vemos agora, na esteira desmoralizante da maior crise econômica de décadas e seus efeitos sociais, é a tentativa, promissora não obstante as muitas resistências, de incorporar os benefícios de uma ampliada ideia de direitos ao ânimo competitivo que se dispõe a assistir ao convívio da riqueza com a desigualdade.
Os diferentes temas do programa comportam avaliações de matizes variados, difíceis de considerar de forma sintética. Os dispositivos sugeridos quanto aos movimentos sociais, com relevância direta para as ações do MST e a violência a que tais ações recorrem ou que acarretam, são talvez o ponto a mais claramente merecer objeções. Ao invés de termos eventualmente a atuação da Justiça bloqueada por "comissões de negociação", o que redundaria em suspender o direito de acesso à Justiça de uns em favor da afirmação cada vez mais inaceitavelmente violenta do suposto direito de outros, o desejável é que possamos dispor de uma Justiça capaz de agir prontamente para coibir a violência de parte a parte. Isso não exclui, por certo, a conveniência da ação no plano institucional e legal de que resultem, por parte da Justiça, a sensibilidade e a agilidade requeridas.
Temas como os relativos ao aborto e ao homossexualismo sofrem contaminação demasiado forte por perspectivas religiosas para que o debate político possa esperar esclarecê-los. Já com respeito à questão da imprensa, ou dos meios de comunicação de massa em geral, apesar de prestar-se a muitas manipulações, é certamente possível visualizar uma posição equilibrada, e não é à toa que diferentes versões do PNDH, tanto do governo FHC quanto do governo Lula, convergem em apontar a necessidade de algum tipo de controle nesse campo. A incontestável importância, para a democracia, de uma esfera pública de comunicação desimpedida, em que a imprensa cumpre papel decisivo, não é razão para que se deixe de reconhecer o que há de negativo, e mesmo o importante ingrediente de autoritarismo, na contínua moldagem unanimista e "politicamente correta" da "opinião pública" pela imprensa - e na frequente transformação do valor da liberdade de imprensa em arrogante ideologia profissional de uma categoria, em que as distorções se mascaram.
Resta o tema militares e anistia, origem da cacofonia atual. Creio que o problema central é o da possibilidade de separar o esforço de recuperar as informações e a memória dos eventos ligados à ditadura, de um lado, dos problemas éticos e jurídicos, de outro, relacionados à contraposição entre o objetivo de "fazer justiça" e a anistia como instrumento eminentemente político de pacificação, que Paulo Brossard recordou em artigo que tem circulado. Impossível aceitar que se pretenda vedar indefinidamente a todos nós o direito à memória, em particular diante dos muitos inocentes alcançados pela violência. Por outra parte, à ideia da anistia que renuncia a fazer justiça em nome da pacificação se soma uma ponderação que argumentos correntes esquecem: a de que a instituição militar como tal está inevitavelmente envolvida no assunto (foi ela que deu o golpe de 1964 e implantou a ditadura e sua dinâmica desregrada e violenta), e não há como pretender punir "o torturador" e confraternizar com seus chefes - a escolha é pacificação ou briga bem maior. O que não significa ver com gosto o governo espavorido a cada muxoxo de chefes militares.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras
Ricardo Noblat :: Serra vai bem, obrigado!
"Uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida. Tem que ser submissa porque gosta dele." (Lula)
Nem tão de leve que sugira desinteresse, nem tão forte que desate uma reação contrária. É assim que se comporta o governador José Serra, de São Paulo, em relação ao colega Aécio Neves, de Minas Gerais. Sonha com ele de vice em sua chapa de candidato à vaga de Lula. Mas se o pressionar muito poderá perdê-lo. E se não o pressionar, também.
Em meados do ano passado, Serra visitou Aécio no Palácio das Mangabeiras, em Belo Horizonte. Aécio estava embalado para sair candidato pelo PSDB a presidente da República. A certa altura do encontro, Aécio advertiu Serra: “Você poderá ser o candidato do partido. Só não poderá me derrotar. Se o fizer, não terá os votos de Minas por mais que eu me esforce para ajudá-lo”.
Foi por isso que Serra fez cara de paisagem e engoliu todos os sapos servidos por Aécio. Alguns foram sapos gordos. Um deles: as recepções festivas oferecidas por Aécio a Lula em Minas. Outro: a pregação de Aécio contra o predomínio dos paulistas na política nacional. Mais um: a insinuação de que somente ele, Aécio, atrairia apoios de partidos alinhados com o governo Lula.
Acabou indo pelo ralo a proposta de Aécio para que o PSDB escolhesse seu candidato a presidente por meio de prévias. De público, Serra concordou com a proposta. Na troca de telefonemas com líderes do partido, rejeitou-a. Também foi pelo ralo o esforço de Aécio para crescer nas pesquisas de intenção de voto. Serra nada teve a ver com isso. Finalmente, Aécio desistiu de ser candidato.
“Vou me dedicar às eleições em Minas”, anunciou, no final de dezembro último. E desde então tem descartado a hipótese de ser vice de Serra. Repete que será candidato ao Senado. Serra dá tempo ao tempo. Lembra do que dizia Ulysses Guimarães, condestável do PMDB e da Nova República que sucedeu ao regime militar: “O segredo da política reside em três coisas: paciência, paciência e paciência”.
Há dois calendários em confronto para a próxima eleição presidencial – o de Lula e o de Serra. E ambos estão certos. A única maneira que tinha Lula para eleger Dilma Rousseff era antecipar em mais de um ano o início da campanha. Foi o que fez. Dilma jamais disputou uma eleição. Era preciso torná-la conhecida. Sob o disfarce de lançar ou de inaugurar obras, Lula percorre o país com Dilma a tiracolo.
Serra se fingiu de morto para não ter que trombar, primeiro, com Aécio, e depois com Lula e Dilma. Só teria a perder. Se puder, não trombará com Lula, o presidente mais popular da história. E evitará trombar com Dilma até o último minuto. Lula afirmou na semana passada que é capoeirista e que está pronto para a briga. Se depender de Serrinha “paz e amor”, não haverá briga – só confronto de ideias.
Na moita, Serra se esforça por desmanchar a poderosa coligação de partidos montada por Lula para apoiar a candidatura de Dilma. E está se saindo bem. Foi dado como certo que ele não teria um palanque forte no Rio, o terceiro maior colégio eleitoral do País. Serra negociou com Marina Silva, candidata do PV a presidente, e resgatou a candidatura de Fernando Gabeira ao governo do Rio.
Quer juntar na Bahia o PFL do ex-governador Paulo Souto com o PMDB do ministro Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional. De preferência com Geddel para o governo e Souto para o Senado. O PSB de São Paulo está com ele e o de Minas com Aécio. É por isso que Serra assimila sem retribuir os golpes que Ciro Gomes lhe aplica. O PSB quer Ciro como candidato ao lugar de Lula.
Caso Lula vete Ciro, no momento o PSB prefere não se juntar ao PT para eleger Dilma, facilitando assim suas mais heterogêneas alianças nos Estados. Foi como procedeu em 2006, negando a Lula seu tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Se o PSB foi capaz de pensar em si antes de pensar em Lula, quanto mais com Dilma? De volta a Aécio: chegará a hora certa de Serra abordá-lo sobre a vaga de vice.
Palanque para Serra no Ceará pode tirar apoio do PSDB a Cid Gomes
Murillo Camarotto, do Recife e de Fortaleza
Apesar de compor os quadros da administração estadual e de participar da quase hegemônica base de apoio ao governador do Ceará, Cid Gomes (PSB), o PSDB cearense está dividido em relação à posição que será adotada pelo partido nas eleições deste ano. Alguns deputados tucanos, inclusive, chegam a classificar de "administrativo", em vez de "político", o apoio que é dado ao governador, franco favorito à reeleição. A necessidade de um palanque para o provável candidato do PSDB à Presidência, o governador de São Paulo, José Serra, no Estado, bem como as dúvidas que pairam sobre a distribuição de forças na aliança de Cid Gomes, dão margem a anseios de uma candidatura tucana ao governo cearense.
A presença do PSDB no governo é tida como uma das grandes jogadas de Cid para a conquista do maciço apoio do qual goza hoje. Ex-tucano, o governador utilizou seu prestígio e identificação com os antigos correligionários para atrair o PSDB para o seu lado. Assim que assumiu o governo, em 2007, convidou para a Secretaria de Justiça o deputado tucano Marco Cals, ex-presidente da Assembleia Legislativa e um campeão de votos no Estado. Além dele, levou para a Secretaria de Turismo o deputado e ex-presidente da Embratur Bismarck Maia, hoje fora do PSDB. Como resultado, Cid Gomes conta hoje com o apoio de nada menos de 43 dos 46 deputados estaduais do Ceará, unindo, inclusive, PT e PSDB sob o mesmo teto.
"A realidade da política é que cada Estado tem suas características e seus próprios atores. Aqui o PSDB tinha duas facções: a do ex-governador (Lúcio Alcântara) e a de Tasso Jereissati. A verdade é que nunca tive relação com o ex-governador e sempre com Tasso. E já fui do PSDB, isso facilitou", contou Cid Gomes ao Valor.
Em uma reunião realizada na semana passada em seu escritório, em Fortaleza, Tasso consultou os 14 deputados estaduais do PSDB quanto a suas intenções de apoio ao governador nas eleições. Segundo o deputado Tomás Figueiredo, o encontro acabou sem definição. "Um terço defende o apoio imediato à reeleição do governador, um terço prefere esperar mais um pouco e outro terço quer a candidatura própria", revelou. Uma nova reunião foi marcada para fevereiro.
Os que defendem a candidatura própria, entre os quais o próprio Figueiredo, sonham com Tasso Jereissati na disputa, apesar de admitirem que isso seja "quase impossível". Amigo tanto de Cid quanto de Ciro Gomes, o senador deve se limitar mesmo à renovação de seu cargo em Brasília. Ainda assim, os tucanos da corrente própria apostam em nomes novos para o governo, como o deputado estadual Luiz Pontes, o federal Raimundo Gomes e o empresário Beto Studart.
A disputa pelo Senado é outro ingrediente da indefinição do PSDB, que gostaria de contar com o apoio de Cid a Tasso. Ocorre que o PT, aliado de primeira hora do governador, já anuncia a quem quiser ouvir que o ministro da Previdência, José Pimentel, é seu candidato. Declara ainda apoio total ao ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira (PMDB) para a outra vaga, o que deixa o governador com três opções para duas vagas.
De seu lado, Cid Gomes prefere a cautela, em uma estratégia declarada de manutenção do apoio político e velada de conter pelo maior tempo possível uma provável debandada tucana. "Não tenho nada a ganhar antecipando o debate eleitoral. Vou esperar a definição nacional para ver como fica a situação estadual. A Assembleia tem 46 deputados, sendo que conto com o apoio de 43. Se eu antecipar o debate, vou perder muitos", admitiu o governador.
Instado a avaliar a gestão do governador, Figueiredo deu mostras da fragilidade do apoio tucano a Cid Gomes, o que justificaria a cautela do governador. "O governo tem muito projeto interessante, mas nada deslanchou até agora. Ainda não deu resultado algum", alfinetou o parlamentar tucano, que não descarta, inclusive, uma aliança com o provável adversário de Cid nas urnas, o prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa (PR). "Nada pode ser descartado", resumiu.
Opinião semelhante foi manifestada pelo deputado Heitor Ferrer (PDT), um dos três que faz oposição declarada ao governador. Ele centrou seu fogo principalmente sobre as áreas da segurança pública e da saúde e apontou o "DNA autoritário da família Gomes" como um dos motivos para a força política do governador.
Já o deputado Nelson Martins (PT), líder do governo na Assembleia, aponta a gestão de Cid Gomes como seu principal ativo político. O parlamentar destacou os investimentos recordes que estão realizados em obras estruturantes, em programas de ensino profissionalizante, em saúde, segurança pública e turismo. Também mencionou a geração de empregos no Estado, a segunda maior da região Nordeste entre janeiro e novembro de 2009, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho.
Questionado sobre a possibilidade de dividir o palanque com o PSDB, Martins foi diplomático:
"O PT apoiou Cid Gomes desde a campanha, integra o governo e estará no palanque. Caberá ao PSDB decidir o que é melhor para eles", afirmou.
Eurico de Lima Figueiredo :: Os partidos e as eleições à vista
RIO - No Rio de Janeiro, como de resto em todo o Brasil, ainda é morna a temperatura política em relação às eleições que serão realizadas em outubro próximo. Entretanto, esta é uma avaliação que vale para eleitor médio, mas não para os partidos, suas lideranças e eventuais candidatos. No subterrâneo político em todo o país a movimentação é intensa e, partir de agora, ela se intensificará. A temperatura é alta. As máquinas partidárias terão que definir, nos próximos meses, seus candidatos para os cinco níveis da representação política (Presidência, governo estadual, Senado, deputado federal, deputado estadual); em dois diferentes âmbitos, Executivo (presidente da República e governador) e Legislativo (senador, deputados federal e estadual); e em duas distintas instâncias, a federal (Presidência, Senado, Câmara Federal) e a estadual (governo do estado e assembleias legislativas). Duas eleições de tipos diferentes serão realizadas simultaneamente, uma com caráter majoritário (Presidência, Senado, governo dos estados) e outra com caráter proporcional (Câmara Federal e assembleias legislativas). Na primeira modalidade ganhará o candidato que obtiver a maioria dos votos. Na segunda, a representação política será distribuída proporcionalmente entre os partidos políticos concorrentes.
O cidadão comum pode não se aperceber, assim, da intensidade dos entrechoques entre vontades políticas diversas; das lutas intensas entre forças de natureza e peso políticos diferentes; dos conflitos, às vezes insolúveis, entre objetivos e interesses distintos que, no presente, estão ocorrendo. Entrechoques, lutas, conflitos deverão solucionar-se, na metodologia democrática, pela via da negociação das divergências. Escolhidos os candidatos, sendo eles legitimamente aceitos pelas suas bases, serão então lançados à competição no mercado eleitoral.
Para o eleitor fluminense, duas eleições majoritárias (para o governo do estado e para o Senado) dirão respeito aos seus interesses imediatos no plano da representação estadual. Na disputa para o governo do estado, o governador do Rio, Sérgio Cabral, é o único que já se coloca como pré-candidato assumido. Isso lhe dá, nesse momento, dupla vantagem. Por um lado, com o comando do aparelho administrativo em suas mãos, pode supor a prévia disciplina dos quadros e militantes dos partidos que lhe dão apoio. Por outro, a mídia, mesmo sem querer, se vê obrigada a noticiar seu nome e suas intenções. Sua principal opositora nas eleições passadas, a juíza Denise Frossard, não é mais uma alternativa. Não se configura, na verdade, de imediato, nenhum outro nome de peso capaz de embaralhar as pretensões do atual governador, a não ser o do deputado federal Fernando Gabeira, do PV. O lançamento da sua candidatura, contudo, passa por complicada negociação entre as lideranças de seu partido e o PSDB do governador Serra. No entanto, no primeiro turno, pelo menos, ele terá que apoiar a candidatura da ex-senadora e ex-ministra, Marina Silva. O ex-governador Garotinho – agora no Partido Republicano (PR, que resultou da fusão entre o Prona (do já falecido deputado Enéas) e o PL (de história marcada por insucessos) encontrará dificuldades de difícil superação. Seu partido apoia o governo Lula, de modo que ele, caso candidato, terá que se equilibrar entre o apoio a Dilma Rousseff ,do PT, e a aposição frontal ao governador Sérgio Cabral que, por sua vez, terá o apoio explícito do PT do presidente Lula.
Na corrida para o Senado, o quadro é ainda mais difuso pelo simples fato de que os partidos não definiram ainda seus candidatos. Os nomes, todavia, aparecem ali e acolá. O atual senador Crivella certamente tentará sua reeleição. O presidente da Assembleia Legislativa do Rio, deputado estadual Jorge Picciani, contará com o apoio do PMDB do governador Cabral. O bispo Manoel Ferreira, atual deputado federal pelo PR, com apoio da Igreja Evangélica Universal de Deus, poderá fazer eventual dobradinha com o governador Garotinho, caso este último não acabe optando pela sua própria candidatura ao Senado. Políticos bem conhecidos, como Miro Teixeira (PDT) e Cesar Maia (DEM), e outros nem tanto, como a vereadora Aspásia Camargo (PV), figuram no rol dos possíveis candidatos.
Não parece ser possível, do ponto de vista da atual conjuntura, arriscar-se qualquer prognóstico em relação aos que serão, afinal, laureados pela decisão dos eleitores. Pode-se, entretanto, prever dificuldades para os que farão oposição ao presidente Lula. Eles terão que ajustar o tom de suas críticas; encontrar o ponto de ajuste entre o que podem criticar e o que não podem; calibrar o tom de seus discursos, não desconhecendo que, nas eleições majoritárias, nos estados, ocorre tendência à federalização das disputas, no caso entre as candidaturas do PT e do PSDB. Não se esgrima facilmente com quem detém altos índices de aprovação eleitoral, ainda mais quando se sabe que o presidente contará, em 2010, como tudo indica, com o fortalecimento do doutor PIB. Ele terá decisiva influência no processo eleitoral.
Eurico de Lima Figueiredo é professor e cientista político da Universidade Federal Fluminense.
Aécio não receberá Lula e Dilma em Minas
Petistas farão maratona de inaugurações no estado, e tucano prefere reforçar apoio a Serra, para evitar especulações
Fábio Fabrini, Isabel Braga e Cristiane Jungblut
BELO HORIZONTE e BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à Presidência, desembarcam amanhã em Minas para mais uma rodada de inaugurações.
Desta vez, não serão recepcionados pelo governador Aécio Neves (PSDB). Diferentemente de visitas anteriores, o tucano não pretende subir no palanque governista — decisão que, segundo fonte ligada a ele, foi comunicada ao presidente por telefone, na quinta-feira. Tratase de um gesto para não melindrar o governador paulista, José Serra (PSDB), que já assume a candidatura ao Planalto.
— Participar dessa agenda, agora, provocaria especulações — disse um dirigente tucano, referindose ao acirramento da disputa pré-eleitoral e ao clima no partido depois de Aécio renunciar ao projeto presidencial.
Desde que anunciou sua desistência, o governador mineiro tem sido alvo de questionamentos sobre seu real interesse em se engajar na candidatura de Serra, que precisa de bom desempenho junto ao eleitorado mineiro para se eleger. A presença nos eventos poderia alimentar versões e desagradar o tucanato, que classifica as viagens presidenciais de campanha próDilma. Fonte próxima ao Palácio da Liberdade diz que Aécio optou por não se envolver.
Amanhã de manhã, Lula e Dilma inauguram uma barragem para irrigação no Rio Setúbal, em Jenipapo de Minas, e uma escola técnica em Araçuaí, ambas no Norte mineiro. Em seguida, entregam a primeira etapa de uma termelétrica e uma unidade de pronto atendimento (UPA) em Juiz de Fora.
Hoje, Aécio almoça no Rio com o presidente do DEM, Rodrigo Maia, e discute alianças no país e nos estados. Publicamente, o governador cultiva uma relação cordial com o presidente e, em visitas anteriores a Minas, esteve no palanque do governo.
Em outubro, desmarcou encontro e cumpriu em Pirapora agenda paralela à do presidente, que vistoriava obras na vizinha Buritizeiro.
Mas despediu-se dele no aeroporto, posando para fotos abraçado a Dilma e ao deputado Ciro Gomes, pré-candidato do PSB. Dias depois, esteve no lançamento do PAC das Cidades Históricas, em Ouro Preto. Em discurso, elogiou as parcerias.
Azeredo critica estratégia da ministra em Minas Nesta primeira maratona, até reinauguração de obra está na agenda de Dilma e Lula. Os dois também irão reinaugurar a usina termoelétrica de Juiz de Fora, convertida para operar com etanol.
Os petistas cobram que a ministra explore mais suas raízes mineiras. Dilma nasceu em Belo Horizonte e, quando deixou o estado, já era casada e universitária da UFMG.
— Dilma é muito comedida na tarefa de mostrar suas raízes mineiras.
Saiu de Minas casada, fez vestibular na UFMG, o pai dela e a irmã estão enterrados em Minas, a mãe mora em Minas. Ela tem que dizer que foi aluna no colégio estadual de Minas, que foi nadadora e medalhista no Minas Tênis Clube. Aqui ela é Dilminha, porque Dilma é a mãe dela — disse o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG). — Não é inventar, é legítimo fazer isso. Mas a ministra é muito retrancada, tem esse constrangimento.
Para os tucanos, a estratégia dificilmente surtirá efeito.
— Acho que não vai adiantar nada essa estratégia. Para ter característica de mineiro, não basta nascer no estado, tem que ter alma mineira. Acredito que este não seja o caso da ministra — criticou o senador e ex-governador de Minas, Eduardo Azeredo (PSDB).
Aécio ainda pode optar por receber o presidente no aeroporto de Juiz de Fora, cidade cujo prefeito é o tucano Custódio Mattos. Mas não acompanhará a comitiva presidencial nas inaugurações.
A avaliação dos tucanos é a de que ele se engajou na campanha de José Serra, inclusive para garantir sua sobrevivência em Minas, onde terá que lutar pela manutenção de sua base política. A cúpula tucana acredita que as desavenças entre Aécio e Serra foram superadas e que o mineiro será forçado, pela conjuntura política, a lutar pela vitória em Minas e na eleição presidencial.
Também não participará das inaugurações o ex-prefeito e précandidato do PT ao governo de Minas, Fernando Pimentel. O petista alegou que já havia marcado de conversar com o vice-presidente da República, José Alencar, em Brasília, amanhã.
Piñera vence no Chile e quebra hegemonia da esquerda
O candidato da direita, Sebastián Piñera, venceu ontem as eleições presidenciais chilenas e pôs fim a 20 anos de hegemonia da coalizão de centro-esquerda Concertação, relata a enviada especial Ruth Costas. O ex-presidente Eduardo Frei, candidato governista, reconheceu a derrota no fim da tarde. O sucessor de Michelle Bachelet é um dos empresários mais importantes do Chile, com patrimônio de US$ 1,2 bilhão. Há 52 anos, a direita não vencia uma eleição presidencial.
Piñera é eleito e enterra 20 anos de hegemonia da esquerda no Chile
Direitista diz que dias melhores estão chegando para o Chile, pede unidade e oferece diálogo à Concertação
Ruth Costas, enviado especial em Santiago
Após 20 anos de hegemonia da coalizão de centro-esquerda Concertação, o candidato da direita, Sebastián Piñera, venceu ontem as eleições presidenciais chilenas. O candidato governista e ex-presidente, Eduardo Frei, reconheceu a derrota no fim da tarde e, depois de felicitar Piñera, prometeu que o fracasso da Concertação é "apenas uma parada no nosso caminho".
Com 99% das urnas apuradas, o candidato direitista tinha 51, 61% dos votos e o ex-presidente da Concertação, 48,32%. "Continuaremos a ser guardiães da liberdade e das conquistas sociais no Chile", disse Frei depois de confirmada a derrota.
A Concertação estava no poder desde o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e foi responsável pela consolidação democrática e por uma série de avanços sociais e econômicos. Há 52 anos a direita não ganhava uma eleição presidencial no país.
Para comemorar a vitória, milhares de simpatizantes de Piñera foram para as ruas em todo o Chile. "Estão chegando tempos melhores para o Chile", disse Piñera, após pedir unidade e oferecer diálogo à Concertação. "A democracia chilena deu hoje um novo e grande passo demonstrando sua solidez e maturidade."
Piñera é um dos empresários mais importantes do Chile e tem um patrimônio de US$ 1,2 bilhão, que inclui as ações majoritárias da companhia aérea LAN, uma rede de TV e o time de futebol Colo-Colo. Durante a disputa, ele procurou se distanciar da direita pinochetista, mas sua coalizão também inclui setores conservadores "duros", como a União Democrata Independente (UDI).
Sua campanha prometeu "mudança" para os chilenos, embora as promessas se refiram mais à alternância de poder do que a uma alteração no modelo de desenvolvimento chileno. "A mudança será boa para o Chile: será como abrir uma janela para que o ar fresco possa entrar", disse Piñera ao votar.
Entre os fatores que ajudaram o direitista a subir nas pesquisas estão o desgaste da Concertação, após duas décadas no poder, e os desentendimentos entre os setores governistas. No primeiro turno, por exemplo, Frei conseguiu apenas 29% dos votos (15 pontos a menos que Piñera) porque a esquerda apresentou três candidatos - também concorreram o dissidente Marco Enríquez-Ominami e o comunista Jorge Arrate.
QUADROS PINOCHETISTAS
Nos bastidores, até autoridades do governo reconheciam que a escolha do ex-presidente como candidato foi um erro. Primeiro, por sua falta de carisma. Segundo, porque Frei terminou seu primeiro mandato (1994-2000) muito mal avaliado, após não conseguir conter os efeitos no Chile da crise asiática.
No último debate, Piñera reconheceu que alguns integrantes de seu bloco político cometeram "erros" na ditadura, mas disse que simplesmente ter colaborado com o regime Pinochet, sem ter cometido abusos aos direitos humanos, não era "nenhum pecado". Além disso, ele não descartou a possibilidade de incluir em seu governo autoridades do regime militar, embora tenha dito que isso seria "pouco provável".
Luiz Carlos Bresser-Pereira :: Revolução Cubana e Alemanha reunificada
Os cubanos não querem se subordinar aos EUA e às elites cubanas corruptas que os norte-americanos apoiam
Dois livros do historiador Luiz Alberto Moniz Bandeira acabam de ter nova edição: "A Reunificação da Alemanha" e "De Marti a Fidel". O título do primeiro livro é autoexplicativo; o do segundo é uma análise da Revolução Cubana até hoje.
O que há de comum entre os livros é o fato de os dois países terem vivido a experiência do estatismo ou do socialismo real; o que há de diferente é o fato de que, na antiga Alemanha Oriental, como nos demais países do Leste Europeu, não há mais comunismo, enquanto em Cuba o regime autoritário continua forte. Como explicar esse fato?
Moniz Bandeira naturalmente não se coloca essa questão, mas é possível perceber sua atitude favorável a Cuba e contrária à experiência comunista na Alemanha. No prefácio à segunda edição de "De Marti a Fidel", ele ressalta a violência dos EUA em relação ao regime cubano, as tentativas explícitas de sua desestabilização e, depois que Fidel Castro, doente, se afastou do governo, o número de vezes que a diplomacia e o sistema de inteligência americano "mataram" Fidel e o regime. Por que essa diferença de atitude?
Há uma diferença fundamental entre os países do Leste Europeu e Cuba. Naqueles países, inclusive na Alemanha Oriental, não houve uma revolução de independência nacional após a Segunda Guerra Mundial, mas sua submissão forçada ao imperialismo da União Soviética, enquanto, em Cuba, o imperialismo anterior e posterior à revolução foi sempre dos EUA, e a Revolução Cubana foi uma revolução de libertação nacional, que, depois, buscou se associar à União Soviética.
Isso faz uma imensa diferença, porque os europeus, ao se livrarem do comunismo, estavam se livrando também de uma potência imperial vizinha, enquanto os cubanos, se decidirem terminar sua experiência de socialismo real, provavelmente alienarão sua independência real aos Estados Unidos. A "democracia" significará o retorno ao poder das elites anticastristas de Miami.
Entretanto o fracasso do sistema comunista na Europa oriental, como o colapso da União Soviética, foi também um fracasso econômico. O sistema planejado revelou-se incapaz de coordenar com eficiência sistemas econômicos que já haviam ultrapassado o estágio da industrialização pesada e requeriam a criatividade e a inovação que só os mercados garantem. Conforme afirma Moniz Bandeira no final de seu livro sobre Cuba, "o que a Revolução Cubana promoveu, não obstante alguns dos seus feitos, como a melhoria dos níveis de saúde, baixando significativamente a mortalidade infantil, e a eliminação do analfabetismo, foi a socialização da pobreza".
Não será esse fato que levará também a experiência cubana ao fracasso? É possível. No momento, os cubanos estão apostando na via chinesa, ou seja, na abertura para o capitalismo antes da abertura para a democracia. Na China, a estratégia foi bem-sucedida; em Cuba, as condições são muito diferentes e as resistências ao aumento das desigualdades que essa opção representará são grandes, mas é preciso aguardar.
O que é certo é que os cubanos não querem novamente se subordinar aos EUA e às elites cubanas corruptas e autoritárias que os americanos apoiam. Querem o desenvolvimento econômico e a democracia e sabem que a dependência em relação ao vizinho não é o melhor caminho nessa direção. Será o chinês? Ou haverá uma alternativa de desenvolvimento independente, mas democrática? Apenas os próprios cubanos poderão responder a tais perguntas.
Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição".
Chávez ordena expropriação de rede supermercadista francesa no país
Governo fechou mais de mil lojas em uma semana por alta de preço
CARACAS. O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, afirmou ontem que vai expropriar a rede de hipermercados Exito, controlada pelo grupo francês Casino, por reincidência em especulação de preços. Desde segunda-feira passada, o governo venezuelano vem fechando temporariamente estabelecimentos comerciais que têm elevado preços "sem justificativa econômica". Mais de mil já foram fechados, segundo o último o informe divulgado no fim de semana.
- Até quando vamos permitir que uma multinacional venha aqui fazer isso? Ordeno que seja aberto um processo e espero a nova lei para iniciar a expropriação da rede Exito - disse Chávez em seu programa de rádio e televisão, "Alô Presidente".
Ele também ordenou a retomada do processo de expropriação do shopping Sambil La Candelaria.
Na sexta-feira passada, Chávez pedira à Assembleia Nacional para alterar a lei de proteção ao consumidor, de modo a expropriar lojas e mercados que remarquem o preço de seus produtos. As instalações passariam a ser usadas pela rede estatal de distribuição e venda no varejo Corporação de Mercados Socialistas (Comerso), que abarca desde restaurantes até concessionárias de veículos e oferece produtos a preços baixos.
- Isso (a rede Exito) tem que passar para a propriedade da nação. Isso pode ser perfeitamente da Comerso. Passará a ser da República e não há como voltar atrás - disse Chávez, segundo o jornal "El Universal".
Chávez já estatizou diversas empresas dos setores siderúrgico - como a Sidor -, elétrico, de comunicações, entre outros.
Quatro filiais da Exito foram punidas semana passada com fechamento por 24 horas pelo órgão de proteção ao consumidor, o Indepabis. O grupo colombiano Antioqueño detém fatia minoritária na rede. O Casino, acionista majoritário da Exito, é aqui no Brasil um dos donos do Pão de Açúcar.
Durante a primeira semana do Plano Nacional contra a Especulação do Indepabis, foram fechados 1.031 estabelecimentos comerciais, entre padarias, lojas de eletrodomésticos, mercados etc.
Em entrevista a seu ex-vice-presidente José Vicente Rangel, que tem um programa no canal Televen, Chávez minimizou a maxidesvalorização do bolívar, anunciada no dia 8. A entrevista foi reproduzida ontem pela France Presse.
- Ali (Rodríguez, ministro de Energia) comentou comigo sobre um analista que dizia que na Venezuela a moeda não foi desvalorizada e sim reavaliada, porque aqui os comerciantes estavam colocando os preços muito acima do dólar paralelo.
Ex-diretor do BC estima inflação em 45% este ano
Sexta-feira retrasada, Chávez anunciou a criação de duas cotações para o bolívar - uma para bens supérfluos (4,30 bolívares por dólar) e outra para bens essenciais (2,60). O anúncio representou a desvalorização de até 50% da moeda venezuelana que, desde 2005, era fixada em 2,15 bolívares por dólar.
Em entrevista ao "El Nacional", o ex-diretor do Banco Central da Venezuela Domingo Maza Zavala afirmou que a situação das estatais venezuelanas é deplorável e que a inflação no país, hoje em mais de 20% anuais, não ficará abaixo de 45% em 2010.
Luiz Carlos Mendonça de Barros : Estados Unidos e China: os principais atores em 2010
A economia mundial em 2010 estará fortemente influenciada pelo que acontecer nos Estados Unidos e na China. Uma recuperação, mesmo que anêmica, da economia americana será condição necessária para garantir certa estabilidade no crescimento do resto do mundo. Já a economia chinesa vai representar o motor que deve garantir um crescimento acelerado - entre 5 a 7% - nas economias emergentes como o Brasil. Por isso os analistas acompanham com extremo cuidado a divulgação dos dados econômicos desses dois países e os mercados reagem com volatilidade a eles.
Nos Estados Unidos estamos assistindo a uma recuperação importante na produção industrial e a uma estabilização medíocre do consumo das famílias. O mercado imobiliário, tanto o relacionado à casa própria como ao de comerciais, continua em ritmo de crise. Por essa razão o investimento nesses setores está deprimido e sem um horizonte de recuperação.
Do lado das empresas se aprofunda a divisão entre pequenas e médias unidades de um lado e os grandes conglomerados internacionais do outro. O primeiro grupo ainda sofre de maneira intensa com a retração do crédito bancário, que não deu nenhum sinal de estabilização. Não por outra razão, o indicador de confiança desses empresários - e que são responsáveis por 80% do emprego na maior economia do mundo - continua se deteriorando. Já do lado das grandes empresas a retração do crédito bancário foi compensada por um enorme volume de emissões de bônus, o que levou a posição de caixa dessas empresas a níveis recordes. Alguns esperam que com o aumento da visibilidade do futuro essas empresas iniciem um novo período de investimentos, principalmente os relacionados à atualização tecnológica.
A maior fonte de preocupação dos analistas continua a ser o mercado de trabalho que, em uma economia altamente dependente do consumo do cidadão, representa a chave para uma volta à normalidade. Espera-se que a partir da primavera o emprego comece a dar sinais inequívocos de recuperação, ainda que a uma velocidade insuficiente para reduzir o numero de desempregados.
Nesse cenário, a economia dos Estados Unidos deve crescer 3,5% na primeira metade do ano, mas há o risco de perder fôlego para 2% ao ano na última parte de 2010. Números medíocres para uma recuperação que se segue a uma contração tão importante como a que aconteceu, mas suficientes para permitir que o mundo emergente possa apresentar elevadas taxas de crescimento, puxado pela China.
Se a recuperação ainda que frágil da economia americana representa a condição necessária para que o crescimento médio da economia mundial volte ao nível de 4,5% a 5% ao ano, é o vigor da China que nos dará a condição suficiente para que isto ocorra. Em 2010, o PIB do país de Mao deve crescer acima de 10%, sendo que no primeiro semestre do ano poderemos ver uma taxa próxima aos 12%. Nessas condições a demanda chinesa por commodities e outros produtos industriais vai irrigar outras economias no mundo emergente - principalmente na Ásia - e mesmo no mundo desenvolvido via o canal de importação de bens de capital.
Se no caso americano os riscos ao cenário descrito acima estão na direção de uma economia mais fraca, para a China as dúvidas referem-se a um superaquecimento. Como a economia chinesa tem hoje uma dimensão suficiente para que a questão da inflação ultrapasse suas fronteiras e chegue a outras economias emergentes essa passa a ser uma preocupação relevante. Esse vazamento já aconteceu em 2007 e muito analistas - principalmente aqueles que gostam de cenários de ruptura - estão prevendo que se repita agora.
Embora reconheça os riscos de um crescimento excessivo na China, não me parece razoável temer a volta rápida da inflação a nível mundial. Em 2007 quando a demanda chinesa levou o petróleo e outras commodities às alturas, as nações do G-7 funcionavam a plena carga. Em 2010 e mesmo 2011 o crescimento no mundo desenvolvido será medíocre, não devendo provocar uma volta dos preços das matérias-primas aos níveis de 2007. A demanda ao nível global ainda está - dada a dimensão das economias do G-7 - bem
abaixo da verificada nos momentos que antecederam a crise de 2008.
Mas o superaquecimento da economia chinesa é um risco real pelas consequências que algum erro grave de gestão ao longo deste ano pode acarretar. O sistema econômico chinês é altamente dependente de medidas administrativas tomadas em vários níveis de governo em função de objetivos de médios e longos prazos. Os resultados dos últimos anos mostram uma grande capacidade de acerto. Mas estamos falando agora de desequilíbrios conjunturais de curto prazo e com maior grau de dificuldade para serem enfrentados com a utilização de régua e compasso.
Tomemos o exemplo do mercado imobiliário em algumas das grandes cidades do sul da China. O comportamento dos preços de casas e apartamentos naquelas regiões reflete claramente uma situação de bolha especulativa. Mas o que se esperar em uma situação de excesso de liquidez nos bancos e de juros extremamente baixos? A resposta simples para essa situação seria um aperto da situação monetária via juros ou compulsórios mais altos. Mas o governo teme que se isso for realizado como resposta ao que ocorre no mercado imobiliário pode agravar a situação das empresas exportadoras de produtos industriais que ainda estão fragilizadas.
Esse mesmo comportamento dúbio ocorre em relação à política cambial do governo. O correto seria uma valorização do Yuan para reduzir de maneira natural o excesso de dinamismo da economia e ajudar a política monetária. Mas isso poderia criar enormes dificuldades adicionais em setores exportadores que sofrem hoje com a redução da demanda americana por seus produtos. Esse estado de conflito entre o que fazer no nível macro e seus efeitos micro em certos setores pode levar a uma desestabilização da recuperação chinesa no segundo semestre do ano, com reflexos muito fortes no mundo emergente.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.
Cabral ficou 5 meses do mandato no exterior
DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Média de dias do governador fora do Brasil supera a do ex-presidente FHC; gastos com viagens passam de R$ 4,5 mi
Para governo, idas ao exterior promoveram novos negócios para o Estado; política de intervenções em favelas veio "importada" da Colômbia
Raphael Gomide
Da Sucursal do Rio
O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), passou 158 dias de seu mandato no exterior. Isso corresponde a mais de cinco meses e a 15% dos três anos que está à frente do Estado.
Em 2007, ao assumir o cargo, o governador atingiu o seu recorde, 61 dias -mais tempo fora do Brasil que o próprio presidente da República e aliado, Luiz Inácio Lula da Silva.
Nos dois anos seguintes, Cabral reduziu o ritmo e esteve menos presente no estrangeiro, porém sempre passou, na soma, mais de um mês e meio fora do país. Em 2008, foram 48 dias; no ano passado, 49.
A média do governador entre 2007 e 2009 é de 53 dias fora do país por ano, apenas seis dias inferior à de Lula, o presidente na história do Brasil que mais tempo passou no exterior. Lula esteve em viagens internacionais 412 dias de seus sete anos, em dois mandatos.
O governador, porém, supera com folga o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que viajou 347 dias de seus oito anos de gestão -43 dias por ano fora do Brasil. À época, FHC sofreu muitas criticas por esse motivo.
Em evento no Palácio Guanabara na semana passada, Cabral admitiu que viaja bastante, mas reafirmou que suas idas ao exterior são positivas para o Estado e que ele não deixará de fazê-las, em benefício do Rio.
"Viajo muito e vou continuar a viajar. Cada viagem é uma Copa [do Mundo], uma Olimpíada, é um projeto que a gente traz. A gente trabalha muito quando viaja", argumentou.
Mais Europa
Em suas andanças pelo mundo, Cabral conheceu países de ao menos três continentes, embora a predominância seja na Europa. Nas Américas, passou por Colômbia, Argentina e Estados Unidos; na Europa, visitou Inglaterra, França, Dinamarca, Portugal, Itália, Suíça, Alemanha, Grécia, Dinamarca e Turquia; na Ásia, visitou China, Cingapura, Japão e Coreia do Sul.
Nos primeiros nove meses de 2007, o chefe do Executivo fluminense ainda tirou duas férias de uma semana cada, para passeios internacionais particulares -foi a Saint Barth (ilha no Caribe) e a Paris.
Como símbolo da importância que Cabral dá às gestões no exterior, ele elevou o status da Coordenadoria de Assuntos Internacionais, que virou a Subsecretaria de Relações Internacionais, passando a integrar a Casa Civil.
A subsecretaria é dirigida pelo diplomata Ernesto Rubarth, do Itamaraty, que acompanha o governador no exterior.
Só em 2009, a gestão Sérgio Cabral gastou com diárias fora do país quase tanto quanto a antecessora Rosinha Matheus em todo o seu mandato (2003-2006).
As despesas do Estado com o pagamento de subsídios (hospedagem e alimentação) no estrangeiro para governador, secretários, funcionários e assessores somou quase R$ 4,5 milhões nos últimos três anos -R$ 2,3 milhões no ano passado, R$ 1,5 milhão em 2008 e mais R$ 735 mil em 2007 (valor corrigido).
O montante de gastos, no entanto, não inclui despesas com passagens aéreas.
Benefícios
De acordo com a assessoria do Estado, as viagens internacionais do governador e de outros membros do governo resultaram em inúmeros benefícios para o Rio. A principal conquista apontada como fruto dessas missões é ter o Rio como sede da Olimpíada de 2016.
A ida à Colômbia é citada como inspiração para a política de intervenções em favelas, com uso de teleférico, além de intercâmbio na área de segurança.
A assessoria destacou ainda que o Rio voltou a ser cortejado por grandes empresas. Citou o investimento de US$ 800 milhões feito pela Michelin para ampliação de fábrica de pneus, onde 20 mil novos postos de trabalho estão sendo criados.
Para o governo, até a possível vinda do trem-bala está relacionada às viagens de Cabral.