sábado, 24 de setembro de 2022

Marco Aurélio Nogueira* - Olhar para a frente

O Estado de S. Paulo

O sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações / Do mal será queimada a semente / O amor será eterno novamente. / É o juízo final / A história do bem e do mal. / Quero ter olhos para ver / A maldade desaparecer. (‘Juízo Final’, de Élcio Soares e Nelson Cavaquinho).

É hora de pensar no depois de amanhã, quando o jogo não será mais do palanque, das ideias simplistas, da recordação dos tempos felizes

Foi uma campanha curta. Pouco esclarecedora. Nenhum debate de ideias acendeu o interesse dos eleitores. Mobilizaram-se o simbólico e o afetivo: ganhar o emocional do eleitor, afastar rejeições, valorizar a fé, a paz e o amor, defender a família, ter esperança, repor a alegria. Houve mais memes e vídeos nas redes do que propostas. A polarização entre Lula e Bolsonaro ocupou o centro do palco. Não houve espaço para outras candidaturas crescerem.

Apesar disso, a campanha teve o que importa: decidir se o País seguirá com um governo que nos leva para o precipício ou se mudará de rota, reencontrando-se com a civilidade e a governança democrática.

A esta altura, faltando uma semana para as urnas, tudo indica que Lula será o próximo presidente da República. Isso acontecerá com ou sem segundo turno.

A maioria dos brasileiros está repudiando um presidente que, em quatro anos, nada apresentou de positivo. Bolsonaro conseguiu ser, simultaneamente, autoritário, insensível, incompetente, grosseiro, medíocre, racista e misógino. Passou uma patética imagem de governante. Não enfrentou a pandemia. Agrediu sistematicamente as mulheres. Desmontou a Educação. Atacou as universidades, os intelectuais, os artistas, os jornalistas. Flertou descaradamente com a violência. Instrumentalizou as Forças Armadas. Manteve-se em sintonia com esquemas sórdidos de corrupção. Confrontou o Judiciário. Envergonhou o País e dilapidou sua imagem internacional.

Carlos Alberto Sardenberg - O voto FH

O Globo

Ele está pedindo aos brasileiros que no primeiro turno votem em Lula, Simone ou Ciro; no segundo, se houver, Lula, sem dúvida

Em circunstâncias normais, Fernando Henrique Cardoso pediria voto para a chapa Simone Tebet (MDB) e Mara Gabrilli (PSDB). FH é simplesmente o maior nome da história do PSDB, como teórico e político, e as duas senadoras são pessoas de indiscutível valor.

Mas as circunstâncias são anormais. Começa que o PSDB é uma ave em extinção. Há candidaturas interessantes aqui e ali, mas distantes da social-democracia, a centro-esquerda que construiu boa parte das boas instituições atuais, a começar pela moeda.

A rigor, pode-se dizer que FH e seus velhos companheiros não se reconhecem mais nesse PSDB. Eles sempre foram mais à esquerda e não se conformaram, em 2018, com governadores eleitos na onda bolsonarista.

Mara Gabrilli não estava nessa onda, permanece tucana rara. Simone Tebet aparece como uma possível nova liderança numa centro-esquerda mais atualizada. Ambas merecem o voto de FH.

Mas a chapa não decolou. Inversamente, o bolsonarismo mostrou-se pior que as piores expectativas. É preciso derrotá-lo de maneira exemplar — eis um dos textos implícitos na nota de FH, escrita por companheiros mais próximos e divulgada no último dia 22. E quem pode aplicar essa derrota é Lula.

Eduardo Affonso – O voto utilitário

O Globo

O que o ex-presidente parece dizer é: ‘Me passa um Pix em branco para eu vencer no primeiro turno e depois da posse a gente conversa’

No grupo escolar (onde se cursava, nos anos 1960, o equivalente à primeira fase do ensino fundamental), as aulas de ciências se limitavam ao experimento de fazer germinar caroços de feijão em chumaços de algodão umedecido ou a observar cartazes que mostravam a metamorfose dos girinos em sapos. No material didático, os animais não eram classificados por ordem, família, gênero e espécie, mas em úteis ou nocivos.

Úteis eram aqueles que nos traziam proveito: a abelha que polinizava plantas, a galinha que botava ovos, a vaca que dava leite. Nocivos, o marimbondo, a aranha, a cobra, que envolviam picada, peçonha, perigo. Ao que tudo indica, o ecossistema ainda não tinha sido inventado.

Pablo Ortellado - ‘Marte Um’ é antídoto contra a cultura do ódio

O Globo

Filme argumenta que os choques de valores podem ser resolvidos com respeito

Se ainda estiver em cartaz na sua cidade, não deixe de assistir no cinema ao belo filme de Gabriel Martins “Marte Um”. Agora que caminhamos para a última semana da campanha eleitoral, essa narrativa terna sobre as dificuldades de uma família de classe média baixa pode ajudar a reacender a esperança na concórdia e no diálogo nestes tempos sombrios de polarização. Contém spoiler.

Num primeiro olhar, o filme parece apenas indiretamente político. Logo na primeira cena ouvimos pessoas ao fundo comemorando a vitória de Jair Bolsonaro e, numa cena passada alguns meses depois, uma TV ligada num refeitório anuncia a posse do atual presidente enquanto trabalhadores almoçam, desatentos ao noticiário. Nada sugere que os conflitos e desafios que a família protagonista atravessa possam ser explicados pela posse de Bolsonaro. Mas a maneira fraterna e compreensiva como ela resolve os seus antagonismos contrasta com a cultura do ódio que nos tem sido oferecida pela política.

 “Marte Um” apresenta, em tom realista, uma família negra que vive na periferia de Belo Horizonte. Cada um dos quatro integrantes enfrenta um conflito. A filha Eunice, estudante de Direito, quer sair de casa e assumir para a família a relação homoafetiva com a namorada, Joana, moça de classe média filha de pais liberais. O filho Deivinho se sente dividido entre, de um lado, a expectativa do pai de que seja jogador de futebol e, de outro, sua paixão pela ciência e o sonho impraticável de participar da missão Marte Um, que pretende colonizar o planeta.

A mãe, Tércia, é diarista e adquire distúrbios psicológicos após ser alvo de uma pegadinha num programa de TV. O pai, Wellington, trabalha como zelador num edifício de luxo e luta, de um lado, para manter a sobriedade vencendo o alcoolismo e, de outro, sustentar a família com um orçamento apertado.

Carlos Góes - O presidente antiliberal

O Globo

Os indicadores fiscais são, em boa medida, resultado do atraso de gastos para o futuro e do aumento de receitas com a alta da inflação

Esta semana, ouvi novamente a tese de que Bolsonaro seria a “alternativa liberal” nas vindouras eleições. Seja pelo histórico, seja por seu governo, nada poderia estar mais longe da verdade: Bolsonaro é um arquétipo de um presidente antiliberal.

Antes que o leitor questione, esclareço que uso aqui o termo liberal como aquele que defende as instituições das democracias de mercado: isto é, democracias representativas liberais na esfera política que sejam economias de mercado na esfera econômica.

Essa categoria abarca virtualmente todos os países que alcançaram um nível de desenvolvimento humano avançado. Não é surpreendente que assim o seja, já que há crescente evidência científica que indica que variações tanto no nível de democracia quanto em reformas pró-mercado, na média, impactam positivamente a renda de um país.

Ascânio Seleme - Os meses mais longos da história

O Globo

O que acontecerá depois da eleição?

A julgar pelas pesquisas Datafolha e Ipec, Lula será eleito presidente em outubro, no primeiro ou no segundo turno. Diante da vontade popular, expressa nas intenções de votos no petista e na rejeição a Bolsonaro, todos os caminhos levam a esta conclusão. O problema é o que acontecerá depois da eleição. Não falo do novo governo que começa com a posse do eleito. Este já se sabe que será de centro-esquerda, mais para o centro, como revelou esta semana o ex-governador do Piauí, Wellington Dias, um dos chefes da campanha de Lula. Me refiro aos dois ou três meses que vão separar a eleição da posse do novo presidente.

A questão a saber é quais sandices será capaz de cometer o presidente pato manco Jair Bolsonaro nos estertores de seu governo. Um golpe ele já não conseguirá mais impingir à nação. O país estará voltado para o presidente eleito; as forças políticas (os partidos e seus parlamentares e governadores eleitos) estarão gravitando em torno do novo líder; as instituições sairão fortalecidas do processo eleitoral; a sociedade civil, as entidades de classe e os empresários também se aglutinarão ao redor do presidente eleito. Mesmo as Forças Armadas, em que pese o papel vergonhoso exercido por alguns de seus generais nestes últimos dois anos de governo, deverão permanecer quietas e aquarteladas diante do resultado eleitoral inequívoco.

Alvaro Costa e Silva - O plano é fazer arruaça

Folha de S. Paulo

A única anormalidade que pode ocorrer nas eleições é não aceitar as regras do jogo

Ao aproveitar o funeral da rainha para fazer comício, Bolsonaro foi entrevistado na Inglaterra por uma emissora de TV aliada ao governo. Soltou o golpe de sempre: "Se nós não ganharmos no primeiro turno, algo de anormal aconteceu dentro do TSE". Parecia que estava no cercadinho do Alvorada, respondendo a perguntas previamente ensaiadas e pagas.

No Brasil, em almoço fechado com um grupo de empresários, o vice na chapa governista, general Braga Netto, foi na mesma toada. Segundo ele, Bolsonaro será reeleito em outubro. Como nenhum dos levantamentos de intenção de voto —nem mesmo os divulgados pelo Paraná Pesquisas, que recebeu dinheiro do Planalto e do PL— aponta essa possibilidade, deve ser uma informação adivinhada nos búzios ou documentada em papéis secretos da Agência Brasileira de Inteligência aos quais só o general Heleno teve acesso.

Cristina Serra - Bolsonaro e os gabinetes do crime

Folha de S. Paulo

Em livro, Juliana Dal Piva mostra tentáculos do esquema de Jair e de seus filhos

Em 30 anos de carreira parlamentar, Bolsonaro marcou seus mandatos pela mediocridade e pela capacidade fenomenal de multiplicar o patrimônio da família. No livro "O Negócio do Jair" (editora Zahar), a jornalista Juliana Dal Piva identifica o DNA e a extensão tentacular do esquema que transformou os gabinetes de Jair e de seus três filhos mais velhos em escritórios do crime.

Desde 2018 já se sabe das rachadinhas de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio. Mas com uma investigação obstinada e meticulosa, Dal Piva coloca Jair Bolsonaro na cena do crime, mostrando que os quatro gabinetes do clã, em três casas legislativas, eram uma coisa só e sob o comando do atual presidente.

Hélio Schwartsman - A matemática das abstenções

Folha de S. Paulo

Contingente grande de eleitores se recusa a votar em Bolsonaro

É perfeitamente compreensível que Lula não queira perder nenhum voto de eleitor disposto a sufragá-lo, mas devo confessar que me surpreende a veemência com a qual o petismo deflagrou campanha contra as abstenções no próximo dia 2 de outubro. E a razão de meu espanto é que as abstenções, isto é, o não comparecimento, assim como os votos nulos e brancos, o beneficiam.

No sistema eleitoral brasileiro, um candidato vence em primeiro turno se obtiver mais de 50% dos votos válidos. Abstenções, nulos e brancos, que passo a chamar de ANB, por reduzirem o universo de votos válidos, favorecem o postulante que estiver à frente na disputa e tenha alguma chance de chegar aos 50% —isto é, Lula. Só haveria risco para o petista se se imaginar que os ANB possam fazer com que Bolsonaro o ultrapasse, cenário altamente improvável.

Demétrio Magnoli - Matemática do analfabetismo

Folha de S. Paulo

Educação pública, desprezada na pandemia, não ocupa muito tempo de candidatos presidenciais

A sorte foi lançada em julho de 2020, quando um matemático decretou que "as aulas absolutamente não podem voltar em setembro" –e seu modelo apocalíptico alcançou as manchetes da imprensa profissional. A santa aliança política contra a reabertura escolar triunfou, deixando-nos a herança de uma geração de analfabetos. A prova encontra-se nos resultados do Saeb, que revelam apenas a ponta emersa da tragédia, como explica Maria Helena Castro.

A Unesco mantém registro detalhado sobre os fechamentos de escolas. As escolas brasileiras permaneceram total ou parcialmente fechadas por quase dois anos. É um triste recorde, compartilhado por raros países. Na Grécia e na Itália, as escolas fecharam por menos de um ano, um padrão para a Europa. Nos EUA, as escolas jamais fecharam totalmente. A alegação relativa ao impacto da pandemia não se sustenta. Temos, desde o início de 2020, 3.180 óbitos/milhão hab. Na Grécia, são 3.280; na Itália, 2.930; e nos EUA, 3.225.

João Gabriel de Lima* - O fantasma do fascismo na Itália

O Estado de S. Paulo

Integrantes do Fratelli d’italia evocam a palavra proibida com gestos que equivalem a gritos

Existem gestos e emblemas que saíram de uso pelas memórias que evocam. Um deles é a “saudação romana”: o braço esticado com a palma da mão para baixo marcou o regime nazista. O gesto chegou a ser proibido na Alemanha. Na Itália existe a “chama tricolor”, desenho em forma de pira com as cores da bandeira do país, criado pelos saudosistas de Benito Mussolini.

A imagem da chama tricolor acaba de retornar ao mainstream da vida política europeia. Ela está no logotipo do Fratelli d’italia – partido que, de acordo com as pesquisas, deve sair vitorioso nas eleições deste domingo, dia 25. Sua líder, Giorgia Meloni, é oriunda do movimento neofascista italiano. Caso se torne premiê, será a primeira vez que um político com origem no fascismo governa o país desde a morte de Mussolini, em 1945.

No Parlamento Europeu, o Fratelli d’italia faz parte de uma federação que abriga várias siglas radicais – entre elas, o Lei e Justiça da Polônia. No leste europeu, tais partidos vêm corroendo as instituições em democracias jovens. A União Europeia vê a provável eleição de Meloni como um teste para as democracias maduras do bloco ocidental.

“A principal preocupação da ciência política atual é a eleição de autocratas e a consequente deterioração da qualidade democrática”, diz Carlos Pereira, colunista do Estadão.

Bolívar Lamounier* - À espera de Dom Sebastião

O Estado de S. Paulo

Que ele volte, se assim o quiserem as urnas, mas volte mais sensato e responsável, sem o ranço populista que cultivou na juventude

Tendo revolucionado a navegação de longo alcance, Portugal construiu um formidável império, singrando os mares, como escreveu Camões, “ainda além da Taprobana” – ou seja, ainda além do atual Ceilão –, mas depois, em sua prolongada decadência, o país pôs-se a aguardar o retorno de seu jovem rei Dom Sebastião, recusando-se a crer que ele teria morrido em 1578, na batalha de Alcácer-quibir.

Essa é a origem do termo “sebastianismo”: a sofrida espera de um regresso que jamais ocorrerá.

Comparado com Dom Sebastião, Lula tem ao menos duas inegáveis vantagens. Uma, a de estar vivo: quanto a isso não há dúvida. E não perdeu – ao contrário, aprimorou – sua proverbial esperteza. Há até quem diga que o Lula de 2022 supera por larga margem o de 20 ou 30 anos atrás, porque agora consegue perceber, por exemplo, as oportunidades que grandes mudanças na ordem mundial poderão abrir para nosso país, tornando plausível a retomada do crescimento econômico em bases sustentáveis.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Lula ainda deve ao eleitor um plano econômico coerente

O Globo

Ele acena ao mercado financeiro e distribui agrados aos petistas fanáticos. Se vencer, ninguém sabe como governará

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, ainda deve ao país um plano econômico que faça sentido e justifique sua larga vantagem nas pesquisas de intenção de voto. Ao mesmo tempo que faz acenos ao centro e envia emissários ao mercado financeiro e ao setor produtivo, Lula continua a discursar como se falasse apenas a um grupo de petistas fanáticos. Que Lula governará? Aquele que escolheu Geraldo Alckmin como vice-presidente e posou para foto ao lado de Henrique Meirelles? Ou o que volta e meia torpedeia as reformas e privatizações? A oito dias da eleição, ninguém sabe.

As contradições dele na economia ficaram evidentes na última semana. No evento em que recebeu apoio de Meirelles, aplaudido pelo mercado, Lula soltou o seguinte absurdo sobre as agências reguladoras: “Na verdade, as agências foram criadas para que o empresariado tomasse conta do governo. Porque a indicação passa pelo Senado, e todo mundo sabe como é difícil uma indicação passar no Senado, se não tiver interesses que não são os nossos”. Num país que precisa da independência técnica das agências para regular mercados em benefício de todos, esse tipo de visão é um total contrassenso.

Poesia | Vinicius de Moraes - Dia da Criação (Porque hoje é sábado)

 

Música | Marisa Monte - A língua dos animais