terça-feira, 9 de junho de 2020

Opinião do dia – *Dias Toffoli

Não é mais possível atitudes dúbias. Eu tenho certeza que o presidente Jair Bolsonaro, em todo o relacionamento harmonioso que tenho com sua excelência, como tenho com seu governo e com o vice-presidente Hamilton Mourão, eles juraram defender a Constituição e são democratas, chegaram ao poder pela democracia e pelo voto popular, merecem o nosso respeito. Mas algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira. E hoje não mais só a sociedade, também a comunidade internacional das nações, também a economia internacional

Nós precisamos de paz institucional, nós precisamos de prudência, precisamos de união no combate a Covid e aos seus efeitos colaterais.

Críticas podem ser feitas, podem ter tramitação no Congresso Nacional propostas de alteração de composição, proposta de alteração de forma de condução, proposta de reestruturação do poder Judiciário. Isso faz parte do jogo democrático, faz parte da democracia, sendo feito através das emendas constitucionais adequadas. O que não tem cabimento são manifestações que são atentatórias ao estado democrático de direito, no sentido de se fechar o STF, de se demitir 11 ministros do Supremo e colocar o que no lugar? Fazer o quê? Trazer o que como solução?

*Dias Toffoli é presidente do Supremo Tribunal Feaderal (STF), O Globo, 9/6/2020

Novo ingrediente – Editorial | Folha de S. Paulo

Temerários na pandemia, protestos de rua agravam o isolamento de Bolsonaro

A despeito de passos iniciais promissores, os movimentos que procuram articular a sociedade contra os rompantes autoritários de Jair Bolsonaro ainda têm muito chão a percorrer. Assim o indicam os protestos realizados no domingo (7) em diversas cidades do país.

Se o objetivo era uma demonstração de força e coesão, os resultados são ambíguos. Começa-se, claro, pela decisão controversa —e sem dúvida temerária— de estimular pessoas a ocuparem as ruas em plena pandemia que não atingiu seu pico em território nacional.

Questionada abertamente por partidos de oposição, autoridades e entidades, a estratégia decerto mobilizou menos gente do que poderia em outras circunstâncias. Embora longe de desprezíveis, os contingentes visíveis nas capitais não se comparam, por exemplo, aos das manifestações em defesa da educação no ano passado.

Louve-se, de todo modo, a índole pacífica de praticamente todos os atos. Mal se pode listar como exceção o confronto de um pequeno grupo exaltado com a Polícia Militar na cidade de São Paulo, quando as vias já esvaziavam.

Hélio Schwartsman – Caindo pelas tabelas

- Folha de S. Paulo

Estripulia estatística é mais um crime de responsabilidade de Bolsonaro

O plano do governo federal de quebrar o termômetro em vez de atuar contra a Covid-19 é infantil e ineficaz. Mesmo que o Ministério da Saúde deixasse em definitivo de publicar os dados sobre a evolução da epidemia no país ou inventasse fórmulas para falseá-los, a sociedade não seria privada da informação real.

O Ministério da Saúde nunca foi o produtor original dos números. Ele só consolidava dados fornecidos pelas secretarias de Saúde, que, ao que tudo indica, continuarão a gerá-los. O trabalho de juntar tudo diariamente pode ser executado sem maiores problemas por uma infinidade de atores, públicos e privados.

Tudo o que Bolsonaro consegue com suas estripulias estatísticas é cometer mais um crime de responsabilidade para adicionar à longa lista dos já perpetrados e criar números fraudulentos que sua claque vai usar para seguir lutando contra a realidade.

*Cristina Serra - A hora do acerto de contas

- Folha de S. Paulo

Momento recomenda paciência, mas manifestações mostraram que as ruas não têm dono

A cena tem a força de um acerto de contas com a história, ainda que tardio. Neste domingo, em Bristol, na Inglaterra, a estátua de Edward Colston, um traficante de escravos que viveu no século 17, foi derrubada de seu pedestal por manifestantes e lançada para seu destino inglório, o fundo de um rio. O ato resumiu o sentimento antirracista que tem movido protestos em todo o planeta nas duas últimas semanas, em plena pandemia, desde o assassinato de George Floyd, nos Estados Unidos.

Aqui, o racismo à brasileira nos dá motivos de sobra para protestar. Bastaria o caso do menino Miguel Otávio, de 5 anos, no Recife, largado à própria sorte num elevador pela sinhá impaciente porque queria pintar as unhas.

O lema “Vidas negras importam” acabou encorpando a ânsia por protestos também aqui e fez muita gente sair de casa no fim de semana passado. Esse movimento pôs em relevo um debate que vem dividindo as oposições ao governo Bolsonaro. Ir ou não às ruas no momento em que a pandemia mata um brasileiro por minuto?

*Pablo Ortellado – Antifas

- Folha de S. Paulo

Presidente quer tratar como terrorismo identidade antiautoritária difusa

O bolsonarismo escolheu um novo adversário, os antifas, ou antifascistas. A escolha dos antifas como inimigos em parte é emprestada de Donald Trump, que prometeu enquadrá-los como uma organização terrorista; em parte atende à demanda local de encontrar uma ameaça nomeável que permita endurecer o regime —Bolsonaro esperava ter encontrado esse bode expiatório em 2019, quando havia a expectativa de que os protestos do Chile chegassem ao Brasil.

Antifa, contração de antifascista, é uma identidade e movimento com três ondas históricas com alguma continuidade entre elas. O primeiro antifascismo é o que resistiu e combateu o nazi-fascismo histórico nos anos 1930; o segundo é um movimento que nasce na interface entre a contracultura e a política nos anos 1980; o antifascismo atual é uma identidade difusa que se opõe a governos de extrema direita.

Uma das raízes da cultura antifa dos anos 1980 se encontra na organização de coletivos de autodefesa entre os autonomistas alemães para se proteger dos ataques violentos de grupos de extrema direita.

Foi nesse contexto que um dos símbolos do antifascismo histórico, as duas bandeiras vermelhas da Ação Antifascista, grupo ligado ao Partido Comunista Alemão, foi modificado para incluir uma bandeira preta e outra vermelha, simbolizando a coalizão antiautoritária entre o autonomismo marxista e o anarquismo.

*Joel Pinheiro da Fonseca - A verdade nos libertará de Bolsonaro

- Folha de S. Paulo

Presidente pode negar a realidade, mas as consequências seguirão batendo à sua porta

Não é primeira vez que Bolsonaro luta contra dados oficiais. Em abril do ano passado, criticou o IBGE pelos números do desemprego, prometendo mudanças na metodologia. Em agosto, demitiu o cientista Ricardo Galvão da direção do Inpe pelos números desastrosos do desmatamento da Amazônia (que, em 2020, aliás, só têm piorado).

Ainda não está claro o que motivou a mudança na divulgação dos dados de mortes por Covid-19 do Ministério da Saúde. Tudo indica, contudo, que foi o desejo expresso do presidente de que o número de mortes diárias não ultrapassasse mil que motivou a lambança vista nos últimos dias, com sérias consequências para a credibilidade do governo e do Brasil.

Não existe indicador perfeito. Toda coleta de dados está sujeita a falhas e todo número decorrente dela tem suas limitações enquanto representação da realidade. O importante é que o indicador mapeie minimamente bem o fenômeno estudado, que a metodologia seja transparente, o uso generalizado e que tenha consistência ao longo do tempo. Só assim podemos comparar diferentes países e o mesmo país ao longo do tempo.

Ricardo Noblat - A devota de Bolsonaro que fala com Deus e sabe como deter o vírus

- Blog do Noblat | Veja

À espera da revelação

Foi mais fácil para o presidente Jair Bolsonaro sumir com Fabrício Queiroz, seu amigo há mais de 40 anos, empregado por ele na Assembleia Legislativa do Rio para cuidar do então deputado estadual Flávio Bolsonaro, do que sumir com os números que contam a história do coronavírus no Brasil.

Ao dar-se conta, ontem, de que o ministro Alexandre de Moraes fora sorteado para analisar no Supremo Tribunal Federal ação apresentada por partidos que pedia a divulgação completa dos números que o governo passara a esconder, Bolsonaro liberou o Ministério da Saúde para dar marcha ré.

Antecipou-se, assim, em algumas horas à decisão do ministro favorável ao pedido dos partidos. O que ganhou Bolsonaro quando proibiu o ministério de revelar os verdadeiros números sobre a tragédia da pandemia? Nada, só perdeu. Piorou sua imagem no resto do mundo. Expôs o país ao descrédito internacional.

Era tão difícil imaginar que o resultado seria esse? Faltou alguém ao lado do presidente para aconselhá-lo a não atravessar a rua mais uma vez para pisar numa casca de banana? As coisas não funcionam desse modo no Palácio do Planalto ocupado por um ex-capitão impermeável a opiniões contrárias e generais obedientes.

Esquizofrênico por natureza, ditador por vocação, Bolsonaro, primeiro, construiu uma narrativa – a de que os governadores inflam o número de mortos pelo vírus para arrancar dinheiro do governo e, mais tarde, jogar a culpa nas costas dele. Em seguida, empurrou-a goela abaixo dos generais. Foi a parte mais fácil.

Ameaça de quebradeira de empresas exige agilidade – Editorial | Valor Econômico

Pedidos de recuperação judicial começaram a acelerar após a pandemia e saltaram 68,6% de abril para maio

Uma onda de quebradeira de empresas a partir do próximo mês é o que receiam especialistas em reestruturação de dívidas, birôs de crédito e bancos em consequência da persistência do fraco desempenho na economia. Depois de ter registrado queda de 1,5% no primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) continuou perdendo terreno nos meses seguintes, quando a pandemia do novo coronavírus se instalou por inteiro. Já se sabe que a indústria recuou 18,8% em abril em comparação com março, quando havia retrocedido 9%. Um exemplo das perdas pesadas é a área de veículos. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) revisou as previsões de vendas do ano de 9,4% de crescimento para um tombo de 40%.

Eram inevitáveis os reflexos na saúde das empresas. Geralmente, as reservas em caixa são suficientes para 60 dias e já se passou mais do que isso desde que a pandemia foi declarada, em 11 de março. Uma das consequências mais graves é o aumento dos pedidos de recuperação judicial e falências. Depois de terem caído 10,7% em 2019, os pedidos de recuperação judicial começaram a acelerar após a pandemia e saltaram 68,6% de abril para maio, segundo o birô de crédito Boa Vista. Já os pedidos de falência aumentaram 30% também de abril para maio.

Andrea Jubé - ”O PSDB não foi solidário”

- Valor Econômico

Prefeito cobra guinada do PSDB para a oposição

Segundo Nelson Rodrigues, em frase que atribuiu a Otto Lara Resende, “o mineiro só é solidário no câncer”. Parafraseando a dupla, em algumas situações, o político não será solidário nem no câncer.

Era maio de 2001, e o presidente Fernando Henrique Cardoso tentava barrar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar casos de corrupção em seu governo. Para isso, incumbiu o então líder do governo no Congresso, deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), de articular o cancelamento da sessão em que seria lido o requerimento de criação da CPI mista.

FHC precisava ganhar tempo para retirar as assinaturas de apoio à investigação. Segundo o Datafolha, 84% da população apoiava a instalação da CPI para apurar as denúncias do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). Mas o adiamento da sessão também implicou o cancelamento da homenagem ao governador de São Paulo, Mário Covas (1930-2001), ícone tucano, falecido havia dois meses por causa de um câncer - mal que aflige seu neto, o prefeito Bruno Covas (PSDB).

Virgílio ponderou que a homenagem deveria ser mantida, porque a CPI não iria prosperar, e a viúva de Covas, Dona Lila (1933-2020) havia se deslocado a Brasília exclusivamente para a sessão no Senado.

“A CPI não tinha fato determinado”, relembra Virgílio. “O requerimento tinha uns 22 itens, cada um ia lá e acrescentava um novo: o ACM colocou um item para investigar o [presidente do Senado] Jader Barbalho, o Jader colocou outro para investigar o ACM, eu coloquei um para investigar desvios do PT no FAT [Fundo de amparo ao Trabalhador], qualquer tribunal ia suspender uma maluquice daquelas, mas preferiram suspender a homenagem ao Covas”, lamentou o tucano à coluna, 19 anos depois.

Coragem moral – Editorial | O Estado de S. Paulo

Tivesse alguma coragem moral, o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, teria pedido demissão ao receber a ordem para esconder os números relativos à pandemia de covid-19. Ao permanecer no cargo e cumprir a absurda determinação, Pazuello não apenas colaborou para desmoralizar ainda mais o Ministério da Saúde, como danificou a imagem das Forças Armadas, já que é militar da ativa e apresentado pelo presidente Bolsonaro como um dos sustentáculos militares de seu governo. Se não é, deveria deixar isso claro.

Não é de hoje que o presidente Jair Bolsonaro vem colocando em dúvida o número de mortos na pandemia. Mais de uma vez, acusou os governadores de Estado, seus desafetos, de inflar as estatísticas para justificar a quarentena e, assim, criar uma crise com o objetivo de prejudicar o governo.

Foi necessário afastar dois titulares da Saúde para que Bolsonaro finalmente encontrasse um ministro subserviente o bastante para transformar essa teoria da conspiração em política de governo.

Em perfeita sintonia, o empresário Carlos Wizard, convidado para ocupar uma Secretaria no Ministério da Saúde, deu o tom da presepada ao dizer que os dados produzidos até aqui eram “fantasiosos ou manipulados” e que uma “equipe de inteligência militar” identificou sinais de fraude nas informações prestadas pelos Estados. Em resposta, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde divulgou nota em que diz que Wizard, “além de revelar sua profunda ignorância sobre o tema, insulta a memória de todas aquelas vítimas indefesas desta terrível pandemia e suas famílias”. Quando já estava claro que suas declarações prejudicariam a imagem de suas empresas, Wizard pediu desculpas e declinou do convite – mas a lembrança da ofensa que praticou será perene.

Unidos na defesa da democracia – Editorial | O Estado de S. Paulo

Nós todos estamos no mesmo barco, disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso

No domingo passado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) participou de um debate com Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede) sobre o atual cenário da democracia no País. Em que pesem as profundas diferenças políticas entre os participantes, o que se viu no programa do canal GloboNews foi um diálogo civilizado a respeito da necessidade de unir esforços na defesa da democracia. Se é alvissareira a disposição de deixar momentaneamente as diferenças de lado para proteger um bem maior, ela é também um sintoma da gravidade do momento atual, que exige maturidade e responsabilidade de todos, especialmente das lideranças políticas.

“Nós precisamos ter esperança. Ninguém projeta o futuro sem esperança. (...) Nós precisamos ter energia para descortinar um futuro melhor”, disse Fernando Henrique. “O que é esse futuro melhor vamos talvez discutir aqui e ali, depois. Mas temos de estar, pelo menos agora, unidos na ideia de que, sem liberdade, não se faz nada; sem que exista a regra de que a maioria possa prevalecer, não se faz nada. É muito importante que haja união. Não estou dizendo que nós não tenhamos diferenças. É que, diante de um risco maior, real, de escorregar num caminho que não nos convém, nós temos de estar juntos, nós temos de gritar juntos. (...) Nós todos estamos no mesmo barco, e esse barco pode ir a pique, se não mantivermos as condições de liberdade. Eu já vi isso ocorrer no Brasil, eu fui para o exílio, passei anos fora do Brasil.

Eliane Cantanhêde - Cortando as asinhas

- O Estado de S.Paulo

‘Grande problema’ não são atos pró-democracia, mas falta de governo, de estatísticas, de pudor

À deriva, o governo faz água por todo lado. O presidente Jair Bolsonaro continua fora de órbita, em outro planeta, Moro caiu, Mandetta foi demitido, Nelson Teich desistiu, Paulo Guedes sumiu, o Ministério da Saúde acabou e o da Economia submergiu, enquanto outras pastas pintam e bordam, sem rumo, sob aplausos do presidente. Ou o rumo é romper com a China, estorricar a Amazônia, prender ministros do Supremo e governadores? Uma situação melancólica, ou desesperadora.

Nem a exposição da reunião de 22 de abril, uma síntese do governo, que gerou ou alimentou investigações no Supremo, conteve Bolsonaro. Conforme o Estadão, foi ele quem deu, pessoalmente, a ordem para o Ministério da Saúde divulgar “menos de mil mortes por dia” e “acabar com matéria do Jornal Nacional”. Pois entrou plantão extraordinário na novela, o Congresso está criando uma central própria e Estadão, G1, O Globo, UOL, Folha e Extra fecharam parceria para prestar as informações que o governo sonega ou manipula.

O dr. Jair, epidemiologista, assumiu desde o início uma cruzada particular contra o isolamento social adotado no mundo todo. O dr. Jair, cientista, determinou o uso indiscriminado da cloroquina sem qualquer aval internacional ou nacional. Agora, o deus Jair decide quantos são os mortos do coronavírus. Danem-se os fatos e as mortes. O que importa é a versão do dr. Jair, o Messias Bolsonaro.

*Ana Carla Abrão - 'Ensaio sobre a cegueira'

- O Estado de S. Paulo

A história tem inúmeros casos em que mudar os fatos foi uma saída vergonhosa

O isolamento imposto pela pandemia da covid-19 tem motivado várias reflexões. Numa dimensão individual, a necessidade de distanciamento físico nos obrigou a reorganizar os métodos de trabalho, trouxe as famílias de volta ao convívio e nos provocou no sentido de rever prioridades. Nesse processo, muitos resgataram uma leitura (ou quem sabe várias) relacionada a alguma grande peste que assolou o mundo – na realidade ou na ficção. Relemos Gabriel Garcia Marques, Albert Camus, José Saramago e tantos outros.

No cinema, revimos O Sétimo Selo ou, para os que são mais novos, Contágio ou algum outro filme que nos remeta a essa situação inesperada e surreal que vivenciamos hoje. Mas nem mesmo as obras mais perturbadoras conseguem refletir a nossa atual situação, que teima diariamente em ir além de várias dessas trágicas descrições ficcionais.

Nossas mazelas são maiores e mais profundas e se expõem agora como nunca. A primeira delas se refere à nossa inaceitável condição social, onde a desigualdade de renda se escancara na assimetria dos impactos econômico, social e de saúde a depender da classe de renda. Isso gerou, felizmente, uma mobilização filantrópica sem precedentes da sociedade civil e questionamentos sobre a eficácia da nossa rede de proteção social. Esperemos que também se reflita em foco naquele que é o nosso principal problema estrutural e ganhe prioridade na elaboração de políticas públicas – e não só as de complementação de renda.

*Rubens Barbosa - A Amazônia em tempos de globalização

- O Estado de S.Paulo

Em ambiente e clima, o Brasil perdeu a voz e a visibilidade no mundo que teve desde a Rio-92

Destravando a Agenda da Bioeconomia na Amazônia foi tema do encontro live organizado pelo Instituto Escolhas e pelo Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), na semana passada. Tivemos a oportunidade de tratar da questão da bioeconomia e da proteção da Floresta Amazônica como fator de projeção do Brasil no cenário internacional. Questões mais que nunca atuais e relevantes em vista da percepção externa do País extremamente negativa.

É indubitável que o meio ambiente entrou definitivamente na agenda global e um dos focos principais é a preservação da Floresta Amazônica. As imagens relacionadas a desmatamento, queimadas e garimpo ilegal na Amazônia em 2019 ganharam repercussão mundial. A retórica e algumas medidas e políticas governamentais contribuíram para a escalada da opinião pública internacional contra o Brasil, agravada agora pela maneira como é vista a condução das políticas em relação à pandemia e à confrontação política interna.

As preocupações com a preservação do meio ambiente e com a mudança do clima passaram a ter um impacto que vai além das sanções políticas, como no passado. Agora, com a entrada em cena da figura do consumidor e com a inclusão de políticas ambientais nas negociações de acordos comerciais, as consequências são econômicas e comerciais. Atraem restrições às exportações, boicotes e a inclusão de cláusulas específicas de desenvolvimento sustentável nos acordos comerciais, como ocorreu nas negociações do Mercosul com a União Europeia (UE). E Parlamentos europeus já estão votando moções contra o acordo com o Mercosul. O plano de recuperação da UE, depois da covid-19, inclui uma política industrial e uma política ambiental (Green Deal), que preveem punição a empresas que importarem produtos provenientes de áreas de desmatamento florestal.

*Gaudêncio Torquato - Uma nota acima do tom

- O Estado de S. Paulo

Basta apurar os sentidos para perceber que há uma nota acima do tom na orquestração da política. O presidente da República tem se comportado como um incontrolável rebelde no uso da liturgia da expressão. Todos os dias recita substantivos ácidos e adjetivos ferinos para animar suas galeras e atacar adversários. Magistrados, de alto coturno, incluindo os que carregam grande bagagem no acervo do Direito, extravasam a linguagem peculiar dos juízes, abrindo polêmica na frente institucional. Dos políticos, então, tanto dos bastiões de defesa do governo quanto das hostes de oposição, o tiroteio do palanque virtual não arrefeceu como seria de esperar nesses tempos de encolhimento pandêmico.

A conclusão a que se pode chegar sinaliza para uma sobrecarga de energia acumulada, como se o alvo dos tiros não fosse a danada da covid-19 e sim os interlocutores e protagonistas que agem nas esferas das nossas instituições. Até os generais que, em tempos idos, sob o escudo da hierarquia e da disciplina, eram comedidos no uso do verbo, extrapolam os limites de sua linguagem. É razoável pensar que esses comportamentos venham a oxigenar nossa democracia ante a hipótese de que o franco debate desperta a sociedade, mas há uma questão de fundo a balizar o jogo das ideias. Povoam a paisagem temas como intervenção militar, golpe, impeachment, rebelião social, entre outros. Há de se ter cuidado com a banalização de escopos desse teor.

*Michel Temer - Democracia e manifestações de rua

- O Estado de S. Paulo

A manifestação contra o governo ou a seu favor deriva do ‘pluralismo político’. É exercício democrárico

Logo de saída, no artigo 1.º da Constituição Federal, o Brasil é definido como “Estado Democrático de Direito”. Esta dicção tem especial significado. É que na ciência política Estado Democrático e Estado de Direito se equivalem. Aliás, quando se abandonou o Estado Absolutista, surgiu o Estado de Direito. Por que faço esta afirmação? Precisamente para revelar a ênfase na democracia.

Saímos, em 5 de outubro de 1988, data da nova Constituição, de um sistema centralizador e autoritário. Quisemos, e demos, relevo à democracia, que, com licença para a obviedade, significa “governo do povo”. Daí termos usado a expressão que abre a Constituição Federal logo no seu primeiro artigo.

Impõe-se verificar quais são os desdobramentos desse dispositivo para verificar se efetivamente vive-se na democracia.

De logo se registra que o inciso V do mesmo artigo 1.º sustenta que um dos fundamentos do Estado é “o pluralismo político”. Portanto, a pluralidade de opiniões é marca do nosso sistema, já que política (do grego polis) é a arte de governar. Plural, como é, enseja o debate de opiniões. De ideias e posições programáticas. E, naturalmente, de manifestações.

De onde vem o direito à manifestação? Do artigo 5.º, inciso XVI, que preceitua “todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

Projeto é chance para conter as fake News – Editorial | O Globo

Proposta que tramita no Senado pode levar redes a erguer barreiras contra as usinas de notícias falsas

Enquanto a epidemia continua a sua evolução, e a crise político-institucional se desdobra, o Senado pode votar em breve projeto de lei sobre as fake news, uma necessária iniciativa do Legislativo para dar transparência ao mundo opaco da geração e circulação de informações, presentes no combate à Covid-19, com a disseminação de mentiras, e também sendo usadas como arma, da mesma forma, na crise política. O assunto é, portanto, de grande importância.

De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o projeto, sob a relatoria de Ângelo Coronel (PSD-BA), além de visar a iluminar a trajetória que notícias percorrem até invadirem computadores, telefones, tablets, o que seja, pretende estabelecer a responsabilização das redes, ou plataformas digitais, que difundem fatos inverídicos e também são usadas para outros delitos.

Este é um terreno movediço, porque tem a ver com a liberdade de expressão, erroneamente interpretada como licença para mentir, caluniar. Um grande equívoco, porque são crimes. Mas, ao se buscarem fórmulas que impeçam e punam a circulação de fake news, não se pode delegar às plataformas digitais o poder de censurar conteúdos que trafegam em suas redes. Porém, essas empresas precisam ser contidas dentro dos limites usuais da liberdade de circulação de notícias e análises, que são o veto ao triunvirato da injúria, calúnia e difamação, com suas inúmeras correlações.

O projeto dá oportunidade ao legislador brasileiro de avançar no campo cada vez mais amplo da comunicação digital em que robôs se fazem passar por internautas, contas de fantasmas ajudam a multiplicar o número de “seguidores” de quem puder pagar e também servem para engrossar qualquer tipo de campanha contra pessoas e instituições. É por investigar uma conspiração digital dessas que um inquérito conduzido no Supremo pelo ministro Alexandre de Moraes tanto preocupa a família Bolsonaro.

Um Ministério da Saúde à deriva em fase crítica da epidemia – Editorial | O Globo

Esvaziada e inerte, pasta tenta, inutilmente, ocultar números sobre a pandemia de Covid-19

Seria um equívoco dizer que a responsabilidade pelo descalabro na Saúde durante a mais letal pandemia em cem anos é apenas do governo federal, já que as ações de combate à Covid-19 são compartilhadas entre União, estados e municípios. Ademais, governadores e prefeitos têm autonomia para decretar medidas de restrição, a despeito da oposição do presidente Jair Bolsonaro. Mas ao Ministério da Saúde cabe — ou deveria caber — a condução do processo.

Se é verdade que em algum momento o ministério chegou a ter protagonismo no combate à Covid-19, hoje é mero coadjuvante, quase um observador, enquanto o Brasil, que já soma mais de 37 mil mortos, caminha para se tornar o segundo país com maior número de óbitos. A tragédia que se amplia a cada minuto, tempo em que um brasileiro morre de Covid-19, transformou o país numa espécie de pária internacional. Chegou-se ao ponto de o presidente Donald Trump, dos EUA, que concentram maior número de mortes no planeta, citar o Brasil como mau exemplo.

Merval Pereira - Cada um conta

- O Globo

Brigar com os números é uma tendência de todo governo autoritário ou populista, controlar a narrativa também

Seria uma grande notícia se o presidente Bolsonaro tivesse tomado a decisão de que não aceita mil mortes todos os dias, em consequência da Covid-19 e, ordenasse uma reunião de emergência para analisar que medidas teriam que ser tomadas na área da Saúde para evitar que esse número trágico se repetisse.

Sim, ele decidiu que não queria mais ver o anúncio de mais de mil mortos por dia, ou um morto por minuto. Mas não tomou medidas na área sanitária. Simplesmente decidiu maquiar as estatísticas para nunca mais ouvir o Papa Francisco lamentar no Angelus o fato “terrível” de morrerem mil pessoas por dia no Brasil.

Brigar com os números é uma tendência de todo governo autoritário ou populista, controlar a narrativa também. Stálin mandava apagar das fotos seus antigos aliados caídos em desgraça. O mais incrível é que o governo tem um ponto importante nessa discussão.

Se o número de mortes em 24 horas inclui as mortes ocorridas anteriormente, cujo diagnóstico de Covid-19 só agora foi confirmado, o total de mortes diárias está distorcido, embora o que importa, a soma total de mortos não mude. Se houvesse a separação das mortes nas 24 horas, e as confirmadas entre as que estavam na fila de suposição, a informação seria também correta, e a estatística mais esclarecedora.

Míriam Leitão- O crime da desinformação

- O Globo

Ao tentar brigar com números da pandemia, tudo o que o governo conseguiu foi mais desgaste e exposição negativa

Quando os absurdos se tornam frequentes, o risco é perdermos a noção da gravidade. Sonegar informações de mortos e contaminados numa pandemia é crime. Tudo o que o governo Bolsonaro já fez nos últimos dias no Ministério da Saúde — tirar site do ar, divulgar números conflitantes, acusar governos estaduais de superfaturar a morte, desinformar deliberadamente — é abuso de autoridade. É também inútil. Os órgãos de imprensa anunciaram uma parceria inédita, e o Congresso, uma comissão mista especial de acompanhamento do coronavírus. No final do dia, o governo ensaiou um recuo, mas ainda deixou muitas dúvidas no ar. Divulgou dados incompletos, com menos mortes e casos em relação ao que foi apurado pelo consórcio dos jornais.

Democracia busca sempre maior transparência. Ditaduras escondem informações, brigam com os números, quebram termômetros, ameaçam quem informa, mudam metodologias para ver se conseguem fazer os dados corresponderem à versão que lhes convém. Numa pandemia, a falta de informação desorienta pessoas e administradores públicos e pode levar a decisões temerárias.

Numa crise, a comunicação confiável é uma arma poderosa na mão de governantes esclarecidos para ajudar na solução. É parte do tratamento. O Ministério de Saúde comandado por Luiz Henrique Mandetta entendeu isso. Aquelas entrevistas diárias ajudavam a esclarecer e informar. No início da pandemia, com tanto desconhecimento sobre o assunto, foi fundamental e sem dúvida salvou vidas por transmitir o senso de urgência e gravidade. No curto período Nelson Teich, a comunicação ficou mais opaca e o Ministério da Saúde se enfraqueceu. No interinato do general Pazuello, o Ministério da Saúde está sendo desmontado. A briga com os números é parte dessa conspiração.

Bernardo Mello Franco - Bolsonaro virou refém da gripezinha

- O Globo

Ao sonegar dados sobre a pandemia, Bolsonaro atenta contra a saúde pública e repete dois crimes da ditadura: a censura e a ocultação de cadáveres

Quase todos os líderes mundiais viram sua popularidade crescer na pandemia. Jair Bolsonaro viu a sua derreter, e agora virou refém da armadilha que montou para si.

O presidente sempre negou a gravidade da Covid-19. Chamou a doença de “gripezinha”, debochou das medidas sanitárias, comprou briga com prefeitos e governadores. Em março, ele garantiu que o país não ultrapassaria as 800 mortes. Com a conta se aproximando de 40 mil, passou a manipular as estatísticas oficiais.

No domingo, o Ministério da Saúde anunciou o registro de 1.382 óbitos em 24 horas. Pouco depois, o número encolheu para 525. Em uma hora e meia, sumiram 857 vítimas. Bolsonaro escancarou o motivo da maquiagem. Por ordem sua, a pasta começou a atrasar os boletins para esconder as mortes dos telejornais.

Ao sonegar informações, o presidente atenta contra a saúde pública e repete dois crimes da ditadura: a censura e a ocultação de cadáveres. Nos anos 70, o regime militar tentou esconder uma epidemia de meningite. Não funcionou na época e não tem chance de funcionar agora, na era da comunicação instantânea.

Carlos Andreazza - Pedaladas funerárias

- O Globo

Temos um governo que, oficial e criminosamente, descaracteriza números de doentes e mortos pela peste, prática fascistoide que compõe a gramática golpista

Não deveria haver gente protestando nas ruas. Há uma pandemia; a sanha de um vírus traiçoeiro. Há também, no entanto, o vírus do bolsonarismo; a forma agressiva como, explorando a janela de oportunidades escancarada pelo enfrentamento à Covid-19, Jair Bolsonaro e seu projeto autocrático de poder aceleram o programa de radicalização para infeccionar a democracia liberal. Crise é chance. Crise é pretexto.

Agora, por exemplo, temos um governo que, oficial e criminosamente, descaracteriza números de doentes e mortos pela peste — prática fascistoide que compõe a gramática golpista. A ideia: que não haja fatos; que tudo seja controvérsia e sirva a formulações conspirativas. É a peste dentro da peste. As pestes dentro da peste. Uma delas: um militar, general, à frente do Ministério da Saúde, prestando-se ao papel de ser cavalo da vontade do presidente — que sobre toda a superfície do Estado tenta expandir a natureza meramente narrativa do fenômeno reacionário que encarna.

O que interessa: em campanha contínua, fabricar constantemente inimigos. A lógica é simples e influente. Como o establishment, sinônimo de “forças nada ocultas”, trabalharia para derrubar Bolsonaro, tudo quanto originário do sistema — da própria estrutura republicana — teria o fim de destruí-lo. Por exemplo, a consolidação e a exposição dos números de vítimas da Covid-19: ação para desestabilizá-lo.

José Casado - Bolsonaro dá caixão e enterro

- O Globo

Governos em realidade paralela são casos clássicos na política

Jair Bolsonaro resolveu torturar estatísticas sobre as mortes de brasileiros pela Covid-19 até que confessem só uma “gripezinha”. Liquida a própria credibilidade, pois se não é possível confiar nos dados oficiais sobre a vida e a morte, por que se deveria acreditar nos números da economia?

Governos em realidade paralela são casos clássicos na política.

George III, rei da Inglaterra, derrotou Napoleão e impôs a hegemonia britânica. No 4 de julho de 1776, registrou em diário: “Nada de importante aconteceu”. Nada, só a declaração de independência dos EUA. Morreu cego, surdo e louco, depois de falar horas sem parar aos cortesãos — a reunião ministerial da época.

Luis XVI, marido de Maria Antonieta, era obcecado pela morte. Também anotou um “nada aconteceu” no 11 de julho de 1789, ao demitir o ministro da Fazenda, Jacques Necker, fiador da estabilidade do reino. Três dias depois deu-se a Revolução Francesa. Ele perdeu a cabeça, literalmente.

A psicopatia de Bolsonaro com mortes merece estudo, mas obedece a uma lógica peculiar de luta pelo poder. Ele nega porque não admite seu desgoverno na pandemia.

Banco Mundial prevê queda de 8% da economia brasileira em 2020

Instituição projeta que PIB global encolherá 5,2%. Expectativa é de retomada parcial em 2021, mas processo pode ser mais lento se pandemia não perder força até o fim do ano

Marcello Corrêa e Bruno Rosa | O Globo

BRASÍLIA E RIO - A crise do coronavírus deve fazer a economia brasileira encolher mais que o esperado pelo governo e por analistas do mercado financeiro, de acordo com projeções do Banco Mundial. Nas contas do organismo internacional, o país amargará uma recessão de 8% neste ano, a pior da série histórica. A retração é mais que o triplo da queda de 2,5% esperada para o grupo de nações emergentes.

A entidade estima ainda que a recuperação do Brasil será tímida, com crescimento de 2,2% no ano que vem, bem abaixo da alta de 4,2% prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) global. E a saída da recessão pode ser ainda mais vagarosa, caso os efeitos da pandemia sejam mais longos e a agenda de reformas não avance, alerta a instituição.

As estimativas fazem parte do relatório “Perspectivas econômicas globais”, divulgado ontem. O estudo revela um cenário mais grave do que o traçado até agora por outras fontes. No Boletim Focus, do Banco Central, economistas projetam que o PIB brasileiro registre queda de 6,48%.

Em abril, a entidade havia divulgado outro estudo em que previa retração de 5% para o PIB do país.

Também em abril, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou uma queda de 5,3% da economia brasileira. A mais recente projeção do governo, de maio, indica resultado negativo de 4,7% para este ano.

Música | Paulinho da Viola - É difícil viver assim

Poesia | Vinicius de Moraes - Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…